Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— Acho. Tem razão. Mas a reencarnação me parece alguma coisa ainda mais fantasiosa.

— Por quê? Eu acho até muito natural. Para mim é a forma de con­ciliar a bondade de Deus com os problemas do dia-a-dia. Você sabe, crianças que nascem doentes, com defeitos físicos, a desigualdade so­cial, etc. Os reencarnacionistas explicam que elas tiveram atitudes ne­gativas em outras vidas, lesaram seu equilíbrio espiritual, por isso não con­seguiram nascer com um corpo saudável. Que nós não nos lembramos do passado para ter maior liberdade nesta vida, mas que os relacionamen­tos mal resolvidos voltam a nós para nos dar oportunidade de solucio­nar nossos problemas.

— Você está querendo dizer que eu teria conhecido Alberto em outra vida?

— É o que parece.

— Por que ele me acusa?

— Não sei. Vocês podem ter tido um relacionamento problemáti­co. Por isso você não se sente muito à vontade com ele.

Daniel passou a mão pelos cabelos pensativo. O que Rubens dizia parecia-lhe fantástico. Entretanto, apesar disso, algo dentro dele sentia que era plausível.

— Supondo que essa fantástica hipótese seja verdade, seria aconse­lhável eu me envolver com ele?

— Como é que foi o sonho?

Daniel contou tudo, com todos os detalhes, e terminou: , — Acordei com uma voz de mulher repetindo: "Por que quer recu­sar a oportunidade que custou tanto a.conseguir? Aceite o caso de Alber­to". Sua voz era tão forte que mesmo depois de haver acordado ainda soa­va em meus ouvidos. Foi depois disso que resolvi aceitar o caso.

— Fez muito bem. Como dizia Shakespeare: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia". O que aconteceu com você foi muito interessante. Se quiser, poderemos conversar com Julinho. Ele é um estudioso do assunte. Costuma freqüentar algumas sessões espíritas na casa do Dr. Bittencourt Sampaio.

— Não quero nada com essas coisas. Já estou desafiando a famí­lia na profissão. Já pensou se meus pais sabem que estou indo a sessões de espiritismo?

Rubens deu uma gargalhada.

— Iriam dizer que estou levando você para o mau caminho. Eu sou a "ovelha negra", lembra-se? Mas eu não me importo. Eles podem dizer o que quiser. Você é quem sabe. Poderemos pelo menos conversar com Julinho. Tenho certeza de que ele vai poder explicar isso muito melhor do que eu.

— Seja como for, por enquanto não quero mexer nisso. Quanto ao caso de Alberto, por onde devemos começar?

— Vou fazer a procuração para ele assinar. Depois, vamos estudar me­lhor as provas que ele tem. Ao mesmo tempo seria bom fazermos algumas pesquisas, tentar conversar com as pessoas envolvidas.

— Não acho viável procurarmos D. Maria Júlia, pelo menos por enquanto.

— Não me referi à parte contrária. Antes vou chamar Alberto e dar

os primeiros passos.

— Está certo. Vou para minha sala. Qualquer coisa, avise-me.

Rubens telefonou para Alberto e marcaram uma reunião para a tar­de do mesmo dia. Ele foi pontual. O relógio estava marcando catorze ho­ras quando ele entrou no escritório, sobraçando volumoso pacote.

Reunidos na sala de Rubens, depois de Alberto haver assinado a pro­curação para que eles cuidassem de seu caso, os três começaram a trabalhar.

Alberto abriu o pacote com todas as provas que possuía. Os dois ad­vogados examinaram tudo detalhadamente. As peças de roupas com as quais ele fora internado no colégio, seus documentos de identidade, a carta da diretora da escola, a corrente com a medalha na qual havia as iniciais. De­pois Rubens aconselhou:

— Vamos personalizar isso, catalogar tudo e guardar no cofre. São as únicas provas que temos.

— Tive uma idéia — disse Daniel. — Ocorreu-me que essas roupas são muito finas e de boa qualidade. Se descobríssemos onde foram com­pradas, talvez conseguíssemos uma boa pista. Um registro qualquer, uma nota sobre quem as comprou.

— A idéia é boa, eu já havia pensado — interveio Alberto. — En­tretanto isso foi há muito tempo. Não consegui descobrir nada.

— Não custa tentar de novo — disse Daniel. — Não sei por quê, mas algo me diz que devemos tentar.

Rubens olhou-o surpreendido, mas limitou-se a dizer:

— Tudo bem. Faremos isso.

Chamaram a secretária e Rubens disse taxativo:

— Elza, você vai anotar tudo que ouvir aqui. Mas desde já quero que nos prometa solenemente que não dirá nada a ninguém do que escu­tar. Esse caso é muito importante e o sigilo tem que ser absoluto.

— Sim, senhor.

— Se eu souber que uma palavra deste assunto saiu daqui, você será imediatamente despedida. Estou sendo claro?

— Sim, senhor.

— Ainda assim quer ficar? Precisamos muito de sua colaboração, mas, se não quiser, faremos nós mesmos as anotações. Se concordar em fi­car, terá que guardar segredo.

— Dr. Rubens, sou discreta por natureza. Se me permitir colaborar, garanto que não terá nenhum motivo para se arrepender. Sinto-me hon­rada com sua confiança. Pode contar comigo.

— Muito bem. Não vai se arrepender de cooperar. Apanhe seu ca­derno de anotações e volte aqui.

Quando a viu instalada na sala, pronta para começar, Rubens pediu:

— Agora, Alberto, você vai contar toda a história novamente, nos mínimos detalhes. Faça devagar, não importa o tempo que vai de­morar. Se precisar, continuaremos amanhã. E preciso registrar tudo que se lembrar.

Ele concordou e começou a contar. Elza era boa estenógrafa e rapi­damente ia anotando tudo quanto ele dizia. Fizeram pequeno intervalo de quinze minutos para um café e depois recomeçaram. Eram cinco e meia quando Rubens interveio.

— Hoje paramos por aqui. Você volta amanhã à tarde, no mesmo

horário. De manhã Elza vai datilografar tudo e vamos rever o que foi fei­to e continuar o que falta. Pode ir, Elza.

Ela se levantou e saiu. Estavam tomando café quando Lanira en­fiou a cabeça pela porta. Vendo Alberto, não entrou. Rubens viu-a e foi buscá-la.

— Entre, Lanira. Nós terminamos por hoje.

Ela entrou e ele a apresentou a Alberto. Cumprimentaram-se for­malmente. Daniel abraçou-a com carinho:

— Que bom que você veio, Lanira — disse. — Pensei que houves­se esquecido.

— De forma alguma. Não havíamos combinado?

— É verdade. Alberto levantou-se:

— Se não precisam mais de mim, vou embora.

— Está bem. Amanhã às duas. Ele concordou com a cabeça.

— Combinado. Tenham uma boa tarde. Muito prazer, senhorita. Curvou-se ligeiramente diante dela e saiu. Lanira acompanhou-o

com os olhos até que desaparecesse. Daniel inquietou-se:

— Ainda bem que ele já se foi.

— Você vai ter que se acostumar com a presença dele. Principalmen­te no começo, vamos ter que arrancar dele tudo que puder se lembrar.

Lanira estava absorta e Rubens considerou:

— Você parece pensativa. Aconteceu alguma coisa? Ela sorriu alegre, depois respondeu:

— Nada. Por alguns instantes tive a sensação de conhecer aquele ho­mem que estava aqui. Como se chama mesmo?

— Alberto. É nosso novo cliente—disse Rubens interessado. — Você o conhece de algum lugar?

Ela hesitou por alguns segundos:

— Não. Acho que não.

— Mas você teve a sensação de conhecê-lo — tornou Rubens.

— Tive. Seu rosto me é muito familiar. Mas não me recordo de havê-lo conhecido. Deve ser parecido com alguém de nossas relações. Essas coi­sas acontecem.

Rubens olhou para Daniel e não disse nada. Daniel também não co­mentou o assunto. Tornou simplesmente:

— Nós combinamos de tomar um lanche e de ir ao cinema. Há um musical que estamos querendo ver. Você quer vir conosco?

— Quero, sim. Hoje tomamos uma decisão importante, trabalhamos o dia inteiro. Precisamos mesmo de distração.

— A sessão começa às oito. Temos bastante tempo. Que tal um lan­che na Colombo? — propôs Lanira.

Os dois concordaram com prazer. Lanira apanhou uma revista enquan­to eles ultimavam o trabalho do dia e se arrumavam para o passeio.

Nos dias que se seguiram eles continuaram tomando as declarações de Alberto, confrontando os dados. Antes de tomar alguma deliberação prática, eles queriam conhecer tudo nos mínimos detalhes, examinar to­das as possibilidades, procurar novas pistas que pudessem servir de ponto de partida para as reivindicações que desejavam fazer.

Todo cuidado era pouco, uma vez que o Dr. Camargo era pessoa in­fluente e certamente se cercaria dos melhores e mais astutos advogados do Rio de Janeiro para questionar a ação.

Depois que conseguiram de Alberto tudo quanto ele podia se lem­brar, os dois passaram a esquematizar um plano de ação.

— Temos a faca e o queijo na mão para investigar — disse Rubinho a certa altura.

— Você acha? Não está sendo otimista demais?

— Não. Estive pensando. Nós somos membros da sociedade. Nos­sas famílias freqüentam a casa do Dr. Camargo. Até que ponto eles se lembram de fatos que poderiam nos ajudar?

— Isso até pode ser verdade. Mas como descobrir sem despertar sus­peitas? Se eles souberem o que pretendemos, seremos expulsos de casa.

— Eles não precisam saber. Se passarmos a freqüentar mais as reu­niões e a festas, poderemos investigar o passado sem despertar suspeitas. Daniel considerou:

— Repugna-me esse tipo de coisa. Fico com a impressão de que es­tou sendo falso, traindo todo mundo...

— Que nada. As pessoas adoram comentar a vida alheia. Não pre­cisa muito para elas contarem todas as fofocas antigas e modernas. Depois, e para uma boa causa. Não se esqueça de que uma criança indefesa foi es­poliada, roubada, impedida de viver com a família. Não importa o que você sente diante de Alberto. Importa que ele foi lesado e tem todo o direito de evocar a justiça. Nós somos instrumentos da lei!

— Não precisa fazer discurso. Não está ainda diante do juiz.

Rubinho riu bem-humorado.

— Sabe de uma coisa? O único juiz que considero impoluto é a nos­sa consciência.

— Pensando bem, acho que tem razão.

— Então concorda?

— Concordo.

— Por que não conta tudo a Lanira e pede para nos ajudar nisso? As mulheres têm jeito para essas coisas. Talvez seja mais fácil para ela conse­guir as informações.

— Está bem. Ela anda mesmo louquinha para se envolver com nos­so trabalho. Vive me perguntando sobre os casos, as providências que es­tamos tomando, etc. Vai ficar feliz.

Colocada a par de tudo, Lanira adorou. Finalmente tinha alguma coi­sa interessante para fazer nas intermináveis e monótonas festas familiares.

A partir daquele dia os três passaram a freqüentar todas as reuniões sociais. Tanto Maria Alice quanto Angelina ficaram radiantes com a mu­dança dos filhos.

— Parece que eles estão voltando ao bom senso — comentou An­gelina em uma reunião em casa de Maria Alice, vendo Rubinho e Daniel conversando animadamente com os convidados.

— Ainda bem — respondeu Maria Alice satisfeita. — Eu disse que tudo era uma questão de tempo. Logo se cansarão daquele escritoriozinho e estarão atendendo nossos conselhos.

— E verdade. Eles estão mudados. Rubinho está tão atencioso! Re­parou como ele conversa com os mais velhos? Finalmente! Tal como sem­pre ensinei. É de bom tom dar atenção primeiro aos mais velhos.

— Interessante — observou Maria Alice. — Está acontecendo o mesmo com Daniel. É um bom começo. Antônio sempre diz que o ver­dadeiro prestígio está com os velhos. Em nossa sociedade, são eles que controlam o poder e o dinheiro.

— É verdade. Dar-se-á o caso de nossos filhos estarem tentando en­trar nas altas finanças? Rubinho sempre disse que queria subir por conta própria, sem usar o prestígio do pai.

— Daniel também. Seja como for, acho muito bom que eles tenham voltado às boas.

Mais tarde, Maria Alice comentou com o marido.

— Estou contente em ver Daniel novamente participando de nos­sas reuniões. Ele me pareceu interessado em pessoas de prestígio.

— Deve ter percebido que suas idéias não tinham fundamento e está com vergonha de confessar.

— Você não vai agora estragar tudo comentando o assunto. Para nós basta vê-lo freqüentar a sociedade e esquecer aquelas idéias dispara­tadas que sempre teve. Eu não disse que um dia ele ainda voltaria atrás?

— Ainda bem. Aconteceu mais depressa do que esperávamos. Daniel aproximou-se de Rubinho, dizendo baixinho:

— Conseguiu conversar com D. Maria Júlia?

— Não diretamente. Lanira estava conversando com Laura.

— Não diga! Terá descoberto alguma coisa?

— Estou ansioso para saber, mas teremos que esperar.

— Laura é mais velha do que Lanira. Terá conhecimento do drama de seu tio-avô?

— Essas histórias costumam ser romanceadas pelos adultos e con­tadas aos descendentes de acordo com as conveniências. Veremos o que ela sabe.

Viram Lanira sozinha saindo para o jardim e foram atrás. Vendo-os, ela parou e sentaram-se em um banco.

— E então? — indagou Rubinho em voz baixa.

— Falei com Laura. Inventei uma história dramática, da morte trá­gica de um menino em um acidente. Disse que era um filme. Ela acre­ditou e contou o drama da família. Não só o único neto do Dr. Camar­go morreu em um desastre de carro aos quatro anos de idade, como os pais dele também morreram em um acidente de barco na Europa. Do jei­to que ela colocou as coisas, seus pais não tiveram outra alternativa se­não assumir os negócios deles. Falou como se ao fazer isso eles houves­sem se sacrificado.

— Herdar uma fortuna é sacrifício? — comentou Daniel com ironia.

— Ela disse que seu pai é um idealista. Pretendia se dedicar a aliviar o sofrimento humano, mas que teve que sacrificar seus ideais por causa da herança.

— Eu não disse? — tornou Rubinho. — Essas histórias de família tor­nam qualquer um herói.

— O que mais ela contou? — indagou Daniel.

— Quando eu ia entrar mais fundo, D. Maria Júlia se aproximou e eu não quis facilitar.

— Fez bem. Temos que ser discretos. Eles não devem perceber nada. Assim poderemos trabalhar mais à vontade — concordou Rubinho.

— O que você ia perguntar? — disse Daniel.

— Se ela conheceu os pais do menino.

— Acho que estamos no caminho certo. Seria bom se você se apro­ximasse mais de Laura. Ninguém vai desconfiar. Vocês têm quase a mes­ma idade.

Lanira sorriu maliciosa e respondeu:

— Seria melhor Daniel. Laura fica emocionada só em falar o nome dele!

— Não vou usar os sentimentos dessa menina. Seria muita baixeza. Não contem comigo para isso!

— Foi só uma sugestão. Mas se você não quer... — tornou Lanira sorrindo.

— Isso está fora de cogitação. Você não gostaria que fizessem isso com você!

— Não sei. De repente seria um desafio. Colocar um homem "En­tre a Cruz e a Espada". Já pensou o drama? Ele tentando me usar e acabar se apaixonando por mim?

— Já vi esse filme e está fora de moda. Vamos falar sério. Alguém conseguiu mais alguma coisa? — perguntou Daniel.

— Há uma outra coisa! — lembrou Lanira. — Descobri que o mor­domo de D. Maria Júlia trabalha lá há mais de trinta anos. Esse deve sa­ber de muitas coisas.

— Eu não disse que as mulheres são boas para investigar? — disse Rubinho com satisfação. — Essa é uma boa pista.

— Isso se ele souber de algo e se houver como fazê-lo falar — obje­tou Daniel.

— Não podemos perder o aniversário de Gabriel. Haverá uma gran­de festa. Fomos todos convidados.

— Para quando? — indagou Daniel.

— No próximo sábado.

— Estaremos lá — concordou Lanira.

— Veremos esse mordomo! — tornou Rubinho.

— Sinto-me como Dick Tracy — brincou Daniel.

— Todos em busca da justiça! — sentenciou Lanira sorrindo.

Capítulo 6
No sábado à noite, enquanto se preparava para a festa de aniversá­rio de Gabriel, filho mais velho do Dr. José Luís Camargo de Melo, Ma­ria Alice comentou com o marido:

— Não precisamos esperar por Lanira. Ela irá com Daniel.

— Ele também vai?

— Vai. Nem precisei pressionar. Penso que daqui para a frente não teremos mais problemas com eles.

— Hum!... — fez Antônio olhando significativamente para a espo­sa. — Aí tem coisa!

— Como assim?

— Algum rabo de saia, com certeza. Daniel nunca gostou dessas fes­tas familiares.

— Você acha mesmo? — disse Maria Alice. Em sua voz havia um leve tom de preocupação. — Espero que ele não esteja pensando em ca­samento. E ainda muito cedo!

— E verdade. Mas não há motivo para se preocupar. Se ele está interessado em alguma moça, ela pertence ao nosso meio. Isso nos dei­xa tranqüilos.

Maria Alice suspirou:

— Tem razão. Pode ser só um namoro. O que importa é que Lani­ra também me parece mudada. Será que ela também anda interessada em alguém?

— Talvez seja por Rubinho. Ultimamente eles não se largam. Maria Alice estremeceu:

— Isso nos colocaria em uma situação desagradável. Sendo filho de amigos tão chegados, não teríamos como recusar o consentimento.

— Eu já não vejo nenhum inconveniente. Rubinho é filho de ex­celente família, é formado, rico, conhecemo-lo desde criança. O que mais poderíamos desejar?

— Ele não tem juízo.

— Bobagem. São loucuras da mocidade. Quem não as cometeu um dia. Depois, eles agora parece que estão se assentando. — Fez ligeira pausa e perguntou: — O que a faz pensar que Lanira esteja se interessan­do por ele?

— Não sei se é por ele. Eu notei que para ir a essa festa ela se prepa­rou mais do que o habitual. Quis comprar vestido novo, passou horas no cabeleireiro, pediu-me até para tirar do cofre seu anel de rubi porque com­bina com o vestido.

Antônio considerou:

— Ela sempre gostou de andar na moda.

— Eu sei, porém hoje foi além do trivial. Seja o que for, acho que está muito bem. Passei pelo quarto dela antes de vir para cá e vi tudo que ela comprou. Fiquei orgulhosa. Ela vai estar linda, você vai ver.

Antônio sorriu satisfeito. Ele precisava dessa moldura familiar onde quer que fosse. Uma família unida, bonita e feliz era como um cartão de visitas para um político. Os eleitores se impressionam muito com esse ce­nário, por isso ele fazia questão de mostrar-se em todos os lugares junto com seus familiares.

A festa estava animada quando Rubinho, Daniel e Lanira chegaram ao elegante palacete do Leblon. Entraram no belíssimo jardim, dirigindo-se à porta principal, onde um criado esperava-os convidando-os a entrar. No elegante hall de mármore iluminado por enorme lustre de cristal onde as flores do vaso sobre o console refletindo no espelho dourado tornavam seus pingentes multicoloridos, os três foram recebidos pelo aniversarian­te, a quem entregaram os presentes.

Gabriel era alto, estava muito elegante em seu smoking preto, cabe­los louro-escuros e ondulados, um pouco descorados pelo sol, olhos cor de mel quando ele estava alegre que se tornavam ligeiramente verdes de vez em quando. Seu tipo era claro, apesar da pele queimada de sol. Quando sorria, o que fazia constantemente, mostrava dentes alvos e bem distribuí­dos. Estudava Letras e Filosofia, possuía um barco onde estava sempre que podia, passando horas no mar, sozinho ou com os amigos.

A música agradável vinha do salão, e Gabriel, depois de entregar os pacotes ao criado e dar-lhes as boas-vindas, convidou-os a entrar.

Tomando o braço de Lanira, disse com satisfação:

— Quero ter o prazer de conduzir a mais linda mulher da noite. Lanira sorriu alegre:

— Como você mudou! Quando era criança, não costumava me di­rigir galanteios. Sentia prazer em me provocar. Nossos encontros sempre acabavam em briga.

— Para você ver como eu era burro. Também eu não podia imagi­nar que você se tornaria tão linda. Quero me penitenciar esta noite. De­pois de receber os convidados, quero dançar com você!

— Vamos ver — disse ela com ar misterioso.

No salão foram recebidos por Maria Júlia, que abraçou Lanira e cum­primentou os rapazes perguntando pelos pais. Era uma linda mulher, mui­to elegante e educada. Depois de conversar alguns minutos colocando-os à vontade, afastou-se, ocupada com os convidados.

Gabriel voltara ao hall para receber outros convidados. Vendo-se a sós, Rubinho disse baixinho:

— Gabriel ficou deslumbrado com você, Lanira. Acho que pode atacar desse lado, enquanto eu vou procurar me aproximar do mordomo. Quanto a Daniel, bem... sobrou Laura...

— Não me venham com essa! Eu vou procurar o mordomo e você vai dançar com Laura.

— Eu posso tentar manejar Gabriel, e você não quer ficar com Lau­ra! Isso não é justo! Se eu for, você também vai. Foi só eu falar que os olhos dela brilhavam quando falava em você para ficar logo convencido de que ela está apaixonada! Se quer saber, os olhos de uma moça sempre brilham quando ela fala em um rapaz bonito. Isso não quer dizer que esteja caidi-nha por ele!

— Depois, você não precisa namorá-la. Basta ser gentil, amigo, e isso não tem nada de mais — reforçou Rubinho.

— Está bem. Que seja. Mas se eu notar qualquer interesse maior nela, me afasto.

— Ela vem vindo aí — disse Lanira.

De fato Laura aproximava-se com um sorriso nos lábios finos e bem delineados. Seu rosto claro e ligeiramente corado, seus olhos iguais do ir­mão e seus cabelos dourados e ondulados que ela fazia tudo para alisar, seu corpo bem-feito e delicado faziam-na parecer mais jovem apesar de me­dir quase um metro e setenta de altura. Vestia-se discretamente, contras­tando com Lanira, que gostava de cores vivas. Laura só usava tons pastéis, pérolas, jóias sóbrias e muito finas.

— Que bom vê-los! — foi dizendo ao chegar, cumprimentando-os educadamente.

— A festa está animada! — disse Lanira passando os olhos pelo sa­lão. — De onde vem a música, que não estou vendo?

— A orquestra está na outra sala, mas abrimos as portas e ouve-se muito bem daqui. Depois do jantar, poderemos dançar — observou Lau­ra com satisfação.

— Por seu tom, vejo que gosta de dançar! — tornou Rubinho.

— Adoro! Enquanto Gabi gosta do barco e do mar, eu gosto de dan­çar. Por mim, passaria todas as noites no baile.

— Quem gosta de dançar é Daniel — esclareceu Lanira. — Ele é um verdadeiro dançarino.

Daniel ia protestar, mas Laura olhou para ele dizendo:

— Não diga! Nas festas que temos ido nunca o vi dançar.

— É que ele é tímido, Laura — disse Lanira com um brilho malicio­so no olhar.

— Mais tarde, se você não me convidar, eu o convido para dançar. Não vou perder essa oportunidade.

— Lanira está exagerando. Não é nada disso — disse Daniel fulmi­nando a irmã com os olhos. — Mas terei prazer em dançar com você.

Rubinho passeava os olhos pelas pessoas presentes e observou um criado, elegantemente vestido, andando de um lado a outro, comandan­do os garçons que iam e vinham atendendo os convidados. Devia ser o mor­domo. Arriscou:

— Interessante! Oliveira, mordomo dos Sousa Campos, agora está trabalhando com vocês?

Laura acompanhou o olhar de Rubinho e respondeu:

— Você está enganado. Aquele é Bóris, nosso mordomo. Está com meus pais desde antes de eu nascer. Ele era nobre na Rússia, mas fugiu para a França depois da revolução. Meus pais conheceram-no em um navio quan­do estiveram na Europa. Ele desejava vir para o Brasil e eles o trouxeram como empregado. Gostou tanto deles que nunca mais foi embora.

— Puxa! Ele é tão parecido com Oliveira! — disfarçou Rubinho satisfeito.

Quando todos os convidados chegaram, o jantar foi servido à fran­cesa e depois passaram para o outro salão, onde a orquestra tocava músi­cas dos filmes americanos de sucesso, muito em voga. Os pares dançavam animados.

Gabriel aproximou-se de Lanira dizendo:

— Quero dançar com você.

Ela se levantou e logo os dois rodopiavam pelo salão ao som de um blues chorado por um sax bem tocado. A sala romanticamente iluminada com luzes coloridas ressaltava de quando em vez o brilho das jóias e dos vestidos de seda das senhoras, com aplicações de vidrilhos, renda ou lantejoulas, modificando a cor dos vestidos claros das moças, fazendo-os pa­recer diferentes em cada canto do salão.


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