Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— Eu sei — disse ela com voz suave, apertando com carinho a mão dele que segurava a sua.
Maria Alice andava de um lado para outro em sua sala de estar. Sen­tia-se angustiada, triste. Seu peito doía e ela já tomara um calmante sem nenhum resultado. Apanhou novamente a carta que amarrotara e tor­nou a ler:

"Enquanto você fica em casa tapando o sol com a peneira, seu mari­do está se deliciando com aquela secretária na suíte de um hotel de luxo em São Paulo. Na semana passada ele deu a ela um anel de esmeraldas. Consulte a joalheria e ficará assustada com o preço. Até quando vai ser cúmplice dessa falta de vergonha com o dinheiro público? Se tem um pouco de dignidade como parece, denuncie e acabe com essa pouca ver­gonha, Não seja conivente, Reaja!!"

Estava sem assinatura. Maria Alice estava indignada. A vida toda ela fizera o possível para manter a dignidade da família, e agora o comporta­mento vergonhoso do marido já era do domínio público. Isso ela não po­deria tolerar.

Enquanto ele havia sido discreto, ela havia se calado para manter a família unida. Acreditava que fosse uma aventura e que logo ele acabaria com aquela situação constrangedora.

Entretanto, isso não aconteceu. A cada dia ele parecia mais ligado a Alicia. Agora as pessoas estavam sabendo e isso era insuportável. Estava sendo vista como conivente, como covarde.

Precisava fazer alguma coisa. Mas o quê? Durante a vida inteira se sub­metera à sociedade, às regras, às conveniências.

De que lhe valera isso? Só conseguira se tornar uma escrava da car­reira do marido. "A política exige isso", " A sociedade quer aquilo", "Te­mos que obedecer às regras", "O eleitor tem prioridade".

Aquela carta estava mostrando que o eleitor já sabia o que estava atrás do "bom comportamento" de Antônio. As pessoas estavam abrindo os olhos e não se deixavam mais enganar pelo faz-de-conta de seu marido.

Maria Alice sentia que estava no auge de sua indignação. Todas as coisas a que havia renunciado durante aqueles anos para entrar nas regras do marido passavam por sua cabeça e pela primeira vez começou a questionar:

O que estava fazendo com sua vida? Se o sacrifício de suas aspirações como pessoa não foi suficiente para preservar o ambiente familiar, teria valido a pena?

Não. Ela se anulara em vão. O filho, para poder fazer o que queria de sua vida, tivera que deixar a casa paterna. Lanira não parecia disposta a ser como ela. Há muito percebera que a filha, ao invés de valorizar o sa­crifício da mãe, olhava-a com certa complacência. Tratava-a com delica­deza e respeito, mas Maria Alice percebia que Lanira tinha horror de um dia ser igual a ela.

Sentia-se só, muito só naquela hora. Todos os que amava haviam de uma forma ou de outra se afastado dela.

Sentou-se em uma poltrona e não se importou quando as lágrimas des­ceram por suas faces. Deixou-as cair como se estivessem lavando sua amar­gura. Sentia-se cansada. Muito cansada. Não tinha mais forças para fin­gir nem para sufocar o próprio coração oprimido e desiludido.

Deixou-se ficar ali, revendo toda a sua vida, e pouco a pouco per­cebeu com clareza como foi sepultando seus sentimentos, seus sonhos, suas aspirações. Fora uma moça cheia de vida, de alegria, de bondade no coração.

Desejava fazer de sua vida uma coisa boa, ter uma família amorosa, um marido justo, honesto, trabalhador. Não conseguira nada disso. Seu marido era um político mentiroso, cheio de negociatas ilícitas, mantinha a amante diante de todos e da própria família, viajava com ela. Coloca­va-se como um grande homem e era um ditador familiar, um vaidoso, um desonesto.

Ela compactuara com tudo isso. O que conseguira para si? Nada. O vazio do coração, a solidão, e agora até a fama de cúmplice das velhaca-rias dele. Nunca Maria Alice viu tão claro.

Nem percebeu o tempo passar e assustou-se quando Lanira entrou na sala dizendo surpreendida:

— Ainda acordada, mamãe? Aconteceu alguma coisa? Maria Alice encarou a filha de frente. Lanira continuou:

— Mãe! O que foi?

Maria Alice tomou uma resolução. Levantou-se, pegou a mão de La­nira e disse:

— Sente-se aqui, minha filha. Quero conversar com você. Leia isso. Apanhou a carta e entregou-a à filha. Lanira apanhou-a e à medida que lia sua fisionomia foi ficando preocupada. Quando acabou, olhou a mãe dizendo:

— E uma carta anônima. Não deve dar importância a isso.

— Pode ser anônima, mas é verdadeira. Há muito tempo eu sei que seu pai é amante de Alicia.

Lanira abriu a boca e fechou-a novamente. Sua mãe estava diferen­te. Não soube o que responder. Maria Alice prosseguiu:

— Estou decidida. Vou ter uma conversa muito séria com seu pai. Se ele não modificar sua maneira de ser, vou deixá-lo.

Lanira arregalou os olhos admirada. A firmeza de Maria Alice demons­trava que ela falava sério. Nunca a vira daquele jeito. Seus olhos tinham um brilho mais verdadeiro, mais humano, mais firme.

Ela se levantou, aproximou-se da mãe e abraçou-a dizendo:

— Você está certa. Tem todo o direito de colocar essa questão para ele.

— Obrigada, minha filha, por me apoiar. Sempre achei que para manter a dignidade da família tinha que ocultar meus sentimentos, valo­rizar as aparências. Estava enganada. Agora que eu sei, nunca mais farei isso. Quero ser verdadeira. Quem ficar a meu lado terá que respeitar o que sinto e o que eu acredito ser justo.

Lanira emocionou-se. Pela primeira vez Maria Alice falava de seus sentimentos, e sua sinceridade tocou seu coração. Aproximou-se dela e bei­jou-a na face, dizendo:

— Fico feliz que tenha acordado. Você é uma mulher maravilhosa. Digna, inteligente, honesta, de classe. Nunca entendi como podia supor­tar as futilidades de um mundo de aparências onde todos mentem e por isso ninguém confia em ninguém. Tem todo o direito de fazer o que sen­te e dar um basta a essa situação constrangedora.

— Obrigada, minha filha, pelo apoio.

Aconteça o que acontecer, estarei do seu lado.

Maria Alice abraçou-a emocionada. Naquele momento sentiu que não estava mais só.

— Quando seu pai voltar depois de amanhã, terei uma conversa de­finitiva com ele. Agora falemos de você. Está apaixonada por Gabriel?

— Eu gosto dele.

— Em outros tempos não teria mencionado este assunto, mas não posso sepultar mais meus sentimentos. Esse namoro com ele tem me preocupado.

— Por quê? Gabriel é um moço bom, correto e cheio de qualidades.

— Não duvido. Mas pelo que Daniel tem me contado, seu pai está nas malhas da justiça. Além de perder tudo, pode até ser preso.

— Gabriel havia me pedido em casamento. Mas agora, diante des­ses fatos, ele discretamente espera que tudo se resolva. Ainda hoje me disse que me ama, mas que não tem coragem de casar comigo porque não tem nada para me oferecer.

— É o que se pode esperar de um moço de bem.

— Não é por causa da situação de sua família que eu não resolvi aceitar seu pedido. Se eu tivesse certeza de que o amava, me casaria com ele de qualquer jeito. Para mim, as qualidades de coração, os valores que ele tem são mais importantes do que tudo. Ele não sabia das falcatruas do pai, nem tem culpa de nada. Quando tudo acabar, terá que recomeçar a vida. E se eu perceber que o que sinto é amor, me casarei com ele.

— Pense bem, minha filha. Você está habituada ao conforto, ao luxo, será difícil enfrentar uma vida de pobreza.

— Você se casou por conveniência, com um homem fino, culto, rico, cheio de poder, e o que conseguiu?

Maria Alice baixou a cabeça sem saber o que responder.

Lanira prosseguiu:

— É meu pai, mas todos reconhecemos que seu comportamento de­monstra que ele está carente dos valores verdadeiros, da ética de hones­tidade e respeito para com os compromissos que assumiu. Neste momen­to, para todos nós, seria mais importante poder reconhecer nele senti­mentos bons, seríamos muito mais felizes se ele estivesse ao nosso lado, nos amando e sendo verdadeiro, do que tendo tudo quanto temos e receber­mos uma carta como essa, principalmente porque fala verdades que não podemos refutar.

Maria Alice sentiu que novamente as lágrimas desciam por suas fa­ces e as deixou correr sentindo que Lanira falava a verdade. Preferiria mil vezes ter menos posição, menos dinheiro, menos nome na sociedade, mas ser mais feliz, tendo um marido sincero, interessado no bem da família e da sociedade, honrando o mandato que o povo lhe conferira.

Depois de alguns segundos de silêncio, Maria Alice passou o lenço sobre os olhos e considerou:

— Você está sendo dura, mas tem toda razão. De nada vale o que os outros pensam se você por dentro está angustiada, infeliz, deprimida.

— Creia, mãe: quando eu me casar, será com alguém que eu ame de verdade. Alguém que eu possa respeitar, que me respeite, que seja since­ro e verdadeiro.

— Tem razão, minha filha. As qualidades e o caráter valem mais do que qualquer outra coisa.

— Por isso, mãe, não se preocupe com meu relacionamento com Gabriel. Ele tem essas qualidades. Vou lhe contar algumas coisas para que perceba o quanto ele é nobre e sincero. Daniel, Rubinho e eu temos mui­ta admiração por ele.

Maria Alice olhou-a surpreendida. Daniel e Rubinho? Lanira sentou-se ao lado da mãe e começou a contar tudo quanto eles sabiam sobre o caso, desde o princípio. Como ela ajudara Daniel a montar o escritório, o se­qüestro de Alberto, a prisão de Bóris. Não omitiu nenhum detalhe.

Maria Alice ouvia com interesse. Em seu coração brotou um sentimen­to de orgulho e de admiração. Quando Lanira terminou, ela considerou:

— Estou orgulhosa de vocês. De fato, Gabriel é um moço digno. Se quer saber, diante do que me contou, não creio que Maria Júlia tenha sido cúmplice do marido nessa falcatrua.

— Nós também achamos isso. Contudo não podemos esquecer que ela guardou silêncio sobre os fatos. Diante da justiça ela também é responsável.

— Isso torna mais importante o fato de ela ter cooperado com vo­cês, apesar de saber que pode ser presa como cúmplice do marido.

— E, sem falar que ela salvou a vida de Marcelo. Daniel e Rubinho, até Alberto, vão fazer tudo para ajudá-la a sair livre.

— Foi muito bom ter conversado com você. Sinto-me mais calma e com coragem para fazer o que quero.

— Tem mais uma coisa que preciso contar-lhe.

— O que é?

— Temos ido a casa de tia Josefa.

— Josefa? Fazer o que lá?

— Temos freqüentado suas sessões espíritas. Maria Alice levantou-se assustada:

— O quê ? Isso é perigoso demais.

— Ao contrário. Para nós tem sido muito bom. Tem nos dado paz, bem-estar. Quando estávamos preocupados e a vida de Alberto corria pe­rigo, foi lá que encontramos ajuda e conforto.

Maria Alice deixou-se cair novamente na cadeira, sem saber o que dizer. Parecia-lhe que de repente estava diante de outra realidade. Tudo estava diferente.

— Daniel e Rubinho também vão?

— Vão e adoram. Levaram Marilda, que está namorando Rubinho. Eles pretendem se casar logo.

— E Daniel? Está namorando?

Lanira sorriu, e havia um brilho malicioso em seus olhos quando respondeu:

— Ele está caidinho por Lídia, uma amiga de Marilda que vivia nos Estados Unidos e que agora voltou a morar no Brasil. Mas não sei se es­tão namorando.

— Acha que é sério? Daniel nunca se interessou por moça nenhuma.

— Não sei. O que tenho visto é que ele fica diferente quando está ao lado dela. Rubinho acha que ele está apaixonado mesmo.

— Como é essa moça? Você a conhece?

— Sim. Tem classe, cultura, é muito bonita e agradável. Para ser sincera, gosto dela.

Maria Alice deu um suspiro de alívio:

— Ainda bem. Desejo que vocês sejam muito felizes. Lanira abraçou a mãe dizendo:

— Seremos, sim. Sente-se melhor?

— Sim. Decididamente essa conversa fez-me muito bem. Mostrou-me que ainda estou viva e que tenho tempo de participar com vocês das alegrias da vida.

— Assim é que se fala. Sinto que pela primeira vez estamos juntas e que assim ficaremos de agora em diante.

Maria Alice beijou a face da filha com doçura e respondeu:

— Bendita hora que essa carta me mostrou a verdade.

— Bendita hora que você resolveu enfrentar seus medos e buscar a sua verdade. Isso fez a diferença.

Capítulo 19


Gabriel chegou em casa pensando na conversa que tivera com Lanira. Sabia que ela estava dizendo a verdade. Se o amasse, casar-se-ia com ele em qualquer situação.

Subiu as escadas e bateu no quarto da mãe. Não obteve resposta. Gi­rou o trinco, mas a porta estava fechada a chave. Ficou preocupado. Ela nunca fechava a porta a chave enquanto ele estava fora, principalmente depois que Bóris havia sido preso.

Ele nunca ia deitar-se sem antes ver como ela se sentia. Bateu várias vezes sem obter resposta. Alguma coisa havia acontecido. Talvez ela ti­vesse se sentido mal e não tivesse tido tempo de chamar ninguém.

Os quartos dos empregados ficavam fora da casa. Vendo que não obtinha resposta, foi até o quarto da arrumadeira e bateu várias vezes. Espe­rou que ela entreabrisse a porta assustada:

— O que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu, sim, Jazilda. Você tem a chave do quarto de minha mãe?

— Não. D. Maria Júlia nunca fecha a porta a chave quando eu te­nho que arrumar.

— Sabe onde estão as chaves de reserva da casa?

— Acho que no escritório do Dr. José Luís.

Sem esperar mais, Gabriel foi ao escritório do pai, abriu a porta e co­meçou a procurar. Como não encontrou foi até o quarto do pai e bateu. Não obtendo resposta, girou a maçaneta. Felizmente estava aberta. Porém José Luís não estava lá. A cama não fora desfeita.

Gabriel olhou o relógio. Passava da uma. Onde teriam ido? As gave­tas da escrivaninha estavam fechadas a chave. Angustiado, Gabriel sen­tiu um aperto no coração. O que teria acontecido?

A camareira havia se vestido e apareceu na porta olhando-o curio­sa. Vendo-a, Gabriel pediu:

— Ajude-me, Jazilda. Aqui aconteceu alguma coisa muito séria. Sin­to que a vida de minha mãe corre perigo.

— E o Dr. José Luís?

— Não está. Ajude-me a procurar a chave do quarto dela. Temos que abrir aquela porta o quanto antes.

Ela começou a busca. Gabriel foi à cozinha, apanhou uma faca de pon­ta, foi até a escrivaninha e tentou abrir as gavetas. Finalmente conseguiu. As chaves não estavam lá. Foi abrindo as outras e finalmente encontrou uma caixa cheia de chaves.

Apanhou-a e foi até o quarto de Maria Júlia, experimentando uma a uma. Finalmente encontrou, ela girou e a porta abriu. Porém o quarto es­tava vazio. Maria Júlia havia desaparecido.

— Não pode ser — disse Gabriel nervoso. — Você viu alguma coi­sa? Viu se ela saiu com meu pai?

— Não vi, não, senhor. Depois do jantar ajudei a arrumar a cozinha e fomos nos deitar. Vai ver que ela saiu com o doutor para fazer algum pas­seio. Logo estarão de volta — respondeu ela querendo acalmá-lo.

Gabriel não sabia o que fazer. Se tivesse acontecido alguma coisa, ela não teria saído sem deixar alguma pista para ele. Começou a procurar. Abriu as gavetas, revistou tudo, nada encontrou.

Foi ao banheiro, abriu a gaveta de maquiagem e encontrou um len­ço de papel escrito com um lápis preto. Apanhou-o e leu:

"Gabriel, seu pai está fugindo e obrigando-me acompanhá-lo. Está ar­mado. Falou em aeroporto. Não sei para onde vamos. Assim que puder, escrevo."

Notava-se que ela usara esse recurso como medida extrema. Precisa­va fazer alguma coisa. Pensou na polícia. Ligou para Jonas, rezando para que ele atendesse.

Quando ouviu sua voz do outro lado do fio, sentiu um pouco de alívio:

— Jonas, é Gabriel. Meu pai fugiu e levou minha mãe com ele. Te­mos que fazer alguma coisa. Temo pela vida dela.

— Como soube?

— Minha mãe deixou um bilhete no banheiro escrito com crayon. Diz que ele está armado e falou em aeroporto.

— Tudo bem. Agora mesmo vou me comunicar com os aeroportos. Vamos ver se conseguimos pegá-los.

— Ele está desesperado e com raiva dela. Pode querer vingar-se. Te­nham cuidado. Ele tem uma arma.

— Tomaremos cuidado. Fique calmo. Sei como fazer.

— Acho que vou até a delegacia. Estou muito nervoso.

— E melhor ficar aí. Ela pode encontrar jeito de se comunicar com você. Se eu tiver qualquer notícia, aviso.

— Está certo.

Jazilda aproximou-se de Gabriel dizendo:

— Vou fazer um chá para você. Está pálido. Vai ver que não acon­teceu nada e logo estarão de volta.

— Não quero nada, não. Pode ir se deitar.

— Eu vou. Se precisar, chame-me.

Ela saiu e Gabriel pensou em Lanira. Estaria dormindo? Apanhou o telefone e ligou. Ela atendeu:

— Gabriel? O que foi?

— Acordei você?

— Não. Fiquei conversando com mamãe e iria deitar-me agora. Gabriel contou-lhe o que tinha acontecido e finalizou:

— Falei com Jonas e a esta hora ele já está tentando localizá-los.

— Avisou Daniel?

— Não. Ele deve estar dormindo. E não vai poder fazer nada uma hora dessas. Acho melhor esperar amanhecer.

— Está certo. Mas se precisar nós os chamaremos. Estou pensando em uma coisa.

— O quê?


— Vou ligar para ria Josefa.

— É tarde. Não vamos incomodá-la. Sabe o que eu penso? Nós po­demos falar com os bons espíritos e pedir ajuda.

— Tem certeza?

— Tenho. Eu vou desligar e rezar aqui. Você faça o mesmo.

— Quero que me prometa uma coisa. Depois de rezar, se não puder dormir, ligue novamente.

— Por mais que sinta vontade de ficar conversando com você, não farei isso. Você precisa dormir, e, depois, minha mãe pode querer se co­municar e tenho que deixar o telefone desligado.

— Eu compreendo. Mas quero que saiba que estarei pensando em você. Tenho certeza de que tudo vai dar certo. Qualquer notícia, me li­gue seja a hora que for.

— Ligarei. Um beijo e obrigado.

Lanira desligou e ia deitar-se quando Maria Alice entreabriu a por­ta do quarto perguntando:

— Telefone a esta hora? Quem era?

— Gabriel.

Em poucas palavras Lanira contou o que havia acontecido, ao que Ma­ria Alice comentou:

— Eu também vou rezar para eles. A fé quando sincera é muito po­derosa. Quem sabe eu também possa aprender como é isso.

Lanira sorriu e deitou-se. Apesar dos problemas de seus pais, ela sen­tia que eles estavam tendo uma chance de mudar e melhorar sua manei­ra de viver.

Gabriel estirou-se na cama, ao lado do telefone no quarto da mãe, e rezou pedindo ajuda espiritual. Apesar disso, sentia-se inquieto. Por que saíra de perto dela? Para abandonar tudo e fugir, seu pai deveria ter per­dido qualquer esperança de reverter a situação.

Ele era orgulhoso. Nunca aceitaria a humilhação, o descrédito, a pri­são. Planejara a fuga e certamente tinha recursos no exterior. Como não pensara nessa possibilidade? Por que arrastara Maria Júlia com ele con­tra a vontade? Talvez na tentativa de incriminá-la também. De dividir a responsabilidade.

Sentiu uma onda de rancor contra ele. Nunca haviam se dado bem. Não havia nenhuma afinidade entre eles. Desde muito cedo Gabriel fa­zia tudo para fugir de sua companhia.

Percebia claramente o quanto ele controlava sua mãe, sufocando-a com suas exigências, usando-a para representar em sociedade o papel do marido exemplar, do pai de família extremoso. Ele sabia que era tudo fingimento.

Sempre que podia, atormentava Maria Júlia, cuja passividade sem­pre o deixava irritado. Por que ela não reagia? Percebia claramente que ela tinha medo do marido.

Era uma mulher forte e determinada em muitas coisas, só com ele anu­lava-se e tornava-se passiva. Várias vezes questionara isso com ela, mas per­cebendo que ela ficava muito triste depois dessa conversa, ele se continha.

As horas foram passando, o dia já estava clareando, e nenhuma no­tícia. Gabriel levantou-se e começou a andar pelo quarto. Jazilda apare­ceu na porta dizendo:

— Nenhuma notícia?

— Nada. Você não observou nada ontem depois que eu saí? Não ouviu nenhuma conversa entre eles, nem viu quando eles saíram?

— Não. D. Maria Júlia se recolheu logo depois do jantar. Eu ajudei Dermina com a cozinha. O Dr. José Luís estava no escritório. Bati na por­ta e perguntei se ele precisava de alguma coisa, como sempre faço antes de dormir.

— A que horas foi isso?

— Umas dez.

— Ele abriu a porta, isto é, estava lá?

— Sim. Como sempre. Disse que eu podia me deitar e que não pre­cisava de nada.

— Você notou alguma coisa diferente nele?

— Não. Estava como sempre. Aí eu vi se estava tudo fechado e fui me deitar. Estava cansada e peguei logo no sono. Acordei quando você bateu na porta.

Gabriel suspirou pensativo. Jazilda continuou:

— Você passou a noite em claro. Vou preparar um bom café.

— Estou sem fome.

— Se aconteceu algum acidente com eles, você tem que estar firme. Precisa alimentar-se.

Gabriel olhou mas não respondeu. Ela saiu e ele olhou no relógio. Eram quase sete horas. O telefone tocou e ele atendeu de um pulo. Era Lanira:

— Alguma notícia?

— Nada. Estou muito aflito. O que estará acontecendo?

— Vou ligar para Daniel.

— Faça isso. Jonas pediu para eu ficar aqui. Não estou agüentando mais. Precisamos fazer alguma coisa.

— Deixe comigo. Vou falar com Daniel. Ele irá atrás de Jonas para saber como estão as coisas.

Lanira desligou e ligou para Daniel e relatou o que estava acontecen­do. Ele deu um pulo da cama dizendo:

— Por que não me avisaram?

— Gabriel avisou Jonas. Ele já deve ter tomado providências. Pediu a Gabriel que ficasse em casa. D. Maria Júlia pode ligar.

— Vou avisar Rubinho. Iremos imediatamente à delegacia ver quais as providências que foram tomadas.

— Vou até a casa de Gabriel. Ele está muito nervoso. Teme pela vida da mãe.

— Diante do que sabemos a respeito, ele pode ter razão. Um homem que faz o que ele fez com uma criança, é capaz de qualquer coisa.

— Quando estiver na delegacia, ligue para casa de Gabriel. Estare­mos esperando. Mesmo que não tenha nenhuma novidade. Ele precisa sa­ber que vocês estão se movimentando.

— Está certo. Pode esperar.

Daniel desligou o telefone e acordou Rubinho, colocando-o a par do que havia acontecido. Resolveram ir imediatamente à delegacia.

Quando chegaram lá, o Dr. Marques já havia chegado. Vendo-os, foi logo dizendo:

— Parece que o pássaro bateu asas. Jonas me ligou logo cedo.

— Sabe se ele conseguiu alguma pista?

— Ainda não. Só sei que ele mobilizou alguns homens e estão in­vestigando. A audiência não é hoje?

— E — respondeu Rubinho.

— Para vocês foi até melhor. Quer maior confissão do que a fuga?

— Ele obrigou a esposa a segui-lo contra a vontade. Estava armado — esclareceu Daniel.

— Vai ver que é cúmplice. Vocês podem estar se preocupando sem razão.

— Não é, não. Temos certeza de que ela é inocente. Tem sido víti­ma do marido e ameaçada por ele o tempo todo. Seu filho está muito preocupado. Ele garante que a mãe corre perigo — completou Rubinho.

— Se ela não é cúmplice, corre mesmo. Sabe demais.

— Seria bom interrogar Bóris novamente. Ele esperava que o patrão o defendesse. Como ficará quando souber da fuga? — lembrou Daniel.

— Bem lembrado. Vou apertar um pouco o homem.

— Ele sabe tudo sobre o Dr. José Luís — garantiu Rubinho. — Pa­rece até que era ele quem comandava o patrão. Mandava e desmanda­va na casa.

— Chantagem. Vou tratar disso. Olhe Jonas chegando. Jonas entrou na sala e vendo-os foi logo dizendo:

— Eles sumiram. Ninguém viu. Chequei todas as listas de passagei­ros dos vôos que haviam saído e todos os que saíram depois que estáva­mos lá. Nada. Pode ser que não tenham viajado.

— Pode ser que tenham usado passaportes falsos — disse Marques.

— Pensando nisso já contatei a Interpol. Precisamos de fotos dos dois. Fiquei de arranjar.


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