Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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— Não. Espero que ele não o faça.

— Por quê? É um belo rapaz e parece muito interessado em você.

— Isso não basta, mamãe, para namorarmos.

Se ele se declarasse, você o rejeitaria?

— Claro. Gosto de sua companhia, mas amor é outra coisa. Por en­quanto estamos apenas saindo juntos, conversando. Nada mais. É bom não ficar imaginando coisas.

— Não estou imaginando nada. Vocês são jovens, saem juntos com freqüência. O que posso pensar?

A campainha tocou, Lanira espiou pela janela e disse:

— É ele. Vamos só tomar um sorvete. Voltarei cedo.

Ela saiu deixando uma onda de perfume no ar e Maria Alice aproxi­mou-se da janela, seguindo com o olhar brilhante a figura da filha cum­primentando Gabriel, a gentileza do rapaz abrindo a porta para ela entrar. Acompanhou-os com o olhar até que o carro desapareceu no fim da rua.

Sua filha era linda, inteligente. Casando-se com Gabriel, faria uma aliança brilhante. O que poderia desejar mais? Nesse mundo de aparên­cias, a posição social, o dinheiro eram muito importantes. O amor não pas­sava de um jogo de interesses, sempre colocado no convencional. Acaba­va na primeira decepção e só se sustentava quando havia interesse em manter as aparências e as vantagens da família.

Maria Alice havia se casado por amor. Entretanto, depois de tantos anos de vida em comum, percebia que nada havia sido como ela imagi­nara. As primeiras decepções ao notar que as prioridades do marido eram muito diferentes das suas. Enquanto ela dava mais importância a ficarem juntos, ele valorizava a vida social, a companhia de gente importante, as amizades de conveniência.

Quando ela reclamava sua ausência, sua falta de carinho, ele a cha­mava de imatura, salientando que apreciava a mulher equilibrada, de clas­se, capaz de governar a família com dignidade e firmeza. Decepcionada, Maria Alice esforçou-se para não desapontá-lo. Trancou os sentimentos e transformou-se na mulher que era. Agora, vendo a filha falando em amor, pensava como ela estava enganada.

O casamento, a família eram a riqueza de uma mulher. E essa rique­za tinha que ser preservada a todo custo, mesmo que para isso fosse preci­so engolir a dor, a insatisfação, a raiva, fechar os olhos para tudo quanto pudesse ameaçar a estrutura familiar.

Ela sabia da ligação do marido com Alicia. Ninguém lhe contara, des­cobrira por acaso. Pensou em falar ao marido. Desabafou com sua amiga Angelina, que a ouviu em silêncio e depois considerou:

— Eu já sabia. Você até que demorou para descobrir.

— Sabia? Diz isso com essa calma!

— Digo porque já passei pela mesma coisa. Nesse Rio de Janeiro, que homem de nossa sociedade não tem uma amante?

Maria Alice olhou-a admirada:

— Aconteceu com você também?

— Faz tempo. A princípio fiquei revoltada. Depois pensei: se eu fi­zer barulho, escândalo, vai aumentar minha vergonha, todos vão saber. Separar eu não quero. Ficar por aí desquitada eu não suportaria. Depois, o que seria de meus filhos? Pensei, pensei e resolvi fazer de conta que não sabia de nada. Assim, não teria que tomar nenhuma decisão.

— Como agüentou?

— A princípio foi difícil. Depois achei que de alguma forma eu tam­bém estava enganando-o. Ele pensando que estava me fazendo de boba, mas era eu quem o estava tapeando. Ficamos elas por elas.

— Você não o amava? Não sentiu ciúme?

— Amei, agora não amo mais. Que amor resiste a tantos anos de ca­samento? Hoje sei que nossa união é uma sociedade conveniente para ambos. Apenas isso.

— Você tem razão. O amor é ilusão.

— Depois, os homens precisam de uma mulher que lhes faça todas as fantasias sexuais. Com as esposas eles não se permitem nada disso. É até sinal de respeito.

— Pensando desse lado...

— Você se sujeitaria a qualquer coisa menos digna?

— Claro que não.

— Então! Uma amante é como uma válvula de escape para os ví­cios. A esposa é sempre a esposa. Por isso, continuei firme em meu lugar e não me arrependo. Ele me respeita, me trata bem e temos uma vida em comum equilibrada. Para que mais?

Maria Alice hesitou um pouco, depois disse:

— Ele ainda a procura?

— Claro. De vez em quando.

Depois dessa conversa, Maria Alice fez sua opção. Faria a mesma coi­sa que Angelina. Antônio nunca saberia que ela conhecia a verdade. Pen­sou na filha com tristeza. Ela esperava o amor, como todas as moças. Quan­tas decepções teria que passar para descobrir que estava enganada?

Esforçou-se para afastar aqueles sentimentos tristes. Ela não se per­mitia pensar nem se entristecer. Era uma dama e uma dama tinha com­pleto controle sobre as emoções.

Depois dos cumprimentos, Lanira sentou-se no carro e assim que Ga­briel deu partida disse:

— Não esperava que me ligasse hoje.

— Porquê?

— Como não tem aula, pensei que tivesse ido andar de barco.

— Fiquei tentado. Mas entre ficar só no barco e passear aqui com você, preferi ficar.

Lanira olhou-o um pouco tensa. Sua mãe teria razão? Gabriel esta­ria mesmo querendo namorá-la? Claro que ela havia percebido que ele se sentia atraído, e ela também gostava de estar com ele. Contudo, sabia que um namoro entre eles envolveria as duas famílias, poderia transformar-se em um compromisso formal e sério. Isso ela não desejava. Reconhecia que ele era encantador, mas ao mesmo tempo ela não queria transformar-se em uma dona de casa, como as que conhecia e abominava. Talvez fos­se mais prudente espaçar os encontros com ele.

— Você tem muitos amigos que gostariam imensamente de fazer-lhe companhia. Acho que está se tornando mais metropolitano.

— Teria imenso prazer se você pudesse ir comigo. Mas sei que não aceitaria.

— Porque não?

— Só nós dois? Ela sorriu:

— Não ficaria bem. Mas se meu irmão também fosse, talvez Laura, ou Rubinho, não teria nada de mais.

Ele parou o carro no meio-fio e voltou-se para ela, olhando-a nos olhos:

— Você está apaixonada por Rubinho?

— Eu? Não! Que idéia!

— Desde a minha festa desejo perguntar-lhe isso. Vocês não se largam.

— Ele é sócio de Daniel e muito amigo. Apenas isso.

— Tem certeza?

— Tenho. E já que tocou nesse assunto, gostaria de dizer-lhe que por enquanto não penso em namorar. É muito cedo.

— Muitas meninas se casam com sua idade.

— E justamente isso que desejo evitar.

— E contra o casamento?

— Não me agrada a idéia de transformar-me em matrona, nem de arranjar alguém que mande em mim.

— É essa a idéia que faz da vida em família? Não pensa em casar-se?

— Não, enquanto puder evitar. Ele abanou a cabeça:

— E difícil acreditar. Você não existe.

— Porquê?

— Você é diferente. As outras só pensam em se casar. Não posso compreender. Você vem de uma família bem formada, seus pais levam vida exemplar. De onde tirou essas idéias?

— Observando, amigos, conhecidos. Enquanto as mulheres cuidam de manter as aparências com classe, os homens se dividem entre o inte­resse, o jogo de poder. Vale tudo, desde que nada venha à tona.

Pelos olhos dele passou um lampejo emotivo quando disse:

— Você está sendo dura. Não acredita no amor e na felicidade?

— Às vezes penso que sim, outras que não.

— Pois eu também odeio esse mundo de aparências, onde quem tem mais dinheiro vale mais, onde se passa por cima de todos os sentimentos para alimentar a ambição. Quando tudo isso me enoja, refugio-me no bar­co em busca de paz.

Lanira surpreendeu-se:

— Não sabia que sentia isso.

— Tem razão. As pessoas fazem qualquer sacrifício para acobertar suas mazelas. Em sociedade é preciso dissimular, sorrir mesmo quando o cora­ção está amargurado e infeliz.

Lanira olhou-o sem saber o que dizer. O rosto de Gabriel estava som­brio, e havia tanta amargura em seu tom que ela se arrependeu de haver tocado no assunto. Tentou confortá-lo:

— Nós não precisamos ser iguais a eles. Podemos ser diferentes. Não desejo me casar por conveniência, nem me transformar em uma mulher como tantas que conheço. Quero ser eu mesma. Quando eu amar, terá que ser de coração, e farei tudo do meu jeito, sem ligar para as conveniências.

O rosto de Gabriel desanuviou-se, ele sorriu. Lanira considerou que ele ficava lindo quando sorria.

— Se você se apaixonasse por um joão-ninguém, teria coragem de casar-se com ele?

— Se ele me amasse, sim.

— Seus pais não aprovariam.

— Eu enfrentaria todo mundo para ser feliz. E isso que eu quero. Te­nho pensado muito nesse assunto, Gabriel. A vida só vale a pena se hou­ver felicidade.

— Tomara que continue pensando assim quando chegar o momento. Lanira riu contente. Sentia-se aliviada. Conseguira posicionar-se sem ferir os sentimentos dele. Depois dessa conversa, tinha certeza de que ele não lhe faria nenhuma declaração. Poderiam continuar a ser amigos. No dia seguinte, conversando com Daniel, ela considerou:

— Gabriel parece-me infeliz. Não sei por quê, mas há momentos em que ele se revela magoado, amargurado.

— Será? Ele é muito elogiado em todos os lugares. Bonito, rico, res­peitado. As mulheres suspiram por causa dele. Por que estaria infeliz?

Lanira contou-lhe a conversa que haviam tido e finalizou:

— Suas palavras fizeram-me pensar. Há alguma coisa que o está incomodando.

— Será que ele sabe de alguma coisa sobre o passado dos pais?

— Não sei. O que sinto é que, quando fala de família, ele se emo­ciona, fica amargo, parece infeliz.

— Talvez seja bom você continuar saindo com ele. Quem sabe um dia acaba contando o que queremos saber.

— Vou ser bem sincera com você. Na festa aproximei-me dele com essa intenção. Porém, agora, reconheço que ele se transformou em um ami­go. É inteligente, sincero, generoso. Não estou saindo com ele para des­cobrir nada. Estou saindo porque gosto de sua companhia. Eu o aprecio.

Daniel sorriu malicioso:

— Você está se apaixonando por ele!

— Não é nada disso. Ele é apenas um amigo. Nada mais do que isso. E vai continuar assim.

— Alegra-me saber. Logo entraremos com a ação e se estivesse apai­xonada seria um problema.

Lanira ficou pensativa por alguns segundos, depois disse:

— Às vezes penso nisso e sinto um aperto no coração. Vocês vão mes­mo mover essa ação?

— Tudo indica que sim. Ela suspirou:

— Vai ser um deus-nos-acuda. Aqui em casa e em casa dele. Nossa amizade vai acabar com certeza.

— Isso a entristece?

— Preferiria que nada disso fosse com ele.

— Se ele gostar mesmo de você, se fizer questão de sua amizade, sa­berá separar as coisas. Você pode jogar toda a culpa em mim.

— Nem quero pensar. Mamãe então vai ter um ataque. Em que pé estão as investigações?

— Jonas foi a São Paulo tentar obter informações sobre a ama. Deve estar de volta amanhã.

— Quando pensam entrar com a ação?

— Alberto está impaciente. Está difícil segurá-lo. Se tudo der cer­to, entraremos com a petição na próxima semana.

—Já?


— Parece que ele descobriu algumas coisas importantes com relação a ama. Amanhã decidiremos a data. Pensando bem, é melhor enfrentar as feras logo. A espera deixa-me tenso.

— A mim também.

— Você? Não desejo envolvê-la de forma alguma.

— Já estou envolvida.

— Ninguém precisa saber disso.

Daniel deixou Lanira e foi para o quarto. Deitou-se e custou a dor­mir. Sentia-se inquieto. A petição formalizando a denúncia' e solicitando a abertura de um inquérito estava redigida, faltando apenas alguns deta­lhes que deveriam incluir com as novas informações de Jonas.

Sabia que sofreria pressão da família. Estava preparado. Ele e Rubi-nho haviam combinado que se a situação fosse insustentável, eles sairiam de casa, alugariam um apartamento modesto, dividiriam as despesas.

Mais calmo, adormeceu. Sonhou. Viu-se, um pouco diferente, mais velho, em um quarto lindamente decorado, sentia-se inquieto, desespe­rado. Aproximou-se do leito em que a mesma mulher que o acusara esta­va deitada, abatida, sem forças.

Ele se ajoelhou ao lado da cama, sentindo aumentar sua angústia. To­mou as mãos dela dizendo com voz suplicante:

— Lídia, não me deixe! Eu peço! Não me abandone! Farei tudo que quiser!

Ela abriu os olhos e fixou-o murmurando:

— Agora é tarde! O que está feito está feito. Acabou.

Seus olhos se fecharam, sua cabeça caiu para o lado e ele percebeu que ela estava morta. Sentiu seu peito rasgar de dor e gritou:

— Não! Não!!!

Daniel acordou agoniado, soluçando. Levantou-se de um salto. Um sonho! Fora apenas um pesadelo. Um horrível pesadelo que havia dilace­rado seu coração. O que estaria acontecendo com ele? Seria um aviso para não fazer o que eles pretendiam? Por que sonhara com aquela mulher duas vezes? Não a conhecia, entretanto sentia que a amava com loucura. Esta­ria perdendo o juízo?

Olhou o relógio: quatro horas. O dia estava amanhecendo. Deitou-se novamente, porém não conseguiu mais dormir. Sentia o peito oprimi­do por grande tristeza. Tentou reagir. Era loucura ficar tão impressionado por um simples sonho. Nada disso havia acontecido. Mas a emoção forte continuava presente como se tudo estivesse acontecendo naquela hora.

Ficou se remexendo na cama, esforçando-se para convencer-se de que a verdade era muito diferente de seu sonho, mas aquela sensação de­sagradável e forte reaparecia, deixando-o inquieto.

Levantou-se muito cedo e chegou ao escritório antes das oito. Rubi-nho chegou meia hora depois e olhando para ele perguntou:

— Aconteceu alguma coisa? Você está com uma cara!

— Não aconteceu nada.

— Está doente?

— Não. Mas alguma coisa esquisita está se passando comigo. Ando

impressionável, inquieto, tendo pesadelos. — Aquela mesma história com Alberto?

— Não. Agora é com uma linda mulher. Não a conheço e tive dois pesadelos com ela. Em um acusava-me. Ontem sonhei que ela estava mor­rendo e que eu a amava muito. Acordei angustiado, não pude mais dor­mir, e até agora ainda não me livrei daquela sensação dolorosa. Não con­sigo entender.

Rubinho balançou a cabeça, dizendo:

— Isso me parece coisa do passado. Você está revivendo cenas de outra vida.

— Você já disse isso mas eu não acredito. É muito fantasioso para ser verdade.

— Eu mesmo também não tenho certeza de nada. Mas me ocorre que é a única forma de explicar o que está lhe acontecendo. Você sonha com uma pessoa que não conhece, sente que a ama, sofre por ela. De onde ti­rou esses sentimentos? Como apareceram com tanta força dentro de você? Para mim, isso é mais fantástico do que a crença em vidas passadas.

Daniel balançou a cabeça interdito. Por fim disse:

— Só sei que essas emoções são muito fortes. Não consigo esquecê-las. Sinto remorso não sei de quê, tristeza, dor. Estarei ficando louco?

— Você não tem nada de desequilibrado. E lúcido, tem bom senso.

— Às vezes penso que tem alguma coisa a ver com Alberto. Os pe­sadelos começaram um pouco antes de ele aparecer em minha vida. Até então eu nunca havia tido nada disso. Será que é para eu não me envol­ver com o caso dele?

— Não foi isso que você falou, lembra-se? Foi até aconselhado a aceitar o caso.

— Não consigo entender.

— Se você estiver tendo reminiscências de suas vidas passadas, ele pode ter se relacionado com você naqueles tempos.

Daniel passou a mão pelos cabelos inquieto.

— Não sei. Parece-me loucura acreditar em uma coisa dessas.

— Não é, não. Tenho visto pessoas de cultura envolvidas com o es­tudo desses assuntos. Garantem que têm provas concludentes de que isso é verdade. Já pensou que coisa extraordinária? Como nossa vida mudaria se pudéssemos ter essa certeza?

— Se isso fosse verdade, revolucionaria a sociedade. Ninguém fala nada. Acho que não existem essas provas.

Em todo caso, vou telefonar para Júlio. Ele estuda isso e pode­rá nos esclarecer melhor. Passaremos em seu consultório quando sair­mos daqui.

— Está certo. Preciso resolver esse problema, acabar com isso. Tal­vez como médico ele tenha alguma explicação melhor.

— Nenhuma outra conseguiria explicar o que lhe aconteceu.

— Jonas já chegou?

— Já. Está nos esperando.

Jonas entrou e depois dos cumprimentos foi direto ao assunto.

— Trago novidades.

— Vá falando — disse Rubinho.

— Conforme combinado, tenho seguido Bóris e descobri que ele mantém contato com a ama em São Paulo. De quando em quando man­da-lhe dinheiro. Quem faz a remessa é Pola, a amante dele. Mas ela não tem posses, vive do que ele lhe dá. Logo, é ele quem manda o dinheiro, certamente a mando do Dr. José Luís.

— Isso significa que essa mulher continua a chantageá-los — tor­nou Daniel.

— E o que parece. Por que ele haveria de dar-lhe tanto dinheiro? Bom, eu fui a São Paulo e fiz amizade com a criada de Eleutéria, por sinal um pedaço de morena.

— Acha que pode confiar no que ela lhe diz? — indagou Rubinho.

— Acho. Demo-nos muito bem. Está apaixonada por mim. Depois, ela não gosta da patroa. Diz que é grossa e muito mandona. Pretendia dei­xar o emprego, mas eu lhe pedi que não o fizesse.

— Não lhe contou por quê — disse Rubinho.

— Não. Só lhe disse que um cliente havia me incumbido de inves­tigar a vida dela, que se ela me ajudasse não iria arrepender-se.

— Ela pode dar com a língua nos dentes — sugeriu Daniel. Jonas retrucou:

— Respondo por ela. Garanto que está do meu lado. Está interessa­da em nosso futuro. Se ela trabalhar direitinho, posso até pensar nisso.

— É sério, então? Está caído pela morena? — indagou Rubinho.

— Reconheço que ela é uma tentação. Mas é cedo para dizer. O que sei é que está totalmente do meu lado. Foi ela quem me contou que to­dos os meses é depositado dinheiro na conta de Eleutéria e que ela fala nisso abertamente com o marido, mencionando que deveria aumentar a remessa, dizendo que afinal eles são ricos e podem pagar. Chega a dizer que enquanto eles estão brilhando na alta sociedade, ela está lá, tendo que ar­rancar o sustento da loja.

— Ela disse isso? — perguntou Daniel.

— Disse. O que comprova completamente a história de Alberto. Ela está chantageando o Dr. José Luís e a cada dia fica mais exigente. Como todos os chantagistas, sempre acha que pode obter mais.

— Essa criada concordaria em depor se fosse preciso?

— Não sei. Talvez. Marilena é corajosa e não gosta deles. Posso ver o que consigo com ela.

— Tenho certeza de que, se conseguisse isso, Alberto seria reconhe­cido quando recebesse o dinheiro.

— Ela me conseguiu alguns extratos bancários de Eleutéria conten­do os depósitos efetuados e percebi que eram realizados uma vez por mês, sempre na mesma data. Aqui estão eles.

— Eleutéria não vai dar pela falta?

— Não. Ao que parece ela não é organizada com seus papéis. Tem pequeno escritório em casa, onde deixa tudo espalhado pelas gavetas. Ma­rilena garante que ela nem vai perceber. Deixei-a encarregada de telefo­nar-me se acontecesse alguma coisa diferente e voltei para cá. Queria ver quem fazia o depósito do dinheiro. Ontem foi o dia previsto. Algo me di­zia que Bóris tinha algo a ver com isso. Fiquei de tocaia em casa do Dr. José Luís. Eram mais de meio-dia quando ele saiu e fui atrás. Foi direta­mente à casa de Pola, ficou lá meia hora. Saiu e eu resolvi esperar. Se ele fosse fazer o depósito, teria ido direto ao banco. Meu palpite estava cer­to. Cinco minutos depois, ela saiu e segui-a. Foi direto à agência bancá­ria. Entrei junto com ela, como se fosse também fazer um depósito. Vi quando ela preencheu a papeleta com o nome de Eleutéria, pegou um maço de notas e fez o depósito.

— Em dinheiro — disse Rubinho.

— Sim. Foram duzentos mil cruzeiros.

— Tudo isso?

— Em dinheiro, para não deixar nenhuma prova — comentou Da­niel. — Eles nem imaginam que estamos investigando. Essa Eleutéria nun­ca vai querer depor a favor de Alberto. Primeiro porque seria enquadra­da como cúmplice, segundo porque mataria a galinha dos ovos de ouro.

— Já esperava por isso — ajuntou Rubinho. — Em todo caso, pare­ce que agora não temos mais dúvidas. Podemos dar entrada na petição.

— Vamos chamar Alberto para conversar a respeito — disse Da­niel. — Jonas vai continuar com as investigações. Falta-nos descobrir o paradeiro da verdadeira mãe do menino que foi enterrado no lugar de Marcelo. Alberto nunca conseguiu localizá-la.

— Talvez tenha morrido. Mas se conseguirmos encontrá-la viva, será difícil convencê-la a depor. Foi cúmplice e certamente será também responsabilizada — argumentou Rubinho.

Jonas interveio:

— Se conseguirmos- encontrá-la, não poderá furtar-se a prestar de­clarações à justiça. Poderemos conseguir a exumação do corpo.

— É muito tempo, e a exumação não trará muitos esclarecimentos ao caso — opinou Daniel.

— Poderemos tentar. Hoje em dia a perícia está muito adiantada — disse Rubinho.

Jonas saiu e os dois se dedicaram inteiramente em trabalhar na peti­ção de abertura da ação contra a família Camargo. Nela estavam relata­dos todos os fatos que conseguiram descobrir, com nomes e endereços, in­clusive com os comprovantes de depósitos bancários feitos à ex-ama de Marcelo. Era um trabalho de fôlego, que exigia deles o melhor que pudes­sem obter. Chamaram Alberto para que ele tomasse conhecimento dos do­cumentos que eles haviam redigido e verificar se estava tudo de acordo com os fatos que ele vivenciara.

Faziam questão absoluta de manter-se dentro da verdade, narran­do os fatos que por si só constituíam-se em um libelo terrível contra os Camargo.

Eles queriam cuidar bem de todos os detalhes. Dentro de dois ou três dias as cartas seriam lançadas e não haveria mais como recuar.

Capítulo 8
Daniel chegou ao escritório de volta do almoço e logo notou que algo inusitado estava acontecendo. Na sala de espera havia um burburinho, e alguns fotógrafos logo se aproximaram dele enquanto outros faziam perguntas. Ele entrou o mais rápido que pôde, sem dizer nada. Rubinho esperava-o um pouco agitado.

— Estourou a bomba! — disse Daniel excitado.

— E. Há vários jornais querendo detalhes do caso.

— Você falou alguma coisa?

— Não. Prometi-lhes uma entrevista. Estava esperando você chegar.

— O que vamos dizer?

— Bom, nós não podemos entrar em detalhes. Vamos sugerir que Al­berto fale com eles. O que lhes interessa é a história.

— É. Só vamos confirmar a veracidade do fato e pronto. O resto fica com ele. Como souberam?

— Um advogado do fórum contou-lhes. Eles sabem até a data em que o Dr. Camargo foi intimado a comparecer para prestar declarações.

A secretária entrou dizendo com ar preocupado:

— Eles estão me crivando de perguntas. Está difícil impedir que eles entrem aqui.

— Está certo — decidiu Rubinho. — Diga-lhes que podem entrar. Segundos depois eles entraram e Rubinho foi logo dizendo:

— Estamos prontos a prestar esclarecimentos. O que desejam saber?

— E verdade que o neto do Dr. Camargo está vivo e deseja reaver seus bens?

— É — respondeu Rubinho calmo.

— Por que só agora, depois de tantos anos, ele apareceu?

— Por que não o pôde fazer antes.

— Quero crer que vocês, cujas famílias pertencem à melhor socie­dade, devem ter provas convincentes do que estão afirmando. Que pro­vas são essas?

— Estão sendo apresentadas em juízo — disse Rubinho. — Não desejo falar sobre elas antes da decisão da justiça. Em todo caso, como vocês estão muito interessados, vou falar com nosso cliente. Se ele concordar, marcaremos uma entrevista com vocês em que ele contará toda a verdade.

— Isso seria ótimo. Precisa ser logo. No fórum não se falava em ou­tra coisa hoje. É o escândalo do momento — disse outro repórter.

— Não estamos interessados em alimentar escândalos — disse Da­niel. — Infelizmente trata-se de pessoas muito conhecidas. Não podemos evitar os comentários. Mas o que queremos é devolver, pelo menos em par­te, a nosso cliente, o que lhe pertence por direito e que lhe foi tirado.


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