Sam bourne o código dos justos



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Seis meses antes.

— Muito bem, pessoal, escutem todos. — Era Harden, chamando a atenção da redação e tirando Will de seu devaneio. — É hora do bota-fora de um dos nossos, então vamos nos despedir de Terence Walton!

Logo umas 30 pessoas se juntavam em volta da editoria da "Cidade" enquanto Harden fazia um breve discurso falando sobre a carreira de Walton no Times.

Bem, temos de tirar o chapéu para esse cara pela versatilidade. Ele trabalhou em quase todas as funções neste jornal: repórter policial, repórter na Prefeitura, editoria de economia, editor da "Nacional", corres­pondente de Nova Délhi... é só dizer, que Walton já fez. Vocês acredita­riam que durante dois anos ele editou a seção de jogos no final da revista? Até escrevia as malditas dicas das palavras cruzadas. Bem, agora ele de­cidiu que já se cansou de nossa bela cidade e vai dividir seus talentos com as boas pessoas da índia. Está de partida para treinar jornalistas lá, para que possam copiar todos seus maus hábitos. Mas somos gratos a ele e, assim, vamos todos erguer um prato cheio de bolo barato e di­zer: A Terry!

— A Terry! — entoaram todos em coro, logo seguido por um pedi­do de discurso.

Walton atendeu ao pedido mencionando vários ex-colegas, muitos dos quais haviam partido tempos atrás e eram desconhecidos de Will, e fez algumas piadas venenosas à custa da administração. Por fim co­meçou a se despedir.

— Bem, se a minha formação acadêmica em Yale me ensinou alguma coisa, é que é melhor um discurso curto que uma longa conferência. E, como diz o bom livro: "Irmãos, o tempo é breve." Vôo para Nova Délhi esta noite mesmo. Portanto, vou concluir. Foi um prazer e um privilégio...

A sala rompeu em caloroso aplauso; até Amy Woodstein permitiu-se algumas palmas — embora talvez apenas de alívio por vê-lo partir. Will atacou sua fatia de bolo, apertou mãos e desejou ao vizinho de mesa boa sorte.

Talvez fosse a referência a Yale que causara isso, mas cinco minu­tos depois um pensamento se apoderou dele. Tornou a sentar-se ao computador, ainda mordiscando a cobertura do bolo de cenoura. Digitou Igreja do Cristo Renascido, deslizou a tela e clicou até encon­trar uma página com o retrato que mostrava o reverendo Jim Johnson e seus acólitos.

Desta vez seu olhar foi direto ao pai. Tão sério. Em seguida passou para Townsend McDougal do lado oposto, e então, metodicamente, co­meçou a examinar a fila de trás. Rosto, rosto, rosto...

Deu um zoom na imagem. Ali estava ele, no meio da fila, o quarto a contar de McDougal. Cabelos longos de hippie, estava quase irreconhecível: Will com certeza passara direto por ele na primeira vez que tinha visto a imagem. Mas o sorriso desdenhosamente superior con­tinuava inalterado: Terence Walton.

De repente, um arrepio atravessou-lhe as costas. Ouvia a voz de Walton de alguns minutos atrás: Como diz o bom livro: "Irmãos, o tempo é breve." Sabia que lhe era familiar: era a mensagem que o misterioso colaborador enviara quando Will estava na prisão, da carta de São Paulo aos Coríntios.

Will recostou-se na cadeira, um sorriso torto rompendo nos lábios. Que dissera Harden? Walton havia trabalhado em todas funções no jor­nal, incluindo um período em que editara a seção de jogos: ele chegou a escrever as dicas de palavras cruzadas.

— Que eu vá para o Inferno — disse Will em voz alta — se não foi ele.

Um dos membros fundadores da Igreja do Cristo Renascido, com jeito para enigmas: de repente, não teve mais dúvida. Não desista; os dez provérbios; Somos apenas homens, pequeno o nosso número. Walton sabia de tudo isso e queria passar adiante. Deve ter sentido medo. Medo demais para denunciar alguém diretamente. Se o Apóstolo ou seus colegas tivessem descoberto sua traição, não teriam hesitado em matá-lo. Não era de se admirar que ele recorresse ao código.

Mas por que Will? Por que o escolhera para receber todas aquelas pistas? Deve ter visto suas matérias no jornal e percebido que se apro­ximava do assassinato dos justos. Não desista. Não se referia a encon­trar Beth; referia-se à história dos lamad vav. Não pare em Macrae e Baxter: mais virão. Não surpreende que tenha roubado seu livrinho de anotações: queria saber o que ele sabia. Talvez até o viesse guardando em segurança.

Logo uma dúvida veio à tona. Se Walton era o informante, um trai­dor dentro do círculo do pai, por que tinha zombado dele após a maté­ria de Macrae? Não devia tê-lo encorajado?

E então Will se lembrou da conversa que haviam tido após a publi­cação de sua matéria na primeira página. Walton o intimidara com a his­tória da sorte de iniciante: Muito difícil repetir o mesmo truque duas vezes, dissera. E, no entanto, foi exatamente o que ele fizera, contando a vida e a morte de Pat Baxter. Walton quase desenhara um mapa — e Will o seguira.

Assim que viu a matéria sobre Baxter, Walton deve ter percebido que Will era o homem que denunciaria a Igreja do Cristo Renascido. Denunciar o próprio pai. Ou seu plano tinha sido urdido até antes; te­ria mesmo arquitetado a matéria de Baxter? O que lhe dissera Harden quando o despachara para a Costa Oeste? Raspei o fundo do barril e ofe­reci-lhes Walton, que se esquematizara todo para ir, mas agora, na última hora, veio com uma desculpa esfarrapada e sugeriu você. Seria isso realmente possível? Teria Walton se furtado à tarefa porque sabia que ele iria em seu lugar — e toparia direto com a história de Baxter? E aquele pros­pecto da Igreja do Cristo Renascido, que misteriosamente havia surgi­do na mesa de Will. Teria Walton posto ali?

Ia perguntar-lhe diretamente, agora mesmo. Girou a cadeira, levan­tou-se e viu a mesa ao lado até mais vazia que de hábito. Chamou Amy.



  • Ei, cadê o Terry?

  • Ele já foi. Saiu direto para o aeroporto.

Era tarde demais. Will desabou de volta na cadeira, desanimado. Gostaria de ter agradecido a Walton e ter-lhe feito uma centena de per­guntas. Agora jamais teria a oportunidade.

— Que pena, eu queria me despedir decentemente.

— Walton não lhe deixou um presente? Ele me deu um livro — disse ela, erguendo-o. — "A malabarista: Como equilibrar trabalho e famí­lia. Muito obrigada, Terry."

Will não a vira até então: uma caixa muito bem embrulhada, equi­librada na divisória entre as duas mesas.

Pegou-a e rasgou o papel, revelando uma caixa marrom quadrada de uns 15 centímetros de altura. Abriu a tampa: plástico-bolha. Debaixo, pu­xou o que parecia um enfeite de mesa, talvez um giroscópio. Só quando o retirou inteiramente da caixa foi que Will entendeu o que Walton lhe dera.

Era uma miniatura de Atlas, a estátua diante do Rockefeller Center. Um homem carregando o universo nos ombros, sustentando o mun­do. Havia um bilhete:


Um antigo ensinamento judeu diz que salvar uma vida é salvar o mun­do todo. Eu sei que você fez um, talvez ambos. Boa sorte, T.
Will largou-a na mesa, junto ao domo de neve de Saddam Hussein que havia roubado de Walton e nunca devolvera. Ainda não era igual ao de Amy, mas vinha personalizando seu próprio canto na redação. O lugar de honra coube a uma fotografia emoldurada de Beth, agora na plenitude de sua gravidez. Ao lado, uma foto de Will e da mãe. E em seguida, um espaço vazio, pronto para o retrato do menino que ele já amava.


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