Andre teve de rir da situação. Sabia exatamente o que aconteceria em seguida. O diretor do projeto americano publicaria um artigo na revista Nature, saudando a descoberta e candidatando-se ao prêmio Nobel, que era certamente seu, enquanto o FDA, o órgão de controle de alimentos e remédios dos EUA, começaria a testar o novo medicamento. Assim que fosse aprovado, entraria no mercado e tornaria a empresa em que trabalhavam uma das mais ricas no mundo. Haviam encontrado o cálice sagrado da medicina do século XXI: descoberto a cura para a Aids.
O único problema eram pessoas como Grace, a mulher que Andre conhecera numa das primeiras experiências clínicas. Pobre demais para comprar o medicamento antivirótico, a Aids constituíra uma sentença de morte para ela — e não uma doença com a qual se podia viver, como ocorria na Europa e nos Estados Unidos. Essa cura não seria para ela nem para os milhões de mulheres, homens e crianças na mesma situação em todo o mundo. A nova droga jamais chegaria a eles, pois era cara demais. A empresa deteria uma patente que iria durar vinte anos para o novo medicamento: até lá, possuiria o monopólio e iria cobrar o que quisesse.
Por isso ele fora ao escritório da FedEx mais cedo naquele mesmo dia, com uma grande caixa endereçada a um homem que tinha conhecido em Mumbai, na Índia. Reverenciado e odiado como o rei dos falsificadores de remédios, esse homem ganhara uma fortuna fraudando as mais recentes drogas ocidentais e vendendo-as ao terceiro mundo por um décimo do preço. Fizera isso com alguns dos primeiros remédios para a Aids. Agora, dentro de um ou dois dias, receberia a fórmula completa para a cura. O bilhete de Andre estipulava uma clara exigência: "Produza essa droga e distribua para o mundo. Já."
O sol começava a se pôr; ele ouvia as ondas com mais facilidade do que podia vê-las. Iria a um bar tomar uma cerveja. Quem sabe quando teria outra chance? No dia seguinte, a empresa poderia descobrir seu roubo, a traição, e o prenderia sob dezenas de acusações. Com tanto dinheiro em risco, teriam de puni-lo exemplarmente: talvez pegasse anos de cadeia.
Assim, decidiu saborear aquela noite. Bebeu, flertou. E quando uma linda moça, com longas pernas bronzeadas e uma saia que mal lhe tampava o traseiro, se aproximou, ele se esmerou para a ocasião. Ela riu de suas piadas; ele descansou a mão em sua coxa lisa e nua.
O trajeto no carro conversível dela foi repleto de ardentes beijos longos em todos os sinais de trânsito. Acabaram no apartamento dela, roupas jogadas pelo chão. E quando a mulher lhe preparou uma bebida, ele a sorveu agradecido, nem sequer notando o resíduo de pó ainda não dissolvido no fundo do copo.
Tossiu um pouco; ficou tonto e resolveu beber menos da próxima vez. Quando perdeu a consciência e tombou morto, ouviu a voz da moça recitando delicadamente o que parecia um poema. Ou talvez uma prece.