CINCO
SÁBADO, 21H50, BROOKLYN
Naquela noite, na cozinha onde sempre conversavam, Will seguiu o costume tradicional. Beth preparava uma massa, e ele, logo atrás, lavava cada panela e colher à medida que ela as usava. Era uma estratégia inteligente, admitia: planejamento antecipado, impedir a montanha de louça para lavar depois do jantar. Repassava todo o seu dia para a mulher.
— O sujeito é um gigolô desprezível, mas quando vê aquela mulher em desespero, vende os bens mais pessoais para ajudá-la. Uma mulher que ele nem sequer conhece. Não é incrível?
Beth mexia a panela, sem nada dizer.
— Não tenho certeza do que Glenn vai pensar disso, mas essa mulher, Letitia, acha que Macrae salvou sua vida. Que a salvou. É uma história e tanto, não? Quer dizer, vai dar uma matéria e tanto.
Beth parecia muito distante. Will tomou isso como um sinal de aprovação a ponto de deixá-la em silêncio contemplativo.
— Mas chega desse assunto. Como foi seu dia?
Ela ergueu os olhos, a mão que mexia a panela parou. Lançou-lhe um longo e frio olhar.
— Ai, meu Deus, acabei de me dar conta... — ele disse.
O bilhete dela daquela manhã. Grande dia hoje. Ele o lera e esquecera. Na hora.
Beth nada disse, apenas esperou que ele se explicasse.
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Fui direto para o trabalho e fiquei entretido com essa história. Devo ter deixado o telefone desligado enquanto entrevistava aquela mulher. Você ligou?
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"Acabei de me dar conta." Como você pode dizer isso? Não pode "acabar de se dar conta" disso, Will. Não é assim que funciona. Não mesmo.
Ela falava com aquela voz calma, metálica, que quase o assustava. Reservava-a para quando ficava verdadeiramente furiosa. Ele imaginava que ela adquirira esse tipo de atitude como parte de sua formação psicológica: jamais perder a calma. Admirava-a na teoria, mas não na prática.
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Não pensei em mais nada por semanas e você "acabou de se dar conta" — ela insistiu. — Esqueceu completamente! — Agora aumentava o volume. — Teve o dia todo...
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Eu estava trabalhando...
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Você está sempre trabalhando ou pensando no trabalho. Nem mesmo se lembra do que devia ser a coisa mais importante em nossas vidas, e eu não como, nem durmo, nem tomo banho nem faço qualquer outra coisa sem pensar nisso.
Os olhos dela estavam ficando vermelhos.
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Me conte o que eles disseram — ele pediu.
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Não vai se livrar fácil assim, Will. Se quisesse saber o que disseram, devia ter ido ao hospital comigo. Devia estar lá comigo.
Cada uma das últimas palavras caiu pesada como uma âncora. Claro que ele devia. Como pudera esquecer? Era verdade o que ela dizia: não pensara em nada além de sua matéria desde o momento em que acordara.
Sabia que tinha de livrar-se desse estágio da conversa — por que faltara ao compromisso? — e avançar rápido para o que realmente importava: o que haviam dito os médicos? Mas como mudar o rumo da conversa? Só conhecia uma pessoa que conseguiria instantaneamente realizar essa manobra, esse truque psicológico. Essa pessoa era Beth.
— Querida, estou completamente errado. Não acredito que tenha faltado a esse compromisso. Não mereço saber o que aconteceu. Mas eu realmente quero saber. Falaremos de toda a minha obsessão com o trabalho, prometo. Mas, neste momento, acho que devia me contar o que aconteceu.
Ela se sentou, ainda segurando a colher de pau. Num sussurro quase inaudível, como se todo o ar houvesse sido sugado de seu peito, acabou falando.
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Eles não me examinaram; foi apenas uma "conversa". E disseram que devíamos continuar tentando por mais três meses até pensarmos em tratamento. —- Fungou profundamente, pegando um lenço-de-papel. — Disseram que somos perfeitamente saudáveis, que devíamos esperar mais tempo antes de "dar o passo seguinte".
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É uma notícia boa, não é? — ele perguntou, semiconsciente de que era um erro tático, um passo prematuro para a alegria antes que o momento de escutar em silêncio tivesse passado.
Na verdade, sabia que o que Beth mais precisava era falar, pôr tudo para fora. E não ter de argumentar, explicar nem defender qualquer ponto de vista. Tinha consciência disso, mas a boca tinha idéias diferentes, querendo melhorar logo as coisas.
— Não, na verdade acho que não é uma boa notícia, Will. Acho que não é de modo algum uma boa notícia. Só torna a coisa uma porra de um mistério. Se meus óvulos são tão perfeitos e seu esperma da mais excelente qualidade, por que diabos NÃO CONSEGUIMOS TER UM BEBÊ?
Atirou a colher de madeira na parede, onde espirrou molho de tomate como um quadro de Jackson Pollock, virou-se e fugiu para o quarto. Ele correu atrás dela, mas ela bateu a porta. Will ouviu-a chorando.
Como ele pudera ferrar com tudo assim? Prometera-lhe que iriam à clínica juntos, que tiraria uma ou duas horas durante a tarde. Em vez disso, fora trabalhar e se esquecera de tudo pelo resto do dia. Chegara a enviar-lhe uma mensagem — sobre trabalho — na hora da consulta. Sabia o que a mulher psicóloga pensava. Que ele mergulhava na carreira para evitar lidar com o verdadeiro problema: quatro anos de casamento, dois anos de sexo sem proteção e um ano de sérias "tentativas" — e Beth ainda não engravidara. Ele sabia que parecia exatamente isso, mas ela estava enganada. Essa não era uma nova fase. Ele sempre fora ambicioso. Mesmo na faculdade, trabalhara árduo: quando não editava o Cherwell, tentava vender contos da vida universitária em Fleet Street. Se ali se concentravam as redações dos jornais, se era sinônimo de mercado jornalístico britânico, era onde ele estaria. Era o seu jeito de ser.
O telefone tocou.
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Will?
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Ah, oi, pai.
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Estou ligando só para saber se você gostou do concerto.
— Sim, claro. Adorei — disse Will, passando os dedos pelos cabelos e encarando o chão. Como pudera ser tão grosseiro? — Eu devia ter ligado. Que coro maravilhoso.
— Você parece desanimado.
— Não, só cansado. Foi um longo dia. Lembra aquele caso para o qual eu fui chamado depois do concerto, aquele assassinato? Tive a idéia de levantar o que todo mundo pensa que é um assassinato padrão e ver o que realmente aconteceu. "Retrato de uma estatística criminal", a vida antes da morte, esse tipo de coisa.
A presença de Beth atrás da porta fechada do quarto era sentida em todo o apartamento. Claro que ele devia estar lá, convencendo-a a voltar atrás. Ou pelo menos a deixá-lo entrar.
— É uma boa idéia. O que descobriu?
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Que ele era um reles gigolô do submundo.
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Bem, acho que não é uma grande surpresa. Naquele lugar, acho que não se encontraria nada diferente. Mesmo assim, não vejo a hora de ler sua matéria sobre o FMI: desconfio que seja muito mais você. Escute, Will, Linda está gesticulando aqui ao meu lado. É um jantar para "você sabe quem", e esperam que a gente participe. Nos falamos em breve.
Mesmo nas noites de folga, pensou Will, o pai e a "parceira" — palavra que relutava em proferir a não ser entre aspas — faziam alguma coisa moralmente digna. O Habitat da Humanidade era uma das instituições de caridade preferidas do pai. "Gosto da idéia de uma causa que nos exija tempo e trabalho, não apenas dinheiro", dissera o Sr. Monroe mais de uma vez. "Eles pedem que a gente abra o coração, não apenas a carteira." Pendurada na sala de audiências do juiz havia uma foto dele e do presidente anterior — o "você sabe quem" — os dois de pé no meio de uma escada, de jaqueta de couro, o ex-presidente segurando um martelo. Participavam de um dos eventos típicos do projeto Habitat: a construção de uma casa para os sem-teto num único dia. No Alabama ou em algum outro estado.
Ele pensava em todo esse grande fervor do pai em fazer o bem. De fato, desconfiava disso. A interpretação mais cínica era que não passava de uma estratégia carreirista, destinada a polir a imagem do Sr. William Monroe como um homem de excelente caráter, eminentemente adequado a um lugar na mais elevada magistratura dos Estados Unidos. Em termos mais específicos, Will perguntava-se se o pai tentava melhorar suas chances com o eleitorado cristão evangélico, personagens fundamentais na nomeação de juízes para o Supremo Tribunal. Alguns de seus rivais eram cristãos declarados, comprometidos. Um liberal secular como o Sr. William Monroe não podia igualar-se a eles, mas se conseguisse aparar algumas de suas arestas radicais e agnósticas, isso só poderia ajudar. Pelo menos era isso que seu filho achava.
Will foi nas pontas dos pés até o quarto e abriu apenas uma fresta da porta. Beth dormia profundamente. Ele fechou a porta; pegou o resto da massa e comeu-a direto da panela. Sentia como se houvesse acabado de se erguer um muro no meio do apartamento deles — e ele e a mulher estivessem em lados opostos.
Pegou o controle remoto e ligou no seu canal favorito: CNN.
"Agora as notícias internacionais. Mais problemas em Londres com o ministro das Finanças, o chanceler do Tesouro Gavin Curtis, hoje sob o fogo da Igreja. O bispo de Birmingham recorreu à Casa dos Lordes para aumentar a pressão."
Will sentou-se para prestar mais atenção. Curtis parecia atormentado e muito mais velho do que ele se lembrava. Fora a Oxford quando Will era estudante. Curtis era então da oposição e estava atacando o departamento ambiental. Tinha comparecido para atuar como principal orador num debate na União dos Sindicatos de Oxford:
— Esta Casa acredita que o fim do mundo se aproxima.
Will era então o editor de notícias no Cherwell — e dera a si mesmo a ótima atribuição de entrevistar o político visitante.
Não pensara nisso durante anos, mas na época Curtis deixara nele uma forte impressão. Levara-o a sério, tratando-o como um verdadeiro jornalista quando Will não tinha muito mais que 19 anos. O engraçado era que Curtis não parecera um político, e sim um professor. Temperara a conversa com referências a livros e filmes, perguntando se Will lera algum teólogo holandês obscuro ou vira um novo e polêmico filme polonês. Will saíra da entrevista sentindo-se incompetente, mas também convencido de que Curtis estava destinado ao esquecimento: parecia intelectual demais para o tipo de esporte que constitui a alta política. À medida que o antigo entrevistado continuava em sua escalada no Gabinete, Will ficou constrangido por sua falta de visão política.
A CNN mostrava agora a imagem de um clérigo de cabelos brancos, terno cinza e apenas uma nesga de púrpura revelando-se embaixo. O rosto do bispo, ruborizado de ira, parecia tentar combinar com a cor da camisa. A CNN identificou-o como o líder do equivalente britânico da Igreja do Cristo Renascido nos Estados Unidos, uma ala extremamente moralista do evangelismo cristão.
— Esse homem é um pecador! — declarava o clérigo, enquanto um murmúrio que denotava ora concordância, ora discordância também podia ser ouvido. — Se é verdade que desviou fundos do tesouro público, precisa ser cassado!
Will desligou a televisão e foi para o computador. Beth dormiria até de manhã. Pensou em acordá-la para conversarem mais um pouco. Tinham uma regra: jamais ir para a cama brigados. Mas ela dormia tão profundamente que ele não ganharia ponto algum incomodando-a agora. Vira o estado da mulher. Ela assumira uma dezena de expressões diferentes no curso da noite: de serenidade, reprovação, até mesmo de ironia. Mais de uma vez ele fora acordado pelo ruído de Beth rindo de alguma piada secreta durante o sono. Mas nesse momento, mesmo com os cabelos castanhos outonais cobrindo-lhe a maior parte do rosto, notou o que temia ser um vinco de preocupação na testa dela, como se Beth estivesse intensamente concentrada. Imaginou desfazê-lo com apenas um toque. Talvez devesse voltar e simplesmente fazer isso. Não, e se ela acordasse e a briga deles recomeçasse? Melhor deixar como estava.
Ele poderia passar a noite escrevendo a matéria sobre Macrae e enviá-la logo ao amanhecer. Pelo menos isso impressionaria Harden. E seria uma desculpa para não entrar no quarto.
Ao teclado, sua mente não parava de desviar-se de Letitia, de Howard e das ruas de Brownsville. Sabia o que Beth queria, e a biologia, ou coisa que o valha, interpunha-se no caminho deles. Sentira-se encorajado pela atitude do hospital: dar tempo ao tempo. Mas ela não tinha o hábito de ser a paciente. Gostava de sentar-se do outro lado da mesa. E queria clareza: um diagnóstico, um plano de ação.
Sabia, além disso, que engravidar era apenas parte da história. Beth começara a ficar irritada com a obsessão profissional dele, sua determinação de deixar sua marca. Quando se conheceram, ela dizia que gostava dessa energia, achava-a sensual. Admirava a recusa dele por contornar problemas, capitalizar o prestígio do pai. Ele tornara as coisas difíceis para si mesmo — poderia ter voltado para os Estados Unidos quando completara 18 anos e usado o nome da família para conseguir um lugar em Yale —, e ela admirava isso. Agora, contudo, queria que ele deixasse a ambição de lado um pouco. Havia outras prioridades.
Acabou apagando pouco depois das quatro da manhã. Sonhou que estava num barco, empurrando uma embarcação como um vistoso gondoleiro. À sua frente, girando um pára-sol, estava uma mulher. Provavelmente Beth, mas ele não via muito bem. Tentou franzir os olhos, decidido a identificar o rosto. Mas o sol ofuscava-lhe a visão.
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