CINQÜENTA
SEGUNDA-FEIRA, 0H10, MANHATTAN
Will fora algumas vezes ao Lower East Side de Manhattan visitar amigos chiques e com economias suficientes para comprar e reformar propriedades agora mais refinadas ao norte de East Broadway. Tinha visto as delicatessens antigas, tomara café nos bares retrô-chique na Orchard Street. Mas não havia perambulado além das áreas seguras da moda. Passara pelos velhos prédios de aposentos da classe baixa, vendo-os como cenário cinematográfico. Jamais os examinara com atenção.
Agora se achava entre eles, tremendo de frio e exaustão no ar noturno. Amassado na mão, guardado em segurança dentro do bolso interno, estava o pedaço de papel com o endereço que tinha sido designado para encontrar.
O rabino Freilich levara TC e Will de volta ao mago dos computadores que lhes fizera a primeira demonstração. Conversara com eles durante o processo. Primeiro, alimente o computador com a frase em hebraico: Isaías 30, versículo 18. Em seguida, peça que pare a intervalos certos, e a máquina chegará a um número. Alimente esse número nos sites de GPS que obtêm as coordenadas para um lugar: um endereço ou uma rua específicos no Lower East Side de Manhattan.
— Espere um minuto — dissera Will. — Isso não é meio improvável? Você obteve os 36 homens justos entre seis bilhões de pessoas no planeta, e duas estão em Nova York? Howard Macrae e agora esse cara? Parece meio conveniente demais para mim.
Embora ainda não houvesse chegado a uma conclusão, seu ceticismo vinha se transformando em suspeita.
O rabino explicara que eles também haviam se perguntado sobre tanta coincidência. Mas depois estudaram mais a fundo o folclore hassídico. Verificou-se que um tzaddik verdadeiramente grande irradiava um "brilho" — a mesma palavra que tinha empregado o rabino Mandelbaum — que talvez atraísse outros. Eles calculavam que a bondade do rabino fora tão poderosa que dois dos tzaddikim haviam sido atraídos para perto.
— Pense neles como satélites — dissera o rabino.
Mas havia um problema. O endereço que Will segurava era o de um prédio de apartamentos, lar de dezenas de pessoas. Qual delas era o tzaddik? Os hassídicos haviam ido lá uma vez para conferir, assim que Yosef Yitzhok desvendara o primeiro código, mas não conseguiram identificá-lo. O homem naquele prédio continuava sendo um dos mais ocultos dos homens justos.
— Você terá uma chance melhor de encontrá-lo do que nós — dissera Freilich.
— Por quê?
—- Olhe para nós, Sr. Monroe. Não podemos ir aonde você vai, nem perguntar o que você pode perguntar. Seria algo muito óbvio. Você é um repórter do New York Times. Pode ir aonde quiser e falar com todo mundo. Encontrou o Sr. Macrae, zechuso yogen aleinu, e o Sr. Baxter, zechuso yogen aleinu. Que essa justiça nos proteja. Encontre esse homem. Vá procurar nosso tzaddik.
Assim, pouco antes da meia-noite, Will retirou o solidéu e retornou ao mundo. Quando partiu, TC decidiu fazer o mesmo.
-
Eu vou chamar a polícia. Não posso me esconder deles para sempre. Fizemos o que precisávamos fazer.
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O que vai dizer?
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Que meu telefone ficou descarregado o dia inteiro e eu só soube há pouco do que aconteceu. Deseje-me sorte. Ou ao menos me visite na cadeia.
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Isso não é uma brincadeira.
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Eu sei. Mas dá para ver o que parece: um homem morto no meu apartamento e eu desaparecida. Talvez seja acusada de assassinato pela manhã.
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É tudo culpa minha. Eu envolvi você nessa confusão insana.
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Não, não é verdade. Você me pediu ajuda. Eu poderia ter negado. Sabia no que ia me meter.
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Sabia?
-
Na verdade, não.
E com isso Will curvou-se para dar um beijo no rosto de TC — e ela recuou no momento em que ele se aproximou. Emanava de seu rosto um campo de resistência magnética. Claro. Não lhe era permitido tocar um homem, muito menos ser beijada por um no centro de Crown Heights. Will substituiu o beijo por um simples adeus.
Agora vendo sua respiração formar nuvens de vapor diante de si, ele dobrou a esquina chegando na Montgomery com a Henry. Atrás, havia um pequeno parque. Defronte, o prédio que procurava. Ele recuou, querendo examiná-lo por algum tempo. Via uma, duas, três luzes ainda acesas.
E agora? Mal refletira no que ia fazer quando chegasse lá. Não podia exatamente começar a bater em portas, dizendo que fazia uma pesquisa de opinião pública para o Neiv York Times após a meia-noite. O que poderia fazer?
Teria de entrar no prédio. Seria um ponto de partida. Depois, examinar as caixas de correspondência, pegar alguns nomes; buscou alguns deles no Google através do seu BlackBerry. Pensaria em alguma coisa.
Oh, que bom. Alguém saindo. Perfeito: isso lhe daria a chance de se esgueirar para dentro. Só que a pessoa se movia muito rápido, quase corria. Difícil distinguir se era homem ou mulher; escuro demais, e a luz acima da entrada fraca demais. Mas quando ele avançou, olhando nervosamente à esquerda e à direita, viu o suficiente.
O mais impressionante era a penetrante claridade dos olhos dele, um azul frio, vítreo. Mas foi a postura que Will reconheceu. Uma certa confiança, como se aquele homem houvesse se habituado a usar o corpo. Alguma coisa na sua roupa estava diferente, mas não havia como se enganar — com ou sem o boné de beisebol.
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