CINQÜENTA E SEIS
SEGUNDA-FEIRA, 14H25, BROOKLYN
Will se mantinha junto à janela, o tempo todo puxando a cortina para olhar a rua. Sabia que era uma tolice. Se alguém o estivesse seguindo, dificilmente haveria uma forma melhor de chamar a atenção. Abria e fechava a cortina com tanta freqüência que parecia enviar uma mensagem por códigos.
Despedira-se do pai apenas minutos depois de terem se encontrado. O Sr. Monroe olhara-o sem expressão quando ele baixara a matéria sobre Bitensky no BlackBerry, como se todo aquele negócio fosse demasiado louco para ser levado a sério. Fizera um gesto com o rosto e as mãos — vamos pôr de lado toda essa maluquice — e pedira-lhe que voltasse para casa com ele. Lá, poderia tomar um banho, dormir e acalmar-se. Linda cuidaria dele. De sua parte, tinha um importante caso para preparar aquela manhã, mas estaria de volta à noite. Então pai e filho poderiam pôr a cabeça para trabalhar juntos e decidir como iriam trazer Beth de volta. Era uma proposta tentadora, mas Will recusou-a. Já tinha desperdiçado tempo demais. Agradecido, levou o pai de volta ao carro — e mandou uma mensagem de texto para TC.
Para seu grande alívio, ela ligou de volta. Fora solta às nove horas daquela manhã. A polícia tinha acabado de ver as fitas do circuito interno de TV do seu prédio. A gravação de sábado à noite incluía uma seqüência filmada pela câmera acima da entrada dos fundos: mostrava Pugachov ajudando TC e um homem não identificado a entrar numa grande lata de lixo e empurrando-os para fora do alcance da câmera. Em seguida, mostrava-o tornando a entrar no prédio alguns minutos depois. Não apenas confirmava a história reconhecidamente estranha que ela contara aos detetives, mas também mostrava que quando deixara o Sr. Pugachov ele estava vivo e bem.
Também haviam encontrado algo na calça do morto que acabou ajudando. No bolso direito, estava a chave sobressalente do apartamento de TC. Com certeza, o zelador só precisaria usá-la se a moradora não estivesse em casa e a porta estivesse trancada. Com esse segundo álibi, a polícia soltou-a. Chegaram a agradecer-lhe o tempo que ficou lá — sem dúvida, pensou Will, segundo as normas do manual de tratamento ao cidadão do Departamento de Polícia de Nova York.
Tinha sido idéia dele encontrarem-se no apartamento de Tom, uma idéia calculada. Tanto seu apartamento quanto o de TC estavam sendo vigiados; ali, teriam ao menos uma chance de se encontrar sem ser detectados.
Além disso, TC tinha um plano — apenas um palpite, disse — que exigia grande ajuda do computador. Agora, olhava por cima do ombro de Tom, enquanto ele teclava.
— Então tem certeza do nome do domínio? — perguntou ele.
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Tudo o que sei é o que está escrito no cartão que peguei. Rabino.Freilich@Moshiachvive.com.
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Certo, certo, é o que vou tentar. Soletre Mosh... mais uma vez para mim?
— Pela terceira vez: M-O-S-H-I-A-C-H.
Will olhou de novo pela janela. Tom adorava Beth na mesma proporção em que não suportava TC. Em Columbia, Will sempre atribuíra isso ao ciúme, às dificuldades de serem um trio. Agora reconhecia que era mais como combustão orgânica: Tom e TC eram fósforo e enxofre. Não podiam se encontrar sem soltar faíscas.
Numa estratégia para lidar com ela, Tom optou por nem sequer falar com TC. Falava, em vez disso, consigo mesmo.
— Muito bem, então o que precisamos fazer é saber quem é o dono dessa conta no servidor.
Colocou as últimas palavras no "prompt", a janela vazia na tela. Alguns segundos depois, surgiu uma série de números. 192.0.2.233
— Muito bem, Whois 192.0.2.233?
Disse as palavras em voz alta enquanto as digitava.
A seguir uma resposta. No meio de diversas informações sobre "contatos administrativos", estava o endereço da sede dos hassídicos em Crown Heights. O mesmo prédio em que Will e TC haviam estado na noite anterior.
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Ótimo, agora vamos falar com Arin.
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Arin? Quem diabo é Arin?
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ARIN é o American Registry for Internet Numbers, a organização responsável pela distribuição de endereços de DP, você sabe, a série de números a que chegamos antes.
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Mas achei que você já tinha o número desse, como você disse, domínio.
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Eu cheguei a um dos números. ARIN vai nos dar todos os números que pertencem aos hassídicos. Obteremos o número para cada máquina que eles tenham. Assim que obtivermos isso, podemos começar a trabalhar.
Logo a tela se encheu de números, dezenas deles. Aquilo, percebeu TC, era toda a rede de computadores hassídica, expressa em forma numérica.
— Muito bem, são esses números que iremos varrer.
-
O que quer dizer com "varrer"?
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Achei que você não queria que eu fosse técnico demais. "Poupe o papo técnico, Tom." Lembra?
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Então que fazemos agora?
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Esperamos.
Ela foi para o sofá e, deitando-se de imediato, usou o sobretudo dele como manta, antes de adormecer exausta. Tom trabalhava afastado num outro computador, martelando as teclas. Will alternava-se entre olhar a rua pela janela e uma fotografia na parede; um retrato dele, Tom e Beth, agasalhados até o pescoço usando grossas luvas de inverno, cachecóis e casacos, no que parecia uma estação de esqui. De fato era o centro de Manhattan, cedo numa manhã de domingo, após uma nevasca que durara toda a noite. O sorriso no rosto de Beth parecia mostrar mais alguma coisa além do próprio sorriso: qual era a palavra... apreciação, pelo fato de que a vida, apesar de tudo, podia ser maravilhosa.
Uma hora e meia depois, o computador emitiu um bip: não o sinal de um novo e-mail, mas um ruído mais simples. Will deu meia-volta e viu Tom correndo de volta para a máquina que deixara funcionando.
— Entramos.
Agora se reuniam em volta da mesa, os três fitando uma tela que só fazia sentido para um deles.
— O que é isso, Tom?
Era Will, decidindo fazer a pergunta primeiro e pronunciá-la com delicadeza, antes que TC tivesse qualquer chance de perguntar.
— Esses são os logs do sistema da máquina que acabamos de invadir. Assim conseguiremos saber quem a tem acessado.
TC roía as unhas, desejando que tudo acontecesse mais rápido. Will examinava não a tela, mas o rosto de Tom, à procura de algum sinal de progresso. Não gostou do que viu: Tom parecia desnorteado. Comprimia os lábios; quando estava à beira de uma descoberta, eles se separavam, prontos para um sorriso.
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Nada. Droga.
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Olhe de novo — disse TC. — Talvez tenha perdido alguma coisa. Olhe de novo.
Mas Tom não precisava que lhe dissessem isso. Aproximou-se mais da tela, agora passando os olhos linha por linha que aparecia diante dele.
-
Espere — disse. — Isso pode ser alguma coisa.
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O quê? O quê?
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Veja, aquela linha no log. Ali. O relógio do sistema caiu à 1h58 desta manhã. Talvez não seja nada de mais. Os programas muitas vezes caem e reiniciam automaticamente. Nada de tão importante.
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Mas?
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Poderia indicar outra coisa também.
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O quê?
Tom não estava se saindo bem sob o interrogatório de TC. Will intrometeu-se.
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Desculpe, Tom. Para um ignorante total como eu: o que é um relógio do sistema?
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É simplesmente uma parte da configuração da rede que as pessoas esquecem. Elas não desligam, então isso fica apenas ali, registrando a hora.
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E?
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O importante é que as pessoas esquecem que está ali. Assim não dão a devida atenção que dão ao resto do sistema. Velhos problemas de segurança que talvez tenham sido contornados em outros lugares no sistema às vezes são deixados na parte do relógio.
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Quer dizer, é como um buraco na cerca do jardim, na parte de trás, onde ninguém nota?
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Exatamente. O que quero saber é se esse relógio parou de causas naturais ou se alguém o estourou para invadir. Se você sabe o que está fazendo, pode enviar um buffer overflow, um imenso banco de dados numa seqüência específica, que ferra totalmente o serviço. Se você realmente sabe o que está fazendo, pode não apenas pará-lo, como também controlá-lo.
— Como assim? — perguntou Will.
— Pode fazê-lo executar seus comandos, o que efetivamente lhe dá acesso ao servidor.
— Foi isso que aconteceu aí?
— Eu não sei. Preciso ver o log de acesso do próprio relógio. É o que estou esperando agora... opa, espere. Isso é bom. Vê aquilo, bem ali?
Apontava uma série de números, à 1h58.
— Olá, estranho.
Era um novo endereço de IP, uma série de números diferente de todas as atribuídas aos hassídicos e sua rede. Era a assinatura de alguém estranho.
— Você consegue ver quem é?
— É o que estou perguntando agora mesmo. — Digitou: Whois 89.23.325.09? — Eeisa nossa resposta.
Tom apontava a linha na tela. Will levou um segundo para concentrar-se nas palavras. Mas ali estavam elas, palavras que mudavam tudo. Nem ele nem TC conseguiram emitir um único som. Os três ficaram mudos olhando o endereço diante deles.
A organização que invadira o computador dos hassídicos — lendo tudo que eles liam, olhando por cima dos ombros virtuais deles para ver cada um de seus cálculos, inclusive os que revelavam a localização exata dos homens justos — estava sediada em Richmond, Virgínia, e ali, na tela, via-se seu nome completo.
A Igreja do Cristo Renascido.
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