SESSENTA E TRÊS
SEGUNDA-FEIRA, 19H28, CROWN HEIGHTS, BROOKLYN
Os sons de ne'eilah eram trazidos pelo ar não apenas da sinagoga, mas das casas ao longo da rua — uma intensa prece naquela grandiosa e mais importante hora do dia mais santo do ano.
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Aqui? — perguntou Will. — Você quer dizer... — encarou o próprio rabino Freilich.
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Não, Will, não sou eu.
Will olhou em volta. Não havia outros homens na sala; nem na casa. Sentiu o estômago começar a embrulhar-se. Seria mesmo possível? Não, não pode ser. Não pode querer dizer...
— Não, Will — disse o rabino, alargando o sorriso. — Não é você. E então, com uma mínima inclinação da cabeça, apontou em direção a Beth.
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Beth? Mas eu achei que os 36 eram todos homens. Você me disse que eram todos homens.
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E são. E sua mulher traz dentro de si o trigésimo sexto justo. Ela está grávida, Will, de um menino
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Você cometeu um engano. Nós temos tentado... — Will se interrompeu quando viu o rosto de Beth.
Ela sorria e chorava ao mesmo tempo.
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É verdade, Will. Eu acabei usando aquele teste de gravidez que levava na bolsa durante tanto tempo. É verdade. Vamos ter um bebê.
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Entenda — disse o rabino Freilich. — Sua mulher não sabia que estava grávida. Mas a Torá sabia. A Torá nos disse. Foi a última mensagem do rabino, transmitida a Yosef Yitzhok em suas horas agonizantes. Ninguém percebeu isso na época, mas as últimas palavras dele nos levaram ao trigésimo sexto versículo, do Livro do Gênesis, o livro dos novos começos. Esse versículo, o décimo do capítulo 18, foi mantido separado de todos os outros; não foi anotado em nenhum dos documentos ou discursos do rabino. Ninguém poderia tê-lo tirado de nossos computadores. Mas contamos as letras da maneira habitual e o resultado nos trouxe uma localização: sua casa. A princípio achamos que o tzaddik era você. Mas depois Yosef Yitzhok examinou com mais atenção as próprias palavras do versículo que descreve o momento em que Deus fala com Abraão e conta que sua esposa, Sara, está grávida. Ela não tivera filhos por muito tempo, ainda assim estava grávida. Yosef Yitzhok entendeu o que nos dizia o rabino. Não devíamos procurar você, mas sua mulher. Encontramos o oculto dos ocultos, Will. E ele é seu filho.
Will puxou Beth para junto dele. Mas quando se abraçaram, ele sentiu uma coisa ferir seu peito através das ataduras. Ouviu as palavras do vigário, repetidas nos ouvidos. Tivemos grande cuidado ao cobrir suas feridas. Eu esperava que seu sofrimento fosse aliviado.
Will rasgou a camisa e arrancou as ataduras embaixo. Amaldiçoou-se. Como pudera ter sido tão imbecil! Havia seguido o roteiro exatamente como lhe mandara o vigário. Tente, em vez disso, iluminar esse caminho — e fora exatamente o que ele fizera. Com toda certeza, ali estava, escondido entre as ataduras: um simples fio, rematado numa ponta por um microfone e na outra por um minúsculo transmissor.
Um segundo, talvez dois, passaram-se antes de derrubarem a porta. Quando ela se despedaçou contra a parede, Will viu um borrão com apenas duas imagens distintas: um par de olhos azul brilhantes e o cano de um revólver, com um silenciador. Mais por instinto que por discernimento, ele protegeu Beth. Seus olhos se dirigiram ao relógio. Faltavam nove minutos.
O rabino Freilich e a dona da casa ficaram imóveis, petrificados. Olhos-de-Laser mal os olhara.
— Obrigado, William. Você fez o que pedimos.
A voz não era do homem com a arma, mas da figura atrás, que agora entrava na sala. O som da voz chocou Will. Compreendeu que olhava para o chefe da Igreja do Cristo Renascido, o homem por trás do assassinato de 35 das mais virtuosas pessoas da Terra, o homem que queria provocar nada menos que o fim do mundo. E, no entanto, o rosto que encarava ele conhecia desde sempre.
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