Sam bourne o código dos justos



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Estúdio de artistas plásticos. Mesmo nessa pequena fração de infor­mação havia toda uma história. Significava que ela tinha cumprido sua promessa: sonhara em ser artista plástica, conversaram sobre isso durante aquelas longas tardes na cama. Mas ele, e até mesmo ela, se perguntava se ela teria coragem de levar aquilo até o fim. Ficou satis­feito ao saber que TC conseguira. Mais que satisfeito: orgulhoso.
Menos de uma hora depois, Will viu-se entrando num elevador de serviço, um daqueles de estilo antigo, com porta pantográfica e tudo. Desconfiou que não fosse uma necessidade mecânica, mas uma afeta­ção boêmia: a colônia dos artistas em sua fábrica reformada. Saltou no quarto andar, silencioso e escuro, distinguindo apenas um canto reser­vado para uma escultora que parecia especializada em barrigas femi­ninas. Virou ao passar pelo que parecia uma oficina de metal, mas era de fato o espaço de trabalho de um homem que criava instalações usan­do néon. Por fim viu um aviso fotocopiado: TC. Só estas duas letras, sem primeiro nem último nome. Marca inteligente, pensou Will ao ba­ter de leve na porta divisória para anunciar sua chegada. Instintivamen­te decidira que a cortesia masculina inglesa seria sua defesa contra a fúria feminina americana típica dela.

Teve apenas um ou dois segundos para absorver tudo: paredes cobertas de pinturas, outras três em cavaletes, ainda outras embrulha­das em plástico-bolha, encostadas nas paredes. Uma mesa simples, surrada, coberta de tinta espirrada. Num balcão que corria pelo com­primento da parede dos fundos, materiais para pintura — garrafas de solvente; tintas a óleo em tubos de metal torcidos; cola; espátulas; vári­os raspadores enferrujados; barbante e, inexplicavelmente, um livro de culinária que parecia ter perdido todas as páginas.

Perto dos fundos da sala, sentada num sofá de veludo puído, TC. Ela era menor do que ele se lembrava, embora mais nada houvesse di­minuído: continuava sendo uma mulher que chamava a atenção. Ti­nha os cabelos agora na altura dos ombros, quando antes ela os usava no curtíssimo estilo punk. Quase todo castanho natural, a não ser por aquela faixa característica de azul, que ela ainda usava. Observando a fina blusa, vagamente vintage, acima da calça jeans justa, rasgada nos joelhos, ele viu a forma que antes o deixava maluco. Na penumbra, iden­tificou um brilho de metal: o piercing do umbigo continuava ali.

Esse era o momento que ele mais temera: devia abraçá-la, beijá-la no rosto, apertar sua mão ou não fazer nada? Mas ela tomou a decisão por ele, levantando-se e abrindo os braços, como se acolhesse de volta um filho pródigo. Ele retribuiu o abraço e tentou, pela posição dos bra­ços e mãos, fazê-lo parecer de algum modo — qual era a palavra?! — fraternal.

— O que foi que houve, Will?

Ele lhe contou do modo mais metódico e breve possível: o e-mail, o rastreamento feito por Tom até levá-lo a Crown Heights, a visita de Will, o interrogatório, o julgamento, a provação no mikve.



  • Você só pode estar brincando — ela disse, quando o último de­talhe foi contado, o rosto dando um sorrisinho afetado que era descren­ça, tensão nervosa, prazer pela desgraça alheia ou todas as três coisas ao mesmo tempo. O meio sorriso desapareceu quando ela viu a sua reação. Percebeu que o caso era realmente sério.

  • Will, eu sinto por você, sinto mesmo. E me compadeço pela fa­mília de Beth. — Beth. Ele nunca tinha ouvido TC dizer o nome dela antes. — Mas o que exatamente você quer de mim?

  • Preciso saber o que você sabe. Preciso que me explique o que eu ouvi. Preciso que traduza para mim.

Ela respondeu com um pequeno e pálido sorriso, que de algum modo a fez parecer mais velha. Nesse momento, Will percebeu que envelhecer não significava o aparecimento de marcas ou rugas, embo­ra essas coisas desempenhassem seu papel. Os anos realmente se reve­lavam em expressões como a que ele acabara de ver. De repente TC era um rosto de anos; de conhecimento.

—- Tudo bem. Me conte devagar e com o máximo de detalhes que puder lembrar tudo que aconteceu. Cada rua que percorreu, cada pes­soa com quem se encontrou, cada palavra que eles usaram. Vou prepa­rar um café.

Will recostou-se na cadeira de vime que ela ofereceu a ele. Pela pri­meira vez em 16 horas sentiu os músculos relaxarem. Ficou muito ali­viado: TC estava do seu lado. Foi tomado por um sentimento que nunca tivera quando estavam juntos; sentiu que ela cuidaria dele.

Era uma competente entrevistadora, paciente, mas metódica, exigin­do que ele fosse preciso sobre cada detalhe, revisando todos os aconte­cimentos para certificar-se de que não lhe escapara alguma coisa. Também salientou contradições, naquele velho jeito retórico dela.

— Espere, você disse que só estavam você e outros dois na sala. Quem é essa nova pessoa? O que foi exatamente que ele disse? Será que falou: "Eu vou" ou "Eu talvez vá"?

A precisão dela o deixou exausto. Durante uma pausa para descan­so, deixou os olhos perambularem pelas obras de TC, espalhadas pela sala. Grandes telas retratando cenas tipicamente americanas — pintu­ras naturalistas de um táxi amarelo ou um jantar de antigamente — e, por mais que admirasse a habilidade técnica, viu-se perguntando se ela não estava no ramo de trabalho errado. Tinha uma mente demasiado esclarecida, demasiado linear e lógica, para ser uma artista plástica. Cer­tamente, com um cérebro daqueles, devia ser uma acadêmica, advogada ou, pelas circunstâncias atuais, policial. De maneira sensata, Will pre­feriu não externar seus pensamentos.

Quando ele chegou ao fim, percebeu que ela até então não explica­ra nada. Cada vez que abria a boca, era só para buscar esclarecimento dele ou fazer perguntas complementares. Ele não sabia nada mais além do que sabia quando saíra de Crown Heights. Começou a ficar impa­ciente. Mas não ousou expressar sua insatisfação: precisava mantê-la como uma aliada. Além disso, estava à beira de desmaiar de cansaço; suas palavras começavam a ficar confusas.

Acordou quando o cotovelo escorregou do braço da cadeira. Soube dizer pelo gosto na boca que caíra num breve mas profundo sono. So­nhara com cantos e danças, com Beth no centro, rodeada, como uma rainha tribal, por homens de camisas brancas e ternos pretos.

Conferiu as horas no relógio: duas e meia da manhã. Então não ha­via sido um pesadelo de um longo dia e noite que parecia nunca termi­nar. Começara quando ligara seu BlackBerry umas 18 horas antes. E agora, incrivelmente, adormecera na cadeira de vime de TC e tudo ain­da continuava.

— Oi, você está de volta — ela disse, erguendo de repente os olhos de um bloco de esboços apoiado nos joelhos. Tinha a testa vincada de um jeito, lembrou Will, que significava que andara se concentrando muito. — Eis o que temos. O primeiro fato é eles dizerem que Beth não corre perigo... desde que você se mantenha longe. Segundo, parecem admitir que ela não fez nada de errado, e talvez nada mesmo. Reconhecem que isso parece confuso agora, mas prometem que tudo ficará claro. Sabemos pelas mensagens enviadas por e-mail a você que não querem dinheiro. Só querem que se afaste. É isso aí.

"O que corresponde a um tipo muito estranho de seqüestro. Parece que de algum modo querem tomar Beth emprestada por algum tempo e por motivo não-especificado, e esperam que você simplesmente aceite isso. Nós precisamos descobrir por quê.

Ele achou esse nós reconfortante, embora o resto do quebra-cabeça — e o fato de que ela não o houvesse resolvido instantaneamente — fosse tudo, menos isso.

— Então, o que temos sobre o motivo? Uma pista é que com certe­za temiam que você fosse um agente federal. A explicação otimista para isso é que tinham medo que os federais estivessem atrás deles simples­mente por causa do seqüestro. A explicação pessimista é que esse medo nada tenha a ver com o seqüestro, que eles estejam envolvidos em al­guma outra atividade criminosa e receavam há muito tempo que as au­toridades fossem atrás deles. Meio como aqueles cultos misteriosos que ficam à espera da chegada dos federais para lhes confiscar as armas.

Will teve um lampejo de lembrança de Montana, Pat Baxter e seus parceiros. Nossa, isso tinha sido apenas alguns dias antes; pareciam anos.

— Mas depois descartaram isso também, por motivos inteiramen­te racionais. Não sei quanto ao grampo, mas admito que estejam certos sobre esse negócio do judeu disfarçado: é isso o que os federais fariam. Mas você não ser um agente federal não deixa eles mais tranqüilos. Mui­to pelo contrário. Quando descartam essa possibilidade é que pegam realmente pesado, quase afogando você. Também faz algum sentido: não ousariam maltratá-lo se fosse um representante da lei. Uma vez que não era, sentiram-se livres. A pergunta, contudo, é por quê? O que poderia ser, para usar a frase deles, "infinitamente pior"? Uma seita hassídica rival? Um cartel de seqüestro rival?

Will detectou um traço de maldade nos olhos de TC, como se ela ain­da estivesse tomada pelo humor dos hassídicos para fazer nada de bom. Isso o irritou; e ela ainda não havia mostrado nada que ele já não soubesse.

— E quanto a todo aquele negócio judeu que eu ouvi? O que signi­fica tudo isso?

Will queria que ela retomasse o fio.

— Bem, a expressão que você ouviu lá como "Peking Nuff" é, na verdade, pikuach nefesh. A salvaguarda de uma alma. É em geral usa­da de maneira benigna, para perdoar as várias infrações da lei religiosa e fazer o bem. Por exemplo, vai ouvir os israelenses invocarem pikuach nefesh para explicar por que as ambulâncias têm permissão para funcionar no Shabat. Mas ao falar disso junto com todo aquele negó­cio judeu de rodef, eles estavam obviamente usando para ameaçar você... dar a entender que a lei judaica pode lhes permitir matar você. Ou Beth.

Will retraiu-se.



  • Quanto a "Shabbos alguma coisa", é real. O que você ouviu foi Shabbos Shuva, o Shabat do arrependimento, o mais importante do ano. É hoje, na verdade. Cai entre o Rosh Hashaná, o ano-novo, e o Yom Kippur, o Dia do Perdão. Estamos no meio dos Dez Dias de Penitência, os Dias do Medo. É um grande momento para os judeus. Sobretudo para os ultra-ortodoxos. Mas o que quis dizer seu interrogador com "res­tam-nos apenas mais quatro dias"? É verdade que faltam apenas qua­tro dias para o Yom Kippur, mas, a julgar pelo que você contou, ele quis dizer isso como uma espécie de prazo final. Não pode significar que restam apenas quatro dias para se arrepender, embora pensem assim. Isso deve estar associado à coisa mais ampla que ele mencionou: tipo, "tudo se equilibra numa balança", "os riscos não poderiam ser maiores", "a história antiga".

  • E no que se refere a toda essa coisa, não temos uma única pista, temos?

TC conservava a cabeça baixa, consultando o bloco de desenho. Will podia perceber o desespero dela para encontrar alguma coisa que des­vendasse o mistério. Havia reunido todos os fatos da melhor maneira possível, organizara um conjunto coerente de perguntas. Mas era só isso que tinha: perguntas.

  • Não — ela respondeu, em voz baixa. — Não temos.

  • E quanto ao rabino?

  • Ah, sim. Agora eu preciso que faça um grande esforço de me­mória. Ele lhe disse alguma vez seu nome?

  • Eu já disse, nunca me deixou ver seu rosto.

  • Então por que tem tanta certeza de que era o rabino?

  • Porque todos cantavam, batiam os pés no chão e esperavam por ele dentro da sinagoga. Depois fui levado embora. Aqueles desgraça­dos disseram que não podia falar comigo até o "professor" chegar. Então, quando ele chegou, fizeram tudo que ele lhes mandava fazer. Era obviamente o chefe.

  • Quando você estava na sinagoga, sentiu a mão no seu ombro e a voz disse: "Para você, meu amigo, tudo acabou", ou seja lá o que ele tenha dito, essa voz era a mesma que o interrogou depois?

  • Era, a mesma voz.

  • Então, se esse era o rabino, como é que a multidão não estava voltada nessa direção, olhando para ele? Se fosse ele, certamente todos na sala estariam olhando na direção dele, enlouquecidos pelo sujeito à distância de um sussurro do seu ouvido. Mas não estavam, estavam?

Talvez ele só estivesse oculto da visão, comprimido no meio daquela imensa multidão.

— Por favor, Will. Foi você quem disse: eles adoram esse cara como se fosse o Messias. Não vão deixá-lo simplesmente sair andando por ali, esmagado pela infantaria. Pense bem, ele em algum momento se anunciou como o rabino?

Will percebeu sem graça que seu atormentador jamais dissera tal coisa. Agora que pensava nisso com mais calma...

— Você se dirigiu alguma vez a ele como o rabino?

TC leu a mente do ex-namorado. Durante toda a provação, Will de­duzira que falava com o rabino. Em sua memória, referia-se a ele como o rabino. Mas usara alguma vez a palavra em voz alta?


  • Então você tem certeza de que o homem que quase me matou essa noite não era o rabino?

  • Eu sei disso.

  • Como? Como pode ter tanta certeza?

  • Tenho certeza, Will, porque o rabino de Crown Heights morreu e foi enterrado há dois anos.



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