VINTE E SEIS
SÁBADO, 20H01, MANHATTAN
Não tinha tempo para discutir o assunto com TC. Respondeu instantaneamente, os dedos teclando com fúria.
Eu podia chamar a polícia agora. O que tenho a perder?
Ele esperou, enquanto TC sentava-se à sua frente, encolhida e balançando-se para trás e para frente. Perguntou-se se já a vira nessa posição, tão nervosa. Os fregueses do McDonald's haviam mudado. A maioria dos resmungões desocupados fora substituída por homens de 20 e poucos anos que paravam para uma refeição antes de uma noite pelos bares. A luz vermelha acendeu-se.
Você tem tudo a perder. Poderia perdê-la.
Mais uma vez, não esperou. Era exatamente o que quisera desde a primeira mensagem: um confronto direto com os seqüestradores. Quando haviam se encontrado na noite anterior, ele tinha fingido ser outra pessoa. Tivera de ser educado. Agora que se achava em campo aberto, podia enfrentá-los.
Toquem nela e serão culpados de dois assassinatos. Minhas provas os derrubarão. Soltem-na ou vou começar a crucificar vocês.
A demora foi mais longa desta vez, excruciante. A luz vermelha acendeu-se.
Farmácia a preços baixos para todas as suas necessidades médicas. Entregamos. Spam.
Mais alguns minutos, e então:
Ligue agora para 718-943-7770. Nada de aparelhos de gravação. Saberemos se você usar.
Will imaginou como aquilo funcionava na outra ponta. Sem dúvida um dos gorilas, Moshe Menachem ou Tzvi Yehuda, estava no Internet Hot Spot, lendo e digitando os e-mails e recebendo instrução direta do chefe por uma linha telefônica. Agora o chefe tinha algo a dizer que não queria ver registrado num e-mail, mesmo disfarçado como aquele. Bom, ele pensou, vendo que o oponente se enfraquecera um pouco. Olhou para TC: após comer as unhas, agora roía as cutículas.
Ele abriu o celular, digitando os números devagar, como se fizesse uma cirurgia. As mãos tremiam. Percebeu que aquele homem o assustava.
Tocou apenas uma vez. Ouviu o telefone ser atendido, mas ninguém falou: teria de dar o primeiro passo.
-
Aqui é Will Monroe. Você me pediu que ligasse.
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Sim, Will, pedi. Primeiro, peço desculpas pelo que aconteceu ontem. Um terrível caso de erro de identidade, em parte agravado pelo fato de você ter cometido o erro de mentir sobre sua identidade. — Will perguntou-se se era para rir desse arremedo de trocadilho. Não riu. — Acho que é justo que falemos da situação atual.
-
Você está certíssimo sobre precisarmos falar sobre isso. Precisa devolver minha mulher, senão vou incriminá-lo num duplo assassinato.
-
Agora se acalme, Sr. Monroe.
-
Não estou me sentindo muito calmo, rabino. Ontem vocês quase me mataram, além de terem seqüestrado minha mulher sem motivo algum. A única razão de eu não ter ido até agora à polícia se deve às suas ameaças de matar minha mulher. Mas agora posso ir até eles e confirmar sua culpa no caso Bancoc, dizendo que você foi responsável por um seqüestro bem aqui na cidade de Nova York. Se você a matar depois, isso só agravará sua culpa.
Ficou satisfeito com o que dissera; fora mais coerente do que esperara.
— Tudo bem, vou fazer um acordo com você. Se não disser nada e não falar com ninguém, faremos o possível para manter Beth viva.
Beth. Parecia estranho ouvir o nome dela pronunciado por aquela voz de barítono, cujo timbre quase não se alterara na distorção do telefone.
-
O que quer dizer com "faremos o possível"? Quem mais está nisso? Você fez tudo, deve assumir a responsabilidade e garantir a segurança dela ou não. — Esta frase, não planejada, instigou-lhe uma idéia que ele disse em voz alta antes de formar-se plenamente na cabeça. — Eu quero falar com minha mulher.
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Lamento.
-
Eu quero falar com minha mulher já. Quero ouvir a voz dela. Como prova de que continua... viva.
-
Não acho que seja uma boa idéia.
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Não me interessa o que você acha. Eu terei muito prazer em explicar à polícia. Quero ouvir a voz dela.
-
Isso vai levar algum tempo.
-
Ligo de volta em cinco minutos.
Desligou o telefone e exalou como se houvesse prendido a respiração; o sangue parecia pulsar em suas veias. A firmeza que demonstrara tomara-o de surpresa. Entretanto, parecera funcionar; o rabino não recusara.
Contou os minutos, de olhos fixos no ponteiro de segundos, que se movia no mostrador do relógio. TC não conseguiu dizer nada.
Passou-se um minuto, depois dois. Will sentiu uma dor na testa; tensos há tanto tempo, os músculos do rosto doíam. A tampa da caneta que estava mordendo desmanchou-se na sua boca.
Quatro minutos transcorridos. Will levantou-se para se esticar, inclinando a cabeça para um lado, depois para o outro. O pescoço estalou alto. Baixou os olhos para o telefone, e após quatro minutos e cinqüenta e dois segundos abriu o aparelho e digitou mais uma vez o número.
— É Will Monroe. Me deixe falar com ela.
Não teve resposta, só uma série de cliques, como se a ligação estivesse sendo transferida. O ruído de respiração e então:
— Will? Will, é Beth...
-
Beth, graças a Deus que é você. Oh, meu amor, você está bem? Está machucada? — Silêncio e depois mais três estalos. — Beth?
-
Receio ter de cortar a ligação. Mas agora que ouviu a voz dela... sabe que está...
-
Pelo amor de Deus, você mal nos deu um segundo. — Esmurrou a mesa com o punho, fazendo TC saltar para trás assustada.
Will sentiu-se tomado pela emoção. Por menos de um segundo, sentira tamanho alívio, tamanha alegria: era a voz de Beth, sem a menor dúvida. Só aquele som o enfraquecera. E então desaparecera, interrompida antes que tivesse sequer uma chance de dizer-lhe que a amava.
— Eu não podia arriscar mais tempo. Lamento sinceramente. Mas fiz o que me pediu: ouviu a voz de sua mulher.
— Tem de me prometer AGORA que nada vai acontecer a ela.
— Tentei lhe explicar ontem à noite, Will. Isso não está inteiramente em nossas mãos, nem nas minhas, nem nas suas. Há forças muito maiores em ação. Trata-se de uma coisa que a humanidade temeu durante milênios.
— De que diabo está falando?
-
Não posso culpá-lo por não entender. Muitos realmente não entenderiam, por isso é que não podemos explicar à polícia, por mais que todos quiséssemos. Eles certamente não entenderiam. Por alguma razão, HaShem deixou tudo em nossas mãos para resolver.
-
Como posso saber se não está me enrolando para me manter calado? Como saber que não planeja matar minha mulher como matou aquele homem em Bancoc?
Uma pausa. Então:
-
Ah, nada me entristece mais do que o que aconteceu lá. Todo coração judeu há de chorar de desespero pelo ato lamentável ocorrido. — Fez mais uma pausa. Will deixou o silêncio prolongar-se. Espere o entrevistado quebrar o silêncio... — Vou correr um risco, Sr. Monroe. Espero que tome isso pelo que realmente significa, como um gesto de boa-fé de minha parte. Vou lhe contar um segredo que poderia facilmente usar contra mim. Mas ao revelá-lo, demonstrarei um grau de confiança em você. Em conseqüência, espero que se sinta mais capaz de confiar em mim. Entende?
-
Entendo.
-
O que aconteceu em Bancoc foi um acidente. É verdade que quisemos seqüestrar o Sr. Samak, como fizemos com sua mulher, mas com certeza não tínhamos a menor intenção de matá-lo. Deus me livre.
TC contornara a mesa e sentara-se junto dele, pressionando a orelha contra o celular.
— O que não sabíamos — continuou o rabino —, o que não poderíamos ter sabido, era que o Sr. Samak tinha o coração fraco. Um homem tão forte, mas um coração terrivelmente fraco. As... medidas que tivemos de tomar para mantê-lo sob nossa custódia, receio, foram mais do que ele pôde suportar.
Por um breve momento, Will pensou como jornalista: arrancara uma confissão daquele homem. Não de assassinato, talvez, mas de homicídio culposo. Num espasmo de orgulho profissional, adivinhou que, apesar das horas de intenso interrogatório, os melhores repórteres de Nova York ainda não haviam alcançado um resultado tão bom.
— Foi o que aconteceu, Sr. Monroe, e embora ouvir isso o surpreenda, eu só lhe disse a verdade em todos os nossos encontros até agora. Repito que assumi um grande risco falando com tanta sinceridade. Mas alguma coisa me diz que tomará meu gesto da maneira certa e não me tratará com desprezo. Eu confiei em você e agora espero que confie em mim. Faça isso pelos seus próprios motivos, Will. Faça, porque eu lhe disse que farei o que puder para manter sua mulher viva. Mas também faça pelo que lhe contei ontem e repeti mais uma vez hoje: que uma antiga história se desenrola aqui, ameaçando um desfecho que a humanidade temeu durante milhares de anos. Sua mulher é importante para você, Sr. Monroe, claro que é. Mas o mundo, a criação do Todo-Poderoso, é importante para mim.
O rabino silenciou, à espera de que Will dissesse alguma coisa. Sabia o que acontecia, mas não podia evitar.
— O que está me pedindo para fazer?
— Não fazer nada, Sr. Monroe. Absolutamente nada. Apenas ficar fora disso e ser paciente. Faltam talvez dois dias, e então todos nós conheceremos nossos destinos. Portanto, embora esteja desesperado para ver Beth de novo, suplico-lhe que espere. Nada de se intrometer, nada de bancar o detetive amador. Apenas espere. Espero que faça o que é certo, Will. Boa noite. E que Deus volte a fazer seu rosto brilhar sobre todos nós.
O telefone desligou-se com um estalo. Will olhou para TC, que parecia tremer com o aparelho.
— É tão estranho ouvir a voz dele — disse ela, quase num sussurro. — Depois de falarmos tanto sobre ele, quero dizer.
Will fizera uma anotação estranha, enquanto o rabino falava para que decifrassem o sentido. Entretanto, o mais impressionante era o tom. Se Will estivesse fazendo um resumo para Harden sobre a conversa que acabara de ter, se basearia nisso. O rabino parecera conciliatório, mas havia algo além disso... quase pesaroso.
O silêncio não durou muito tempo. O celular tinha outro texto para ser decifrado.
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