Como? Do que está falando?
Acho que estamos sendo seguidos e vamos precisar sair já daqui. Só não podemos sair pela porta da frente. Você tem alguma opção?
Deixe de gozação. Como alguém iria...
TC, não temos tempo para uma discussão.
Há uma saída de incêndio nos fundos; dá para um beco sem saída, eu acho.
Arriscado demais. Poderia ter alguém nos fundos também. Este prédio tem um zelador?
Um quê?
Um zelador?
Oh, sim. Um cara simpático. Mora no porão.
Você o conhece? Por favor, me diga que ele tem um carinho especial por você.
Mais ou menos isso. Por quê? Em que está pensando?
Você vai ver. Arrume numa bolsa tudo o que possa precisar.
Precisar para quê?
Para uma noite fora. Acho que não podemos correr o risco de voltar.
Planejando a saída, Will deu um telefonema apressado, depois juntou os Post-its de TC, seu celular, o BlackBerry e pôs tudo nos grandes bolsos do paletó. Ouviu-a remexendo as gavetas.
Na porta da frente, inspecionaram mais uma vez o apartamento. Por hábito, TC estendeu a mão para o interruptor de luz; Will segurou-lhe o antebraço bem a tempo de impedir.
— Não vai querer anunciar que estamos de saída, vai?
Isso lhe deu uma idéia. Como muitos nova-iorquinos preocupados com segurança, ela tinha dispositivos para acionar os interruptores nas luminárias. A maioria das pessoas os usava quando iam viajar, cronometrando-os para acenderem e apagarem as luzes, ligando a luz à noite e desligando-a de manhã. Sem perguntar, Will encontrou o da sala de estar e programou-o para desligar-se à meia-noite. Não, aquilo era óbvio demais. Dez para a meia-noite. Em seguida, foi até o quarto de TC — com cuidado — e programou a luz para acender-se dali cinco minutos antes e apagar-se mais uma vez vinte minutos depois. Com alguma sorte, o estranho à espreita do lado de fora concluiria que ele e a amiga haviam-na desligado de vez.
Feito isso, foram para o porão. Superaquecido e repleto de uma série de portas sem maçanetas, parecia um lugar inadequado para se viver. Mas era o lar do Sr. Pugachov, o zelador russo. TC bateu de leve na porta, atrás da qual, Will se deliciou ao notar, ouvia-se um programa de TV de tarde da noite. Por fim, a porta abriu-se com um rangido.
Para surpresa de Will, o zelador não era um velho mal-humorado de cardigã furado e sandálias gastas como os inspetores de escola de sua juventude. Ao contrário, o Sr. Pugachov era um homem bonito, de 30 e poucos anos e uma impressionante semelhança com o ex-campeão de xadrez Garry Kasparov. E em vista dos padrões de migração da ex-União Soviética, não seria nenhum grande choque se esse homem, cujo trabalho era assinar entregas diurnas de correspondência e consertar vazamentos em canos d'água, acabasse se revelando um grande mestre do xadrez.
— Srta. TC!
A expressão de Pugachov, contudo, passou de prazer a desapontamento assim que viu Will.
— Olá, Sr. P.
Um flerte, pensou Will. Bom.
—- O que posso fazer por você?
— Bem, é uma situação estranha, Sr. P. Meu amigo e eu planejamos uma linda surpresa para o aniversário da mulher dele.
Toque simpático, estabelecendo que não sou o namorado.
— Que deve começar — TC fez o gesto de conferir as horas no relógio — a qualquer minuto, na verdade. À meia-noite!
Parecia ofegante, ansiosa demais.
— Então o negócio é o seguinte — disse Will, assumindo. — Queremos sair daqui sem que ela nos veja. Nós a deixamos diante do prédio, entende? Sei que vai parecer loucura, mas eu gostaria de saber se há alguma maneira de nos esconder em, huumm, não sei, alguma caçamba ou carrinho e nos levar para a rua.
Will viu que o campeão de xadrez ficou espantado. Fitava os dois com um olhar de perplexidade. TC recorreu a um sorriso cintilante, mas de nada adiantou. O zelador olhava-os inteiramente confuso. Will decidiu falar uma língua internacional.
— Tome 50 dólares. Nos leve para fora daqui numa daquelas latas de lixo.
Apontou uma série de enormes latas de plástico sobre rodas enfileiradas junto à porta dos fundos.
-
Quer que eu ponha a Srta. TC na caçamba?
-
Não, Sr. P. Quero que nos ponha ali e apenas nos empurre pela rua. Cem dólares. Certo?
Decidiu que a negociação terminara. Enfiou o dinheiro na mão do zelador e dirigiu-se para a porta dos fundos. Ainda balançando a cabeça, o Sr. P. abriu a porta. Will apontou a lata azul assinalada "Jornais", fazendo um gesto para que o faxineiro a empurrasse o mais perto possível da porta. Era arriscado demais pisar no lado de fora; poderiam ser vistos. Em seguida, pegou a lata, segurou na alça e inclinou-a, abrindo a tampa e esvaziando o conteúdo no chão. Revistas, catálogos e encartes grátis anunciando computadores caíram como uma cascata, espalhando-se pelo chão. Quando viu a cara do faxineiro franzir-se numa careta, enfiou a mão no bolso e tirou mais vinte dólares.
Assim que pôs a lata quase em posição horizontal, a borda apoiada na rampa, não foi muito difícil entrar. Will engatinhou, como num túnel. Depois se estendeu, deitando-se de lado, e fez um gesto para que TC o seguisse até os dois se acomodarem como se fossem as duas metades de uma noz dentro de uma casca azul de plástico.
Will fez o sinal com a cabeça e Garry Kasparov fechou a tampa. Então, com um vigoroso esforço e um grunhido profundo e baixo, o zelador ergueu a lata para que ficasse na vertical, inclinou-a e começou a empurrar. Em pânico, Will percebeu que não haviam discutido um caminho nem um destino.
Dentro, TC e ele chocalhavam e batiam nas paredes, mas tiveram o bom senso de não deixar escapar nem sequer um gemido. Seus joelhos se tocavam, os rostos estavam a apenas dois centímetros um do outro, e, ao serem lançados para cima quando o Sr. P. passou por um buraco, a irresistível vontade de rir foi grande. Era tão ridícula a situação deles. Mas o sorriso só se formou na mente de Will, pois ele tinha um fardo nas costas. Beth.
Sentiram a velocidade diminuindo; o Sr. P. obviamente se cansara. Will bateu de leve na lateral. A lata mais uma vez se inclinou até embaixo, deixando-os engatinhar para fora. O faxineiro havia feito um bom trabalho: percorrera quase três quadras, mantendo-se junto ao estreito beco atrás dos prédios de apartamentos. Com certeza não foram vistos.
Despediram-se, com TC dando ao Sr. P. um breve abraço, que, desconfiou Will, valeu mais que o pagamento em dinheiro. Os dois viram o zelador refazer o caminho de volta, um imigrante russo empurrando uma lata vazia sobre rodas pelas ruas de Nova York à meia-noite. Essa era a beleza de uma grande cidade: nada jamais parecia fora do comum; portanto, ninguém prestava muita atenção.
— Muito bem — disse Will, olhando em volta e se orientando. — Agora só precisamos seguir uns seis quarteirões para o norte. Temos de correr.
E lá se foram.
Por fim, TC teve uma chance de falar.
— Que diabo está acontecendo, Will? Você vê um cara de boné de beisebol e de repente nos joga numa lata de lixo? E por que estamos correndo? O que houve?
— Eu vi aquele cara antes. Diante do prédio do Times.
-
Tem certeza? Como poderia saber se era o mesmo cara? Você só o viu por um segundo.
-
TC, acredite em mim. Era o mesmo homem. — Ia explicar sua teoria, mas percebeu que pareceria disparatada. E consumiria oxigênio demais. — Ele usava as mesmas roupas. Estava lá para me vigiar... ou para vigiar nós dois.
— Acha que os hassídicos mandaram esse cara?
— Claro. Talvez até seja um deles. Só precisaria trocar de roupas para passar por um sujeito normal.
Dostları ilə paylaş: |