Sam bourne o código dos justos



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CINQÜENTA E TRÊS
SEGUNDA-FEIRA, 0H51, MANHATTAN
Num certo sentido, o fato de achar-se tão exausto ajudou. Em circuns­tâncias normais, seu coração teria batido alto o bastante para acordar o bairro. Em vez disso, a fadiga agiu como uma espécie de escudo defen­sivo, retardando suas reações e até mesmo as emoções.

Achava-se agora algemado no banco de trás de uma radiopatrulha, apertado junto a um policial do Departamento de Polícia de Nova York. Na frente, as mensagens no rádio eram constantes — e tudo sobre ele. Era, ficou claro, suspeito de assassinato.

Os homens no carro exalavam um odor que Will lembrava da ado­lescência: testosterona e adrenalina, o cheiro de um vestiário após uma grande vitória. Sentiam o máximo de empolgação com o recente suces­so, e ele era o prêmio. Haviam-no pegado quase em flagrante delito, ameaçador sobre a vítima, as impressões digitais no pescoço. Os poli­ciais daquela unidade já se imaginavam com as medalhas do departa­mento que haveriam de receber.

— Eu não matei aquele homem — Will ouviu-se dizendo.

A cena era tão absurda, tão fora da realidade, que a voz pareceu vir de muito longe. Era como ouvir o rádio, uma das rádionovelas da BBC que a mãe adorava.

— Sei que é o que parece, mas garanto a vocês que não foi o que aconteceu. — De repente, um raio de inspiração. — Mas eu poderia levá-los ao homem que fez isso! Segui-o quando saiu do prédio me­nos de uma hora atrás. Sei onde ele está escondido! Posso lhes dar até uma descrição.

O policial no banco do carona virou-se para dar-lhe um sorriso irô­nico. Claro que pode, filho. E eu vou arremessar pelos Yankees na próxima terça-feira.

Na 7a Delegacia de Polícia, Will manteve seu desafio.

— Eu só encontrei o corpo! — disse, quando o levaram para o an­dar de cima. — Vi um homem deixar o prédio, segui-o e depois voltei. Achei que ele tinha assassinado alguém... e tinha razão!

Mesmo enquanto as palavras lhe saíam da boca, sabia que soavam ridículas. O policial que o vinha guardando desde o início encarou-o com desprezo.

— Quer calar a porra da boca?

Pela primeira vez desde que a polícia o detivera, Will começava a entrar em pânico. Que diabo fazia ali? Precisava chegar a Beth. Preci­sava estar nas ruas, em Crown Heights ou qualquer outro lugar, em busca de sua mulher — não algemado como prisioneiro do Departa­mento de Polícia de Nova York. Nem sequer pensava na perspectiva de ser incriminado por assassinato; apenas perder horas vitais batalhan­do na burocracia do sistema judicial criminal de Nova York já era pe­sadelo suficiente. Cada minuto ali era mais um minuto sem encontrar Beth. Além disso, o hassídico fora enfático: não havia tempo a perder; o destino do mundo ia ser decidido nas próximas horas e minutos. E, no entanto, ali estava ele, sem poder fazer nada; de mãos literalmente atadas.

Levaram-no até a mesa do sargento, onde alguém o esperava: o detetive que ele vira no prédio de apartamentos. Inspecionara o local do crime enquanto ele estava no carro.

— Tenho um prisioneiro para ser registrado — disse o sargento, dirigindo-se à escriturária e ignorando-o.

Cara de filhote de cachorro, 30 e tantos anos, a estrela ascendente do departamento de homicídios, imaginou Will.

— Muito bem, vamos esvaziar os bolsos.

O policial que fizera o papel de guarda-costas adiantou-se. Já tinha revistado Will no apartamento: depois que a polícia vira a seringa, não queria correr risco algum. Também lhe haviam retirado o celular e o BlackBerry: nada de telefonemas para cúmplices. Agora pegavam o resto: moedas, chaves, livrinho de anotações.

— Vamos pôr todas essas coisas no cofre — disse o detetive.

Cada item foi posto num saco plástico transparente e lacrado. O detetive fez uma anotação, testemunhada pelo sargento da mesa.

Quando abriram sua carteira, Will foi levado a cometer um dos maiores erros da noite. Entre os cartões, estava sua identidade de im­prensa: Will Monroe, New York Times.

— Tudo bem, eu confesso. O verdadeiro motivo de eu estar naquele prédio era que fazia uma tarefa para o Times. Em segredo. Tenho escri­to uma série de reportagens sobre crimes na cidade e era isso que fazia.

O detetive olhou-o pela primeira vez.

— Você trabalha no New York Times?

— Sim, sim, trabalho—respondeu ele, feliz apenas por ter tido uma resposta.

O detetive olhou para o outro lado e a escriturária voltou ao trabalho.

Levaram-no até outra mesa, onde lhe pediram que pusesse o dedo indicador direito no mecanismo eletrônico, ficasse imóvel e depois fi­zesse o mesmo com o esquerdo. E depois com os dedos restantes. O mecanismo emitia um bip como se ele fosse uma embalagem num cai­xa de supermercado.

Em seguida, levaram-no para uma sala com a placa "sala de inter­rogatório" na porta. No caminho, o detetive entregou uma cópia da fi­cha de Will a uma colega:

— Jeannie, pode fazer uma busca de nome para mim?

Na sala, havia apenas uma mesa com uma cadeira de cada lado e um telefone no canto. Nada nas paredes, além de um calendário: Nova York, prédio Empire State.


  • Muito bem, meu nome é Larry Fitzwalter e vou ser seu detetive essa noite. Vamos começar assim. — Apresentou outro formulário. — Você tem o direito de permanecer calado. Está entendendo?

  • Eu entendo, mas gostaria de explicar...

  • Muito bem, você entende. Pode pôr sua inicial aqui, por favor?

  • Escute, eu estava lá porque segui um homem até lá...

  • Pode pôr sua inicial aqui, por favor? Isso significa que você entende que tem o direito de permanecer calado. Muito bem. Qual­quer coisa que disser pode e será usada contra você num tribunal. Entende?

  • Trata-se de um simples engano...

  • Entende? É só o que estou perguntando agora. Entende as pala­vras que eu digo? Se entende, ponha sua inicial na porra do formulário.

Will nada mais disse enquanto Fitzwalter acabava de preencher o formulário, comunicando-lhe seus direitos. Assim que foi rubricado, o detetive afastou-o para um lado.

  • Muito bem, agora que sabe seus direitos, quer conversar conosco?

  • Não tenho o direito de dar um telefonema?

  • É de madrugada. Para quem vai ligar?

  • Tenho de lhe dizer?

  • Não — respondeu o detetive, pegando o telefone da mesa atrás e esticando o fio para colocá-lo na mesa entre os dois.

  • Basta me dizer o número que quer que eu ligue.

Will sabia que havia apenas uma pessoa para quem poderia ligar, mas a idéia era apavorante. Como reagiria àquela notícia? Olhou as horas no relógio: 2h15. Fitzwalter começava a ficar impaciente.

Ditou o número. O detetive ligou e depois estendeu-lhe o apare­lho, permanecendo firme na cadeira. Era claro que ia ouvir cada pala­vra. Por fim, Will ouviu a voz que queria e temia escutar.

— Alô? Pai?



CINQÜENTA E QUATRO
SEGUNDA-FEIRA, 3H06, MANHATTAN
— Tenho uma boa e uma má notícia, Sr. Monroe. — Era Fitzwalter. — Qual gostaria de receber primeiro?

Will ergueu os olhos devagar. Ele tinha passado apenas quarenta minutos naquela cela, mas pareciam quarenta noites. O pai mandara-o recorrer ao primeiro dos direitos que lhe haviam lido e não dizer nada. Assim que Fitzwalter teve certeza de que ele não ia abrir o bico sob pres­são, e a entrevista terminou, mandou trancafiá-lo.

— A boa notícia é que Sua Excelência o juiz William Monroe tele­fonou e disse que já saiu de Sag Harbor para cá.

A voz do pai retornava-lhe agora, flutuando na cabeça, tão audível quanto durante o telefonema que dera. Sonolenta, depois chocada, depois severa, depois decepcionada e depois decidida. Como havia pas­sado a juventude a milhares de quilômetros dele, jamais atravessara aquele rito de passagem da adolescência: anunciar ao pai que de algum modo traíra sua confiança. Pai, bati com o carro. Pai, fui pego fumando maconha. Eram frases que nunca tivera de proferir. Jamais tinha ouvi­do o pai dizer, como haviam feito todos os seus contemporâneos: "Filho, você me decepcionou." Portanto, ouvir agora — não as palavras, mas aquele tom — era uma provação a mais, a se juntar às outras.



  • Sr. Monroe, está me ouvindo?

  • Como?

  • Já lhe dei a boa notícia. Não quer saber qual é a má notícia?

  • Na verdade, não.

— A má notícia é que acabei de sair do telefone com o advogado de plantão no Times. Ele deu alguns telefonemas e sabe o que ficou sa­bendo? Eles acham que você não está em nenhuma tarefa para o jornal. Na verdade, dizem que você está tirando alguns dias de "descanso". Por ordem do próprio editor. Parece que se meteu numa grande enras­cada, meu velho.

Will levou as mãos aos olhos. Que erro básico: dizer uma mentira que poderia ser tão facilmente desmascarada. Sua defesa legal já esta­va comprometida. Cometera o erro capital de todos os culpados: tinha mudado de história. Quanto à carreira, com certeza terminara. Seria suspenso "para defender-se dessas graves acusações" e depois silencio­samente demitido.

A porta bateu, fechando-se. De algum estranho modo, ele quase se sentiu grato por estar naquela cela. Desde a manhã de sexta-feira, não parara de se mover, correndo febrilmente de um lugar para outro, de um novo plano para o seguinte. Atravessara a cidade em todas as dire­ções, de um lado para o outro, de Brooklyn a Long Island, ou refazen­do o caminho inverso, tentando pensar, concentrar-se, agir. Mesmo quando estava sentado, queria que o trem ou o táxi andasse mais rápi­do, que chegasse ao lugar, ou rezava para que tocasse o telefone ou chegasse um e-mail.

Agora não tinha para onde ir ou o que fazer. O planejamento, o pensamento e o cálculo frenético chegavam ao fim. Os carcereiros não haviam consentido nem que ficasse com um lápis e papel.

A pausa levou-o à compreensão a que vinha resistindo havia dias. Toda vez que rompera a superfície nas últimas quase 72 horas, ele afun­dara de volta. Mas agora não tinha mais forças.

Estava tudo desmoronando. Essa era a conclusão que se recusara a enfrentar, mas agora era forte demais para resistir. A mulher continuava desaparecida, prisioneira de homens extremamente fanáticos. Ia ser acusado de assassinato, diante de provas circunstanciais difíceis de re­futar. Ainda pior, caíra numa armação clássica.

Afinal, quem o enviara àquele prédio no meio da noite? Fora real­mente levado a acreditar que era apenas uma coincidência o fato de um brutal assassinato estar em andamento assim que aparecera no lo­cal do crime? E era muito estranho o fato de o assassino, com quase toda certeza, se haver refugiado logo numa sinagoga hassídica.

Todo aquele absurdo de que temiam o fim do mundo. Eles pró­prios o vinham provocando! Will e TC tinham desvendado sua tra­ma, por isso Freilich fora obrigado a vir com um papo furado sobre "quem quer que esteja por trás desse" blablablá. Seu primeiro instin­to estava correto. Não havia "eles". Os hassídicos haviam encontrado as identidades dos homens justos e agora, por algum motivo perver­tido independente, os queriam mortos. Will tinha entrado no cami­nho deles. Que solução melhor teriam para tirá-lo de circulação do que vê-lo preso pela polícia? Ele tinha de tirar o chapéu para eles: foi um golpe magistral.

Estranho pensar que poucos dias antes o foco de sua vida fosse a sua carreira. Sua carreira! Agora se achava em farrapos: ele fora flagrado em conduta imprópria pelo próprio editor. E também perdera todo o prestígio aos olhos do único homem cuja opinião realmente importa­va: o pai. Agora via isso com grande clareza. Claro que teria de afetá-lo o fato de ter sido criado todos aqueles anos sem pai. Sentia isso todo dia. Nos jogos de críquete, quando outros meninos eram aplaudidos de perto. Nos dias de atletismo, quando ele não tinha ninguém para aplaudir na corrida dos pais. As pessoas às vezes perguntavam se seu pai tinha morrido.

Will havia atravessado todas aquelas fases difíceis. Enfurecera-se com o pai; ressentira-se dele; numa ocasião, juntara forças com a mãe no ódio a ele. Mas sobretudo sentira falta dele. Havia sentido falta da­quilo que via outros meninos terem todos os dia dos pais: a mão no ombro, uma despenteada dos cabelos, um gesto que constituía apro­vação masculina. Agora, ali naquela cela de prisão, sem sombra da am­bigüidade e confusão, via mais claramente do que nunca por que cruzara o Atlântico e mudara sua vida. Viera buscar a aprovação do pai. Não ia encontrá-la estabelecido em Londres; teria de vir para os Estados Unidos e consegui-la por si mesmo.

Também tivera um plano. Seria o brilhante jovem sem tempo a perder, Will Monroe, astro de Oxford, que viera causar furor na cidade de Nova York. Imaginara o dia, talvez dali a dez anos, em que ia usar smoking, inclinar-se para um microfone posicionado alguns centíme­tros baixo demais para um homem de sua altura e agradecer aos juízes do Pulitzer pela fé em seu trabalho. Nessa mesma semana — na pri­meira página, duas vezes — isso chegara até a parecer próximo de rea­lizar-se. Mas agora não passava de um destroço exausto. A mulher a quem amava e o futuro com que sonhara haviam desaparecido.

Mesmo enquanto se empenhava nessa auditoria mental, sentia algo a chateá-lo — mais um pensamento exigindo atenção. Will andara des­viando o pensamento o máximo que podia. Esperava ficar livre dele.

Mas não conseguiu. E se os hassídicos estiverem certos? E se, assim que os 36 homens justos forem mortos, o mundo não mais se susten­tar? Tudo sobre essa louca teoria se encaixara até então. O ministro realizara de fato um ato de surpreendente bondade. Assim como Baxter também. E haviam feito isso disfarçados exatamente como dissera o rabino Mandelbaum. Poderiam todos os detalhes estar certos, e a própria idéia errada?

Nessa noite ele tinha testemunhado, ou perdera por pouco, o assas­sinato de um homem que bem poderia haver sido um tzaddik, um dos 36. E se assim fosse, seria mais uma confirmação de que os hassídicos diziam a verdade — ou ao menos parte da verdade. Também significa­ria que os assassinos dos lamad vav estariam chegando bem perto de sua meta. Ele conferiu as horas no relógio: pelo que dissera TC, o Yom Kippur terminaria em cerca de 16 horas. Tinham muito pouco tempo.

Era indispensável saber se o homem naquele prédio era um tzaddik, como os hassídicos haviam previsto. Pela primeira vez em horas, Will teve uma idéia.

Algum tempo depois, a porta da cela abriu-se mais uma vez. Ele se preparou para ver o pai. Mas era Fitzwalter.



  • Venha comigo.

  • Aonde?

  • Você verá.

Foi levado ao andar térreo, a uma sala iluminada por brilhantes lâmpadas fluorescentes, com sete ou oito homens dentro. Pelo menos três pareciam drogados; ele imaginou que vários eram sem-teto. Fecha­ram a porta.

— Muito bem, senhores — disse uma voz por um alto-falante. — Queiram ocupar seus lugares na parede dos fundos.

Dois dos homens no grupo pareciam saber exatamente o que fazer e encaminharam-se despreocupadamente para os fundos, depois se encos­taram na parede e ficaram olhando o vazio em frente. Foi quando Will viu as marcas na parede, indicando a altura. Era uma fila para reconhecimento.
No outro lado do vidro espelhado, a Sra. Tina Perez, do prédio de apar­tamentos Greenstret Mansions, fitou os homens dispostos à sua frente.

— Sei que foi uma noite longa, Sra. Perez — dizia Fitzwalter. — Portanto, não tenha pressa. Quando estiver pronta, vou lhe fazer duas perguntas.



  • Estou pronta.

  • Quero que olhe com muita atenção e me diga se viu algum des­ses homens antes e, se viu, onde foi exatamente. Certo? Está claro?

  • A resposta é não. Não vi nenhum desses aí antes. O homem que eu vi tinha olhos que a gente não poderia esquecer.

  • Tem absoluta certeza, Sra. Perez?

  • Tenho. Ele tinha as mãos em volta do pescoço do coitado do Sr. Bitensky e me olhava com aqueles olhos. Aqueles terríveis olhos...

  • Muito bem, Sra. Perez. Por favor, não se aflija. Jeannie, pode le­var a Sra. Perez para casa agora. Obrigado.

  • Certo, façam entrar a Sra. Abdulla.

Will foi poupado do encontro que temia com o pai. Vinte minutos após a fila de identificação, Fitzwalter entrara na cela.

— Mais uma boa e uma má notícia, Sr. Monroe. A má notícia para mim é que as duas testemunhas dizem que você não era o homem que viram no apartamento do Sr. Bitensky. Uma delas de fato o reconhe­ceu na identificação. Viu você no prédio, parado do lado de fora, na hora do assassinato. Assim, a boa notícia é que terei de deixá-lo ir em­bora. Por ora.

Havia formulários a preencher, para a liberação de suas coisas. Pri­meiro ele apertou um botão no celular, ligando-o. Instantaneamente, o aparelho começou a vibrar: uma mensagem de voz. TC.

— Oi, imagine só. Como previsto, estou detida pela polícia. Eles me interrogaram sobre o assassinato do Sr. Pugachov. Parece que ele foi baleado à queima-roupa. Acredita nisso? No meu apartamento? Aquela gracinha de homem, tão amável. E não posso imaginar que tudo isso foi porque... Como? Oh, meu Deus. Perdão. Eu lamento, Will, é Joel Brookstein. Você se lembra dele? Estudou em Columbia. De qualquer modo, Joel concordou em ser meu advogado. Me mandou não abrir a boca. Me ligue para dizer onde você está e como vão as coisas. Não sei se vão me deixar falar ao telefone por muito tempo. — A voz sumiu, como se ela tivesse se virado para falar com alguém atrás. — Está bem, já vou. Um minuto! Will, vou ter de ir. Ligue para mim assim que pu­der. Não temos muito tempo.

Enquanto escutava a voz dela — que agora parecia oscilar entre TC e Tova Chaya — ele ouviu um bip duplo. Um mensagem de texto. Apertou as teclas.


Paulo, distribua as letras de sino ao Cristo! (1, 7,29)
No bombardeio das últimas horas, ele quase esquecera o mensa­geiro fantasma. Ainda associava na mente essas mensagens a Yosef Yitzhok, embora soubesse, racionalmente, que era impossível. O últi­mo texto era a prova definitiva: alguém mais vinha dando-lhe essas pistas codificadas o tempo todo. Mas quem?

O sentido da última mensagem parecia quase ao alcance. Quarenta e oito horas de comunicação com aquele homem lhe tinha dado algu­ma idéia de como sua mente funcionava. Deve ser como fazem os vicia­dos em palavras cruzadas, pensou: após algum tempo, enfiavam-se na cabeça do criador dos quebra-cabeças.

E essa parecia ser de fato uma definição de palavras cruzadas. Sem dúvida, o sentido literal era irrelevante. Sabia como essas pis­tas funcionavam, com instruções numa parte relacionadas ao resto. Mas quem era Paulo? E por que a solução incluía uma palavra de 29 letras?

Começaria com a parte mais óbvia, seguindo a instrução "distri­bua as letras", rearrumar as palavras "sino ao Cristo". Com a incons­ciência de um homem recém-libertado, pegou uma caneta da mesa da escriturária e escreveu nas costas do recibo que ela acabara de entregar.



Trinos ociosa. Não funcionou. O sino cristão. Não era muito melhor.

E então viu, dando o primeiro sorriso em horas. Que maravilha essa mensagem chegar logo agora, quando se achava sozinho, sem TC. A única área em que com certeza teria mais conhecimento do que ela.

Pegou o telefone a fim de ligar para o pai. Para dar-lhe a boa notí­cia de que fora solto sem acusação e pedir-lhe que parasse no caminho, talvez num hotel, e pegasse a única coisa que, compreendeu de repen­te, ia precisar: uma Bíblia.
CINQÜENTA E CINCO
SEGUNDA-FEIRA, 4H40, MANHATTAN
Por um minuto, pensou em pedir à policial da mesa. Depois reconside­rou. Não causaria nenhuma boa impressão, um suspeito de assassinato despenteado, alternando entre vociferar sobre a identidade do verda­deiro assassino — "Ele tem olhos azuis penetrantes!" — e pedir para ler a Bíblia. Tudo bem que fosse culpado e insistisse numa defesa à base de "diminuição de responsabilidade"; não tão esplêndido pára um homem que queria sair da 7a Delegacia após convencer a polícia de que era inocente e são.

Em vez disso, ficou à espera do pai andando de um lado para o outro na calçada, desesperado para ir embora. Por fim, o Sr. William Monroe, usando uma surrada jaqueta de velejar, surgiu. Parecia exausto, com olheiras. Will perguntou-se se andara chorando.



  • Graças a Deus, William—ele disse, abraçando o filho. —Fiquei me perguntando que diabos você tinha feito?

  • Obrigado pelo voto de confiança — disse Will, soltando-se. — Não tenho tempo para conversar. Trouxe o que pedi?

O pai assentiu com a cabeça, um gesto de triste rendição, como a fazer a vontade de um filho que balbuciava sobre as vozes em sua ca­beça ou pedia cem dólares para mais algumas pedras de crack.

— Tome.


Will atirou-se à Bíblia.

— Valeu, pai. Sabe aquelas mensagens de texto que tenho recebi­do? Bem, veja a última — disse, estendendo-lhe o celular.


Paulo, distribua as letras de sino ao Cristo! (1, 7, 29)
— O que isso poderia significar? Will apressou-se a explicar-lhe.

— As palavras sino ao Cristo são um anagrama para Aos Coríntios. O número 1 refere-se à primeira carta de Paulo aos Coríntios, e deve ser o Capítulo 7, Versículo 29. Era por isso que eu queria uma Bíblia. E aqui está.


Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve.

  • Ele está ficando desesperado.

  • Will...

  • Espere, pai. Eu só quero provar uma coisa a você. Muito bem, sei como isso vai parecer estranho, mas no centro de todo esse negócio parece haver uma teoria religiosa judaica. Centrada em homens de ex­cepcional bondade.

Viu a expressão do pai mudar de pena para impaciência.

  • Will, de que diabos você está falando? A polícia o trouxe para cá esta noite sob suspeita de assassinato. Tem alguma idéia do apuro em que se encontra?

  • Oh, sim, pai, acredite em mim. Sei que estou na maior enrasca­da imaginável. Maior do que poderia imaginar. Mas, por favor, escute o que tenho a dizer. Os hassídicos que seqüestraram Beth dizem que alguém, e pode ser um deles pelo que sei, está matando pessoas boas. Pessoas extraordinariamente boas. Não apenas aqui, mas em todo o mundo. O que aconteceu esta noite foi que cheguei bem perto de teste­munhar um desses assassinatos. Se a teoria hassídica estiver certa, o homem assassinado esta noite era um dos tais justos. Por isso eu que­ria que você visse isto.

Retirou o BlackBerry do saco de plástico lacrado, clicou no browser de internet e selecionou Google. Depois teclou as palavras "Bitensky e Lower East Side".

O Google buscava, não muito rápido naquele aparelho portátil. Por fim, surgiu uma página com os resultados da busca. Um site de biomedicina, alguma coisa sobre um pianista clássico. E depois um link para Downtown Express, "o jornal semanal de Lower Manhattan". Clicou ali, esperou uma eternidade para a página ser carregada e pesquisou en­tão. Era um trecho de um arquivo de alguns anos atrás. Rezou para ser uma coisa importante, uma coisa que pudesse provar ao Sr. Monroe que o filho não estava completamente desequilibrado.


Moradores da área da Greenstreet tiveram um assustador início da Pessach — a Páscoa judaica — esta semana, quando um prédio de apar­tamentos foi evacuado em razão de um alarme de incêndio na terça-feira.

Passava da meia-noite quando inúmeros moradores se reuniram no parque, enquanto equipes do corpo de bombeiros examinavam o prédio, antes de declará-lo seguro novamente.

Enquanto a maioria das pessoas vestia pijama e robe, um grupo estava completamente vestido—pois participavam da seder, a refeição cerimonial realizada na primeira noite da Pessach, que muitas vezes se estende até as primeiras horas da manhã.

Eram convidados de Judah Bitensky, um dos últimos moradores judeus de um prédio que no passado foi um núcleo da comunidade judia de East Broadway. Ao que parece, o Sr. Bitensky, faxineiro de uma das sinagogas restantes na área, oferece todos os anos uma seder em sua casa — convidando todos os que não têm outro lugar para ir.

"É uma espécie de tradição", disse Irving Tannenbaum, 66 anos e freqüentador assíduo. "Todo ano, Judah abre as portas para pessoas como nós. Alguns dos participantes são idosos e moram sozinhos. Alguns são moradores de rua."

Rivvy Gold, 51 anos e sem-teto, acrescentou: "É a melhor refeição que como durante o ano todo. É a única noite em que sinto como se tivesse uma família."

O Downtown Express contabilizou 26 pessoas que voltavam para o pequeno apartamento do Sr. Bitensky entre elas três em cadeira de rodas e duas de muletas. Relutante em dar entrevista a um repórter, o Sr. Bitensky foi perguntado como conseguia alimentar tanta gente, apesar de ele próprio viver com parcos recursos. "De algum jeito eu consigo", ele respondeu. "Não sei bem como."
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