Samantha James Alana, a Bruxa



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Capítulo XVIII

Por quanto tempo permaneceu de joelhos na terra batida, ela não sabia. Então, como se estivesse em transe, levan­tou-se. A dor a engolfava como uma mortalha. Cambaleante, moveu-se até a porta. Atinou vagamente para a presença ami­ga de Geneviève.

Do lado de fora, Merrick se virou ao escutá-la sair. Ele precisou de apenas um breve instante para constatar que o velho havia morrido. Os olhos de Alana eram duas lagoas de pura angústia.

Mas ao notar que ela passaria sem sequer uma palavra, Merrick tocou-lhe o ombro.

— Não me toque! — Ela o encarou, enraivecida. Surpreso, soltou-a.

— Alana...

— Eu deveria ter ficado com ele — ela alegou em tom acusatório. — Aubrey passou todos esses dias sozinho. Estava sozinho porque você não me deixou visitá-lo! Que o diabo o carregue, normando! Que você queime no fogo do inferno para sempre!

Merrick ficou paralisado. Sua consciência o julgava. Havia negado a Alana os últimos dias da vida de Aubrey e, de repente, a proibição lhe pareceu monstruosa e cruel.

Cometera um erro grave. E somente agora percebia o mal que causara aos dois. Mas era tarde demais.

Ele engoliu em seco quando sentiu a garganta travar. A agonia que via no rosto dela o dilacerava.

— Você tem razão — admitiu com dignidade. — Eu não podia ter lhe negado a companhia de Aubrey. — Ele hesitou antes de estender a mão. — Alana, vou recompensá-la...

Ela estapeou a mão de Merrick com extrema força.

Agora está preparado para ser generoso? Agora está disposto a ser gentil? Eu o odeio, normando. Eu o odeio com todas as minhas forças. Só peço a Deus que eu não tenha mais de olhar para você de novo! Escutou? Nunca mais que­ro vê-lo!

Quando Alana tentou passar, Merrick a segurou, dessa vez, pelos ombros. Porém, ela o empurrou, chutou e berrou, enquanto lhe socava o peito, lutava contra ele ferozmente.

— Alana! Acalme-se, querida...

— Deixe-me passar! — ela berrou. — Deixe-me passar! De alguma maneira, Alana conseguiu se desvencilhar.

Ergueu as saias e correu. Merrick praguejou e teria ido atrás dela se Geneviève não o houvesse impedido.

— Não, Merrick! Não a detenha! Não é hora. Pálido e assustado, ele encarou a irmã.

— Não detê-la? Ficou louca, mulher?

— Eu a conheço, Merrick. Ela vai voltar...

— Não vai! Não escutou, Geneviève? Ela me odeia! Claro que você sabe disso melhor que ninguém.

— Eu sei melhor que ninguém que ela não o odeia.

— Como sabe? Alana disse... Geneviève meneou a cabeça.

— Não. Alana não me disse nada. — Depois de respi­rar fundo, decidiu despejar o que se passava em sua men­te. — Ela está confusa, Merrick. Sente-se dividida entre os sentimentos que nutre por você e o amor por sua terra e seu povo.

— Sentimentos! — ele desdenhou. — Ela não sente nada por mim, exceto ódio.

Mais uma vez, Geneviève o segurou pelo braço, que esta­va rígido como pedra.

— Eu lhe peço, Merrick. Deixe-a sozinha por algum tem­po. Confie nela — sugeriu. — Sim, Alana está furiosa com você, mas vai passar. Sei que vai.

— Ela nunca vai me procurar — Merrick queixou-se, infe­liz. — Ainda mais agora, depois da morte do velho, Alana tem todo motivo do mundo para me rejeitar.

Naquele momento, Geneviève se compadeceu com o sofrimento do irmão.

— Eu sei, Merrick. Mas tem de acreditar que ela vai vol­tar para você.

Desolado, ele olhou para onde vira Alana pela última vez.

— Farei o que quer, Geneviève — concedeu. — Mas só porque é você quem está pedindo. Entretanto, se Alana não voltar até o anoitecer, irei atrás dela.

Então Merrick esperou e esperou. Esperou até não conse­guir esperar mais.

Havia uma coloração púrpura no céu, acima das árvores, quando ordenou que selassem seu cavalo. Vasculhou a flo­resta e os pastos, mas não a encontrou.

A raiva borbulhava em suas veias só de pensar que Alana teria aproveitado de sua fraqueza para fugir novamente. Mas o temor de nunca mais vê-la parecia apagar as chamas da raiva.

Estava passando diante da paliçada recém-erguida quan­do avistou o gato amarelo, Cedric. O felino se sentou no meio da trilha. Movendo o rabo comprido, Cedric ergueu o pescoço como se o confrontasse com a mesma valentia de sua dona. Merrick puxou a rédea de seu cavalo quando o gato eriçou os pelos.

Por um instante fugidio, uma tensão curiosa se instalou entre ambos. Mas o animal não miou ou fugiu, como Merrick imaginara que faria. Permaneceu onde estava, com o rabo paralisado no ar.

Por Deus, Merrick podia jurar que aquela criatura imper­tinente o esperava. Intrigado, ele esporeou o cavalo, que começou a andar. Cedric, por sua vez, virou-se e também saiu trotando.

Em silêncio, Merrick o seguiu, guiado por uma força ino­minável que não entendia e que não estava disposto a igno­rar. Ele e o cavalo se moviam calmamente atrás do gato, que os dirigiu por uma trilha estreita, que descia até o mar.

Em princípio, Merrick se convenceu de que a extensa praia estava deserta. A brisa carregava o odor característico da água salgada. Acima do mar, Brynwald se erguia em sua nobre majestade.

Foi então que a viu. Ela estava na base de uma rocha gigantesca, tão imóvel quanto uma estátua, mas o vento bravio jogava para trás os gloriosos cabelos, como uma flâmula dourada e prateada. Os olhos verdes estavam fixos nas águas turbulentas do mar. Ondas quebravam na costa rochosa, espirrando milhares de gotas para todos os lados, mas Alana nem sequer se movia. O ar estava frio e úmido. Merrick se deteve, tomado por dois impulsos diferentes e conflitantes entre si.

O aviso de Geneviève ainda ecoava em seus ouvidos. Deveria recuar e deixá-la em paz? Sua.mente racional dizia-lhe que a irmã estivera correta. Alana não o queria, tampouco precisava dele. Porém, a necessidade urgente de abraçá-la, sentir o corpo suave em seus braços, foi poderosa demais.

Novamente, esporeou o cavalo. A medida que a distân­cia entre eles diminuía, uma dor estranha se apossava de seu coração. O perfil de Alana pereceu-lhe tão solitário quanto o vento.

Enfim, Merrick parou. Os ombros delicados enrijeceram. Ela estava ciente da presença dele e obviamente não gostou. Sem saber o que fazer, permaneceu na sela e nada disse.

— Como me encontrou? — Alana perguntou sem encará-lo.

Merrick sorriu.

— Cedric me trouxe até você.

— Cedric! — ela exclamou surpresa. — Eu devia saber. Está sempre por perto, mas nunca aparece. — Alana voltou a se calar, trancafiando seus pensamentos.

Para Merrick, era como se a vida tivesse sido roubada dela. Por um instante, antes de voltar a fitar o mar, divisou nos olhos verdes um vazio avassalador. Por dentro, ele se mortificava porque nunca a vira tão desapegada.

Na tentativa de se controlar, apertou o couro da rédea. Tinha de lutar contra a vontade de descer e tomá-la nos braços.

— Saxã — ele a chamou. Silêncio.

Merrick desmontou e caminhou até ela. Pousou as mãos sobre os ombros, o que a fez se afastar. Bufou, frustrado.

— O frio está aumentando, saxã — alegou após um tem­po. — Em breve, vai congelar. Você precisa cuidar de si e do bebê. — Tomando uma mecha dourada, ele a inspirou pro­fundamente. — Volte comigo.

Alana abaixou a cabeça. Embora ela nada dissesse, Merrick não encontrou resistência quando a guiou até o cavalo e a colocou na sela.

Em Brynwald, Alana conseguiu partilhar a refeição que ele pediu para ambos no quarto. Mais tarde, parou diante da janela e observou a lua se erguer no céu estrelado. Tamanha apatia o preocupava porque ela não era assim.

Por fim, Merrick se aproximou por trás de Alana. Ela se assustou quando ele a tocou e a obrigou a se virar.

— Geneviève me disse que eu deveria deixá-la sozinha — ele comentou. — Então eu me contive. Deixei-a em paz por­que pensei ser o melhor. Mas não é isso que precisa, saxã. — A tom de voz tornou-se mais baixo. — Está sofrendo com a morte de Aubrey. Por que não chora?

Alana ficou sem fala, pois não esperava tanta franqueza. Mas, para seu desolamento, as lágrimas que não queria der­ramar vieram. Mordeu os dedos, rezando para que a dor lhe desse força suficiente para conter o choro.

Mas Merrick não permitiria que ela se esquivasse. Segurou-lhe as mãos e as pousou sobre o próprio peito.

Alana soltou um suspiro trêmulo.

— Quando choro, você pergunta por quê. Quando não choro, também me questiona.

— Teme que eu a tenha como fraca?

Por um breve momento, ela o fitou nos olhos.

— Sei que me acha fraca.

— Você não tem espada ou escudo e mesmo assim guer­reia comigo, saxã. Essa batalha eu não posso vencer. — Merrick respirou fundo. — Eu gostaria que tudo tivesse sido diferente — confessou. — Que Aubrey não houvesse morri­do. Sei que me acha cruel e talvez eu tenha sido mesmo. Não permiti que ficasse com ele e agora percebo o quanto eu a magoei.

Os olhos azuis escureceram. A, voz soava rouca de emoção.

— Se pudesse voltar atrás, eu o faria. Se conseguisse lhe tirar a dor que sente, saxã, eu o faria. Mas não posso. A úni­ca coisa que posso lhe oferecer agora é conforto, se você quiser.

A boca de Alana tremeu. Não queria que ele fosse gentil ou carinhoso porque assim seria mais difícil odiá-lo. Entretanto, por mais que quisesse detestá-lo, ela não conseguia.

Uma onda imensa de dor cresceu dentro dela. Agarrou a túnica de Merrick.

— Primeiro, minha mãe morreu — disse com a voz embar­gada. — Depois, meu pai. Agora Aubrey. Não vê? Agora não tenho ninguém! Não tenho mais ninguém! — Um soluço escapou e então veio outro. De repente, o choro emergiu e Alana caiu em prantos.

Enquanto ela chorava copiosamente, Merrick a tomou nos braços e a levou para a cama. Condoía-se por ela porque se via impotente frente à profundidade do desespero de Alana. Uma necessidade brutal de protegê-la o dominou.

Aninhando o corpo trêmulo, afagou os cabelos sedosos e enxugou a cachoeira de lágrimas com beijos ternos. E, quan­do Alana parou de chorar, ele despiu a ambos e a abraçou sob as cobertas. Cansada, ela aconchegou-se a Merrick, enquanto suas emoções se esvaíam.

A escuridão os envolveu. Pela primeira vez, não havia barreiras entre eles, nada além do desprendimento das emoções.

Relaxado, ele voltou a acariciar os cabelos dourados.

— Você o amava muito, não, saxã?

Assentindo, ela soltou um suspiro profundo. O braço musculoso a apertou ainda mais.

— Não sei como explicar — Alana disse em voz baixa. — Mas em várias ocasiões Aubrey foi mais que um pai para mim. Estava lá para me orientar e ajudar, uma vez que meu pai não aparecia.

— Pensei que Kerwain a tivesse assumido como filha.

— E assumiu. Mas minha mãe era uma camponesa. Por mais que a amasse, ele não podia se casar com ela. Kerwain preferiu Rowena, mãe de Sybil, porque o casamento lhe pro­porcionou terras e fortuna. Aubrey achava que minha mãe devia ter se mudado para outra aldeia, a fim de recomeçar a vida.

Emotiva, Alana engoliu em seco.

— Eu amava meu pai. Ele nos deu o tempo que tinha, o sustento que podia. Mas tudo era muito difícil porque Rowena nos desprezava. Houve dias, que Deus me perdoe, que o odiei pelo que fez a minha mãe. Muitas foram as vezes em que ele passou pela aldeia em companhia de Rowena. Quando via minha mãe, Kerwain nem sequer falava com ela.

As lembranças amargas a comoveram.

— Eu via como minha mãe ficava magoada. Escutava-a chorar durante horas. Ele queria minha mãe, mas a preteriu pelas terras e a fortuna de Rowena.

Havia mais, muito mais. O coração de Merrick se com­padecia com Alana e a mãe por tudo que haviam sofrido. As privações, o ridículo, a criança inocente taxada de bastarda e bruxa, a mulher apontada como prostituta. Ele escutou e, pela primeira vez, começou a compreender tudo que ela era, tudo que ela havia vivido.

Estranhamente, a humilhação que Alana pensava sentir não devia ter existido. Daqueles lábios deliciosos, Merrick ouviu tudo. Os segredos. A vergonha e a dor mais profundas. Mas não havia condenação. Abraçava-a com ardor, fazendo-a sentir-se segura e amparada, como se nenhum mal pudesse abatê-la.

Por fim, a paz se instalou, levando-a à sonolência.

Dessa vez, foi Merrick quem permaneceu acordado até a madrugada. Devagar, acomodou-a entre os travesseiros. Então beijou o ventre que crescia, a face agora rosada e a maciez dos lábios. Inspirando a doçura de Alana como se fosse um alimento vital, ele suspirou.

— Ah, saxã. Acha que não tem ninguém, mas está errada. Você tem a mim. E sou forte o bastante por nós dois. Quero partilhar uma vida com você, se me deixar.



Capítulo XIX

A primavera chegou a Brynwald com uma onda de calor intenso. O sol brilhava no céu. Os dias passaram, um após o outro. O mar se acalmou. Os campos se tornaram verdejantes e repletos de cores vividas que enfeitavam colinas e vales.

Até as flores desabrocharam, assim como o bebê de Alana que crescia em seu ventre. Com freqüência, ela acariciava a barriga protuberante já que a criança agora se mexia cons­tantemente. Merrick parecia tão fascinado quanto ela. Certa noite, pousou a mão espalmada sobre a curva da barriga e desde então nada mais o deteve.

Alana estava aliviada ao extremo, pois ele não se mostra­va reticente em assumir a paternidade, mas temia alimentar esperança.

Após a morte de Aubrey, instalou-se uma trégua muda. Foi um contentamento, já que Alana estava farta da inimiza­de, do distanciamento e da tensão que sempre houvera entre ambos. Usufruía da paz existente, uma paz que não ousava romper.

Para Merrick, era o momento que tanto esperara, o sonho que havia visualizado. Estava cansado das batalhas, das guer­ras. Fora à Inglaterra para construir seu futuro e Brynwald era motivo de orgulho, uma conquista que valera todo sacrifício.

Os dias eram longos e duros, mas não se queixava. Agora normandos e saxões trabalhavam lado a lado por um objeti­vo comum: ver a terra arada e semeada; colher os frutos em abundância que alimentariam lares e famílias fartamente.

Mas nem tudo se achava plácido e sereno. Não, havia ain­da uma ameaça à espreita.

Aconteceu em um lindo dia no final da primavera. Alana se ocupava em colher ervas e raízes na floresta. Merrick enfim abaixara sua guarda e dera permissão a ela para entrar e sair do domínio quando bem entendesse. Na maioria das vezes, Geneviève a acompanhava, mas, naquele dia em par­ticular, estava sozinha.

Encontrava-se nos arredores da aldeia quando avistou um grupo de aldeões reunidos no pasto. Vozes alteradas chega­ram aos ouvidos de Alana.

— Mãe de Cristo, os olhos foram arrancados!

— Deus misericordioso! — uma voz exclamou. — Quem faria uma coisa dessas?

Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Assustada e inca­paz de se conter a curiosidade, Alana se aproximou de um garoto. Os olhos do menino se arregalaram. Apavorado, escondeu-se atrás das saias da mãe.

— É ela! A bruxa!

A multidão se dispersou. Alana nem sequer escutou as exclamações. Só conseguia fitar, chocada e horrorizada, um filhote de ovelha caído no chão, ensangüentado e morto.

Uma náusea súbita a assolou. Eles estavam certos. Os olhos da ovelha tinham desaparecido. Mas foi o buraco no pequeno peito do animal que mais a apavorou.

O coração havia sido arrancado.

O calor do sol, de repente, tornou-se obsceno. Ela sua­va. O solo parecia ter se desintegrado sob seus pés. Foi então que Alana percebeu os murmúrios ao redor. Notou que os aldeões tinham recuado e que agora, pálidos de medo, faziam o sinal da cruz.

Ela lá permaneceu solitária, em espírito. Nunca sentira tanta desconfiança. Tanta incompreensão. Era como se fosse o mais vil dos seres saindo dos recônditos do inferno.

Uma dor profunda a dilacerou. Aquilo era demais. Mais que sua alma ferida poderia suportar.

Com um grito, Alana correu. Correu a esmo, frenética para fugir daquela cena horrenda. Não ouviu a voz masculi­na que a chamava. Desesperada, estava para além da visão e da escuta comuns..

Continuou a correr até sua respiração se tornar soluçada e a garganta arranhar. Correu até não lhe restar mais nenhu­ma força. As pernas cederam antes de tombar de joelhos no chão.

O mundo girava loucamente. Luzes se acendiam diante de seus olhos. Tomada por outra onda de náusea brutal, expeliu tudo o que havia no estômago ali mesmo.

Não ouviu os passos atrás de si. Mas quando finalmen­te ergueu o rosto, Merrick estava a seu lado. Abraçou-a pela cintura e a puxou.

Alana temia olhar para ele, receosa do que poderia ver ou não.

— Você viu a ovelha? — murmurou, por fim.

— Vi.

— Eles acham que fui eu, não acham? — ela perguntou, suplicante.



Merrick nada disse. Seu rosto estava pálido.

— Não acham? — Alana insistiu, angustiada. Embora hesitante, ele assentiu.

Para Alana, aquele foi o golpe final. Sentiu como se cada osso de seu corpo se quebrasse. Sempre, pensou, impotente. Sempre a julgariam. Sempre a condenariam.

Levantou-se em um sobressalto. Merrick a amparou, mas ela nem sequer notou. A respiração estava sôfrega demais.

— Meu Deus! — ela gritou. — Passei minha vida com essas pessoas. Por que não conseguem enxergar o que sou... o que não sou! Não sou uma bruxa!

O coração de Merrick se apertou. Parecia estar sentindo a mesma dor que Alana. Ela passara a vida nas sombras, como uma excluída. Sem dúvida, sofrerá por ter nascido diferente. Entretanto, não era tão diferente assim.

Aflito, Merrick a abraçou. Nunca se sentira tão impotente na vida, sem saber o que fazer.

— Eles temem o que não entendem. Alana, acalme-se, por favor. Certamente, aquilo foi alguma travessura maldosa de um garoto inconseqüente.

Ela meneava a cabeça e se agarrava a Merrick com deses­pero. As lágrimas escorriam sobre as faces delicadas. Mas Alana não emitiu nenhum som durante todo o caminho até Brynwald.

Quando a lua seguinte se ergueu cheia e brilhante, aconte­ceu de novo, porém dessa vez a atrocidade cometida foi com um bezerro.

Merrick galopou até a aldeia para verificar a carcaça des­coberta no pasto. Um por um, os aldeões começaram a se reunir, sérios e assustados.

Um homem gritou para ele:

— Meu senhor, só existe uma pessoa capaz de algo tão hediondo.

Merrick o encarou com ferocidade.

— Quem?

— Ora, quem mais poderia ser? A bruxa. A bruxa Alana.



— Não se atreva a acusá-la. Ela sai muito pouco do caste­lo e quando o faz está sempre em companhia de minha irmã — Merrick ralhou. — Por que vocês insistem em condená-la, eu não sei. Que mal Alana lhes causou a ponto de serem tão cruéis?

O homem ficou calado. Merrick se virou para uma mulher carregando uma criança.

— E a senhora? Que mal ela lhe fez? A mulher corou.

— Nenhum, senhor.

Ele então enfrentou os demais. Ninguém disse nada, temendo provocar a ira do senhor normando. Mas, por fim, uma alma corajosa ousou se manifestar.

— Mas, meu senhor, quem poderia ter feito isso? — o homem perguntou.

— Não sei. Mas lhe digo o seguinte: procurem o culpado entre vocês porque somente um covarde acusaria uma pessoa inocente de algo tão violento.

— Mas por que alguém faria algo tão horrendo?

— Encontre o responsável e obterá a resposta — Merrick respondeu.

O aldeão que primeiramente acusara Alana deu um pas­so à frente.

— Está enganado, senhor. Não precisamos procurar o cul­pado. Sabemos que a jovem Alana é a responsável.

Merrick se viu dominado por uma fúria tão violenta quan­to uma tempestade no mar. Agarrou o infeliz pela túnica e o ergueu.

— Vocês não sabem de nada. Fingem que ela cometeu as piores atrocidades quando, na realidade, Alana não fez nada. Nada! — Ele sacudiu o homem. — Não quero mais escutar nenhuma acusação infundada. Ou juro que vou cortar sua lín­gua e a de qualquer um ousar dizer mais mentiras!

Merrick soltou o homem, que cambaleou quando seus pés atingiram o solo.

Entretanto ao longo das semanas seguintes, a carnificina continuou. Rumores referentes à bruxaria circulavam, mas, depois da ameaça de Merrick, nada era dito em sua presença. Contudo, muitos sussurravam que Alana o enfeitiçara para que o senhor normando a ajudasse em sua causa.

A agonia de Alana aumentou sobremaneira. Para alguém, cujo coração tanto sofrerá, aquilo era o pior dos pesadelos. Como conseguiria sobreviver aos dias que viriam e manter a sanidade ela não sabia. Raramente fazia as refeições no hall e, quando isso acontecia, todos os presentes se calavam ao vê-la entrar. Geneviève era sua única amiga.

E Merrick sua única esperança.

Ele queria o bebê, disso Alana não mais duvidava. Mas ainda a considerava uma posse, um fantoche, ela refletiu, amarga. Sim, ele a sustentava. Sim, era gentil e carinhoso porque almejava a criança. Nunca, porém, dissera que a ama­va, nem mesmo no ápice da paixão que fluía entre eles.

E Alana ansiava desesperadamente escutar tais palavras, pois só assim conseguiria admitir o que seu coração lhe afir­mara tempos atrás.

Mas não! Não se atrevia a amá-lo. Recusava-se a amar um guerreiro normando. Ele a obrigaria a se render. Conquistaria seu coração...

Na verdade, Merrick já havia feito tudo isso.

Alana caminhava pela praia com freqüência, pois a flo­resta lhe trazia muitas lembranças de Aubrey. Naquele dia, porém, o desespero pesava em seu peito. Talvez fossem aquelas mutilações o problema, mas o fato era que o futu­ro a preocupava.

Tão logo atingira a maturidade, ela se perguntara inúme­ras vezes por que a mãe optara por ficar em Brynwald, à sombra da esposa do senhor feudal. Sim, ela amara Kerwain. Mas fora um amor que só originara angústia e sofrimento. Um amor que machucara todos os envolvidos, um amor que não curava.

E agora ela também gerava um bebê, o filho do senhor de Brynwald, um homem que não era seu marido... um homem que nunca seria seu marido. Sim, seu pai não fora designado para se casar com inferiores.

Tampouco Merrick.

Embora houvesse se agarrado à frágil esperança de que ele talvez viesse a amá-la de verdade, Alana agora temia ser como sua mãe. Cega ao destino que a esperava. Resignada com o futuro, um futuro que só levaria a mais sofrimento.

Pensou no bebê, que chutava em seu ventre. Seriam seus cabelos tão negros quanto os do pai? Ou seriam como os dela, prateados como a lua? Pensou nas últimas palavras de Aubrey, na predição de que ela gerava o filho de Merrick.

Rezou para que Aubrey estivesse certo. Aliás, ela tinha para si também que era um menino.

Suspirou, infeliz. Não poderia sequer imaginar Merrick com outra mulher... com uma esposa. Sua mente, porém, cavalgava por trilhas tortuosas. O que aconteceria quando ele se casasse? Pois Merrick certamente se casaria. E depois? Como ela suportaria partir e nunca mais vê-lo? Mas como conseguiria ficar em Brynwald?

E quanto ao bebê? Seu filho seria uma conseqüência, como ela o fora. O filho bastado do senhor. Uma dor aguda fisgou-lhe o coração.

Queria que o filho tivesse tudo que jamais pudera ter. Não podia imaginar que sua criança carregasse o segredo vergo­nhoso que sempre fora dela...

Tudo isso e muito mais rodopiava na mente de Alana. Embora os raios do sol cobrissem a terra com seu esplendor dourado, uma melancolia profunda a envolvia.

Cabisbaixa, caminhava pela areia, sem prestar atenção nas pequenas ondas que encharcavam suas botas de quando em quando. Estava tão absorvida pelos próprios problemas que não reparou na pessoa que parou a sua frente até colidir com o peito sólido de um homem.

Era Raoul. As mãos ásperas tentaram ampará-la, mas Alana se desvencilhou, enojada.

Ele riu.

— Saudações, Alana.

Calada, ela simplesmente ergueu o queixo a fim de mos­trar que não se deixaria intimidar. Mais uma vez, Raoul ten­tou tocá-la, mas Alana se esquivou.

-— Está me repudiando, Alana?

— Estou. E, pelo jeito, você não percebeu ou tem a men­te limitada. Não preciso de sua ajuda, normando. Nem ago­ra nem nunca.

Ele sorriu diante da rejeição.

— Sua irmã não é avessa as minhas atenções.

Minha irmã e eu temos muito pouco em comum, ela quase disse. Não o fez e ficou aliviada por ter se controlado, já que tais palavras soariam mesquinhas e maldosas.

Com os olhos lascivos, Raoul a examinou e se deteve um longo tempo nos seios agora generosos por causa da gravi­dez. Alana sentiu-se corar.

— Eu não me apressaria, se fosse você, Alana — ele dis­se. — Talvez esteja enganada. Talvez precise de minhas aten­ções mais do que imagina. — Raoul soltou uma gargalhada assustadora. — E mais cedo do que pensa.

Alana o encarou, desconfiada.

— O que quer dizer?

O sorriso zombeteiro prevaleceu.

— Só isso, minha adorada. — Raoul ergueu as mãos. — Entendo bem por que Merrick se envolveu com uma mulher tão linda como você. Mas ele não costuma permanecer muito tempo com uma só. Por isso, lamento lhe dizer, mas a rela­ção não vai durar.

Alana respirou fundo. Parte dela sabia que Raoul buscava espezinhá-la deliberadamente. Mas ele também dava voz aos medos que a vinham atormentando.

Entretanto, não o deixaria saber disso. Alana endireitou os ombros e o encarou, determinada.

— Cuide de sua vida, Raoul e deixe-me em paz com a minha.

Ele ainda sorria.

— Juro, senhora, que chegará o dia em que precisará de mim. — Raoul gargalhou novamente. — Quando esse dia chegar, se me agradar o suficiente, talvez eu me veja persua­dido a casar com você.

— Nunca irei precisar de você! Jamais!

O sorriso desapareceu. Ele agarrou o pulso de Alana com tanta força que ela gritou.

— Pode me rejeitar agora, mulher. Mas o que será de você sem ele? — Raoul destilou. — Chegará o dia em que não mais me rejeitará. Já lhe disse que minha espada pode satisfazê-la muito mais que a dele...

— E se valoriza a espada de que tanto se orgulha, é melhor soltar a dama antes que eu decida que você não precisa mais dessa espada tão satisfatória.

Merrick apareceu atrás de Raoul. Embora o rosto fosse uma máscara de pedra, os olhos azuis faiscavam de ódio. Raoul ficou pálido imediatamente. Não havia dúvidas de que Merrick pretendia cumprir a ameaça, pois naquele momento encostava a lâmina de uma adaga no pescoço de Raoul.

Raoul a soltou tão repentinamente, que Alana cambaleou.

— Não precisa usar sua arma — ele disse, nervoso.

— Não? Pelo que vejo, a dama ainda não se dispôs a favo­recê-lo, Raoul, um fato que parece escapar de sua compre­ensão. — Merrick pressionou a lâmina contra a pele até que uma gota de sangue surgiu. — Não entendo por quê.

Raoul estava imóvel. O suor começava a aparecer em sua testa.

— Nem eu, Merrick. Eu pediria seu perdão, se você me permitisse.

— A dama é minha! — Merrick atestou. — E do que é meu eu cuido. É a segunda vez que lhe previno do que acontecerá, caso venha a tocá-la de novo. Juro que não serei tão compla­cente na próxima vez.

Merrick abaixou a adaga. Raoul assentiu e saiu, clara­mente ansioso para partir. Assim que ele se foi, Merrick se voltou a Alana.

— Raoul a machucou?

O coração de Alana batia como um tambor. Somente ago­ra considerava o que poderia ter ocorrido, caso Merrick não tivesse chegado a tempo. Ele dissera já ter alertado Raoul. Talvez Raoul quisesse apenas assustá-la.

Aliás, Merrick não era um homem que fazia ameaças vãs. E certamente Raoul não ousaria arriscar o próprio pescoço, testando a paciência do guerreiro.

Ofegante, ela meneou a cabeça.

— Não deveria passear sozinha — Merrick disse, preo­cupado. Como Alana continuasse quieta, ele estranhou. — O que foi? Não me diga que ele já fez isso antes!

— Não — Alana respondeu quase em um murmúrio.

A expressão de Merrick tornou-se tão sombria quanto a noite.

— Você me contaria, caso ele ousasse tocá-la?

Ela não respondeu.

— Alana?


— Você se importaria? — ela indagou, agora fitando-o nos olhos.

— Não acredito que tenha me feito esta pergunta, saxã! — ele explodiu. — Não escutou o que eu disse a Raoul? Não permito que nenhum homem se aproxime do que é meu.

Sem emoção, Alana o encarou.

— Perdoe-me, meu senhor conquistador. Eu esqueci. Tenho alimento em abundância a meu dispor e um teto sobre minha cabeça. Minha vida é muito melhor agora.

Indignado, Merrick cruzou os braços.

— Por acaso, está criticando o tratamento que lhe ofereço? — indagou, ofendido. — Por todos os santos, mulher, cuido de você como nunca cuidei de ninguém!

— E vai me descartar como fez com todas as outras antes de mim?

Além de irritado com as acusações, Merrick também ficou intrigado com o comportamento de Alana.

— Que loucura é essa, saxã? Não me deitei com nenhuma outra desde o dia em que nos conhecemos. Não quis ninguém mais e você não tem motivos para acreditar no contrário. — Ele praguejou. — Raoul é responsável por isso? Ele encheu sua mente com mentiras a meu respeito?

Alana lutava para manter a compostura. De um minuto para o outro, porém, sentiu que o mundo desmoronava a seu redor.

— Não o recrimine. Ele não disse nada além da verdade. Nada que eu já não soubesse.

— E o que você já sabia?

Em vez de responder, Alana foi direto ao ponto.

— O que acontecerá comigo depois que o bebê nascer?

Pasmo, Merrick a encarou. Aquelas palavras não faziam sentido. Ela não fazia sentido.

— Vai tirá-lo de mim?

— Não! — ele explodiu outra vez, apesar de a tensão ter diminuído.

Era isso que estava por trás dos estranhos humores que Alana vinha demonstrando? O medo de que ele a separasse do filho? Apesar de ficar bravo por ela pensar algo tão vil a seu respeito, Merrick tentou assegurá-la.

— Não se preocupe, saxã. Tudo será como é agora. Você e nosso bebê ficarão comigo aqui, em Brynwald. — Ele fez menção de tocá-la, mas sentiu um distanciamento curioso em Alana. Fitava-o sem piscar.

— Então — ela enfim disse —, tudo será como é. Continuarei sendo sua prostituta.

— Maldição! Você não é uma prostituta!

Alana não pôde mais encará-lo. Não se atreveu porque não queria que a dor em seu coração se revelasse através dos olhos.

Merrick a segurou pelos ombros e a abraçou para confortá-la.

—Saxã! Olhe para mim.

Muito lentamente, Alana ergueu o rosto.

— Não se preocupe — ele se apressou em dizer. — Você será a mãe de meu filho, Alana. Sempre vou cuidar de você.

Lágrimas cintilaram nos olhos cor de esmeralda, lágrimas que corroeram a alma de Merrick.

— O que foi, querida? Não entendo a razão dessa tris­teza, dessa melancolia. Devia estar feliz por gerar um belo descendente normando...

— Não — ela o corrigiu. — Estou gerando um bastardo.


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