Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



Yüklə 2,32 Mb.
səhifə6/42
tarix06.09.2018
ölçüsü2,32 Mb.
#77870
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   42

47

Sociedade é, em princípio, uma teia de relações sociais, voluntárias e contratuais, que envolve comunicação, consenso e diferenças entre os indivíduos e os grupos sociais. Estes mantêm laços linguísticos, culturais e no modo como se relacionam e trabalham. São, portanto, componentes fundamentais da vida social:

· relações sociais;

· comunicação;

· interação.

Boxe complementar:

Encontro com cientistas sociais

O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) registrou sua observação de uma rua movimentada qualquer, em seu livro A sociedade dos indivíduos, de 1939:



O que une os indivíduos não é cimento. Basta pensarmos no burburinho das ruas das grandes cidades: a maioria das pessoas não se conhece. Umas quase nada têm a ver com as outras. Elas se cruzam aos trancos, cada qual perseguindo suas próprias metas e projetos. Vão e vêm como lhes apraz. [...] Mas há, sem dúvida, um aspecto diferente nesse quadro: funcionando nesse tumulto de gente apressada, apesar de toda a sua liberdade individual de movimento, há também, claramente, uma ordem oculta e não diretamente perceptível pelos sentidos. [...] A sociedade, com sua regularidade, não é nada externo aos indivíduos; tampouco é simplesmente um "objeto" "oposto" ao indivíduo; ela é aquilo que todo indivíduo quer dizer quando diz "nós".

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p. 20-21.

· Debata com seus colegas sobre a reflexão contida nesse trecho. Nos dias atuais das grandes cidades, embora grande parte das pessoas não se conheça, por que o convívio social permite a afirmação de um "nós", de um sentido de união entre os indivíduos?

Fim do complemento.

Na aproximação, as pessoas podem se valer do contato face a face ou de outros meios - dos sinais de fumaça, no passado, à atualíssima comunicação virtual. Os seres humanos formam unidades sociais, como famílias e associações diversas, que atendem de forma organizada às suas necessidades básicas (abrigar-se, comer, vestir, dormir, estar seguro). Essa capacidade de constituir grupos mostra que somos seres gregários.

A mútua influência entre pessoas e grupos com afinidades supõe troca de experiências, uma soma do conhecimento que acumulamos. Quando o agrupamento de pessoas faz circular as informações, estabelecendo redes sociais em que os indivíduos compartilham interesses, gostos, opiniões, como no exemplo anterior da professora e dos alunos, temos o fenômeno da sociabilidade.

Na sociedade e nos processos de sociabilidade, a interação social destaca-se como meio de manter unidos os grupos e a trama das relações sociais, sejam elas harmoniosas, sejam conflituosas. O sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918) escreveu:

O que faz com que "a sociedade", na acepção até agora válida da palavra, seja sociedade, são, evidentemente, as formas de interação. Uma pluralidade qualquer de homens não se torna sociedade pelo fato de existir em cada um, isoladamente, um determinado conteúdo de vida; só quando a vitalidade desses conteúdos adquire a forma de interação, só quando há efeitos recíprocos - imediatos ou mediatos - a mera coexistência dos homens no espaço ou, também, a sua sucessão no tempo se tornou sociedade.

SIMMEL, Georg. As formas sociais como objeto próprio da Sociologia. In: CARVALHO, Nanci Valadares (Org.). Leituras sociológicas. São Paulo: Vértice, 1987. p. 59.

LEGENDA: O sociólogo Georg Simmel, em foto de cerca de 1900.

FONTE: Reprodução/Arquivo da editora

Glossário:

gregário: aquele que tende a viver em grupo.

Fim do glossário.



48

Essa reciprocidade presente nas relações sociais é a matéria-prima da vida em sociedade. Mas como se definem as relações sociais? De natureza abrangente e subjetiva, elas aproximam os sujeitos (indivíduos e grupos) na realidade imediata e dizem respeito aos seres humanos no processo dos acontecimentos históricos e à sua ação individualizada. As relações sociais têm e fazem história, acontecem no tempo e no espaço (físico, social e virtual) e são consideradas o objeto de estudo, por excelência, de uma das disciplinas que compõem as Ciências Sociais: a Sociologia.

Como as relações entre indivíduos e entre os grupos não acontecem em plano de igualdade, mas a partir de posições sociais hierarquizadas, elas implicam relações de poder. O poder se constitui na capacidade de conseguir algo, de condicionar a vontade de alguém, de dirigir. Nesse sentido, são exemplos de relações de poder: a sobreposição e subordinação na relação patrão e empregado; a concorrência entre as empresas; a reprodução de comportamentos variados, como a moda e outras formas de consumo; a divisão do trabalho em diferentes tarefas e cargos; a formação de partidos políticos; a organização de uma comunidade religiosa; uma quadrilha de contraventores agindo contra a população; uma cooperativa econômica de agricultores; uma escola, onde interagem professores e alunos; a família, com a convivência entre pais e filhos ou mesmo entre irmãos, primos, tios, avós.

Estamos falando da vida em sociedades que são realidades históricas, cheias de significado para os seus membros. O sociólogo brasileiro Octavio Ianni (1926-2004) afirmava que a sociedade atual, moderna, burguesa, informatizada, baseia-se em alguns princípios que se reiteram ao longo da História, reproduzindo a estrutura social. Ou seja, nem a ciência, nem a técnica, nem a Informática alteraram a natureza essencial das relações sociais, dos processos e estruturas de apropriação ou distribuição das riquezas e da dominação da sociedade capitalista.

Como exemplo da permanência de certas estruturas e relações sociais, pode ser citado o recente uso ampliado das novas mídias nos relacionamentos. Elas trouxeram características novas para a interação entre as pessoas, como: outras maneiras de conceber a amizade e de trocar informações, uma mudança na percepção da privacidade e mesmo de se relacionar com o espaço. Isso, no entanto, não provocou transformações significativas na estrutura das classes sociais. A sociedade continua sendo um agregado de indivíduos e grupos movidos e organizados por seus interesses comuns, ainda que esses interesses se diversifiquem ao longo do tempo.

LEGENDA: Militares lançam drone (veículo de vigilância aérea não tripulado) em base da Marinha norte-americana nas Filipinas, em 2013. Nem sempre a técnica representa uma alteração na natureza das relações sociais e políticas.

FONTE: Erik de Castro/Reuters/Latinstock

49

As primeiras inquietações dos cientistas sociais

A partir do século XVIII, quando se consolidou o sistema econômico em que vivemos atualmente - o capitalismo -, as formas como os indivíduos se apropriam dos recursos da natureza e dos bens produzidos passaram a ser cada vez mais importantes para o pensamento social. Os estudiosos da vida social perguntavam-se: por que tantos seres humanos estão relativamente à margem do consumo dos bens e do usufruto de direitos?

Quando os indivíduos de uma sociedade acentuam as diferenças entre si, os segmentos marginalizados e as minorias são postos em situação de desvantagem. As diferenças de gênero (entre homens e mulheres), de origem étnica ou regional, entre outras, transformam-se em desigualdades de direitos e oportunidades. Quase sempre são justificadas, disfarçadas ou mesmo negadas por aqueles que exercem a dominação, em contextos específicos, a fim de garantir a manutenção da ordem social vigente. No entanto, essas desigualdades provocam tensões e movimentos.

LEGENDA: Aquarela de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) publicada no livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. As desigualdades de gênero e etnia nas relações sociais são, em geral, justificadas ideologicamente para garantir a manutenção da ordem social vigente.

FONTE: Reprodução/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

Como vimos no Capítulo 1, a Sociologia nasceu, no século XIX, em um contexto de significativas mudanças sociais, políticas e econômicas. Nessa época, na Europa ocidental, muitas pessoas deixavam o meio rural rumo às cidades. O processo intenso de urbanização e o aumento populacional desenfreado geraram uma série de problemas sociais, como crises de fome, desigualdades, epidemias e longas jornadas de trabalho em condições inadequadas. Essas questões desencadearam revoltas e mobilizações populares por melhores condições de moradia, saúde, alimentação, trabalho, entre outras necessidades a serem satisfeitas socialmente.



50

Até então, predominava a visão de que as desigualdades sociais e econômicas eram fenômenos naturais. Essa concepção, chamada naturalista, desconsiderava a necessidade de realizar pesquisas para entender a posição dos indivíduos e grupos na estrutura da sociedade. Pensava-se que o lugar de cada um já estava determinado para sempre por normas, regras, tradições e valores sociais dominantes, como os valores religiosos. Essas normas costumavam ser justificadas por fatores biológicos e divinos.

As ciências preocupadas com a vida coletiva romperam com essa visão, mostrando como o modo de se organizar socialmente e as mudanças nas formas de conviver e de trabalhar repercutiam e repercutem nas condições de vida da população. Nessa reflexão sobre a realidade das relações entre os seres humanos, as Ciências Sociais puderam identificar como se produziam e se produzem desigualdades em diferentes momentos da história da sociedade.

Os fundadores da Sociologia no século XIX - hoje chamada Sociologia clássica - buscaram lidar com problemas como migrações em massa, crises sociais cíclicas, multidões de desamparados sem trabalho, alta mortalidade da população e marginalização social de alguns grupos. É importante notar que há uma relação muito forte das primeiras teorias sociais com o contexto social europeu da época, já que seus autores foram formados em universidades daquele continente. Esse pensamento e interpretação calcados na cultura e na língua dos países da Europa, é chamado de eurocentrismo e influenciou fortemente a visão do mundo no Ocidente até meados do século XX.

Os cientistas sociais se propõem a observar e analisar os novos fenômenos sociais, assim como as permanências e reproduções de antigas questões e estruturas sociais.

Pausa para refletir

Leia o relato publicado em uma revista inglesa sobre as ruas de um bairro industrial em Edimburgo, na Escócia, em meados do século XIX, e responda às perguntas.



Das condições de moradia dos trabalhadores

Estas ruas são em geral tão estreitas que se pode saltar de uma janela para a da casa da frente, e os edifícios apresentam, por outro lado, tal acumulação de andares que a luz mal pode penetrar no pátio ou na ruela que os separa. Nesta parte da cidade não há nem esgotos nem banheiros públicos ou sanitários nas casas, e é por isso que as imundícies, detritos ou excrementos de, pelo menos, 50 mil pessoas são lançados todas as noites nas valetas, de tal modo que, apesar da limpeza das ruas, há uma massa de excrementos secos com emanações nauseabundas, que não só ferem a vista e o olfato, como, por outro lado, representam um perigo extremo para a saúde dos habitantes [...]. As habitações da classe pobre são em geral muito sujas e aparentemente nunca são limpas, seja de que maneira for; compõe-se, a maior parte das casas, de uma única sala - onde, apesar da ventilação ser das piores, faz sempre frio por causa das janelas partidas ou mal adaptadas - que muitas vezes é úmida e fica no subsolo, sempre mal mobiliada e invariavelmente inabitável, a ponto de um monte de palha servir frequentemente de cama para uma família inteira, cama onde se deitam, numa confusão revoltante, homens e mulheres, velhos e crianças. Só se encontra água nas bombas públicas e a dificuldade para ir buscar favorece naturalmente toda a imundície possível.

Artigo da revista inglesa THE ARTIZAN, de outubro de 1843. In: ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 47.



1. Destaque as questões sociais apresentadas no texto.

2. Como a Sociologia se ocupou dessas questões no período? Por que o contexto europeu teria sido a principal preocupação dos primeiros sociólogos?

51

LEGENDA: O aumento desenfreado da urbanização a partir da Revolução Industrial fez com que grande parte da população tivesse péssimas condições de vida nas grandes cidades europeias. Gravura de Gustave Doré representando Londres, capital do Reino Unido, em 1870.

FONTE: Album Art/Latinstock

O tema das desigualdades na sociedade contemporânea

A desigualdade social é um tema muito presente nos estudos das Ciências Sociais. As Ciências Sociais mostram haver diferenças sociais que variam conforme características que o senso comum considera apenas biológicas, como a idade, o sexo, a conformação física e a origem étnica das populações e dos indivíduos. Porém, também a religião, a cultura e a profissão estabelecem distinções entre indivíduos e grupos sociais e interferem em suas relações, como aponta Georg Simmel. Todas elas são, porém, diferenças sociais, originadas das relações entre indivíduos e grupos, e podem despertar o sentimento de pertencer a um grupo, a uma sociedade ou a uma cultura, originando a construção de uma identidade.

A Sociologia contemporânea, ou seja, produzida a partir da segunda metade do século XX, tem pesquisado as origens e as manifestações das desigualdades sociais. Por que esse assunto continua sendo estudado? A resposta está em nosso cotidiano. Basta dirigirmos um olhar mais atento às pessoas que nos cercam, observando como elas vivem e como se comportam socialmente. Como são diferentes os indivíduos e grupos sociais em seus hábitos, interesses, costumes, gostos, manifestações culturais!

Há diversidade e desigualdade nos grandes centros urbanos e nas pequenas cidades - litorâneas ou rurais -, seja nos tipos de moradia em diferentes bairros, seja nos meios de transporte que a população utiliza rotineiramente. Também as instalações físicas das escolas e as condições de ensino são desiguais, tanto nas grandes cidades como no meio rural. Da mesma forma, os trabalhos realizados, sua remuneração e o acesso ao consumo são diferentes e produzem ou reforçam a desigualdade. Em todas as instâncias estão presentes gradações e contrastes.

As desigualdades sociais, por sua vez, consistem em diferenças de acesso de indivíduos e grupos sociais aos bens materiais, a direitos e compensações que a vida em sociedade propicia, como o direito a serviços de saúde e a ganhos salariais por trabalho executado. Ou seja, as desigualdades sociais estabelecem uma hierarquia, determinam quem tem maior ou menor acesso a bens, serviços, direitos.



52

Muitas vezes, as desigualdades se valem das características físicas e étnicas, justificando-as pela Biologia e omitindo seu caráter social, para reafirmar diferenças, como quando provocam discriminação social e preconceitos contra mulheres ou afrodescendentes, por exemplo. As desigualdades, portanto, estão além da questão da posse de bens e da dimensão meramente econômica e jurídica, uma vez que envolvem outras esferas da vida social.

LEGENDA: Até 1967, em alguns estados do sul dos Estados Unidos, eram institucionalizadas as separações físicas que segregavam brancos e afrodescendentes. Na foto, homem bebe água de bebedouro exclusivo para negros e pardos ("colored") em Oklahoma City, 1939.

FONTE: Reprodução/Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, Washington D.C., EUA.



Pausa para refletir

Pense sobre o significado desta charge de Laerte. De que maneira ela pode ser relacionada com a desigualdade presente em nossa sociedade?

A pobreza é um dos problemas relacionados à desigualdade. O conceito de pobreza não é universal, ou seja, não é o mesmo em todas as partes do mundo. Trata-se de uma condição histórica pela qual segmentos da população mundial sofrem com a escassez de recursos materiais ou com sua má distribuição. A noção de pobreza é, portanto, relativa ao grau de desigualdade socioeconômica em uma região ou em um país. Podemos dizer que a pobreza é característica da estrutura social e tem relação com o modo como cada grupo se organiza para produzir, distribuir e garantir o sustento de seus membros. A estrutura social também é objeto de estudo da Sociologia.

FONTE: Laerte/Acervo do cartunista



O adjetivo social despe o termo "estrutura" de sua conotação espacial, exatamente como sucede com termos tais como "distância" ou "mobilidade". A "distância social" não denota distância espacial, enquanto a "mobilidade social" não se refere à mobilidade no espaço. [...] O conceito de estrutura social é mais amplo que o de estrutura de classes, porquanto os grupos encarados como elementos na estrutura social não precisam ser classes sociais, podendo ser, por exemplo, categorias de idade (como crianças, jovens, adultos, anciãos). [...] poderiam também ser grupos étnicos [...]. Concebo a estrutura social, portanto, como um sistema de relações humanas, distâncias e hierarquias, tanto numa forma organizada quanto numa forma desorganizada.

OSSOWSKI, Stanislaw. Estrutura de classes na consciência social. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 21-22.



53

Afirmar que a desigualdade faz parte da estrutura das sociedades não significa afirmar que ela é natural. Pelo contrário, a desigualdade é produzida e reproduzida pelos seres humanos em suas ações e na forma como criam historicamente diferentes valores e níveis de acesso a modos de vida, serviços sociais, recursos para lazer, etc. Um exemplo é a sociedade contemporânea em que vivemos, cuja estrutura é predominantemente capitalista. Nela, o que é produzido pelos que se organizam para obter a sobrevivência acaba sendo apropriado de forma desigual entre os que decidem e organizam a produção e aqueles que trabalham. Muitas desigualdades sociais nascem dessa divisão entre o trabalho executado e a riqueza produzida e distribuída.

Conforme a humanidade desenvolve suas tecnologias e formas de organização, emergem novas dimensões da desigualdade. Entre elas, podemos citar aquela que passa pelo conhecimento e pelo acesso à informação - desde a capacidade de ler e escrever até o domínio das leis e dos meios tecnológicos propiciados pela Informática.

LEGENDA: Alunos acessam a internet em um telecentro comunitário da Casa de Cultura de Itaguaí, Rio de Janeiro, em 2012. A falta de acesso ao conhecimento e aos meios tecnológicos é uma das novas dimensões da desigualdade social no mundo globalizado. Nesse sentido, ações como a distribuição de computadores nas escolas públicas e a existência de telecentros comunitários dão suporte à inclusão digital.

FONTE: Luiz Guilherme Fernandes/Acervo do fotógrafo

Debate

Leia e discuta com os seus colegas as razões para a situação descrita no texto a seguir, do economista brasileiro Gilberto Dupas (1943-2009).



Do lado social, a forte inserção da região [América Latina] na lógica global na década que passou acelerou a deterioração dos seus indicadores [sociais]. Segundo o boletim Panorama da América Latina (2002-2003), da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), a população latino-americana abaixo da linha de pobreza evoluiu sucessivamente de 41% do total em 1980 (136 milhões de pessoas) para 43% em 2000 (207 milhões de pessoas); e em 2003 ela já alcançava 44% (237 milhões de pessoas). Já o índice de população indigente crescia de 19% em 2001 para 20% em 2003. Esse número teve forte influência da Argentina, onde a taxa de pobreza duplicou de 1999 a 2003 (de 20% para 42%) e a indigência quase quadruplicou (de 5% para 19%). Por outro lado, o Programa Mundial de Alimentos (ONU), operando em parceria com a Cepal, apurou que quase 9% das crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição aguda e 19% delas de desnutrição crônica; combinadas, causam efeitos negativos irreversíveis. Apesar da forte "modernização" das economias dos países latino-americanos, persiste, pois, na região, um quadro grave e crescente de miserabilidade das suas sociedades.

DUPAS, Gilberto. Atores e poderes na nova ordem global: assimetrias, instabilidades e imperativos de legitimação. São Paulo: Ed. da Unesp, 2005. p. 61.



54

As teorias de classe e a estratificação social

Talvez você já tenha ouvido falar em mobilidade social, que é a possibilidade de indivíduos e grupos mudarem de posição na sociedade. De modo geral, quando alguém ascende socialmente, passa a dispor de melhores condições de vida. Mas quais condições favorecem a ascensão social ou, ao contrário, levam alguém ou um grupo a ter uma posição menos privilegiada na sociedade?

Sociedades capitalistas, como a brasileira, fundamentam-se nas diferenças entre as classes sociais.

Em linhas gerais, as classes sociais são grandes grupos que se diferenciam pelo poder econômico e político que possuem e pelo lugar que ocupam na produção e no consumo. A mobilidade de indivíduos, grupos e classes sociais pode se dar, por exemplo, em razão da sua escolarização, participação política ou profissão. Porém, há outros fatores determinantes das desigualdades sociais, como as relações étnico-raciais e as de gênero. Quando essas condições se somam no dia a dia, podem potencializar a desigualdade, criando e recriando formas de exclusão social , como estudaremos no Capítulo 8. Assim, na sociedade brasileira, uma mulher negra e pobre está muito mais sujeita à exclusão social do que um homem branco e rico, devido às relações étnico-raciais e de gênero historicamente desiguais no país.

LEGENDA: A ilustração de Claudio Muñoz faz referência às dificuldades criadas para a ascensão social de determinados grupos sociais.

FONTE: Claudio Muñoz/Acervo do artista

O estudo da História nos mostra que as relações desiguais vêm de longa data nas civilizações ocidentais. As sociedades grega e romana eram marcadas pelas desigualdades entre cidadãos e escravos, por exemplo. Na Idade Média, em que boa parte da população europeia vivia em sociedades de organização estamental, prevalecia a distinção entre senhores e servos. Os estamentos eram segmentos da estrutura social que se baseavam no ordenamento dos poderes senhoriais dos reis e da nobreza; ou seja, quem ordena (manda) é o "senhor" das terras, e os que obedecem são seus "súditos", seus dependentes pessoais (os parentes e favoritos, os funcionários domésticos e aqueles ligados ao senhor por vínculos de fidelidade, os servos e vassalos).

As desigualdades sociais variam em diferentes épocas e sociedades, havendo também organizações sociais em que esse conceito não se aplica.

Glossário:



exclusão social: situação em que indivíduos ou grupos são impedidos, total ou parcialmente, de usufruir a vida em sociedade. A exclusão manifesta-se em aspectos relacionados à cidadania, à cultura, às relações familiares e sociais e ao acesso a benefícios econômicos e sociais.

Fim do glossário.



55

Na sociedade capitalista, por sua vez, o principal definidor da posição do indivíduo na estrutura social é a propriedade dos meios de produção - ou seja, se ele possui ou não a terra, a fábrica, o banco, os equipamentos, os instrumentos de trabalho, etc. Essa é a interpretação do filósofo alemão Karl Marx (1818- -1883) assentada na noção de classes sociais como grandes agrupamentos de interesses sociais contrários um ao outro. Assim, a sociedade capitalista estaria dividida em duas classes sociais fundamentais: a daqueles que são os proprietários dos meios materiais (os burgueses, donos do capital) e a dos que possuem apenas sua força de trabalho (os trabalhadores).

Na sociedade capitalista, a maioria dos indivíduos vende sua força de trabalho, sujeitando-se ao capital - este pode ser produtivo (ligado às indústrias de transformação e extração, à agricultura ou à pecuária), financeiro (bancos, seguradoras, etc.) ou em serviços (comunicação, comércio, transportes, entre outros). O capital é, assim, mais que dinheiro ou bens acumulados, mais que as ferramentas e equipamentos de trabalho. Para Marx, o capital resulta das relações sociais desiguais no processo de divisão da riqueza produzida. Sua característica mais importante é que ele sempre pode ser convertido em mais capital.

Houve pensadores que mencionaram outras variáveis além dos aspectos econômicos para apreender como se compõe a estrutura da sociedade. O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) afirmava que a posição social do indivíduo se deve a três fatores, que poderiam estar sobrepostos ou se apresentar de modo variado: o status, decorrente da honra e do prestígio (ou seja, do valor simbólico que a sociedade dá a um grupo ou indivíduo); a riqueza (a renda econômica e as posses); e o poder político em relação ao restante da sociedade. Nem sempre os indivíduos ou grupos detêm posições privilegiadas nesses três aspectos simultaneamente.

Para Weber, as classes são posições no mercado, pois, segundo ele, "o fator que cria 'classe' é um interesse econômico claro" - por exemplo, comercializar algo para auferir renda ou exercer uma função burocrática na estrutura do Estado. Uma "situação de classe" é gerada quando um grupo de pessoas possui condições comuns com relação à possibilidade (ou não) de dispor de bens materiais (comprar, vender, doar, perder bens móveis, como aparelhos eletrônicos, e bens imóveis, como uma casa).

Vamos nos deter no pensamento social de Marx e de Weber fazendo o contraste entre as visões de cada um desses pensadores sobre o fenômeno das classes sociais.

Marx tratou as classes como um aspecto não apenas econômico, embora determinado pelas condições de produção de vida material. O conflito entre elas (luta de classes) é uma série de choques de interesses materiais entre proprietários e não proprietários dos meios de produção. Para Marx, o agrupamento que tem a mesma relação com os meios de produção muitas vezes só pode ser corretamente chamado "classe" quando os interesses compartilhados geram consciência e ação. Com essa ênfase, Marx acentuava um caráter diretamente político para a classe, a qual se torna um agente social importante quando assume um foco para a ação coletiva.

Weber percebeu que as divisões de interesse econômico que criam classes nem sempre correspondem a sentimentos de identidade e posições compartilhadas ou prestígio equivalente na estrutura social. Assim, a diferenciação pelo status ocorre em uma dimensão subjetiva, separada da classe, e varia de forma independente. É um fenômeno da estratificação social.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora


Yüklə 2,32 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   42




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin