simbólico que eles detêm. O poder simbólico não está na palavra em si, mas
na legitimidade que os indivíduos dão a quem as enuncia. Assim, para
Bourdieu, esse poder é "quase mágico", ao permitir obter o equivalente daquilo
que é obtido pela força física ou econômica, em geral de forma pouco evidente.
LEGENDA: Localizado em São Paulo (SP), o templo de Salomão é um espaço
expressivo do crescimento da religião evangélica no Brasil. Foto de 2014.
FONTE: Juliana Knobel/Frame/Folhapress
214
Fundamentalismo religioso
O fundamentalismo religioso foi reconhecido como fenômeno recentemente,
quando o termo passou a ser mais utilizado pelos cientistas sociais. O
sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) o descreve como um movimento
de adesão incondicional a determinados valores e crenças, cujos adeptos têm
um entendimento literal dos seus livros sagrados. Nos casos mais radicais, isso
leva à adoção de meios violentos para a imposição dessa leitura ao restante da
sociedade.
Na visão de Zygmunt Bauman, o radicalismo religioso resulta do desgaste dos
elementos que mantêm unida uma congregação de fiéis, levando alguns
grupos a desejarem eliminar aquilo que pareça indiferente ou discordante com
relação aos princípios que professam. Valores como a fé, a confiança e a
capacidade de autoafirmação são oferecidos aos fiéis por meio de regras
simplificadas; ao mesmo tempo, os fundamentalistas geralmente rejeitam o
diálogo com os que pensam de maneira diferente da sua.
Bauman identifica que na sociedade atual, marcada social e culturalmente pelo
capitalismo pós-industrial, tudo se torna efêmero e fragmentado. Nela
prevalecem a diversidade e a flexibilidade nos relacionamentos nas diversas
instâncias sociais. Para explicar a instabilidade da sociedade contemporânea,
Bauman utiliza a metáfora do estado de "liquidez" da matéria e denomina
"realidade líquida" as mudanças repentinas e estímulos constantemente
renovados na presente fase da história.
Assim, o fascínio exercido pelo fundamentalismo proviria de sua promessa de
"libertar" o indivíduo da autossuficiência a que estava condenado, informando-o
do que ele deve fazer e eximindo-o da responsabilidade sobre seus atos e
ações. Assim, ele oferece uma "racionalidade alternativa" que se opõe às
incertezas da vida e aos seus riscos.
O fundamentalismo pode vir associado a situações de desigualdade social por
fornecer às populações pobres e injustiçadas um sentido já definido para a
realidade vivida. Desse modo, ele teria maior apelo entre as amplas parcelas
da população que se veem impossibilitadas de consumir tudo o que a
sociedade oferece ostensivamente e vitimadas pelo desemprego e pela
desassistência social.
LEGENDA: Manifestantes indonésios reivindicam, em Jacarta, capital do país,
a expulsão da população Ahmadiyah, um grupo islâmico considerado herético
pelos mais ortodoxos. A Indonésia é o país com a maior concentração de
praticantes do islamismo. Foto de 2011.
FONTE: Ismoyo/Agência France-Presse
215
Desfazendo mitos
O fato de alguns ataques de grupos terroristas serem feitos em nome de uma
crença específica não significa que todos os adeptos daquela religião sejam
terroristas em potencial. Apenas alguns grupos apresentam reações
fundamentalistas diante de quem é alheio ou discordante com relação à sua
crença religiosa.
Entre os estudos sobre o terrorismo, é preciso destacar aqueles que sinalizam
para a situação de empobrecimento e marginalização de vastas populações em
diversas partes do mundo, sobretudo após os anos 1990. Muitas associações
religiosas assumiram obrigações e deveres até então exercidos pelo Estado,
que reduziu seu papel no sistema de proteção social em tempos de
neoliberalismo. Assim, outros fatores sociais e políticos também estão
atrelados ao tema do terrorismo, mostrando que suas motivações se situam
além das questões religiosas.
Tampouco se deve associar o terrorismo a religiões específicas. O historiador
inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) relacionou o aumento da violência no
mundo atual com as guerras no final do século XX, quando os Estados
nacionais perderam em parte o monopólio do poder e da violência, que fazia
com que os cidadãos respeitassem a lei. Como exemplo disso o autor cita o
caso do Sri Lanka: antes convivendo pacificamente, a maioria budista e a
minoria hinduísta envolveramse recentemente em sérios conflitos.
Os ataques às Torres Gêmeas, em Nova York, e ao prédio do Pentágono, sede
do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Washington, ocorridos
em 11 de setembro de 2001, colocaram sob suspeita a religião islâmica e seus
seguidores. Nesse contexto, o então presidente dos Estados Unidos, George
W. Bush, fez uma convocação internacional para a luta contra o terrorismo, na
forma de uma "cruzada" do Ocidente cristão contra os muçulmanos.
Generalizou-se, desse modo, com auxílio da mídia de grande circulação a ideia
equivocada de que o islamismo era sinônimo de terrorismo. Isso gerou um
aumento da intolerância e da violência contra os praticantes dessa religião no
mundo. A intervenção militar norte-americana no Iraque e no Afeganistão nos
anos 2000 aprofundou conflitos entre grupos religiosos e as disputas locais e
regionais. Desse contexto, formou-se um grupo extremista chamado Estado
Islâmico (ou EI), cujas ações envolveram disputas territoriais em diversas
regiões no Oriente Médio, assassinatos daqueles considerados inimigos e
"infiéis" e atos terroristas, tal como ocorreu na França em novembro de 2015.
LEGENDA: Membros da comunidade islâmica em Roma, Itália, durante ato
contra o terrorismo. Os cartazes dizem "não em meu nome" e "o terrorismo não
tem religião". Foto de 2015.
FONTE: Giuseppe Ciccia/NurPhoto/AFP
216
Afinal, como começa o terrorismo? Os grupos que recorrem a essa estratégia
alegam reagir a um ataque anterior vindo da parte do Estado ou do sistema.
Para os que praticam o terror, trata-se de um contra-ataque a quem os privou
de outra forma de se fazer ouvir, como a negociação. Veiculador de
reivindicações nem sempre precisas, o terrorismo é uma estratégia política que
usa a violência, física ou psicológica, em ataques a governos, a grupos
políticos ou mesmo à população, criando um pavor incontrolável, o terror, que
se expande além do círculo de suas vítimas.
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