influência na sociedade. A Ciência Política estuda o papel do Estado e as
tensões entre os interesses individuais e coletivos nessa instituição
social. A relação entre Estado, governo, partidos políticos e sociedade
civil está entre os objetos de discussão nas páginas que seguem.
230
Cidadania é uma conquista
Na década de 1990, o sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), conhecido
como Betinho, concebeu e comandou a Ação da Cidadania contra a Fome, a
Miséria e pela Vida. Aderiram à campanha empresas públicas e privadas;
meios de comunicação; brasileiros e brasileiras de todas as classes sociais,
idades, categorias profissionais, tendências políticas e religiosas; e,
principalmente, jovens dispostos a recolher e distribuir alimentos. Betinho
apostou na juventude como instrumento para abrir espaço para a solidariedade
no país, acreditando que a mudança social passa pelo combate à fome:
Todos podem e devem comer, trabalhar e obter uma renda digna, ter escola,
saúde, saneamento básico, educação, acesso à cultura. Ninguém deve viver
na miséria. Todos têm direito a vida digna, à cidadania. A sociedade existe
para isso. Ou, então, ela simplesmente não presta para nada. O Estado só tem
sentido se é um instrumento dessas garantias. A política, os partidos, as
instituições, as leis só servem para isso. Fora disso, só existe a presença do
passado no presente, projetando no futuro o fracasso de mais uma geração.
[...] Tenho fome de humanidade.
SOUZA, Herbert de. O pão nosso. Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São
Paulo: Abril, 1993, p. 20-21.
As ações desenvolvidas pelo sociólogo permitem demonstrar que a cidadania
é fruto da conquista de direitos e um mecanismo para tornar as sociedades
mais igualitárias. A cidadania se relaciona, portanto, com o princípio de
igualdade e com a ampliação da democracia e o respeito a direitos na
sociedade. Esses direitos são instituídos por lei e se baseiam em princípios
morais e de convivência social, como o direito à saúde ou a uma educação de
qualidade, o direito de praticar qualquer religião ou de exercer uma profissão.
LEGENDA: O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em campanha da Ação
da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, em 1995.
FONTE: Patrícia Santos/Folha Imagem
A cidadania como exercício dos direitos e deveres de um indivíduo em uma
sociedade politicamente organizada se consolidou com o advento da sociedade
industrial e as lutas sociais dos séculos XIX e XX. No Brasil, a exclusão social
tem razões históricas que remetem tanto ao período de colonização,
especialmente no que se refere à discriminação e marginalização de indígenas
e afrodescendentes, quanto às políticas públicas implementadas após a
Proclamação da Independência. Nesse sentido, a questão da inclusão e
exclusão sociais só pode ser superada mediante a demanda por direitos e pela
ampliação da cidadania.
Os direitos, legitimados pelas leis, decorrem, na maioria das vezes, da pressão
e da mobilização da sociedade civil. De um modo geral, só existe cidadania
quando há possibilidade de os indivíduos, com seus direitos e deveres
garantidos por um Estado democrático, se tornarem sujeitos atuantes nos
rumos da história. Um exemplo de mobilização popular em países com regimes
ditatoriais prolongados foi a Primavera Árabe, que ocorreu em 2011, no Oriente
Médio e Norte da África. Manifestações, passeatas, comícios e protestos
populares aconteceram no Egito, na Tunísia, na Líbia, na Síria e em outros
países em razão do agravamento da crise econômica e da falta de democracia.
As mídias sociais foram amplamente utilizadas para organizar, comunicar e
sensibilizar a população e a comunidade internacional sobre a necessidade de
liberdade e melhores condições de vida. A temática da cidadania vincula-se,
assim, à dos movimentos sociais, que será abordada no Capítulo 9.
FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora
231
O reconhecimento dos direitos humanos, atribuídos aos indivíduos
independentemente de sua etnia, gênero, cor, idade e religião, está previsto e
garantido, em tese, nas atuais democracias. As reivindicações por liberdade e
igualdade para todos apareceram pela primeira vez na Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América, de 1776, que inspirou a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada em pleno processo
da Revolução Francesa, em 1789. Entre os direitos previstos nesse
documento, consta o seguinte: "Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem
agir uns para com os outros em espírito de fraternidade".
Outro documento histórico que busca garantir a existência dos direitos
humanos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse
documento atualizou o conteúdo das declarações anteriores, dando ênfase aos
direitos individuais, dentre os quais a abolição da escravidão, a condenação da
tortura, o direito à liberdade de expressão e de consciência, o direito de ir e vir
e o direito à educação e à cidadania.
É importante ressaltar que, em todos esses casos, a reivindicação dos direitos
humanos como princípios não tornou sua implementação e prática
automaticamente perfeitas. Um exemplo disso é o fato de o sufrágio universal
só ter se consolidado em muitos países mais de um século depois das
primeiras declarações citadas, o que significa que nem todos os seres
humanos eram de fato tratados como iguais. O mesmo acontece com os
países signatários da declaração da ONU, que muitas vezes apoiam medidas e
políticas internas e externas que violam esses direitos. Nesse sentido, a
chamada Guerra do Golfo (1990-1991) é um exemplo de como a força militar e
diplomática pode se sobrepor a essas garantias. Ao combater o Iraque por ter
invadido o Kuwait, os Estados Unidos e o Reino Unido descumpriram diversas
recomendações da ONU, inclusive quanto ao prazo das negociações. Outro
exemplo de violação ocorrido na mesma região - rica em petróleo e, por isso,
objeto de disputas econômicas - foi a invasão que os Estados Unidos e uma
coalizão de países fizeram ao Iraque, em 2003, sem a autorização da ONU.
São exemplos de ações que compõem um cenário de insegurança
internacional.
LEGENDA: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
FONTE: Gianni Dagli Orti/The Art Archive/The Picture Desk/AFP/Museu
Carnavalet, Paris, França
Glossário:
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