participação política, uma ação
efetiva de mobilização das diversas instâncias da sociedade civil no sentido de
exercer os seus direitos e deveres.
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Condições da cidadania no Brasil
Cidadania relaciona-se com liberdade, uma noção originada da Revolução
Francesa (1789) como projeto burguês de sociedade. Segundo a cientista
política Elisa Reis (1946-), cidadania e liberdade só existem quando direitos
políticos, civis e sociais são naturalizados em uma sociedade nacional, ou seja,
são universalizados e respeitados.
Para que haja cidadania plena, é preciso que os direitos sociais venham
acompanhados dos direitos civis e políticos. No entanto, isso não aconteceu ao
longo da história do Brasil. Essa ausência de direitos, que persistiu por séculos,
contribuiu para criar as desigualdades de renda e oportunidades, em geral
associadas a questões de gênero e étnico-raciais, que se mantêm ainda hoje.
No século XIX, mesmo após a independência do Brasil, só era considerado
"senhor-cidadão" aquele que possuía e controlava terras, tinha escravos e
detinha poder político local. Para a socióloga brasileira Teresa Sales, eram
esses proprietários que cediam aos indivíduos pobres a condição de cidadãos.
Por isso, os primeiros direitos civis - o de ir e vir, o de justiça, o direito à
propriedade e ao trabalho - nasceram de uma espécie de "cidadania
concedida". Essa gênese da cidadania brasileira é contraditória, pois a mesma
elite que concedia também negava a cidadania aos indivíduos livres e pobres,
que dependiam dos favores do dono de terras para poder usufruir de direitos
elementares.
A primeira Constituição do Brasil republicano, de 1891, estendeu a cidadania a
outros setores da população, mas não incluiu os analfabetos, as mulheres, os
padres e os soldados como indivíduos atuantes na vida política nacional. As
mulheres, por exemplo, só tiveram direito constitucional ao voto com a
Constituição de 1934, e os analfabetos, com a Constituição de 1988. Esta
última, ainda em vigor, foi considerada a "Constituição cidadã", em virtude da
ampliação dos direitos sociais e do combate à discriminação social.
FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora
LEGENDA: Por meio da organização política, as mulheres conquistaram, em
24 de fevereiro de 1932, um direito básico no Brasil: o voto. Na imagem, mulher
vota no Rio de Janeiro (RJ), em 1933.
FONTE: Arquivo/Agência O Globo
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Por meio da organização e da associação, os trabalhadores brasileiros
protagonizaram conquistas sociais. Esse processo de lutas e conquistas dos
trabalhadores passou por tensões, conflitos e contradições, uma vez que em
alguns momentos históricos o Estado restringiu os direitos civis e políticos. Foi
o que aconteceu no período do governo de Getúlio Vargas entre 1937 e 1945
(o chamado Estado Novo), no qual o Congresso estava suspenso e a
imprensa, sob censura. Apesar dessas restrições à cidadania, o governo
instituiu, em 1943, o estatuto jurídico denominado Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que regulamentou o trabalho no país, reconhecendo o direito
coletivo e as garantias dos contratos individuais. A formalização do trabalho
assegurou a inclusão social e uma rede de proteção ao trabalhador das
grandes cidades. No texto a seguir, podemos compreender como o movimento
dos trabalhadores organizou-se, na forma de greves gerais e mobilizações, a
fim de conquistar esses direitos.
LEGENDA: A Constituição de 1988 é apresentada pelo deputado Ulysses
Guimarães (1916-1992), presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em
Brasília (DF), 1988. Essa assembleia foi composta por deputados eleitos pelo
povo e teve como finalidade elaborar uma nova Constituição para o Brasil após
o fim da ditadura militar.
FONTE: Lula Marques/Folhapress
Foi com a urbanização e a industrialização, processos decisivos de 1890 em
diante, que o operariado emergiu como força social significativa nos vários
centros urbanos. Uma identidade operária começou a se forjar então,
contrapondo-se aos interesses burgueses [...]. A luta do operariado pela
jornada diária de 8 horas de trabalho foi constante ao longo do primeiro período
republicano. Desde o início do século XX ocorreram greves pela redução da
jornada de trabalho. [...] Em 1907, [por exemplo], eclodiu em São Paulo e
atingiu Santos, Ribeirão Preto e Campinas, tendo sido desencadeada na
construção civil, na indústria da alimentação e metalurgia; a greve abrangeu
posteriormente empregados da limpeza pública, gráficos, sapateiros e
operários têxteis. O movimento foi reprimido violentamente e apenas alguns
setores operários obtiveram vitórias parciais.
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, trabalho e cotidiano. Brasil -
1889 a 1930. São Paulo: Atual, 1991. p. 11.
Embora seja importante valorizar as conquistas obtidas por meio de leis, elas
ainda não são uma realidade efetiva para todos os indivíduos. O confronto
entre a legalidade (o prescrito em lei, o formal) e a legitimidade (aquilo que é
aceito) é permanente. Essa tensão ocorre também em relação ao mundo do
trabalho. O Estado brasileiro concede aos trabalhadores que seguem
profissões regulamentadas, têm carteira profissional assinada e são filiados a
um sindicato registrado direitos sociais que não estão ao alcance, por exemplo,
dos trabalhadores autônomos. Para essa situação, o cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos (1935-) utiliza a expressão cidadania
regulada, ou seja, são cidadãos apenas aqueles que têm ocupações
reconhecidas e definidas em lei.
Santos refere-se à cidadania como uma concessão na cultura cívica do país
pelo fato de o Estado interferir e regular a vida econômica sem deixar de
promover o desenvolvimento capitalista. Apesar das conquistas obtidas na lei,
na prática existe um mercado de trabalho situado entre a formalidade e a
informalidade, e os trabalhadores excluídos do mercado formal sofrem com a
desigualdade de benefícios e a marginalização social.
Glossário:
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