Movimentos sociais na América Latina
Na América Latina dos anos 1960 a 1980 emergiram movimentos sociais no
campo e na cidade, questionando os regimes políticos e as políticas
econômicas em vigor. Naquele período, vários países latino-americanos
estavam submetidos a ditaduras militares, tendo como pano de fundo a
polarização das relações mundiais entre a então União Soviética e os Estados
Unidos, no confronto político, militar, econômico e ideológico da Guerra Fria
(1945-1989).
As políticas de Estado adotadas na maior parte dos países latino-americanos
respondiam aos interesses norte-americanos: reprimiam internamente os
movimentos de oposição (especialmente os de orientação socialista ou
comunista); seguiam um modelo econômico fundamentado na concentração da
renda e na relação de subordinação aos interesses de corporações e de países
capitalistas desenvolvidos. No caso do Brasil, a política econômica
desenvolvimentista no governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-
1961) focava na indústria de base, transporte, energia, alimentação, sustentada
no endividamento externo e na dependência econômica em relação àqueles
países.
No Brasil, em 1964, um golpe de Estado iniciou uma sequência de governos
militares que se estendeu até 1985. Durante esse período, o Estado seguia
uma ordem política, econômica e social autoritária, que privava o povo de
escolher livremente seus representantes, proibia ou reprimia manifestações
populares e impedia as organizações sociais de reivindicarem livremente.
O regime militar mantinha-se mediante forte aparato policial, que aplicava a
repressão e as punições para aqueles que o desafiavam. As resistências e o
contexto social desfavorável fizeram surgir movimentos sociais de diversos
tipos, que acabaram por abalar a base dos regimes militares. Por isso, a
antropóloga brasileira Ruth Cardoso (1930-2008) os definia como movimentos
anti-Estado.
FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora
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Apesar do cerceamento à liberdade de expressão e de associação, ações
coletivas organizadas questionaram o Estado como instrumento político de
uma minoria privilegiada e trouxeram alternativas para transformar as
estruturas de dominação. Muitos desses movimentos, mesmo sendo
dissolvidos pelos governos militares quando seus membros foram exilados,
mortos ou aprisionados, conseguiram deixar suas mensagens contrárias à
ditadura.
Na década de 1970, constituíram-se movimentos sociais ligados a sindicatos,
entre os quais o mais conhecido foi o dos metalúrgicos, no qual despontou a
liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente da República em 2002.
Outro tipo de movimento formou-se dentro das próprias empresas: nas
comissões de fábrica, os trabalhadores agiam e se reuniam no local de
trabalho de forma independente em relação aos sindicatos, visto que estes
estavam sob intervenção ou corriam risco de sofrê-la.
Organizaram-se também movimentos pela saúde, moradia, creches, transporte
coletivo, entre outras reivindicações. Dessa maneira, formou-se uma identidade
política autônoma em relação ao sistema político, expressando os anseios das
camadas sociais de renda mais baixa. Esses movimentos, chamados de
"populares" e inseridos na luta de classes, se caracterizaram por cobrar ações
estatais.
LEGENDA: Soldados do Exército em 1968, quatro dias depois do decreto do
Ato Institucional nº 5 (AI-5), durante operação que prendeu cerca de 800
estudantes. Uma das intenções do AI-5 era o controle sobre a sociedade.
FONTE: Arquivo do jornal Folha de S.Paulo/Folhapress
LEGENDA: Ato grevista de metalúrgicos em São Bernardo do Campos (SP),
ocorrido em 1979.
FONTE: Juca Martins/Olhar Imagem
O processo de urbanização no Brasil, intensificado nos anos 1970, ocorreu
sem que o Estado garantisse o atendimento das necessidades básicas da
população. Assim, com as grandes migrações do campo, as cidades
concentraram população sem oferecer a todos serviços como segurança
pública, energia elétrica, saúde, saneamento básico, educação, transporte,
moradia, cultura. A falta de bens coletivos levou à eclosão de movimentos nos
grandes centros urbanos. Além da movimentação nas fábricas, outras
organizações populares, como Associações de Moradores, Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) - atuantes também no campo - e movimentos de
desempregados somaram esforços no questionamento da estrutura política e
econômica vigente.
Os movimentos sociais incitam a transformação da sociedade na medida em
que pressionam o Estado a atender às necessidades da população.
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No meio rural brasileiro, a histórica concentração das terras nas mãos de
grandes proprietários e o desenvolvimento do capitalismo levaram à reação
dos que se viram à margem disso. A partir dos anos 1980, houve ações
organizadas como a luta pela reforma agrária e o Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB), em defesa das populações que tiveram suas terras
inundadas após a construção de hidrelétricas e represas. A terra, aliás, foi e
continua sendo a bandeira de vários movimentos sociais. O mais conhecido
deles é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que
pressiona o Estado a realizar a reforma agrária e chama a atenção da
sociedade para a dificuldade de acesso à terra e meios para tirar dela seu
sustento. O MST utiliza diversas formas de luta: ocupações e acampamentos
coletivos, marchas pelas rodovias, greves de fome, ocupação de prédios
públicos, vigílias, entre outras ações.
LEGENDA: Acampamento de integrantes do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), entre Dourados e Campo Grande (MS). Foto de
2015.
FONTE: Cassandra Cury/Pulsar Imagens
A articulação dos movimentos sociais e a sua experiência de luta colaboraram
decisivamente, por exemplo, para a restauração da democracia e do Estado de
Direito no país após as duas décadas de ditadura militar. Esse processo
ocorreu por meio de uma transição gradual que, entre outras coisas,
restabeleceu o pluripartidarismo, concedeu anistia aos perseguidos por motivos
políticos e garantiu a volta de eleições diretas para presidente da República. A
redemocratização, no entanto, só se completou com a promulgação da
Constituição de 1988.
Os movimentos sociais, na conjuntura das ditaduras latino -americanas, foram
fundamentais para que parte da população rural e dos grandes centros
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