Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim


A religião em tempos de globalização



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A religião em tempos de globalização

Em seu estudo sobre o protestantismo, Weber escreve que religiões como essa progressivamente abriam mão de rituais e símbolos com poderes mágicos. Por outro lado, recorriam cada vez mais a explicações sistematizadas sobre o mundo. Weber deu o nome "desencantamento do mundo" a esse movimento em que a esfera do sagrado vai se tornando menos mágica e mais racionalizada, o que repercutiria em outras esferas da vida.

Com a consolidação do Estado moderno e a secularização das instituições, ambos se afastaram da influência religiosa e a religião deixou de ser o elemento central de organização da sociedade. Por sua vez, com a emergência das ciências, a magia e a religião perderam espaço como explicações para o mundo. Muitas vezes esse debate inspira discussões sobre um possível "fim da religião", reavivando o confronto entre revelação e razão para explicar a realidade social.

Diante da ascensão de novas denominações religiosas, do fundamentalismo e dos conflitos religiosos, autores defendem que vivemos um retorno ao sagrado. Porém, não se trata de um consenso. Na visão do sociólogo brasileiro Renato Ortiz (1947-), a religião nunca deixou de estar presente na sociedade. Nesse sentido, vale indagar se nos deparamos com o declínio, a transformação ou o renascimento da religiosidade, como sugere o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-).

A ideia do fim da religião ou do seu enfraquecimento nas relações sociais está associada, muitas vezes, à perspectiva positivista, que prevê etapas sucessivas de desenvolvimento na sociedade em direção ao progresso. Seguindo essa linha, diversas teorias conceberam o término da religião como decorrência dos avanços científicos e consideraram as sociedades tradicionais "arcaicas", por se orientarem pelos valores morais da religião. Entretanto, diversos pensadores refutam tal opinião, como Baechler:

LEGENDA: O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em foto de 2015.

FONTE: Andrea Astes/Corbis/Fotoarena

Normalmente, o progresso técnico contemporâneo deveria fazer recuar e desaparecer o recurso à magia e à intercessão. Este "normalmente" proporciona-nos uma outra maiúscula, a maiúscula do Progresso. Com efeito, para o Homem, a magia e o recurso aos deuses retrocederam perante a eficácia técnica. Hoje em dia, o Homem recorre mais prontamente aos antibióticos do que aos amuletos, e aos adubos químicos do que à bênção dos campos. Mas as coisas nem sempre são assim tão simples. As técnicas eficazes podem ser inacessíveis. A eficácia nunca vai a ponto de excluir o fracasso. Apesar de todos os progressos da Medicina, os homens contraem doenças e acabam por morrer. Sobretudo, a vida de cada um é dominada pela incerteza radical que afeta tudo aquilo que advém da ação: ninguém controla jamais o resultado nem as consequências de qualquer empreendimento. Essa incerteza faz a fortuna das cartomantes, das quiromantes, dos fazedores de horóscopos, de todos os que prometem reduzir ou suprimir a incerteza através de métodos que só podem ser irracionais, dado que a matéria tratada é racionalmente incerta.

BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 483.

A contraposição entre religião e ciência tem sua base na ideia de que a fé se opõe à consciência científica, como se a primeira fosse irracional e a ciência se inserisse no terreno do racional. Será que a ciência, em seus processos de descobertas e aplicações, é sempre racional aos olhos de todos?

Ao contrário das suposições de alguns autores, a sociedade industrial não ocasionou o desaparecimento da religião, apenas limitou-a como forma de organização social.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

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Podemos afirmar que a modernidade abriu espaço para que parte das sociedades abrigasse um número elevado de denominações religiosas simultaneamente.



A modernidade-mundo não se organiza segundo princípios religiosos (o que não significa que não existam países, por exemplo, no mundo árabe, onde o predomínio da religião, como "consciência coletiva", não tenha um peso capital). Apesar do florescimento de novas crenças religiosas, da intensificação de uma religiosidade individualizada, da vitalidade de religiões que pareciam extintas, uma constatação se impõe: o lugar que o universo religioso ocupava nas sociedades tradicionais foi definitivamente remodelado pela modernidade.

ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 16. n. 47, out. 2001, p. 64.

A consciência coletiva, citada por Ortiz, refere-se a valores, sentimentos, crenças e tradições que são legitimados, repetidos e transmitidos ao longo das gerações. Segundo Durkheim, a consciência coletiva exerce coerção sobre as consciências individuais (muitas vezes de forma velada), reforçando hábitos, costumes e representações sociais. Para ele, a consciência coletiva é perceptível, sobretudo, nas sociedades tradicionais, nas quais indivíduos e grupos são muito semelhantes e o controle social de uns sobre outros é exercido mais diretamente. Nessas sociedades, a religião busca conformar as consciências individuais para preservar a ordem social, na visão de Durkheim.

A globalização recente, como todo grande processo sociocultural, gera desigualdades entre grupos e nações. Por um lado, não acontece com igual intensidade e do mesmo modo em todos os lugares; por outro lado, ela tende a homogeneizar alguns comportamentos sociais ao redor do globo. Nesse sentido, a religião desempenha um papel de resistência porque confere identidade ao ser humano, ao reunir as pessoas e fornecer um referencial comum aos grupos sociais. Uma prática religiosa, por exemplo, cria afinidade de pensamentos e permite compartilhar experiências entre os integrantes de um determinado grupo social.



As crenças religiosas, enquanto "consciências coletivas", aglutinam o que se encontrava antes disperso. [...] A memória é uma técnica coletiva de celebração das lembranças, aproxima o passado, soldando os indivíduos no seio de uma mesma comunidade. Ora, como tem sido apontado por inúmeros autores, a temática da identidade transforma-se radicalmente com o processo de globalização. Ela se torna crucial. A crise das identidades nacionais abre espaço para a explosão de identidades étnicas, particulares, e até mesmo de dimensões identitárias mundializadas, forjadas no seio de fluxos transnacionais de consumo.

ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 65-66.

A difusão da religiosidade via meios de comunicação favoreceu a expansão das religiões e até a multiplicação de suas manifestações. Se antes a difusão era limitada pelo espaço físico, hoje a transmissão de ritos e celebrações pelos meios de comunicação rompe essas barreiras. As religiões puderam diversificar seus meios de divulgação com emissoras de rádio e televisão, internet, CDs, editoras de livros e revistas, vídeos, objetos religiosos e lembranças, serviços de terapia e aconselhamento, imóveis e estruturas de marketing. Segundo o sociólogo brasileiro Antônio Flávio Pierucci (1945-2012), esses meios se caracterizam como atividades econômicas desenvolvidas pelas organizações religiosas para atingir públicos específicos de adeptos/clientes.

Na era globalizada, os meios de comunicação não apenas permitem a articulação das ações dos grupos religiosos como também as potencializam.




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