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O trabalhador e o trabalho no mundo atual
Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei [...]
Eu acordo pra trabalhar
Eu durmo pra trabalhar
Eu corro pra trabalhar [...]
VALLE, Marcos; VALLE, Paulo Sérgio. Capitão de indústria. Intérprete: Os Paralamas do Sucesso. In: 9 Luas. EMI, 1996. 1 CD.
FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora
A letra da música alerta para o fato de o trabalho poder criar um conflito entre o ser, o ter e o fazer. Muitas dessas questões decorrem de problemas históricos da formação do país e do sistema capitalista. Outras mudanças mais recentes no mundo do trabalho, como o estabelecimento de metas diárias e prêmios por produtividade, aperfeiçoam os métodos de controle sobre o trabalhador. Ao intensificar sua atividade, o trabalhador aumenta a produtividade das empresas, ou seja, em menor tempo e com menos recursos, cresce a produção.
Por estar intensamente integrado às atividades produtivas, o trabalhador tende a deixar de lado aspectos importantes de sua vida, como sugere a música: "Eu não tenho tempo de ter / O tempo livre de ser". Essa sobrecarga de trabalho dificulta o convívio dos indivíduos e de sua família, como acontece com trabalhadores que realizam longas jornadas de trabalho, excedendo o que estabelece seu contrato ou os padrões reconhecidos internacionalmente.
LEGENDA: O conflito entre as obrigações do trabalho e as outras esferas da vida do indivíduo aparece nesta tirinha de André Dahmer.
FONTE: André Dahmer/Acervo do artista
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Atualmente, muitos trabalhadores, mesmo em seu tempo de descanso, ficam à disposição das empresas, que usam os meios móveis de comunicação para recrutá-los. A letra da música revela essa imposição da rotina profissional que interfere no ambiente doméstico: "Eu acordo pra trabalhar / Eu durmo pra trabalhar / Eu corro pra trabalhar".
O refrão da música remete às incertezas que rondam as pessoas, seu trabalho e sua vida: "É quando eu me encontro perdido / Nas coisas que eu criei". Os tipos de trabalho e as formas de sua organização na contemporaneidade geralmente reduzem o espaço da criatividade, do livre pensar, do aperfeiçoamento, tendendo a impedir o indivíduo de viver sem estar premido pelo tempo, sem liberdade de escolha no trabalho e com dificuldade de equilibrar os diversos aspectos da vida (trabalho, descanso, convívio e lazer). Formas rígidas e restritivas de organização levam ao trabalho alienado, aquele em que o trabalhador não se reconhece no produto do seu trabalho nem consegue apreender o processo de produção como um todo. Ele não se vê como semelhante a outros trabalhadores nem se identifica com eles. A teoria da alienação, desenvolvida originalmente pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), nos mostra também que o trabalhador não fica com toda a riqueza que gera no processo produtivo, pois parte dela é apropriada pelo capitalista.
LEGENDA: Na imagem acima vemos um pai estadunidense dividindo-se entre os cuidados com a filha e as atividades de trabalho. A foto exemplifica como os computadores ampliaram as possibilidades de trabalho para além do espaço da empresa. Foto de 2014.
FONTE: Sandy Huffaker/The NYT
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