Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim


Sistemas escolares e reprodução social



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Sistemas escolares e reprodução social

A educação é uma ação social ao mesmo tempo conservadora e inovadora: ela ajusta as gerações à ordem vigente e também dá subsídios para mudanças, ao adequar padrões de comportamentos à sociedade e fazer novos usos das inovações tecnológicas e materiais. Como processo responsável pela socialização - ou seja, pela transmissão constante de valores sociais e padrões de comportamento -, a educação transmite e reproduz, de forma sistemática, os valores sociais estabelecidos, ou seja, os princípios de condução da vida social. Em sintonia com a dinâmica das sociedades, tanto os valores como o processo educacional se modificam no decorrer do tempo.

Na educação se refletem as mudanças políticas, culturais e sociais, pois ela é instigada a se adaptar para atender às tradicionais e atuais demandas da sociedade. Entre as teorias sociológicas que pensaram a educação no século XX, duas tendências se destacam:

a) a primeira é a corrente de pensamento funcionalista, presente principalmente nas teorias de Émile Durkheim, que identificou na educação uma função integradora, transmissora de cultura, de valores e de conhecimentos vigentes;

b) a segunda é formada pelas interpretações ligadas às teorias do conflito social, da hegemonia e da dominância de alguns grupos sobre outros. Destacam-se as análises do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), que reconheceu a reprodução de desigualdades de diferentes tipos pelo sistema escolar.

Os sistemas escolares modernos de diversos países se assemelham pelo fato de terem um ensino básico nas escolas, destinado à infância e à adolescência, e um ensino superior para jovens e adultos. No entanto, há uma grande diversidade de sistemas, em resposta à organização política de cada país. Atualmente, esses sistemas costumam ser apresentados, sobretudo na sociedade brasileira, como um caminho para chegar à igualdade social e à liberdade política e para oferecer oportunidades apropriadas ao talento e à capacidade dos indivíduos.

De acordo com Durkheim, cada sociedade e época possuem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos, o que ilustra a característica coercitiva das instituições sociais. Desde o início da modernidade capitalista, a educação se difunde pelos diversos setores sociais, ao mesmo tempo que comporta e estimula a competição e cria diferenciações, muitas vezes apoiando desigualdades. Além disso, a educação favorece a ascensão social, pois é por meio dela (mas não exclusivamente) que indivíduos e grupos podem obter acesso a melhores condições financeiras e de cidadania na sociedade.

Inspirada nos preceitos da ideologia liberal - a livre-iniciativa, a igualdade perante a lei, a proteção das liberdades civis e o individualismo -, a educação foi estimulada como uma prática social democrática na era contemporânea. Porém, no contexto da sociedade brasileira de classes, sua expansão se deu pelo acesso a uma escola culta e letrada para as classes dominantes e a uma escola mínima com iniciação para o trabalho, destinada às camadas socioeconômicas menos favorecidas - perpetuando-se, assim, a divisão social existente. Esta desigualdade é fruto de escolhas políticas feitas ao longo da História que favoreceram a criação de escolas particulares e reduziram os investimentos materiais e simbólicos do Estado na educação pública brasileira.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

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LEGENDA: Cerimônia com formandos do curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 1960. As formas de acesso ao sistema de ensino superior brasileiro ajudam a manter a divisão social existente.

FONTE: Reginaldo Manente/Agência Estado

LEGENDA: Curso profissionalizante de confecção de roupas no Rio de Janeiro (RJ). Foto de 2014.

FONTE: G. Evangelista/Opção Brasil Imagens

A educação formal reproduz as próprias contradições da sociedade de classes.

Em sua teoria da reprodução social, baseada em estudos sobre o sistema educacional francês, Pierre Bourdieu reflete sobre o ideal da igualdade perseguido, em tese, pela educação. Como uma estrutura que valoriza os princípios e padrões culturais dominantes, a educação formal reproduz a si própria e à sociedade, reforçando as desigualdades sociais ainda nos bancos escolares.

Bourdieu parte da concepção de que as relações de classes geram relações de poder entre elas. Essas relações de poder são muitas vezes dissimuladas pelo convívio, no qual a imposição de uma classe ou grupo social sobre outro ganha dimensões simbólicas, ou seja, não é direta nem acontece pela força física. Em outras palavras: o sistema educacional está vinculado à cultura dominante, que é imposta no domínio das letras, das artes, da ciência e de manifestações da cultura.

Um exemplo são os livros estudados no currículo escolar de literatura, na disciplina de Língua Portuguesa: quase sempre se trata de obras consideradas "boas" por autores que, na maioria das vezes, pertencem ao mesmo grupo social, enquanto obras de autores que produzem literatura tida como alternativa ou marginal são, muitas vezes, ignoradas. Vejamos um exemplo: o escritor Mário de Andrade (1893-1945) foi reconhecido como um importante autor de prosa literária por intelectuais da elite cultural de sua época. Esse reconhecimento se manteve nas gerações seguintes de críticos literários, e sua obra é muito estudada atualmente por pesquisadores nas universidades. Com isso, a leitura de seus livros costuma ser mais recomendada em escolas e nos meios de comunicação que a das obras de Ferréz (1975-), que tratam da vida no Capão Redondo, um bairro na periferia da cidade de São Paulo. Como resultado, os estudantes mais familiarizados com a obra de Mário de Andrade acabam tendo vantagens sociais. Por exemplo, possivelmente terão maior facilidade em vestibulares, nos quais as obras de autores com maior prestígio na sociedade costumam ser consideradas leituras obrigatórias, diferentemente das de escritores como Ferréz.

Se usarmos os termos criados por Bourdieu, poderíamos dizer que conhecer bem a obra de determinado escritor prestigiado é um tipo de domínio sobre a cultura legítima, ou seja, aquela composta pelos signos culturais que permitem a ascensão social. Outro signo incluído na cultura legítima no Brasil seria uma forma de falar e escrever a língua portuguesa legitimada como "correta"




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