Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



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Sociedade de risco

Como vimos, muitos riscos naturais podem ser evitados ou atenuados por meio do conhecimento científico e de modernas tecnologias dele derivadas. Entretanto, riscos de outra ordem emergiram, criados pela própria ação humana, por conta do uso insustentável da água e do solo: deslizamentos de encostas com soterramentos, desertificação progressiva de muitas regiões e esgotamento de solos, risco de resíduos nucleares, assoreamento de rios e águas pluviais, grandes enchentes, mortandade e extinção de espécies animais e vegetais, entre outros acontecimentos.

Um exemplo recente de tragédia ambiental provocada pela ação humana ocorreu com o rompimento de uma barragem de rejeitos de minérios em Mariana (MG), em novembro de 2015. Nas atividades de mineração, o produto a ser explorado economicamente (no caso, o ferro) é separado das demais substâncias presentes nas rochas. Essas substâncias - entre as quais algumas tóxicas, como o arsênico - são descartadas nesse tipo de barragem. Com o rompimento da Barragem do Fundão, 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram despejados no rio Doce, um dos mais extensos da região Sudeste. Além das mortes humanas provocadas pela enxurrada nas regiões mais próximas à barragem, milhões de espécimes animais que viviam ao longo do rio morreram sufocados pela falta de oxigênio, o que também prejudicou a atividade de pescadores em todo o vale do rio Doce. Agricultores e pecuaristas que utilizavam água desse rio foram afetados, bem como milhares de habitantes de cidades nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo que só tinham essa fonte de captação de água. Ainda não se conhecem as consequências de longo prazo deste que é considerado por muitos especialistas o maior desastre ambiental no Brasil até hoje.

LEGENDA: Distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana (MG), após o rompimento da barragem de rejeitos de uma mineradora, em novembro de 2015. O material continha substâncias altamente tóxicas.

FONTE: Hugo Cordeiro/Photograph/Nitro/Folhapress

Muitos dos riscos atuais ao ambiente resultam da intervenção humana.

O sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) interpretou que as mudanças observadas nas últimas décadas do século XX estão nos levando a uma sociedade de risco. Nela, os bens coletivos não estão mais garantidos porque a produção social das riquezas é acompanhada pela produção de riscos sociais e ambientais. Viver em uma sociedade de risco implica viver em meio a incertezas. Há cada vez mais dificuldades de prever com segurança as reais ameaças provocadas pelo desenvolvimento e pela aplicação extensiva de novas tecnologias e descobertas científicas, que, a serviço de interesses econômicos, podem alterar para sempre as condições de vida no planeta. Nessa perspectiva, Beck critica a Sociologia clássica por considerá-la carente de categorias conceituais e formulações capazes de explicar uma realidade em acelerada mudança.

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A transição do período industrial para o período de risco da modernidade ocorre de forma indesejada, despercebida e compulsiva no despertar do dinamismo autônomo da modernização, seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes. Pode-se virtualmente dizer que as constelações de risco são produzidas porque as certezas da sociedade industrial [...] dominam o pensamento e a ação das pessoas e das instituições na sociedade industrial. A sociedade de risco [...] surge na continuidade dos processos de modernização autônoma, que são cegos e surdos aos seus efeitos e ameaças. De maneira cumulativa e latente, estes últimos produzem ameaças que questionam e finalmente destroem as bases da sociedade industrial.

BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Ed. da Unesp, 1997. p. 16.

Com a ascensão do capitalismo e, principalmente, a Revolução Industrial, ocorreu um processo de racionalização progressiva da sociedade, na medida em que a técnica e a ciência invadiram as diversas instituições sociais e as transformaram. De acordo com o filósofo e sociólogo Jürgen Habermas (1929-), a racionalização atinge a tudo e a todos, e os sujeitos foram e são dominados pelo discurso da racionalidade, da eficiência e da competência. O ser humano se torna vítima da razão técnico-instrumental, que é, por outro lado, "irracional", já que as tentativas de domínio sobre a natureza colocaram em risco a própria humanidade.

Essas condições da sociedade, concentradas e intensificadas no último século, constituem o que os cientistas sociais denominam modernização - um processo de mudança provocado pelas invenções e inovações modernas. Esse processo é marcado pela racionalidade da administração, da industrialização, da burocracia, da urbanização e da tecnologia avançada na sociedade.

Um exemplo de como essa racionalidade promove a separação entre natureza e humanidade seria o fracionamento das ciências. Em nome da eficiência científica, foi criada uma multiplicidade de disciplinas, como a Química, a Física, a Biologia, entre outras. No entanto, ao separar o ser humano e a natureza um do outro e selecionar cada um deles em múltiplas partes (disciplinas científicas), tornou-se mais difícil perceber a interdependência entre essas esferas.

Existem hoje diversos riscos à saúde, à segurança e ao meio ambiente produzidos pela ação humana. Uma característica desses riscos é a dificuldade de controlar seus potenciais efeitos e consequências, pois não sabemos como enfrentá -los e quem responsabilizar por eles. Um exemplo é a chamada "doença da vaca louca", associada à mudança na alimentação do gado (que tinha passado a receber ração feita de farinha dos ossos de animais da mesma espécie).

As sementes geneticamente modificadas constituem outro caso de risco, pois, além do pouco conhecimento a respeito das consequências de seu consumo à saúde, pesquisas apontam que elas contaminam plantações não transgênicas, reduzem a variabilidade genética de espécies e desestruturam ecossistemas. Os riscos ambientais são globais, uma vez que atingem todas as classes sociais e países, embora não da mesma maneira nem com a mesma intensidade. As consequências do vazamento em uma usina nuclear, por exemplo, podem extrapolar os limites territoriais do país onde ela se localiza.

LEGENDA: Ulrich Beck, sociólogo alemão que cunhou o conceito "sociedade de risco" e escreveu inúmeros livros sobre globalização, capitalismo e cosmopolitismo, entre os quais Sociedade de risco: rumo a uma nova modernidade (1992) e Modernização reflexiva (1994). Foto de 2012.

FONTE: Steffi Loos/Associated Press/Glow Images

LEGENDA: Em 2011, um terremoto de magnitude 8,9 na escala Richter e um tsunami subsequente ao largo da costa noroeste do Japão danificaram a central nuclear de Fukushima Daiichi, causando explosões e vazamento de material radioativo que contaminaram todo o entorno. A imagem de satélite mostra a fumaça provocada pelo incêndio.

FONTE: DigitalGlobe/Getty Images

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Diversos problemas de saúde são associados a questões ambientais, como o câncer de pulmão (muitas vezes associado à poluição do ar) e o de pele (associado à exposição excessiva à radiação ultravioleta do sol, pois a camada de ozônio tem se reduzido em função da emissão de certas substâncias químicas na atmosfera). Outros riscos podem advir das inovações decorrentes, por exemplo, da nanotecnologia - um ramo da ciência que desenvolve estudos e pesquisas envolvendo a manipulação da matéria em escala atômica e molecular. Essas pesquisas permitiram a criação de novas substâncias, materiais ou componentes a serem empregados na fabricação de produtos sofisticados em tamanho muito reduzido. No entanto, cientistas alertam que os riscos relativos à produção de materiais de dimensões tão reduzidas deveriam ser cuidadosamente mapeados. Preocupa, por exemplo, a exposição a essas substâncias de trabalhadores de indústrias como as de cosméticos e de produção de roupas sintéticas, uma vez que os atuais equipamentos de proteção e instalações podem ser insuficientes.

LEGENDA: Habitantes de Pequim, na China, usam máscaras cirúrgicas em dia de grande poluição na cidade. Foto de 2013.

FONTE: Ed Jones/AFP

São muitos os efeitos das mudanças resultantes da relação que os seres humanos estabelecem entre si e com a natureza. É possível, por exemplo, correlacionar o aquecimento global com a mudança na quantidade e na intensidade dos furacões. Por causa de efeitos como as alterações na temperatura e na composição da atmosfera, a sedimentação da fuligem e de outras substâncias lançadas no ar e as mudanças nos níveis de radiação, cientistas como o químico Paul Crutzen (1933-) teorizam a hipótese de que nos dois últimos séculos entramos em uma nova era geológica: o Antropoceno, isto é, a era em que a intervenção humana se tornou um fator de grande impacto na composição física da Terra.

LEGENDA: Mutirão de doação de roupas e alimentos para desabrigados por temporais em Nova Iguaçu (RJ), em 2013. As mudanças climáticas têm causado intempéries cada vez mais intensas.

FONTE: Fábio Motta/Estadão Conteúdo/AE


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