Sumário prólogo capítulo



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CAPÍTULO 34
Sholomo viajou até a cidade do Cairo para falar pessoalmente com Balkis. Na loja, viviam-se momentos de tensão devido aos últimos acontecimentos, entre os quais estava o roubo do código criptográfico e as ordens de execução contra Lilith e sua amiga alemã. No entanto, o motivo principal de sua visita era o rumor, propagado rapidamente nos obscuros rincões da irmandade, de que Guardiões do Trono demitiram-se de seus cargos por causa das últimas decisões tomadas em função do segredo, e, não só isso, mas que Balkis havia pensado em Leonardo Cárdenas como substituto de Hiram para, assim, lavar o sangue das vítimas sacrificadas. Na mente do Mestre dos Mestres ainda ressoavam os gritos de descontentamento de Gracus e Hermes, pois, de todos os mestres, eles eram os mais inflexíveis e ortodoxos no que dizia respeito aos costumes da loja. Shimon enviou um correio eletrônico de Edimburgo, discordando de forma radical, mas sem muita ênfase. Nemrod e Hiram se mantinham à margem, guardando silêncio. E ele, Sholomo, continuava sem definir-se. Achava precipitado, e até mesmo alarmante, confiar o Testemunho de Deus a um homem que nem sequer havia sido investido como irmão de segunda ordem. Por isso, precisava falar a sós com sua velha amiga, para escutar dos lábios dela a razão daquela loucura.

Ele a conhecia havia mais de quarenta anos, e sempre soube que, em algum momento do futuro, haveria de surpreender a todos por seu caráter. Quando a viu pela primeira vez no Congresso da loja, realizado — precisamente no Cairo — em plena guerra dos Seis Dias, achou que ela era a jovem mais atraente do simpósio, apesar da carga de sofrimento que parecia carregar e daquela ansiedade que seus olhos irradiavam. Aproximou-se dela com a desculpa de pedir-lhe um conselho. Disse-lhe, num inglês quase perfeito, que recentemente havia acabado seu curso de arquitetura e estava em dúvida entre duas escolhas: desenhar edifícios ou apostar na sabedoria e no conhecimento. Ela, então, lhe disse que não havia nada mais importante nesta vida do que a ciência de Deus. Aquela resposta foi decisiva. Havia se enamorado de sua maneira de ver o mundo, e também de seus olhos cor de mel.

O encontro dos dois aconteceu na casa de Siseq, antigo Mestre dos Mestres e pai de Hiram, conhecido na cidade, que era a capital do país, por ser um renomado egiptólogo que verificava — para o Museu Arqueológico do Cairo — a autenticidade dos objetos espoliados ou encontrados nas escavações. Simpatizaram desde o começo, embora Séphora — seu nome verdadeiro — sentisse um certo distanciamento dos espanhóis desde que aprendeu na escola do kibutz, que freqüentou quando criança em Ascalon, que os judeus foram expulsos do reino cristão e privados de suas fazendas e riquezas graças ao decreto de uma rainha arbitrária e caprichosa que se fazia chamar de "a Católica". Ele teve de retrucar, dizendo que as coisas haviam mudado muito em seu país nos últimos quinhentos anos, embora reconhecesse que a Espanha não foi, novamente, um lugar seguro para viver quando o regime franquista se instalou e os maçons foram perseguidos e encarcerados com fúria como presos políticos. Continuaram conversando até o anoitecer e tiveram que se despedir para recolher-se a seus quartos. Voltaram a se encontrar no dia seguinte, na reunião que celebraram os Grandes Mestres em honra dos irmãos de segunda ordem, vindos do mundo todo para o Congresso de Iniciação.

Estavam ali, como os outros, porque haviam conseguido decifrar o enigma maçônico e eram, portanto, candidatos a fazer parte na loja. O que nunca chegaram a suspeitar, naqueles dias de sacrifício espiritual, é que dali a três anos, depois de superar a prova de silêncio, seriam eleitos para suceder aos antigos Guardiões do conhecimento. Ele passou a ser o Mestre dos Mestres dos Construtores e ela encarnou a figura da rainha de Sabá.

Também tinha grata recordação de Hiram — ou melhor, de Kja-lib Ibn Allal —, que virou uma grande amizade desde sua primeira viagem ao Cairo. Conheceu-o no mesmo dia em que também conheceu Séphora, na apresentação geral do Congresso maçônico. A partir dali, os três se tornaram amigos inseparáveis, a ponto do velho Siseq, no ato de encerramento, afirmar que seu filho havia encontrado dois irmãos de espírito em culturas antagônicas. Não estava enganado, pois cristãos, árabes e judeus constituíam os vértices do triângulo de Deus — segundo suas crenças — e no centro se encontrava a Sabedoria, embora vários anos se passassem antes de perceberem que os três formavam e, ao mesmo tempo, protegiam a pirâmide que esconde o olhar do Criador.

A vida que tinham levado até então, e tudo que foram aprendendo pelo caminho, foi irrelevante quando subiram os degraus da escada.

O táxi que havia ido buscá-lo no aeroporto internacional o levou até uma casa circundada de palmeiras e sicômoros e que se erguia no bairro de Ataba, no coração do Egito mais milenar. Sholomo pagou o taxista depois de descer do carro. Dirigiu-se à porta, enquanto admirava as primaveras plantadas em ambos os lados do caminho, as quais serpenteavam vigorosamente ao longo das barras laterais da armação de ferro até alcançar os arcos superiores. Sua impressão era a de estar atravessando um túnel florido que exalava um aroma maravilhoso de natureza em seu estado mais selvagem.

Na entrada, era esperado por Hafid, que lhe deu boas-vindas e o fez entrar sem sequer lhe perguntar o motivo da visita. Enquanto caminhava pelo estreito corredor, seguindo os passos do fiel e circunspecto mordomo, fez um reconhecimento estrutural do edifício com a finalidade de manter viva sua profissão.

As paredes da casa, frias e calcárias, começavam a rachar devido à passagem do tempo. No teto, era possível observar algumas manchas de umidade, algo que confirmava sua suspeita de que o telhado conseguiria resistir apenas mais um par de décadas. Mas a estrutura se mantinha em pé, apesar de tudo. E isso porque a construção, segundo lhe disseram, remontava ao final do século XIX. Várias reformas no interior e o reforço, feito com cimento, no princípio dos anos cinqüenta, conseguiram fazer dela um lugar bonito, onde havia vivido até agora como casal, aos olhos da sociedade, seus íntimos amigos Khalib e Séphora.

—Será melhor que espere aqui — disse-lhe o jovem árabe, em inglês, indicando um cômodo reservado às visitas. — Hiram virá em alguns minutos, quando terminar suas orações.

—E Balkis? — perguntou, antes que o empregado fosse embora.

—A senhora saiu. Mas regressará por volta das sete.

Sholomo consultou o relógio de pulso. Havia se esquecido de mudar o horário quando desceu do avião, ajustando o fuso, mas calculou que deviam ser cerca de seis e meia.

—Obrigado, Hafid — disse-lhe com suavidade, ao despedir-se.

O rapaz saiu após inclinar levemente a cabeça. Sozinho, Sholomo sentou-se em meio aos almofadões estendidos por todo o chão, diante de uma mesa de cedro. Enquanto esperava, fechou os olhos para pensar com clareza, apoiando a cabeça na parede.

Balkis tinha poder para escolher o melhor para a loja — e assim devia ser, se quisessem manter vivo o nome da Viúva. As antigas leis maçônicas diziam que a rainha de Sabá podia ditar qualquer resolução sem contar com o Conselho dos Sete, e que seus Filhos deviam obedecê-la em tudo, sem demonstrar desconfiança. Ela representava a Sabedoria — o que significa a mesma coisa que o saber do Grande Arquiteto —, razão pela qual seria difícil contradizer seus desejos.

Entretanto, trataria de entender suas razões, caso não conseguisse convencê-la a mudar de opinião, no que dizia respeito a Leonardo Cárdenas. Quanto à substituição da própria Balkis, começava a imaginar o que iria acontecer. E isso era algo que o preocupava bastante.

—Sabia que você viria.

O som daquela voz o sobressaltou e fez com que abrisse instintivamente os olhos. Era Hiram.

Vestia uma túnica avermelhada com brocados de ouro e prata que ia até os pés. Os pelos eriçados de sua barba estavam repletos de brancos; apenas alguns conservavam a escura tonalidade que ostentavam na juventude. Pelo olhar triste, dava para perceber que estava passando por um dos piores momentos de sua vida.

—Eu me senti obrigado — disse Sholomo, finalmente, sem mover-se do lugar —, sobretudo depois de enfrentar as críticas do Conselho. Gracus estava aos berros, e razões não lhe faltam. Uma coisa é aceitar Leonardo Cárdenas como iniciante, e, outra muito diferente, é que ele ocupe seu cargo e herde o nome de Hiram Abif.

—É isso... — o outro levantou as palmas das mãos num gesto de tolerância, para, em seguida, sentar-se nos almofadões que estavam à esquerda de seu convidado, concluindo resignado: — Temos de passagem uma nova geração de instrutores.

—Na loja, há irmãos que merecem mais do que ele.

—É verdade... — depois de suspirar, lhe deu razão — mas não sou eu quem decide.

—Suponho que Balkis continuará irritada pelo fato de eu ter tomado certas iniciativas, adiantando-me aos acontecimentos, e por contratar uma assassina de aluguel para que acabasse com a vida do paleógrafo.

Sholomo, tal como todos na loja, condenava a violência, e, mais ainda, ter que utilizá-la. Mas, às vezes, era necessário um sacrifício de sangue para que o homem não maculasse os mistérios de Deus com sua ambição e ignorância. Os Sancti Quattro Coronatti conheciam bem as conseqüências; por isso não cederam diante do capricho de um tirano, apesar de serem castigados de um modo atroz ao pior dos suplícios. Eles eram um paradigma, o exemplo que deveriam seguir aqueles que defendiam o Testemunho, mártires do conhecimento capazes de perder não somente suas vidas, mas, também, suas próprias almas, antes de confessar o segredo que guardavam as Artes Liberais. Acabar com Balboa, Mercedes e essa criminosa sem escrúpulos chamada Lilith foi uma tentativa de proteger a herança dos antigos construtores, colocada em perigo desde que o manuscrito de Toledo apareceu em cena. Iacobus havia encontrado a forma de difundir seu legado maçônico através do tempo. E era obrigação dele, Sholomo, como Mestre dos Mestres, deter a loucura do pedreiro.

Hiram olhou-o de maneira condescendente. Seu amigo estava se atormentando por algo de que não tinha culpa nenhuma.

—Podemos dizer que a Viúva discorda dos métodos antigos — afirmou o egípcio, sem acrescentar mais nada.

—Sim, talvez você tenha razão... — reconheceu o visitante — ...nossos costumes floresceram na época mais obscura e tenebrosa do ser humano e, como homens, cometemos o erro de nos deixar corromper. Mas, de outro lado... como permitir que a Sabedoria se vulgarize? Não se erradica o Mal oferecendo pérolas aos porcos! — exclamou ressentido, como se estivesse procurando uma desculpa para seus atos na estupidez geral das pessoas.

—Apenas alguns de nós procuramos nos perguntar alguma vez qual é nossa missão na vida, coisa que deveria ser importante para todos. A maioria das pessoas busca apenas saciar suas próprias necessidades.

—Vejo que o sétimo escalão continua perturbando seu espírito. A voz de Hiram, amável e conselheira, levou Sholomo a refletir.

Ele se sentiu envergonhado por ter-se deixado levar pelo orgulho. Aquele foi o motivo pelo qual perdera Balkis.

—Não nego que a soberba me cegue às vezes — comentou com voz amortecida, um pouco mais tranqüilo, depois de reconhecer seu pior defeito. — É porque eu só estive uma vez na presença de Deus, como os demais membros da loja. Suponho que se tivesse sido um Custódio, como vocês, não teria tempo para o pecado, somente dias maravilhosos a serviço do Grande Arquiteto.

Hiram notou uma ponta de ressentimento nas palavras de seu amigo espanhol. Diria-se que, além da soberba, pecava também por inveja. Não levou isso em conta. Intuía o motivo da inquietação dele.

—E Azogue... como está? — decidiu mudar o tema da conversa. Sholomo teve um sobressalto ao escutar o nome maçônico de sua protegida. Não esperava aquela pergunta, especialmente de quem veio.

—Ficou em Roma, aguardando meu regresso — respondeu, com desânimo. — Ainda não está preparada para conhecê-los.

Hiram fez um significativo gesto de provocação. Em seguida, puxou um cordão grosso de lã que estava ao seu lado e logo apareceu Hafid. Pediu-lhe que lhes trouxesse chá e antepastos, antes de servir o jantar, acrescentando que assim que a senhora regressasse lhe dissesse que estavam na sala de convidados.

O mordomo foi embora, depois de inclinar levemente a cabeça.

—O que você acha que Leo está fazendo? — perguntou novamente o egípcio.

—Suponho que deva estar queimando as pestanas — sorriu ao responder. — Tenho de reconhecer, entretanto, que ele foi mais inteligente que nós.

—Esclareça melhor o que quer dizer — replicou sucintamente.

Para Sholomo, era difícil admitir que o bibliotecário levava vantagem sobre eles.

—Veja... — franziu a testa — ...ele não só conseguiu descobrir a cripta onde Iacobus escreveu sua mensagem, como mudou o DVD antes que o deixássemos inconsciente e lhe roubássemos a câmera digital. A gravação que temos não serve para nada. Está praticamente em branco.

—Isso quer dizer que ele poderia decifrar os hieróglifos e encontrar uma maneira de chegar até aqui.

O anfitrião falou de um modo conciso, ainda que estivesse visivelmente preocupado.

—Não é isso que Balkis quer? — o Mestre dos Mestres ironizou a inferência de seu amigo.

—Talvez, mas não estou certo.

—O que não vou permitir é que alguém volte a descer à cripta

—disse com voz firme. — Ordenei a um grupo de irmãos que fechem definitivamente a entrada que conduz às sete salas. Assim, conseguiremos manter oculto o segredo por outros quinhentos anos.

Hiram não se mostrava tão seguro. Ouvira dizer que o manuscrito original estava nas mãos da assassina contratada por Sholomo.

—E o que acontecerá se voltarem a decifrar o criptograma?

—Esse problema já foi solucionado — Sholomo foi contundente, ao responder.

—Peço diariamente a Deus que perdoe nossos erros — disse uma voz conhecida, que soava a partir da porta.

Ambos os homens voltaram a cabeça na direção do vestíbulo, levantando-se imediatamente, como se estivessem de comum acordo. Era Balkis, com uma expressão de sofrimento no rosto, ao constatar as conseqüências que implicava ser Guardião do conhecimento. Não precisava que lhes dissesse que havia corrido sangue novamente. Leu no olhar do velho amigo.

—Não posso deixar que o segredo caia nas mãos da ignorância

—disse Sholomo, indo receber sua anfitriã. Havia falhado diante da loja e de seus mártires.

Naquele momento, Hafid chegou com uma bandeja sobre a qual havia uma enorme chaleira de bronze com três copos de cristal, e também um prato transbordando de patês de canela e gergelim.

Decidiram esperar que ele fosse embora, antes de continuar conversando. Pouco depois, o criado se retirou em silêncio depois da reverência habitual. Eles voltaram a sentar-se entre os almofadões de textura suave, mas, desta vez, deixaram Balkis no centro, em frente à mesa.

—Eu me alegro que esteja aqui — disse a mulher, enquanto servia o chá. — Agora tudo será mais fácil.

"Fácil? Como é evidente que você não tem que suportar o descontentamento dos demais membros da loja!", pensou o convidado. Fez uma careta irônica.

Balkis leu seus pensamentos, imediatamente, mas agiu como se não tivesse percebido nada.

—O certo é que vim fazê-la mudar de opinião — disse, finalmente, Sholomo. Não creio que seja boa idéia deixar que outros ocupem os cargos de vocês.

—Você tem de reconhecer que somos velhos para o ritual. Balkis não se dava por vencida.

—Claro! — ele admitiu, concordando com a observação da Viúva. — Mas contamos, dentro da própria loja, com jovens dispostos ao sacrifício. Não deveríamos expor o segredo a um desconhecido. Isso faria com que aumentasse a desconfiança entre nós.

—Você se recorda que só pensei em Leonardo Cárdenas como substituto de Hiram. Meu cargo recairá em uma irmã de segunda ordem.

As enérgicas palavras da anciã o sobressaltaram. Intuiu que suas suspeitas começavam a tomar forma.

—Posso perguntar quem é a afortunada?

Balkis guardou um prudente silêncio. Hiram, que permanecera calado, falou em seu lugar:

—Creio que você já sabe...

Sholomo se movimentou, inquieto, olhando novamente para sua velha amiga.

—Diga-me que não é certo! — rogou Sholomo, exaltado. — Diga-me que a candidata a ocupar seu posto não é Azogue! — acrescentou, irritado.

Balkis afirmou com um movimento de cabeça.

—É o melhor para ambos... — disse com voz quase sumida, para acrescentar — ...Leo não vai titubear diante do desafio de subir os degraus da escada, se estiver acompanhado de Cláudia. Sinto muito, Salvador..., mas sua sobrinha é a única opção que temos para corrigir nossos erros.

CAPÍTULO 35
Reuniram-se na casa de leilões por volta das quatro horas. Leonardo chegou por último devido a uma incipiente ressaca, que o manteve prostrado na cama até o meio-dia. Apesar de tudo, foi capaz de alternar as horas de boêmia e de álcool com o trabalho, e assim imprimiu o manuscrito de Toledo em duas cópias e transcreveu muitas anotações das lembranças que recuperava mentalmente de suas conversas com Riera, quando falaram sobre o Templo e os maçons. Além disso, trouxe consigo o DVD, para uma nova exploração, e a carta que encontrou em sua correspondência.

Queria que Cristina a lesse.

—O que acha disto?

Entregou a folha a ela tão logo chegou, sentando-se à mesa de reuniões.

Em pé, a criptógrafa leu a carta em silêncio, sem se importar com a presença perturbadora de Nicolas, às suas costas. Logo se virou fitando-o nos olhos, à espera de um veredicto.

—Creio que eles estão tentando entrar em contato conosco... — disse o advogado — ...embora isso também possa ser uma armadilha.

—Minha opinião é que se trata de uma charada que a maçonaria usa como método de cooptação — acrescentou Cristina, sentando-se onde somente Mercedes podia fazê-lo, quando presidia uma reunião com os chefes de sessão.

Naquele momento, lembrou-se do telefonema do bibliotecário, à noite, e perguntou:

—Então, foi por isso que me ligou ontem?

—Sim — respondeu Leonardo, em voz baixa —, mas decidi esperar até hoje para que você desse uma olhada.

Colmenares foi até a máquina de café, para tirar três cappuccinos. A tarde prometia ser longa e interessante.

—Você conseguiu ver a pessoa que fez a entrega? — perguntou o advogado, do outro lado da sala.

—Suponho que tenha sido o carteiro, já que estava em minha caixa de correspondência junto com o restante das cartas — respondeu Cárdenas. — O remetente é francamente cabalístico. Há somente um punhado de números.

—Você trouxe o envelope? — Cristina devolveu-lhe a folha, no momento em que fez a pergunta.

Ele disse que sim, com um movimento de cabeça, colocando a mão no bolso da camisa. Estendeu a ela, para que desse uma olhada.

—Você prestou atenção? — Leonardo indicou a parte inferior da mensagem. — A missiva está assinada por Balkis... a rainha de Sabá.

—Sim... e o texto parece bem estranho — replicou Colmenares, trazendo os cafés numa bandeja de plástico, para colocá-los sobre a mesa de reuniões. — Parece incitar-nos à investigação. E isso é algo sobre o que deveríamos refletir profundamente, antes de fazer qualquer movimento para tentar encontrá-los. Insisto que pode ser uma armadilha.

—Tenho de reconhecer que a charada que nos apresentam parte do desejo de ajudar, e isso é bastante estranho depois do que aconteceu — opinou Cristina, sem deixar de observar os números escritos no remetente. — Talvez Nicolas tenha razão e não devamos confiar tão depressa na carta de um desconhecido ou desconhecida... — então, depois de morder o lábio superior, acrescentou, pensativa — ... que diabos querem dizer essas cifras?

O advogado pegou o envelope que Cristina lhe oferecia. Observou-o detalhadamente. Em seguida, devolveu-o ao bibliotecário.

—Um número de telefone? — perguntou, surpreso.

—Não tenho a menor idéia... — reconheceu Cárdenas — ...embora minha impressão seja de que se trata de alguém querendo me ajudar... não sei! Há alguma coisa nessas palavras que me inspiram confiança.

—Um jogo perigoso demais, a meu ver.

A afirmação de Cristina foi como um balde de água fria. Achou-a petulante e convencida, certa de que sabia tudo. A carta, segundo ele, pretendia indicar-lhe alguma coisa muito importante. Mas o ceticismo de seus companheiros conseguiu deixá-lo de mau humor.

Guardou a carta no envelope. Em seguida, voltou a guardá-lo no bolso.

—Está bem! — colocou o DVD sobre a mesa. Comecemos pelo princípio.

A partir daí, dedicaram-se inteiramente ao estudo da gravação. A primeira coisa que fizeram foi transportar a informação para um dos computadores da empresa. Desta forma, puderam reproduzir e aumentar as diferentes seqüências, para ir guardando as imagens dentro de uma pasta do Word. Sua intenção era imprimi-las em tamanho ofício para estudar posteriormente em profundidade.

Depois de duas horas, tinham diante de si vinte e oito fotogramas — quatro paredes para cada uma das sete salas — e mais algumas do monumento escalonado que havia na sala principal. Analisaram uma a uma as frases escritas. Nenhuma parecia ter relação com a outra, mas em algumas se repetiam as palavras "pedra" e "Deus". Também havia alusão à música e aos números, à perfeição das letras e ao movimento dos astros, ao pensamento e às equações divinas. Era, como haviam pensado, um diário escrito que evidenciava a sábia virtude das Artes Liberais.

—O que é isso? — perguntou Cristina, indicando certas letras desbotadas pelos séculos e que podiam ser vistas no canto da tela, atrás do sino que pendia sobre a parte superior da entrada.

Leonardo se aproximou, para observar a imagem mais de perto.

—Você pode aumentar a imagem? — perguntou.

—Creio que sim.

A criptógrafa apertou o zoom, ampliando, assim, a seqüência em cinqüenta por cento.

Então, puderam ler com absoluta clareza: "AVIDITAS"

—Avareza? — Leonardo não acreditava no que seus olhos viam. Ele não tinha prestado atenção nesse detalhe.

—É o que parece — afirmou Cristina.

—Tente com outra sala.

E assim fez o bibliotecário, encontrando um termo parecido, atrás do sino da sétima sala. Nesse caso: "SUPERBIA"

—Soberba — ela traduziu, do latim para o castelhano.

—O que têm a ver os sete pecados capitais com Os Filhos da Viúva? — perguntou Colmenares, que se perdia pelas labirínticas passagens da maçonaria à alquimia.

Ninguém respondeu. Seus dois companheiros estavam empenhados em encontrar novas indicações atrás dos diversos sinos daquele santuário.

Efetivamente, uma a uma, foram surgindo as fraquezas mais características do ser humano: AVAREZA, SOBERBA, LUXÚRIA, PREGUIÇA, IRA, GULA e INVEJA, e todas escritas na parte superior de cada uma das entradas, ocultas atrás dos diversos sinos de bronze. Tinham um novo dado para estorvar seu trabalho, que cada vez ficava mais confuso e enigmático. Muito concentrada, entretanto, Cristina parecia ter a resposta para tudo.

—Você não me perguntou antes que relação os pecados capitais podem ter com a maçonaria? — a criptógrafa tirou os óculos, que havia colocado para enxergar de perto, olhando fixamente para Nicolas.

O advogado alisou o bigode, ao mesmo tempo em que franzia a testa com certa surpresa. "Mas, na verdade, existe mesmo uma relação?", parecia pensar.

Cristina respondeu sua própria pergunta, antes que qualquer um dos homens que a observavam com atenção o fizesse.

—Pois a verdade é que sim, estão vinculadas ao mundo da alquimia — disse com premeditada lentidão. — Segundo a reconstrução do universo gnóstico, concebido pelos ofitas, cada planeta imprime, na vontade do homem, um caráter negativo que o submete e escraviza. O Sol nos desperta a gula...; a Lua, a preguiça; Mercúrio, a avareza; Vênus, a luxúria; Marte, a ira; Júpiter, a inveja; e Saturno, a soberba. Depois da morte, o espírito do homem deve atravessar as seis primeiras esferas e enfrentar a última e mais perigosa de todas: Saturno, o deus proscrito, criador do tempo e do espaço. Quem conseguir superar seu poder, poderá ascender ao Universo de Deus e vencer a serpente que guarda o paraíso. Além disso, caso vocês não saibam, cada dia da semana é representado por um dos planetas conhecidos na Idade Média. E, por que não, também pelas sete notas musicais... — levantou o queixo e concluiu — ...está provado cientificamente que a música provoca diferentes reações no homem.

—Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu...

Leonardo e Cristina olharam atônitos para o advogado, que sentia orgulho de chamar a atenção dos especialistas citando de cor uma passagem do Apocalipse, em que o número sete era novamente o protagonista.

—Espere um momento — exclamou a criptógrafa. — Isso que você disse fez-me recordar Georg von Welling, que trabalhou como alquimista na corte do margrave de Karlsruhe... — pigarreou um pouco — ...e afirmava que do Trono de Deus, com os sete grandes espíritos do Apocalipse ao seu redor, fluía a luz divina criando o mundo espiritual como arquétipo do nosso universo20. Deixe me ver, Leo...! Dê-me um momento a carta que acabou de nos mostrar. Preciso comprovar algo que pode ser importante.

Ele não se fez de rogado. Pegou novamente a carta e entregou-a a ela, esperando por uma explicação que parecia demorar. Sem prestar atenção ao gesto interrogativo do bibliotecário, Cristina leu o texto, outra vez. Depois de alguns segundos, estendeu-o sobre a mesa, assinalando uma frase com o dedo indicador direito.

—"No templo das três câmaras está escondido o Kisé do Testemunho"... — leu em voz alta.

—Encontrou algum significado? — quis saber Colmenares, cada vez mais envolvido naquela aventura apaixonante.

—Kisé! — ela exclamou com notável ênfase, esperando que fossem capazes de compreender o que lhes queria dizer, mas tanto o bibliotecário quanto o advogado desconheciam o idioma hebraico.

Por isso, ela lhes refrescou a memória:

—Lembram-se da frase escrita em hebraico, que consegui traduzir quando estávamos no Hotel Santa Rosa Victoria, em Múrcia...? — ao ver que não tinham reação, procurou entre as fotografias, recuperando a imagem de um muro com sinais geométricos e várias frases em hebraico. —Aqui está! Vayomer kisé iad al kes Yahveh, o que corresponde a "Porque a mão de Deus está sobre seu trono". Kisé significa trono... O Trono de Deus... — acrescentou, satisfeita — ...e isso não é tudo, pois ontem à noite eu tive tempo de traduzir algumas das frases em latim. Havia uma que falava precisamente de um trono.

—Tem certeza? — Leo achava estranho que houvesse tanta coincidência.

—Sim, e aguarde apenas um instante... — ela tirou sua caderneta do bolso que estava no encosto da cadeira, para, em seguida, abri-la —... aqui está... In excelso throno vidi sedere virum.

—"No excelso trono vi sentar-se um homem." — Leo se adiantou em traduzi-lo, antes que Cristina lhe desse uma aula de latim que evidenciasse sua carreira universitária.

—Não lhes parece estranho? — comentou a criptógrafa.

—Pode ser que seja simples casualidade — foi a seca opinião do advogado.

—O que diz o esoterismo a respeito do Trono de Deus? — perguntou o bibliotecário, intuindo que Cristina conhecia todas as respostas.

—Temos, de um lado, a função intrínseca da catedral, quer dizer, a de abrigar o trono onde o bispo instruía os leigos... — preferiu expor seus conhecimentos a partir do começo. — Como você sabe, a palavra catedral vem do latim cathedra, que significa trono. Mas... qual era realmente a função do bispo? E eu lhe direi: sentar-se no trono para comunicar-se com Deus através da oração.

—Não creio que Deus falasse com um bispo... — discordou Colmenares, que depois fez uma careta de desdém — ... e também não acredito que possa se comunicar com alguém. É um absurdo pensar algo assim.

—Agora eu me recordo... — Cárdenas lembrou das cópias do manuscrito de Toledo que havia trazido para eles. Pegou-as no bolso interior da jaqueta, entregando uma a Cristina e outra ao advogado.

—Leiam isto! Sobretudo a parte que diz como os construtores de catedrais escondiam do povo o tal modo de se comunicar com Deus.

Cristina, que sabia o texto de memória, leu em poucos segundos. Nicolas se perdeu, antes de terminar o segundo parágrafo.

—Tem razão, mas Balkis também o menciona... não se lembra?

—ela advertiu, citando de memória uma passagem da carta de Leonardo — "Se deseja falar com Deus, deverá ir aonde o esperam os pilares que dividem a cidade de Enoque".

—Eu lhes disse, tratam de nos ajudar.

A explicação de Leonardo não satisfez a erudita. Para ela, significava algo mais.

—Escute... — disse-lhe a criptógrafa — ... quando nos falou de Riera, comentou que ele havia passado parte da sua vida procurando a Arca da Aliança... Não é isso?

—É sua obsessão... — respondeu, com um meio-sorriso mordaz— ...e o pior de tudo é que pensa que ela esteve escondida nos arredores de Múrcia... — arqueou as sobrancelhas significativamente.

—Quando lhe falamos de procurar o escrito do pedreiro sob a catedral, mostrou-se bastante interessado. Inclusive, chegou a dizer que nossa busca não era diferente da dele.

Cristina refletiu sobre as palavras que acabava de escutar. Em seu cérebro, as hipóteses se sucediam, como seqüências cinematográficas. Sabia que estava perto de encontrar o que estava procurando, mas tinha de continuar interpretando seu papel na esfera das descobertas e mostrar simpatia com os demais, ajudando em tudo que pudesse decifrar o enigma.

—Há algo que não lhes disse em relação à Arca da Aliança, também chamada de Testemunho... — tratou de ser a mais sincera possível — ...é que possivelmente fosse algo mais do que uma simples arca.

—A que você se refere? — o advogado foi o primeiro a manifestar surpresa.

—Há quem afirme que a Arca da Aliança se manifestava como um condensador elétrico, capaz de gerar uma energia indescritível e cujo poder seria capaz de matar uma pessoa, tal como diz a Bíblia. E também que era um amplificador de som em forma de trono, com dois querubins tocando-se nas extremidades, como se formassem um espaldar, onde Moisés se sentava para comunicar-se diretamente com Deus.

—Isso é absurdo! — exclamou Colmenares, que elevou os braços de forma teatral. — Espero que não leve a sério tais afirmações.

—Não digo que seja certo, mas tem sentido quando vemos que se reitera sua utilidade. Lemos isso no manuscrito do pedreiro, na carta de Leo e nas paredes da cripta... — Cristina não estava disposta a deixar passar em branco tais coincidências. — Se é certo que existe o Trono de Deus, é possível que encontremos respostas às perguntas que nos fazemos desde o princípio: por que assassinaram Mercedes e Balboa?

Cárdenas soube no mesmo instante. E se permitiu o luxo de responder em tom grave:

—Porque a Arca é o que Os Filhos da Viúva protegem com tanto empenho, tal como afirmou Riera.

—Exato! — pontuou, solenemente, a ruiva, afastando os cabelos que lhe caíam no rosto. — E pretendem mantê-lo em segredo, cortando a língua de todo aquele que possa delatar sua localização, como aconteceu com Iacobus de Cartago.

—Isso quer dizer que o pedreiro sabia onde encontrar a Arca — o advogado tinha pensado em voz alta.

—Não só isso... — afirmou Leonardo — ...mas também que deve ter descrito o lugar exato onde está escondida, entre todos esses hieróglifos de números e letras... — pegou um punhado de fotografias na mão. — Fez isso para que gente como nós quebrássemos a cabeça tentando encontrar o tesouro descrito por Nostradamus.

—Cada vez aumenta mais o número de personagens implicados—comentou o advogado. — Ademais, não entendo que relação pode ter Nostradamus com os construtores de catedrais, nem como soube que existia uma cripta embaixo da capela dos Vélez.

—Dizem que Michel de Nostradamus pertencia a uma irmandade esotérica chamada Santa Fé, e que, inclusive, chegou a ser Mestre da Grande Loja Branca — apressou-se a dizer Leonardo, que havia estudado o personagem, depois de receber o e-mail de Balboa. — Talvez mantivesse algum tipo de relação com as lojas de construtores espanhóis.

—Isso é verdade — afirmou Cristina. — Suas Centúrias são um claro exemplo da linguagem utilizada entre os alquimistas. Nostradamus devia conhecer o segredo quando deixou por escrito sua localização. Não se dão conta? É só um jogo de inteligência para mentes privilegiadas... — refletiu uns instantes em silêncio, e depois se perguntou —... o que é a carta que lhe enviaram, senão uma nova mensagem codificada?

A interrogação era dirigida a Leonardo.

—É para deixar qualquer um louco! — grunhiu o bibliotecário.

—Alguém pode me dizer o que estamos procurando, na realidade? —A pergunta do milhão é... o que eles desejam que a gente encontre? Cristina lançou sua charada. Os homens não souberam contestar, porque eram muitas as incógnitas e poucas as respostas.


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