Sumário prólogo capítulo



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CAPÍTULO 42
Cristina se despediu do professor Said na porta do restaurante onde haviam tomado café, depois de sua entrevista com o diretor geral do Museu Arqueológico. Prometeu chamá-lo no dia seguinte, embora suas intenções fossem muito diferentes. Em seguida, ela e Lilith se aproximaram da estação central para pegar um táxi que as levasse ao hotel.

—Gostaria de saber uma coisa... — começou a dizer, lentamente, a jovem alemã. — O que você espera encontrar no interior da pirâmide... — virando a cabeça de lado — ...até onde sei, ali dentro não existe nada.

Na praça, um grupo de bailarinos folclóricos tocava seus pandeiros e dançava, enquanto proferia sons estranhos, provocados pelo loquaz movimento das línguas e a vibração acústica das cordas vocais.

Cristina parou no meio da rua para fitar a moça.

—Creio que já está na hora de você conhecer a verdade... — afirmou, séria — ..., sobretudo porque sua vida também corre perigo.

—Não gosto nada disso... — ela franziu a testa, em um sinal evidente de contrariedade. — De fato, prefiro que você fale o quanto antes!

A criptógrafa avaliou, em silêncio, a decisão de sua acompanhante. Depois, olhou ao redor, como se alguém as estivesse vigiando.

—Será melhor que regressemos ao hotel. Lá, estaremos mais seguras — propôs em voz baixa.

Lilith sabia sobejamente que a atitude adotada pela ruiva era outra de suas manobras, uma encenação para impressioná-la. Não obstante, apoiou a idéia de voltar o mais rápido possível.

—Estou de acordo com você — foram suas palavras.

Uma hora depois, tomavam aperitivos em uma mesa na esplêndida varanda do Mena House. Lilith havia trocado de roupa e voltava a seu aspecto usual. Apesar do calor, usava uma grande jaqueta de couro. "É como minha segunda pele", retrucou secamente, quando Cristina a advertiu sobre o implacável sol do Egito. Depois de uma resposta como aquela, sua companheira pensou que ela já era bem grandinha para receber conselhos.

Sua prioridade era apresentar uma história paralela à real e que correspondesse às dúvidas de Lilith. Precisava recuperar sua confiança, fazendo-a acreditar que estava à seu lado. Sabia que, na hora certa, teria de ter um refém de peso para troca. Riera fazia parte da loja e era um dos integrantes da instituição Os Filhos da Viúva — estava absolutamente segura disso. Não hesitaria em entregar-lhe a Arca quando visse sua filha com uma pistola apontada para sua cabeça.

—Ouça, Lilith... — decidiu agir, colocando em marcha seu plano maquiavélico. — Quero que me prometa que tudo o que vai escutar permaneça sempre entre nós. Jamais falará deste assunto com ninguém. Vamos, jure! — pressionou, com falsa ansiedade.

—Eu lhe dou a minha palavra!

—Por ora, é suficiente... — suspirou complacente, para depois concluir, enigmática — ...embora espere que sua discrição se mantenha firme quando ouvir o que tenho a lhe dizer.

—Não conheço ninguém nem tenho amigos na Espanha... só meu pai. E ficando calada eu vou recuperá-lo... então fique certa de que cumprirei minha promessa.

Quase ficou com pena do drama que vivia aquela jovem, mas, em seguida, a criptógrafa voltou a ser a profissional de sempre — havia sido treinada para situações como essa. O melhor era obedecer às ordens recebidas e esquecer as vítimas colaterais.

—A razão pela qual Salvador, seu pai, jamais pôde entrar em contato com você foi porque era uma das mais rígidas regras de seu trabalho — mentiu deliberadamente. — E não falo de seu trabalho como arquiteto, senão como agente do Centro Nacional de Inteligência... eu me refiro ao serviço de espionagem espanhol.

—Meu pai é um espião? — a alemã, uma consumada atriz em plena atuação, agiu como se aquilo a surpreendesse de verdade.

—Pode chamá-lo assim, se desejar. O trabalho dele consiste em decifrar mensagens criptografadas para o governo espanhol. Esse é o motivo pelo qual ele vive afastado da família e dos amigos, refugiando-se em seu bunkerde Santomera. É a única maneira de manter em segredo sua dupla identidade.

—E como você sabe disso tudo? — perguntou Lilith com certo receio.

—Porque eu também trabalho para o Centro Nacional de Inteligência, como Leo e Colmenares... — respondeu sem rodeios. — E, por favor, deixe suas perguntas para o final.

A jovem alemã concordou, obediente. Devia continuar com o jogo.

—Há uma semana, seu pai traduziu um antigo manuscrito que datava do século XVI — continuou contando, em voz baixa. — O documento estava criptografado, razão pela qual seu legítimo dono, um paleógrafo que trabalhava para uma casa de leilões, devido à amizade que o unia a Riera, o enviou a ele por correio eletrônico pouco antes de morrer em estranhas circunstâncias...

Cristina interpretava a história de acordo com sua conveniência.

—Depois, ele entrou em contato com o CNI, advertindo a agência que o tal documento descrevia o modo de chegar até uma antiga relíquia de valor incalculável, custodiada por uma ordem maçônica que atua sob a premissa de assassinar quem quer que viole seus segredos. Uma vez informados, meus superiores decidiram enviar-nos a Múrcia para entrar em contato com Riera, mas ele já havia desaparecido em companhia de sua sobrinha... E lhe direi mais. Esta, por acaso, trabalhava com o paleógrafo na casa de leilões. Além disso, é companheira sentimental de Leo, uma coincidência bastante oportuna se levarmos em conta que Leo desobedeceu às ordens recebidas ao vir para cá sem consultar ninguém. Pior ainda: tenho a impressão de que nos enganou e que, na realidade, é um agente duplo...

Franziu a testa e continuou com sua farsa.

—Se minha suspeita for correta, ele trabalharia para a sociedade secreta que oculta a relíquia que estamos procurando. Tanto ele como Cláudia planejaram o seqüestro de seu pai, não tenha a menor dúvida quanto a isso... — pigarreou, sem vontade, apenas para pensar nas últimas palavras. — De fato, eu apostaria minha própria alma ao diabo que eles o mantêm encerrado em uma das galerias secretas que há sob a grande Pirâmide.

—Por isso é que fomos visitar o diretor do museu... — acrescentou Lilith, fingindo que começava a compreender o significado da viagem repentina. — Mas diga-me uma coisa... como é que você sabe que esses corredores realmente existem?

Cristina desviou o olhar para o planalto de Gizé, onde se elevavam as pirâmides. Em seguida, voltou o rosto para Lilith.

—Porque existem certos documentos que comprovam minha teoria, além das provas efetuadas no final dos anos noventa — respondeu, finalmente, depois da breve pausa. — Entre elas temos o Livro dos Mortos, onde são mencionadas umas portas que conduzem ao mundo subterrâneo dos deuses, um detalhe sobre o qual concordam os escritores árabes e coptas. Também há a estranha história do califa Abdullah Al-Mamum, que foi o primeiro a acessar a Grande Pirâmide e assegura ter estado em uma sala repleta de tesouros, armas que não se oxidavam com o passar dos anos, e prismas de cristal dos quais emanavam luz e calor, a mesma sala que séculos mais tarde foi encontrada pelos arqueólogos Kinnaman e Petrie, ou o mesmíssimo Faruk, que era filho do rei Fuad, do Egito.

- Peço que você me perdoe, mas tudo isso me parece ficção científica.

A assassina nascida na Alemanha estava realmente surpresa. Se aquilo fosse verdade, no interior de Quéops existiam vestígios de uma civilização superior à conhecida e haveria vários países interessados em adquirir as maravilhas descritas por aqueles testemunhos extraordinários. Poderia exigir deles o que quisesse.

-Sei que é difícil aceitar, mas o governo espanhol está disposto a arriscar-se - afirmou a criptógrafa com calculada solenidade.

- Está bem... Antes, você mencionou o advogado de meu pai – recordou. – Por que não compartilha conosco a arriscada missão de entrar na Grande Pirâmide?

Na tarde anterior, ele comentara que tinha assuntos jurídicos para resolver, razão pela qual ela não teve outro remédio senão atribuir-lhe uma atividade relacionada com o CNI, mas que também o afastasse momentaneamente do caso.

- Permaneceu em Madri, para examinar em profundidade alguns documentos que encontramos na casa de leilões – respondeu, cautelosa. – De qualquer forma, eu conto com a ajuda de três agentes que permanecem incógnitos aqui no Cairo.

A alemão fingiu estar surpresa, enquanto olhava ao redor.

- É verdade? – Perguntou, com uma expressão de quem acreditou em tudo. – E onde estão agora?

- Tratando de encontrar Leo. Ele nos levará até seu pai. Assim que...

Naquele mesmo instante, o telefone celular de Cristina tocou, razão pela qual suspendeu a conversa para atender à chamada. Ouviu atentamente durante alguns segundos, em silêncio. Seu rosto, antes inexpressivo, desenhava agora um breve sorriso de satisfação antes de se despedir, em inglês. Então, guardando o aparelho no bolso, virou-se de novo para Lilith.

- Já o localizaram... – Os olhos da criptografa brilharam de forma especial. – Temos Leo!

Depois de identificar-se várias vezes diante dos diversos controles que o exército egípcio realizava na região, e graças à presença, no táxi, da esposa do diretor geral do Museu Arqueológico, a qual lhes mostrou um salvo-conduto assinado por Adel Hussein, finalmente chegaram ao planalto de Gizé. Solicitando ao motorista que esperasse por sua volta, Balkis desceu do automóvel levando consigo os obeliscos e foi direto à pirâmide de Quéops. Leonardo seguiu seus passos.

- Aí estão! – Exclamou, visivelmente orgulhosa. – As construções mais polêmicas da história. Ninguém sabe quando ou por que foram erguidas, mas todos se sentem oprimidos por sua presença imponente.

O bibliotecário sentiu que a areia começava a invadir seus sapatos. A sensação era muito incômoda. E o pior de tudo é que devia apressar-se para não ficar atrás, já que Balkis era muito ágil para a sua idade e seguia vários metros à frente.

- O certo é que são impressionantes – afirmou Cárdenas, por deferência.

- Se você está pensando isso agora, espere para ouvir o que tenho a lhe dizer... – Pigarreou ligeiramente e continuou. - ...O conceito que você tem das pirâmides lhe parecerá infantil quando souber a verdade.

- Você deveria dizer o quanto antes – queixou-se. – Tenho os sapatos cheios de areia.

- Agüente um pouco mais. Só falta uma centena de metros.

Continuaram caminhando, desta vez em silêncio. O sol incidia à pino sobre suas cabeças, como bronze fundido. Dos dois, Balkis era quem menos acusava as altas temperaturas do lugar, pois sua cabeça estava coberta com um lenço de seda; o resto do corpo se ocultava sob uma túnica de La. O bibliotecário, vestido à maneira ocidental, sentia na carne a inclemência do inferno. Já estava à ponto de desfalecer, quando finalmente, alcançaram a face norte da Grande pirâmide.

- Pensei que ela estivesse mais perto da estrada – Leo resfolegou, ofegante, apoiando ambas as mãos sobre uma das enormes pedras da primeira fileira.

Tão logo entrou em contato com a pedra milenar, sentiu um estremecimento que sacudiu seu corpo de cima abaixo, uma onde de sensações contraditórias que gelou seu sangue nas veias. Tirou a mão rapidamente.

—Você notou? Percebeu sua magia? — perguntou Balkis ao perceber o que acontecia com o espanhol. Ele vacilou alguns segundos, antes de falar.

—O que foi isso? — disse ele, por sua vez, refreando ao máximo a sua excitação. — Senti algo estranho quando me apoiei na rocha, como se fosse uma descarga elétrica, um choque.

—A mim parece que lhe deu as boas-vindas... — foi a sorridente opinião de Balkis, que deixou os obeliscos sobre a areia, para sentar-se em um dos blocos de calcário. — Você conta com o agrado dela e isso quer dizer que eu tinha razão e que é, mesmo, o eleito.

Cárdenas revirou os olhos.

—Mas o que é que você está dizendo...? — Provocou, atônito. — Não vê que se trata apenas de um monte de pedras abrasantes? Não é possível que se comportem como um ser vivo!

Pensou, com seriedade, que aquilo tudo era coisa de loucos. Não tinha sentido falar de Quéops como se fosse uma criatura consciente.

—Tem certeza?

—Claro, sem dúvida! — exclamou no mesmo instante, sacudindo a cabeça. — As rochas não nascem nem se reproduzem ou morrem.

—Então... o que foi que aconteceu?

Balkis se divertia ao observar o europeu tratando de encontrar uma resposta que parecesse coerente.

—Não sei, com segurança... — encolheu os ombros e acrescentou, pragmático — ..., mas tenho certeza de que tudo isso deve ter uma explicação.

—A única coisa que posso lhe dizer é que os antigos alquimistas acreditavam na existência de uma pedra capaz de dissolver a consciência humana, de extrair seus sentimentos e sublimá-los até a divindade. Segundo consta no Summun Bonum, cada homem é uma pedra viva e essa rocha espiritual a que chamamos Deus. Quando o templo for consagrado, suas pedras mortas se transformam em um ser vivo e, assim, o homem pode recobrar seu estado primitivo de perfeição e inocência.

Leonardo refletiu sobre as palavras da Viúva, apesar de que suava em bicas, com o rosto todo molhado, e isso não lhe permitia pensar com toda a clareza. Finalmente, convenceu-se de que tudo aquilo deveria ter uma explicação lógica.

—É assim que falarei com Deus? — perguntou em tom neutro, unicamente por curiosidade.

—Na realidade, será Ele a falar com você. "Um novo enigma para resolver", ele pensou.

—Mais uma pergunta... Esta é a região de Tubalcaim, tal como acreditava Iacobus de Cartago? — insistiu. — E se for assim... onde estão as colunas que o manuscrito descreve, as que permanecem enterradas sob as areias do deserto desde a época posterior ao Dilúvio?

O rosto da anciã tornou-se circunspecto. Seu olhar austero perturbou o espírito de seu interlocutor.

—À sua primeira pergunta, responderei sim: estamos pisando na cidade perdida de Enoque. Quanto à segunda, continuo acreditando que você está cego. Não é capaz de ver a realidade. Preste muita atenção! — exortou-o, apoiando uma de suas mãos na rocha onde estava sentada e assinalando, com a outra, a pirâmide de Quéfren. — Estes são Xakim e Boaz, os templos que foram construídos por Tubalcaim e seus irmãos, antes do Dilúvio, para preservar o conhecimento de Deus através dos anos! E você nem sequer se deu conta disso.

Embora o reprovasse, sentiu pena dele.

O bibliotecário, por sua vez, ficou sem palavras. Jamais lhe passara pela cabeça que as pirâmides pudessem constituir um monumento à Sabedoria, muito menos que fizessem parte da arquitetura bíblica. Então, lembrou-se da Torre de Babel.

Mas, à margem da lenda, havia algo que não se encaixava.

—Se é certo, como afirma, que estas são as colunas que o pedreiro descreve... por que as situa como enterradas sob o deserto, quando, na

Grande Pirâmide em todo seu esplendor. Depois, movimentou seu olhar inquieto até a Pirâmide de Quéfren. Ali estavam as duas edificações mais enigmáticas da história, observando a estupidez de alguns homens que acreditam que elas são monumentais. O certo é que, tal como dissera Balkis, imaginar algo assim era impossível para a mente humana.

—Então...? — nem tinha forças para falar; notou que a boca estava viscosa.

—Sim, Leo — ela lhe disse. — Aqui, sob os nossos pés, encontra-se a verdadeira e única morada de Deus: uma catedral de dimensões inconcebíveis enterrada sob as areias do deserto, uma edificação da qual podemos ver somente seus capitéis. E, em seu interior, está o Trono de Deus e o modo de estabelecer contato com o saber cósmico do Universo.

CAPÍTULO 43

Depois de comer no restaurante do hotel, um menu à base de favas com limão, kafta e o típico kebab de carne e croquetes com verduras trituradas, Cristina decidiu passear pelas ruas do velho Cairo, em companhia de Lilith, para ver se assim ambas digeriam melhor os alimentos.

Visitaram o bazar de Wekalet El-Balah — célebre por seus tecidos —, a Rua Mohamed Ali, onde puderam admirar todo o tipo de instrumentos musicais e também desfrutar de uma fascinante e única experiência no mercado de dromedários. Terminado o périplo turístico, um táxi as levou a um dos poucos lugares da cidade onde serviam bebidas alcoólicas: o café Al-Horreja, no quiosque de Bab el Luq, onde degustaram a popular cerveja Stella — de baixo teor —, sentadas no terraço, uma diante da outra.

A criptógrafa, levada por seu cuidado profissional, deleitou a jovem alemã com uma exaustiva dissertação sobre os diferentes métodos que utilizava para decifrar conjuntos de palavras criptografadas. Falou sobre a criptografia secreta e pública, as propriedades dos algoritmos, assim como dos modernos e sofisticados programas de decodificação em desenvolvimento nos países mais avançados do mundo.

Deixando-se encantar pela conversa, Lilith se atreveu a fazer uma ou outra pergunta interessante. Assim, foi recolhendo informação que, no futuro, poderia ser de grande utilidade para ela.

—Eu me pergunto se você saberia decifrar um criptograma originário do Antigo Egito.

Esse desafio só fez potencializar a presunção de Cristina, que se viu impelida a vangloriar-se de seus conhecimentos.

—Não faz diferença, seja passado ou presente — disse, em seguida. — Os hieróglifos constituídos por símbolos possuem o mesmo significado ao longo da história. É o indivíduo que determina sua importância, decifrando o conteúdo. Mas nem todos sabem como fazer com que os hieróglifos falem.

—Se você se refere a mim, tem razão. Sou muito lerda com os enigmas — reconheceu Lilith, com certo constrangimento.

—Não se mortifique. É meu trabalho, não o seu — retrucou, compreensiva, e, ao dizer isso, percebeu que nada sabia da vida da jovem que estava bem à sua frente. — E por falar nisso... a que você se dedica?

Começava a entardecer e o ar fresco da tarde fez com que Cristina sentisse uma onda de calafrios por todo o corpo.

—Minha profissão não é tão edificante nem misteriosa como a sua... Na verdade, eu trabalho em uma concessionária de veículos. Por isso posso dar-me ao luxo de ter um Corvette. É emprestado pela empresa.

Imaginou-a às voltas com clientes abastados, em busca de um ícone de prestígio, com alma de motor, para se gabar diante dos amigos. Sempre atenta, sempre amável com os que levavam uma vida melhor que a sua. Sob aquela parafernália gótica se escondia uma jovem cansada de vivenciar os mesmos momentos, alguém que precisava escapar da rotina diária, chamando a atenção do resto do mundo. Seu estilo de vida era somente uma pose que adquiria importância nos momentos de folga.

Pela segunda vez no mesmo dia, sentiu pena dela.

Lilith, que aguardava com inusitada paciência o momento de se dar a conhecer, acariciou a navalha automática que escondia no bolso da jaqueta. O contato com o aço conseguiu devolver-lhe o bom senso: aquele não era o momento nem o lugar.

Cristina Hiepes ia falar novamente, mas se absteve ao descobrir que tinham visita. Olhou por cima de sua protegida, que intuiu a presença — às suas costas — dos agentes secretos que as haviam seguido até o Cairo. Tão logo comprovou que a suspeita procedia, seu instinto de sobrevivência se pôs em movimento.

Os homens ocuparam os assentos de ambos os lados de Cristina. Tinham trocado sua indumentária típica por roupas mais de acordo com o clima do país, mais leves e frescas. Usavam camisas floridas, chapéus panamá e calças brancas de linho. Pareciam três trouxas fazendo o papel de bobos pelas ruas do Cairo, pensou Lilith.

Cristina os apresentou, embora nenhum deles abriu a boca para cumprimentar, apenas ostentaram aquele sorriso velhaco e meio apreensivo, que, tantas vezes, vira em alguns de seus companheiros de trabalho: a morte impressa nos lábios. Houve alguns segundos de tensão, de significativa cruzada de olhares entre os recém-chegados e a criptógrafa. Por um momento, a jovem alemã teve a impressão de ter caído em uma armadilha mortal, da qual seria difícil escapar. Então, o sujeito da cicatriz sob a pálpebra, chamado Eric, entregou a Cristina um paco¬te de fotografias. Nelas, viu Leonardo em companhia de uma mulher vestida à maneira árabe, sentados na varanda de um café. Ele informou, em inglês, que se tratava da esposa de Khalib Ibn Allal, e também que o bibliotecário da Hiperión estava hospedado no hotel Nile Hilton.

—Será melhor que a gente vá embora — disse Cristina, levantando-se. — A partir de agora, não se afaste de mim.

Suas últimas palavras eram dirigidas a Lilith, que, mantendo sua atitude de jovem inocente, tratava de idealizar uma estratégia que a colocasse na dianteira quanto à iniciativa de seguir Cárdenas até a Arca da Aliança. Para isso, primeiro teria de eliminar as pessoas que representavam uma ameaça à sua segurança. Da melhor maneira e no momento certo.

Depois de pagar a conta, dirigiram-se em grupo até a Praça Tahrir. O lugar estava repleto de personagens heterogêneos, como se fosse uma colméia de abelhas ruidosas. As ruas adjacentes vomitavam uma imensa quantidade de automóveis, que buzinavam indiscriminadamente, como uma melodia inspirada no desconcerto e na anarquia. As roupas das pessoas ficavam impregnadas dos mil e um aromas dos mercados vizinhos. Flutuava, no ambiente, uma nuvem iridescente de pó, provocada pelas idas e vindas de ônibus lotados de passageiros. Sem dúvida, aquele acúmulo de acontecimentos rotineiros em nada afetou a mente de Lilith, bem ao contrário: deu-lhe tempo suficiente para pensar.

Finalmente, chegaram onde os aguardava um carro branco. Eric sentou-se ao volante e Cristina, a seu lado. Outro dos agentes abriu a porta traseira do veículo, colocando-se em um dos extremos. O terceiro permaneceu às costas de Lilith, obrigando-a a sentar-se no centro. Naquele instante, ela percebeu que teria de eliminá-los, pois, se deixasse de fazê-lo, arriscava-se a ficar presa entre ambos os mercenários. Talvez Cristina soubesse a verdade e estivera fingindo, como ela mesma, pois, como regra geral, a CIA investigava a vida de todas as pessoas envolvidas em um caso importante. Se sua suspeita fosse procedente, eles já saberiam que ela trabalhava para a Corpsson, na qualidade de assassina de aluguel.

Aproveitando-se dos gritos e insultos de dois engraxates que disputavam a primazia de atender um cliente, fato que chamou a atenção do agente à sua esquerda, sacou a navalha do bolso e, com agilidade felina, cravou-a na garganta dele. A agressão fez com que o homem caísse de lado, junto dela, com o corpo sacudido por convulsões e entre gemidos agonizantes. Quando o resto do grupo se deu conta do fato, Lilith havia tirado sua automática do bolso traseiro da calça e a apontava friamente para a cabeça do sicário que estava acomodado na parte de trás do automóvel. Disparou à queima roupa, sem escrúpulos, fazendo com que parte do cérebro da vítima se espalhasse pela superfície do vidro.

—Vamos embora! — gritou, colérica, apoiando a arma na nuca de Eric. Se você pensar em tirar uma só mão do volante será um homem morto.

Cristina empalideceu ao comprovar que havia subestimado a jovem. Ninguém agia daquele modo sem treinamento prévio. Lilith, por estranho que parecesse, estava acostumada a matar.

— Escutem bem! — exclamou de novo a mercenária da morte, assumindo o comando — a partir de agora vocês farão o que eu mandar. Continue dirigindo... — disse ao agente ainda vivo — ...quanto a você... — ordenou à Cristina —... vai me contar tudo o que sabe, começando pelas maravilhas da Arca.
Tivera tempo de sobra para refletir. De fato, estava cansado e a única coisa que desejava era dormir doze horas seguidas sem que ninguém perturbasse seu sono. Mas sabia que não era possível. Logo teria de enfrentar o inadiável encontro que teria com o conhecimento.

Aplacou sua ansiedade com uma boa ducha e, na falta de um gim-tônica, saboreou um suco de cana-de-açúcar gelado, que havia solicitado ao serviço de quarto. Foi ao armário e pegou o DVD e os papéis que guardara no cofre. Ficou em dúvida por alguns segundos, mas, enfim, destruiu a gravação e a cópia impressa do manuscrito de Iacobus, colocando tudo em um saco plástico que jogou na lata de lixo. Esperava que, assim, ninguém pudesse mergulhar novamente nos segredos da loja. Balkis manifestara esse desejo, ao despedir-se: evitar que alguém mais morresse por culpa de um segredo milenar.

Como ainda lhe restava algum tempo, caiu na cama disposto a descansar. Embora tentasse, era difícil esquecer a conversa mantida com Balkis no planalto de Gizé. A história que ela lhe contou sobre um templo soterrado sob as areias do deserto lhe parecia inadmissível.

Na realidade, não existiam provas capazes de corroborar aquele argumento tão novelesco. Dizer que as pirâmides eram o teto de dois obeliscos de proporções titânicas, que sustentavam a nave de um santuário construído no início dos tempos, era coisa de louco. Mais ainda: estava certo de que elas teriam sido erguidas sobre alicerces em cruz, previamente desenhados por arquitetos egípcios, para que pudessem suportar um peso de milhões de toneladas. Ao menos foi o que tinha lido, anos atrás, em uma revista científica.

Entretanto, quando Balkis lhe explicou o motivo pelo qual nenhum arqueólogo ou historiador seria capaz de aceitar a sua história, quase chegou a acreditar. Segundo a interpretação dos fatos, pela perspectiva dela, houve uma terrível inundação que assolou a Terra na aurora da humanidade, provocando grandes mudanças no planeta e a aniquilação total de seres prodigiosos que viviam em contato direto com Deus. A cidade onde se guardava cuidadosamente o compêndio da Sabedoria, em uma Arca fabricada com uma liga de metais nobres denominada Electrum, foi arrasada e sepultada por um oceano de lodo, o qual, transcorridos milhares de anos de exposição ao sol, aos fortes ventos e às alterações de temperatura, acabou se solidificando de forma compacta, até se converter em um planalto rochoso coberto de areia. Só sobreviveram os sustentáculos dos obeliscos e uma das duas Esfinges que, esculpidas sobre compactas muralhas de pedra, saudavam a quem, na antiguidade, ousava entrar na cidade de Enoque.

Apesar de tudo, continuava acreditando que todo esse confuso conjunto de lendas antediluvianas era fruto da obsessiva imaginação da loja, e que, talvez, a história fosse um pretexto que o fizesse esquecer momentaneamente sua relação com Cláudia.

Naquele instante, alguém bateu à porta. Não esperava ninguém, razão pela qual foi até a escrivaninha em busca de uma espátula pontiaguda para abrir cartas. Manteve o instrumento escondido na palma da mão.

—Quem é? — Perguntou, tenso.

—Leo, sou eu... Salvador... — Ouviu, do outro lado. — Posso entrar? Reconheceu a voz dele. Então, guardou o objeto cortante na gaveta do criado-mudo. E, em seguida, abriu a porta.

—Vim para acompanhá-lo — disse-lhe, tão logo entrou. — Séphora me pediu que fizesse isso.

—Séphora...? — Cárdenas arqueou as sobrancelhas, desconcertado.

—Ah, sim...! Esqueci que você não sabe o nome verdadeiro dela... — disse cuidadosamente. — Eu me refiro a Balkis. Ela acha que é melhor que eu o escolte até o Museu Arqueológico. Pelo visto, andam à sua procura.

—Ela já me contou que se trata de Cristina e de Lilith. Está preocupada, porque foram ao escritório de Hiram em companhia de um conhecido arqueólogo egípcio.

Convidou Salvador a sentar-se na única poltrona que havia no quarto. Ele o fez, na borda da cama.

—E então...

—Fique tranqüilo, tudo está sob controle — assegurou o arquiteto, para acrescentar, solenemente: — devemos confiar no poder dos Guardiões.

Não quis discutir com o que parecia ser um dogma de fé. Mudou o tema da conversa.

—Como está Cláudia?

Não pôde evitar: fez a pergunta com desesperado interesse. Riera titubeou uns segundos antes de responder.

—Suponho que tão nervosa como uma noiva no dia do casamento. Leonardo gostou da comparação.

—Deduzo, por suas palavras, que não teremos alternativa senão seguir adiante com essa loucura.

—Chame como quiser. Mas muitos, em seu lugar, considerariam um privilégio.

—Da mesma maneira que matar gente inocente? — Provocou, asperamente.

Salvador aceitou a reprovação com estoicismo. Vinham à sua mente os meios que podiam ser utilizados para proteger o segredo. O juramento da loja era um princípio moral que devia defender, ainda que à custa de sua própria vida.

—Sei que não foi a solução mais inteligente — admitiu com voz baixa —, mas é minha responsabilidade preservar a Sabedoria da ignorância.

—Ouça... — engoliu saliva. — Não sei que tipo de milagres esconde esse maldito instrumento. Mas creio que se é algo assim tão bom, todos temos o direito de experimentá-lo. A atitude de vocês me parece bastante egoísta.

Riera suspirou como se estivesse muito abatido. A impressão era de que as palavras do bibliotecário haviam alcançado o propósito de fazê-lo refletir, mas não se tratava disso. Na realidade, ele só tentava conservar a calma.

—Você desejaria que uma criança o operasse de catarata? Subiria em um avião comercial pilotado por um ativista islâmico? — perguntou, com profundo sarcasmo. — Eu também não quero permitir que alguns sacrílegos profanem o nome de Deus.

—Eu o farei e não sou especial — Recordou, incisivo.

—Ainda não, mas você será. Balkis disse que você está preparado para ocupar o posto de Hiram e ela nunca se engana em suas previsões.

—Você a admira muito, pelo que vejo.

—Não sabe o quanto... — desta vez, sim, Sholomo foi enredado pela nostalgia e seu rosto se contraiu em uma careta de dor e autocompaixão. — Há anos, no início de minha preparação como irmão da loja, fui loucamente apaixonado por ela — reconheceu, com voz entrecortada, como se falasse consigo mesmo — e durante o congresso dos iniciados, no final dos anos sessenta, acalentei a esperança de ser eleito para encarnar a figura de Hiram Abif, porque desejava viver com Séphora o resto de minha vida. Entretanto, depois de subir os degraus da escada, enfrentar meus demônios e sentar-me na Kisé do Testemunho, fui incapaz de decifrar a charada da Sabedoria... E tudo por orgulho.

—Sinto muito, de verdade — foi a única coisa que ocorreu ao bibliotecário dizer.

—Afastaram-me do título e da mulher que eu amava. Em troca, me foi concedida a honra de ostentar o cargo de Mestre da loja... — respirou fundo. — É um autêntico inferno para quem deve proteger o segredo de Deus sobre toda e qualquer circunstância, inclusive de colocar sua própria alma em perigo. Se ordenei que assassinassem o paleógrafo e sua amante, a diretora da Hiperión, não credite essa decisão a mim, pessoalmente. Fiz porque era minha obrigação.

Leonardo manteve-se em silêncio. Sabia que se ainda permanecia vivo era porque Cláudia jamais permitiria que lhe fizessem algum mal. E esse era um gesto digno de agradecimento, de ambas as partes.

—Conte-me... em que consiste a charada da Sabedoria? — perguntou, procurando satisfazer sua curiosidade e, ao mesmo tempo, tirar o arquiteto daquele estado melancólico a que parecia entregar-se com prazer.

Riera levantou a cabeça. Suas pupilas brilhavam com esplendor inusitado. Virou o rosto de lado, sorrindo como só os canalhas sabem fazer.

—É difícil explicar.

—Podia tentar — sugeriu.

—Eu o faria, se pudesse, mas as normas são rígidas. Ninguém pode falar a respeito de sua experiência e nem a sua voz conseguiria expressar o sentimento. É íntimo demais para ser traduzido em palavras.

—Está preparada?

—Siga, pode entrar.

Balkis penetrou em silêncio no aposento. Cláudia, vestida com uma túnica vermelha e um manto azul, parecia uma madonna saída de uma antiga tela renascentista. Tamanha solenidade emocionou a velha senhora.

—É como ver minha própria imagem voltando no tempo — lhe confessou, contendo as lágrimas. Nada mudou, a partir dali.

—Eu me sinto tão estranha! — reconheceu Cláudia. — E, de fato, me reconforta saber que não estarei só nesse momento.

Balkis abraçou a jovem, estreitando-a com afeto em seu peito.

—Não esqueça de minhas instruções — sussurrou em seu ouvido.

—Tudo o que tem a fazer é manter silêncio e aprofundar-se interiormente. O que vai acontecer depois dependerá de vocês dois.

Cláudia se retraiu. Fitou-a à procura de respostas que, nervosa, não encontrou.

—Tenho medo... — confessou com voz quase inaudível. — Tenho medo de botar tudo a perder.

—Fique tranqüila... — Balkis acariciou seu rosto. — Você é mulher, a Sabedoria está a seu lado. Você e Leo decifrarão o código de entrada, bem como a charada.

—E depois?

—Você há de lavrar a pedra e fará parte do templo de Deus.


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