Sumário prólogo capítulo



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CAPÍTULO 47
Estavam, por mais de quinze minutos, descendo pelo corredor e ainda não tinham encontrado uma saída. Houve um momento em que Leonardo lhe propôs regressar, admitindo que, talvez, tivessem errado o caminho, mas Cláudia se opôs, convencida de que haviam acertado a adivinhação. Entretanto, sua esperança foi se diluindo à medida que o tempo passava e mais e mais se afundavam naquela masmorra arrepiante, de infinitos degraus. Ao medo e à incerteza havia que somar o cheiro decrépito exalado pelos muros, um odor rançoso que impregnava todo o ambiente e as vestes. O calor era sufocante a ponto de fazer com que as roupas aderissem à pele, empapadas de suor. A pressão ia aumentando à medida que as escadas baixavam, pois aquele deveria ser o ponto crítico do descenso e o ar era quase irrespirável. De fato, eles estavam convencidos de que, se não chegassem logo a seu destino, sofreriam um ataque de ansiedade.

Para piorar ainda mais a situação, descobriram, horrorizados, que a luz das lanternas perdia intensidade. E eles não tinham pilhas para troca.

—Maldição! Jamais pensei que a Arca estivesse escondida no centro da Terra — queixou-se o bibliotecário, desesperado diante do problema que se aproximava.

—Agora não é o melhor momento para censura — comentou Cláudia. — Devemos manter a calma e enfrentar, com integridade, qualquer contratempo.

—Você pretende seguir adiante com isso? — ele replicou, estava furioso. — Como pode ver, aqui embaixo não há nenhum Trono de Deus...! Foi tudo um equívoco!

—Sinto muito, mas não penso da mesma maneira — ela parecia decepcionada, pois o caráter inconstante do companheiro a tirava do sério. — Sei que devemos continuar, é o que me diz o coração. Por favor... — pediu e pegou a mão dele.

—Não me abandone agora, que estamos tão perto!

Cárdenas respirou profundamente. Ela, como sempre, tinha razão. Voltar atrás não era a melhor alternativa. Então, levado por um impulso incontrolável, ele a enlaçou pela cintura e a atraiu para si. Antes que a jovem compreendesse o que estava acontecendo, o companheiro depositou um leve beijo em sua boca.

—Isto é para o caso de ser a última coisa que faço em minha vida — disse-lhe com ternura.

Cláudia sorriu, satisfeita. Leonardo podia ser encantador quando queria. Como recompensa, foi ela que, com paixão, segurou a cabeça dele para beijá-lo de novo.

—E isto, por confiar em mim — sussurrou ao ouvido dele, quando seus lábios se separaram depois de alguns instantes.

Cárdenas estava prestes a lhe dizer que era a mulher mais maravilhosa do mundo, quando percebeu que sua lanterna deixara de funcionar. A de Cláudia emitia um brilho alaranjado, sintoma inequívoco de que as pilhas estavam a ponto de acabar. Restavam-lhes apenas alguns minutos, antes que ficassem totalmente às escuras.

—Merda! — resmungou Leonardo, que a duras penas conteve uma blasfêmia. — Sem dúvida, jamais chegaremos até a Sala do Trono.

—Será melhor que a gente se apresse... — foi o conselho bem prático de Cláudia. — Pode ser que a gente esteja perto.

Desceram o mais rápido possível, na esperança de encontrar uma saída a tempo. A luminosidade estava perdendo força a um ritmo acelerado. Mal podiam ver as linhas de seus corpos e, muito menos, os incontáveis degraus em que pisavam. A situação era crítica a tal ponto que até Cláudia começou a perder a esperança. O certo é que ambos já estavam apavorados.

E então aconteceu o que mais temiam: a lanterna deixou de funcionar e a escuridão se apoderou do corredor. Estavam presos no meio do nada, cercados pelas trevas de um mundo subterrâneo milenar, alheio e hostil. Era como se se encontrassem às portas do inferno.

—Vamos nos guiar pelo tato... — a voz do bibliotecário da Hiperión soava diferente, com menos segurança.

Ela manteve o silêncio, mas movimentou-se para um lado, até apoiar-se em um dos úmidos muros de pedra. Com sua outra mão, procurou a de seu parceiro. Juntos e envoltos na penumbra, desceram lentamente os degraus, na expectativa de um verdadeiro milagre.

E foi aí que aconteceu algo incrível, inédito, um fato em que não conseguiam acreditar até que passassem alguns minutos, por temor de que fosse um sonho do qual acabariam despertando: as pedras lavradas daquela estreita passagem emanavam uma tênue luz dourada, que, pouco a pouco, foi iluminando o caminho.

Movidos pela curiosidade, apalparam o muro para tentar compreender o que estava acontecendo. Sentiram as palmas das mãos se aquecerem. Era um calor suave, que transmitia serenidade, uma paz que influía definitivamente em seu alterado estado anímico. A luz flutuava em ondas encrespadas, que iam e vinham, imitando o movimento da respiração. Com um efeito óptico insuperável. Era como se estivessem acariciando um enorme ser vivo de pedra, com consistência muito particular, pois logo tiveram a impressão de que aquela coisa pretendia comunicar-se com eles, através do resplendor.

—Não consigo encontrar uma razão lógica para explicar isso — murmurou Leonardo, sem afastar as mãos da parede. — Mas, seja o que for, salvou a nossa vida!

—Fenômenos como este não se manifestam senão por obra do Grande Arquiteto — disse uma voz conhecida, que vinha de vários degraus abaixo.

Cláudia deixou escapar um grito agudo de surpresa, embora, em seguida, se tranqüilizasse ao ver que se tratava de Balkis e do bom Hiram.

—Nós conseguimos, Leo! — a espanhola começou a chorar, tomada pela emoção que lhe provocava estar na presença dos Guardiões.

—Sim, querida... — Balkis a abraçou com força. — Vocês chegaram até onde muito poucos conseguiram.

—Temíamos por vocês. Por isso nos adiantamos para recebê-los - disse Hiram. — Sentimos sua angústia, aqui embaixo, e Séphora decidiu que devíamos dar-lhes uma ajuda.

Assinalou os degraus que desapareciam mais adiante do corredor circular de pedra.

Leonardo estava muito excitado. Tanto, que mal conseguia expressar com palavras seus sentimentos e emoções, os quais pareciam contraditórios dentro de sua cabeça. Aspirou o ar viciado e disse, em voz baixa:

—Jamais acreditei que pudesse dizer isso, mas me alegro ao vê-los!

—Falta muito para chegar? — perguntou Cláudia, ansiosa por finalizar o rito de iniciação.

Balkis acariciou o cabelo dela, sorrindo, enquanto respondia sua pergunta lógica.

—Só falta completar o círculo. Faltam poucos degraus... venha! — murmurou, com suavidade. — Eu lhes mostrarei agora mesmo.

A sobrinha de Riera se deixou levar, descendo os degraus depois de olhar para Cárdenas em busca de aprovação. Ele lhe fez um gesto de concordância com uma das mãos, seguindo logo atrás dela. Hiram, porém, o reteve por um instante.

—Lembre-se de que a chave da loja é fundamental para subir a escada — disse-lhe, com gravidade. — Está em suas mãos e não nas de Cláudia... Utilize-a corretamente. E somente você poderá abrir a porta da Sabedoria e das Artes.

Dito isso, seguiu os passos de Balkis. Leo demorou um pouco mais a reagir. Tentava descobrir o que ele queria dizer com aquelas palavras.

Percorreram juntos o trajeto que os separava da saída, nada mais que uma dezena de degraus. Finalmente, viram uma abertura arrematada por pedras colossais, formando um semicírculo. Mais adiante, uma luz intensa iluminava a paisagem cavernosa de estalactites, rochas e areia, uma luz que provinha de todas as partes e que trazia consigo sons celestiais. Uma brisa ligeira e cálida acariciou seus rostos assim que saíram do corredor.

O espetáculo era maravilhoso. Uma gruta quadrada de proporções colossais se abria diante deles, como um maravilhoso mundo inexplorado. Devia ter um comprimento aproximado de oitocentos metros, por uns cem de altura. O teto era formado por uma imensidão de rochas, das quais pendiam formações pontiagudas. O chão, ao contrário, era bastante arenoso, com uma ou outra elevação rochosa espalhada pelo terreno.

Ao fundo da caverna havia um imenso muro de pedras, aprisionado entre toneladas de terra, uma construção de formato primitivo, com centenas de sinais inscritos nas paredes de pedra. Teria uns duzentos metros de comprimento e, em seguida, se dividia em duas, formando em ambos os lados um quadrado incompleto — a quarta face daquela edificação que se elevava como um imenso monólito permanecia presa sob muitas toneladas de terra.

Junto à muralha havia um pórtico de fechadura dourada, que subia à altura do teto rochoso e, junto a ele, a porta por onde acabavam de sair, que também integrava outra construção monolítica de proporções idênticas, percebeu o bibliotecário, de boca aberta, em vista de tantas emoções seguidas.

Eram a base das colunas de entrada do Santuário de Deus e da Sala do Trono: os titânicos alicerces das pirâmides de Quéfren e Quéops: um fenômeno da arquitetura antediluviana destinado a preservar o conhecimento e a ancestral arte da construção ou, o que é a mesma coisa, o espírito da Sabedoria.


— Você não dizia que seguíamos por um bom caminho?

A pergunta de Lilith era evidente: o corredor terminava em um muro de pedra calcária, que as impedia de seguir adiante, de maneira que sua única alternativa era voltar a subir as escadas e tentar a sorte com outra entrada.

—Não entendo... — reconheceu Cristina, confusa e pensando em voz alta. Talvez a frase tivesse outro significado ou, quem sabe, a solução estivesse nos próprios petróglifos planetários. Lilith lamentou o equívoco e o fato de que Cárdenas e os demais lhe escaparam. Calculou que não havia tempo a perder. Devia regressar o quanto antes à câmara das quatro portas e encontrar a correta. E foi o que disse a Cristina.

—Subiremos, novamente — ordenou, arisca. — E desta vez tente não se enganar, caso contrário eu juro que acabo com você!

Não estava brincando e isso a criptógrafa sabia muito bem. Teria uma única oportunidade. Devia pensar bem, antes de escolher. Com o amargo sabor do fracasso no paladar, regressaram de onde vieram. Cristina aproveitou o tempo para refletir sobre o sentido da frase. Teria jurado que a adivinhação fazia referência a Mercúrio, embora, obviamente, tivesse sido um erro. Trataria de examinar, em profundidade, cada uma das palavras. Talvez estivessem trocadas e o enigma se encontrasse oculto atrás de um anagrama, exemplo típico do hermetismo maçom.

Estava decidida: antes de entrar em outra passagem deveria estar segura de tudo. A paciência da jovem alemã começava a se esgarçar. Se a companheira não lhe fosse útil, acabaria por assassiná-la. E essa possibilidade não constava do plano de Cristina.

Como a descida não tinha sido muito longa, em questão de minutos voltaram à sala de origem. Mas qual não foi a sua surpresa ao constatar que o ambiente estava completamente alterado. Em vez de encontrar quatro portas — incluída a que acabavam de cruzar — e o corredor oculto que conduzia à Câmara do Caos, descobriram, horrorizadas, que eram oito as passagens descendentes e que a única saída para o interior da pirâmide havia desaparecido. E não só isso! Sumira também a frase na parede e as inscrições astronômicas sobre os arcos da entrada. Ali não havia nada do que deixaram ao sair. Estavam em uma sala totalmente diferente.

—Que é isso? — perguntou-se Cristina, amedrontada, sem conseguir livrar-se do susto.

—Diga-me que não estou sonhando... — falou Lilith, com uma voz serena.

Logo, porém, perdeu o controle e deixou-se levar pela raiva ao sentir-se enganada.

—Maldita seja! Diga que não estou vendo o que aí está!

Com um forte safanão, jogou Cristina ao solo. Em seguida, abaixou o braço que segurava a arma e disparou à queima-roupa, antes que a agredida pudesse esboçar uma só palavra. A bala se estatelou no solo — entre as coxas da doutora, bem perto da junção das pernas —, para ricochetear em direção ao teto.

—Falhei de propósito, mas me dê só mais um motivo que da próxima vez juro que acertarei o alvo — ameaçou, enquanto lhe estendia a mão para que levantasse.

—Não, obrigada... — a criptógrafa declinou a oferta, pegando a lanterna do chão. — Posso fazer isso sozinha.

Pôs-se em pé sem muito esforço, limpando o pó que aderira à sua calça.

—Preciso ouvi-la dizer que há uma explicação para tudo isso e que você vai me tirar daqui o mais rápido possível — Lilith aguardava uma resposta satisfatória, mas, no fundo, sabia que não existia uma razão lógica para explicar o fato.

—A única coisa a fazer é escolher um desses corredores e esperar que nos conduza diretamente à Arca.

—E caso não nos leve até lá? — quis saber a assassina de aluguel. — E se estiver bloqueada, como a anterior?

—Voltamos, de novo, até aqui.

—É possível que quando fizermos isso, a câmara tenha mudado de novo e nos devolva à sala principal.

—É uma possibilidade — admitiu Cristina.

—A outra seria a de nos confrontarmos com uma câmara diferente.

—Correremos o risco... — franziu a testa e continuou. — Que outra coisa podemos fazer?

Tinha razão, e isso foi o que mais doeu a Lilith: ter de aceitar seu fracasso.

Escolheram uma entrada ao acaso, ainda que, na realidade, fosse Lilith quem decidira, finalmente. Desceram por vários minutos. Contra todos os prognósticos, o corredor não estava bloqueado por nenhum muro e, em pouco tempo, chegaram a uma outra sala. Nesta havia cinco portas e nenhuma com sinalização ou marcas de pedras lavradas. Havia, porém, um detalhe que as diferenciava do resto: os degraus subiam, em vez de descer.

—Isto é coisa de loucos! — exclamou Cristina, jogando os cabelos para trás com ambas as mãos, em um ato reflexo.

Lilith percorreu o ambiente a passos largos, com o rosto transfigurado pela raiva e pelo desespero. Resmungou algumas maldições em alemão e aliviou a raiva que sentia chutando as paredes de pedra, aqui e ali. Fez, inclusive, alguns disparos para o ar que ressoaram, a seus ouvidos, como trovões no silêncio da noite.

—Vamos regressar — gritou, à beira de um ataque histérico. — Voltemos antes que eu perca o juízo!

Subiram de novo as escadarias por onde vieram, transtornadas diante da idéia de permanecerem presas para sempre naquele labirinto de corredores subterrâneos. Mas o destino lhes reservava uma nova surpresa: se depararam com um novo muro, surgido por arte de magia, e que as impedia de continuar. Apavoradas, não tiveram outra saída senão descer novamente. Ao fazê-lo, encontraram outro ambiente com apenas dois corredores: um descendente, outro ascendente. A situação estava ficando ainda mais surrealista.

Com uma sensação de abandono e impotência, Cristina apoiou as costas na parede, deslizando lentamente até o solo. Olhou languidamente para Lilith, que estava tão pálida como um viciado em plena síndrome de abstinência.

—Jamais sairemos daqui — sentenciou a criptógrafa, em tom acentuadamente fúnebre.

CAPÍTULO 4 8
Aporta do templo estava aberta e dela surgia um esplendor que parecia nascer do centro da Terra. Boquiabertos e encantados, Leonardo Cárdenas e sua companheira cruzaram o umbral, junto aos Custódios. As linhas arquitetônicas interiores eram totalmente idênticas às das catedrais construídas no Renascimento.

Havia uma nave principal — ladeada por arcos formais, alinhados com precisão de ambos os lados das galerias — que, por sua vez, era atravessada por outra, transversal, localizada além do cruzeiro. Ao fundo, entre o conjunto de naves que circundavam o que seria o altar central e o presbitério, em vez do próprio altar puderam ver uma plataforma escalonada de pedra, com uma base retangular no ponto mais alto. Sobre ela, como uma alegoria à sua própria imortalidade, havia uma arca da cor do Sol, onde descansavam as figuras esculpidas de dois anjos. Eles estendiam suas asas até que se tocassem, nas pontas, formando um triângulo perfeito, bem como uma base confortável. Na realidade, mais do que uma arca, parecia um trono celestial para duas pessoas.

Eles entraram, emocionados, na nave central, admirando a iconografia pagã esculpida sobre as arcadas: efígies de gárgulas, demônios e animais mitológicos, tais como unicórnios, grifos, quimeras e esfinges. Por mais que a luz intensa que emanava da Arca iluminasse aquele prodígio da arquitetura, as paredes e colunas mantinham-se com aquela cor escurecida que confere à terra e à umidade a passagem dos anos. O teto e a abóbada perdiam-se nas alturas daquele colosso de pedra que diminuía o ser humano a ponto de convertê-lo em uma insignificante partícula de pó.

Leonardo permanecia pasmado. Aquele lugar lhe provocava calafrios. Era como estar vivendo um pesadelo, daqueles em que logo surgiriam horripilantes espectros da escuridão, seres do inferno dispostos a devorar seu corpo e escravizar sua alma por toda a eternidade. Por outro lado, sentia o bem-estar que lhe inspirava a presença daquela relíquia, cuja antiguidade realmente se perdia na memória do tempo. As emoções se misturavam. O sentimento deu lugar à incerteza que provoca o inexplicável e, depois, o pensamento caiu nas redes da loucura e do irracional. A última coisa que ele esperava é que Deus se refugiasse nos infernos.

Balkis sussurrou algumas palavras em seu ouvido. Rogava que fizesse silêncio. Então, Hiram colocou-se entre ele e Cláudia, pegando suas mãos, a esquerda e a direita, para uni-las como se fossem uma só. Imediatamente, ouviu-se uma voz distante, que vinha de todas as direções, e cujas palavras se confundiam com os acordes de uma melodia celestial. A voz lhes disse, em segredo, que as pedras encerravam as almas dos homens que morreram depois de haver adquirido o dom de Deus, e que todas elas eram, em si mesmas, parte da sabedoria criadora do Universo. Igualmente, lhes confessou que as pedras estavam vivas, assim como o reino animal e vegetal, mas que o homem estava morto e que, enquanto não assumisse as leis do conhecimento de seu próprio espírito, vagaria perdido sobre a Terra.

A voz deixou de ser ouvida quando eles se detiveram diante da escada. Ao vê-la assim de perto, Cláudia e Leonardo perceberam que o metal que recobria a Arca não era ouro, mas uma liga de metal totalmente desconhecida. O esplendor que emitia oscilava de um lugar para outro, expandindo-se, para, em seguida, retrair-se. Flutuava de maneira aleatória, como as pedras fosforescentes tio último trecho do corredor.

—Chama-se Electrum, também denominado Orocalcum, e é o metal perdido das antigas civilizações — explicou Balkis às suas costas, respondendo perguntas internas de ambos, ainda não explicitadas. — Seus átomos são capazes de transmitir a energia primordial liberada após o parto do Universo. O Trono lhe mostrará os mistérios de Deus, para que você possa selar sua aliança com a Sabedoria. Venha, não tenha medo! Enfrente suas fraquezas.

Cárdenas ouvia as indicações da Viúva fragmento por fragmento, em lapsos. Era como se seu corpo estivesse em transe ou estivesse entorpecido por alguma droga. Seus movimentos eram mecânicos e lentos, semelhantes aos de um robô programado para obedecer. Viu Cláudia no outro extremo da escada, justamente no lado que dava para o conjunto de naves que circundavam o altar principal. Observou, ainda, que em cada um dos alvos e polidos degraus estava escrito o símbolo astronômico dos planetas alquímicos — o mesmo que haviam encontrado no pedestal sob a capela dos Velez.

Os pés de sua companheira subiram até colocar-se no primeiro degrau, o que representava o astro rei. Leonardo fez o mesmo e, na mesma hora, tudo o que estava ao seu redor desapareceu. Já não estava mais no que fora o templo da cidade perdida de Enoque, mas na casa de seus pais e era o dia de seu décimo segundo aniversário.

"Os convidados acabavam de chegar — a maioria de seus amigos de colégio, acompanhados de seus pais. Leonardo estava aborrecido com sua mãe, porque ela só havia providenciado um bolo e não dois, como ele desejava. Por isso é que seu corpo não perdia nenhum dos sessenta quilos de peso, algo demasiado para um menino de sua idade. Mas ele não podia evitar; comer era uma de suas diversões favoritas. Não estava nem aí para sua obesidade.

Como resultado pela negação de adquirir os dois bolos, ele decidiu empanturrar-se de sanduíches e refrigerantes. Aquilo, porém, não o satisfez, de maneira que comeu mais meia dezena de docinhos de creme. E quando chegou a hora do bolo, disputou o pedaço maior com um dos garotos convidados. Sua mãe teve de pedir desculpas, como sempre, a cada vez que o filho se deixava levar por seu insaciável apetite.

Naquela ocasião, porém, depois que a festa acabou, ele se sentiu indisposto. Seu estômago não suportou tamanha quantidade de comida e acabou vomitando tudo o que havia ingerido. Uma parada no sistema digestivo obrigou seus pais a levá-lo ao hospital mais próximo. Recordou ter estado à beira da morte e de ter jurado nunca mais comer daquela maneira. Foi assim que venceu o pecado da gula.

O bibliotecário retornou à Sala do Trono. A visão de um momento de sua infância desencadeou, nele, um grave problema emocional. Seus sentimentos estavam agora à flor da pele. Sentia-se tão indefeso como quando era um menininho introvertido, que aliviava sua ansiedade comendo sem parar. Sua própria vida lhe parecia patética.

Cláudia subiu outro degrau e o pé de Leonardo movimentou-se da mesma forma. Pareciam que os movimentos de ambos estavam sincronizados.

Agora vinha a fase da escada representada pela Lua.

"Fazia calor, talvez demais. Dormia a sesta deitado no sofá da casa, esperando que a noite chegasse para ir à praia com os amigos. Naquele verão, ele estava completando dezoito anos de idade e havia tirado notas excelentes no exame de seleção — duas razões de peso para fazer das férias um período repousante, de cura. Não havia nada melhor do que passar os dias vagabundeando.

Alguém tocou a campainha da porta. Leonardo estava sozinho em casa, pois seus pais saíram havia cerca de uns dez minutos. Assim, decidiu ignorar o visitante inoportuno, porque levantar-se do sofá seria um esforço inútil que perturbaria seu descanso. A campainha tocou de novo... e de novo, depois de uma longa pausa. Leo, por sua vez, foi desleixado, permitindo que a pessoa fosse embora depois de esperar bastante. Não se importou, em absoluto. Pensou que poderia ter sido uma vizinha querendo algum conselho de sua mãe ou, pior ainda, um vendedor de enciclopédias.

No dia seguinte, ficou sabendo, precisamente por um dos vizinhos, que o representante de uma famosa marca de fumo estivera ali distribuindo aos proprietários do edifício alguns cupons para um sorteio milionário. A ironia, no caso, foi que depois de realizado o sorteio, o ganhador foi o contador que morava na porta ao lado. Pelo visto, na tarde anterior, a pessoa que tocara a campainha, sem encontrar ninguém que atendesse à porta dos Cárdenas, entregou o cupom nas mãos de seu vizinho, que embolsou a substancial quantia de dez milhões de antigas pesetas.

A impotência e a raiva que Leonardo sentiu naquele dia fizeram com que visse a vida de outra maneira. Jamais, desde aquele fato, voltou a sucumbir ao enganador encanto da preguiça.

Voltar ao presente lhe custou um esforço comparável ao despertar de um belo sonho. Sentiu um nó na garganta. Fazer exame de consciência não era uma tarefa agradável, e era disso que se tratava, na realidade. A escada era o meio que Deus criara para livrar o homem dos pecados, através da recordação.

Primeiro a gula, depois a preguiça. Apostou sua vida de que, logo teria de se confrontar com outro dos pecados capitais. Cláudia e ele subiram, juntos um novo degrau. Tratava-se de Mercúrio, o antigo deus do comércio.

Na noite em que Bruno Ayala, um de seus melhores amigos, se casou, foram jantar em um luxuoso restaurante situado em Manga Del Mar Menor, muito próximo do Cabo Roig. Depois da cerimônia e do banquete, os noivos quiseram surpreender seus convidados levando-os a tomar uns drinques no cassino. E para lá se foram todos, muito estimulados por saber que um matrimônio trazia boa sorte, e, assim, esperando que aquela fosse a sua noite, na esperança de ganhar algum dinheiro jogando em várias mesas de apostas.

Leonardo estava eufórico e totalmente descontrolado, devido ao vinho da ceia e ao espumante da sobremesa. Em companhia de Carmelo, um destrambelhado – protótipo de filhinho de papai – que acabara de conhecer na ocasião, foi em busca de emoções fortes que o fizeram recordar que continuava vivo, apesar dos exames finais de graduação e de uma grosseria que lhe fizera Mônica, a sua namorada na época. Aproximaram-se da roleta, onde os gritos enlouquecidos de uma inglesa, mais enrugada que uma casca de noz, atraíam a atenção de quem quer que passasse por ali.

Carmelo o incitou a jogar uma mão, sem ter de insistir. Disposto a tudo, apostou todo o dinheiro que tinha em um só número: o 18 preto. O croupier lançou a bolinha, que girou alucinadamente ao redor da roleta. Afortunadamente, caiu na escolhida por Leonardo e isso fez com que se sentisse bem, cheio de si e disposto a engolir o mundo. Como havia apostado alto, os ganhos foram consideráveis. Então, impelido pela cobiça, decidiu apostar tudo o que ganhara no mesmo número; nem sequer ouviu a advertência do amigo, que tentou preveni-lo sobre as reduzidas possibilidades que teria de voltar a ganhar.

Apesar de tudo, seguiu adiante. Precisava acreditar em um milagre. A bola tinha de cair no mesmo casulo, para que pudesse zombar de todos os presentes. E se isso acontecesse, ele voltaria a repetir a jogada e, assim, sucessivamente, até que quebrasse a banca. Em sua mente alcoolizada não cabia outra idéia senão a de ganhar todo o dinheiro que fosse possível.

A magia se desvaneceu quando a bolinha parou no 22 branco. Sua avareza foi a culpada de que fizesse aquele papel ridículo diante dos demais jogadores. Além de tudo, perdeu uma pequena fortuna.

Abriu os olhos. Estava de novo na sala, a quase meio caminho do Trono. Algo em seu interior começava a se fragmentar em distintas porções de consciência: sua alma se diluía como um punhado de areia na beira do mar, como se seu próprio ser escapasse de seus dedos.

Tratou de retomar seus pensamentos, antes que acabasse esquecendo de que foi homem, uma vez. Mas... quem era Leonardo Cárdenas, na realidade? Por acaso seria um conjunto de amargas experiências capaz de afastá-lo, cada vez mais, de uma felicidade que lhe pertencia por direito, ou talvez fosse alguém que acreditava ter o controle de sua própria vida?

Sua única certeza é a de que estava a mais de cem metros abaixo da terra, em uma cidade subterrânea cuja origem se perdia nos anais da história... E também que Cláudia se preparava para subir até o quarto degrau, o governado por Vênus, a deusa do amor e da luxúria.

"Estava havia apenas uma semana na capital e já conseguira trabalho em uma casa de leilões de livros antigos. Decidiu celebrar o feito em grande estilo, mas logo lembrou que não conhecia ninguém em Madri, e a possibilidade de tomar alguns tragos, sozinho não o atraía muito. Sentia-se frustrado, embora, nem por isso, tenha desistido da agradável idéia de saborear um gim-tônica. Assim, plantou-se na uisqueria no térreo do edifício onde vivia, disposto a conceder-se uma bela farra.

Depois do primeiro copo, já começou a dar em cima da bela atendente com sotaque sul-americano. Na terceira, seu humor havia passado de divertido a vulgar, e suas insinuações eram cada vez mais diretas e ofensivas. O olhar penetrante do segurança, aliado a bons conselhos de outros clientes, acabaram com seu ânimo e ele não teve outra saída senão ir embora, a contragosto. Mas não conseguiram fazer com que desaparecesse aquele calor interno que começou a sentir em seu ventre quando, sem querer, vislumbrou, pelo decote da moça, parte de seus generosos seios, quando ela se abaixou para pegar uma garrafa sob o balcão. Sentiu a fisgada do desejo.

Então, movido pela acachapante necessidade de passar a noite em companhia feminina, arrastou-se até um bordel nas cercanias. Ali, deu vazão à sua luxúria, em um desesperado ato de amor carnal, não com uma, mas com duas principiantes naquele mercado do sexo, duas jovens e belas ucranianas que mal haviam chegado aos dezoito anos de idade, com pele de marfim, provavelmente obrigadas a prostituir-se pelos mafiosos de seu país.

Na noite em que Leonardo abandonou o bordel, não apenas havia perdido quinhentos euros, como também parte de sua decência e dignidade.

Voltou a sentir que lhe faltava o ar. A experiência não o deixara indiferente, ao contrário, e pior, sentia-se culpado e terrivelmente envergonhado de sua atitude. O arrependimento chegava tarde demais, razão pela qual esteve a ponto de gritar seu novo desgosto e sua raiva. Não obstante, algo o deteve e não soube se foi a voz de sua consciência ou o fato de ver que Cláudia colocava um de seus pés no degrau de Marte.

"Era a primeira vez que sua mãe o levava ao colégio. Na realidade, tratava-se de um jardim de infância que havia perto de sua casa. Leonardo estava mal humorado, porque não queria deixar o ambiente familiar que tanta segurança lhe oferecera até agora, mesmo que tivessem prometido vir buscá-lo no final da manhã. Afinal, não era mais que um menininho de quatro anos de idade e que odiava separar-se da mãe. O fato de seu pai obrigá-lo a ir, com o pretexto de que era a única maneira de tornar-se um homem, não fez senão aumentar seu ódio por tudo o que representava a docência.

Ele foi levado à força e chorou desconsoladamente quando viu sua mãe ir embora, deixando-o nas mãos de uma velha vestida de preto, chamada Soledad, e que era o retrato vivo da bruxa dos contos de fadas. Seu único consolo foi ver os rostos inocentes e inquietos de seus colegas de classe. Para eles, aquele também era o primeiro dia.

Chegou a hora do recreio e Leonardo saiu ao pátio com o propósito de comer, sozinho, o sanduíche que haviam preparado para ele antes de sair de casa. Sentou-se em um banco de pedra, junto a um enorme eucalipto. Ali, distante dos olhares dos outros meninos, deixou que sua mente o levasse de volta ao seu lar, de onde nunca deveriam tê-lo tirado.

Estava tão absorto em seus pensamentos, que não viu quando um dos alunos chegou às suas costas e lhe arrebatou a refeição. Leonardo levantou os olhos e deparou-se com um menino vestido de calça curta e cujas pálpebras e olheiras pareciam levemente arroxeadas. Este o observava com certa determinação, em silêncio — nem sequer pestanejava. Pediu a ele, por favor, que lhe devolvesse o lanche, mas o garoto continuava observando-o, como se não tivesse ouvido. Voltou a pedir, mas foi inútil. Ou estava surdo ou zombava dele. A atitude o enfureceu. Não estava disposto a se deixar humilhar logo no primeiro dia e menos ainda por um paspalhão esquálido, com cara de ratinho.

Avançou nele, levado pela ira, grudando suas pequenas mãos no pescoço daquele desgraçado. Apertou com força. As maçãs do rosto do outro empalideceram imediatamente. Leonardo estava tão assustado, que só lhe ocorreu pressionar ainda mais a garganta do menino. Então, viu como a boca de sua vítima se abriu e dela surgiu uma língua inchada e escurecida, o que o assustou. Soltou-o no momento certo, segundos antes que fosse tarde demais.

A professora o castigou severamente quando soube o que aconteceu, mas o que mais lhe doeu foi saber, quando lhe explicaram, que o colega que ele agredira, sofria de uma doença rara, que o impedia de se comunicar com os outros. Era autista.

À partir daquele instante, Leonardo manifestaria um complexo de culpa que haveria de acompanhá-lo pelo resto da vida."

Aquilo foi um duro golpe para sua consciência. Jamais poderia pensar que sua alma fosse tão violenta, mas ao dar uma olhada para trás, percebeu que sua vida estava repleta de equívocos. Tentou chorar, mas não conseguiu. Quis pedir perdão a quem havia ofendido ou maltratado, mas a voz ficou presa em sua ressequida garganta.

Olhou para cima. Tinha a resposta às suas súplicas a poucos degraus da plataforma. O resplendor da Arca flutuava, ainda, em diversas direções, como um mar dourado no interior de um tanque de vidro. Colocou um dos pés no penúltimo degrau, o de Júpiter. Cláudia subiu com ele.

"Faltava apenas um mês para que Leonardo fizesse a Primeira Comunhão e seus pais não haviam decidido, ainda, qual seria a roupa do menino para a ocasião. Para que ele estivesse de acordo, levaram-no a grandes lojas, com a intenção de que escolhesse o que mais gostasse.

Passaram a tarde toda percorrendo sessões dedicadas à data, sem encontrar um traje que fosse de seu agrado. Depois de provar muitos conjuntos — sobretudo de marinheiro, que era moda na época — viram um bastante adequado e cujo preço estava ao alcance das economias de seus pais. Enquanto eles conversavam com o vendedor a forma de pagamento, Leonardo ficou vagando entre as araras onde estavam expostos os trajes e manequins de meninos perfeitamente vestidos para a Primeira Comunhão.

Parou ao escutar uma voz conhecida atrás do provador. Era Jaime, o garoto dos Trueba, a família mais altiva, abastada e de classe mais alta do bairro. Na escola, todos conheciam Jaime e seu estilo particular. Sempre havia sido o primeiro em tudo, desde lançar a moda das bolinhas de gude de vidro branco a usar calças jeans. Era um mauricinho nojento, mas, mesmo assim, Leonardo tinha inveja dele.

Pelo visto, havia teimado em ter uma roupa de estilo militar, exclusiva e muito cara, para fazer sua Primeira Comunhão. O pai de Jaime, que parecia estar atrasado para algum encontro, prometeu voltar com ele no dia seguinte, para fazer a encomenda e tirar as medidas, caso fossem necessários ajustes, garantindo que a roupa estaria ali quando voltassem, porque nenhum outro pai seria capaz de gastar tanto dinheiro em um conjunto para um só dia. E em seguida foram embora.

Leonardo sentiu uma onda inevitável de inveja, devorando suas entranhas. Por um lado, estava a prepotência dos vizinhos, que acreditavam ser os únicos em condições de oferecer a seu filho todos os caprichos, e, por outro, o próprio Jaime, que se aproveitava de sua situação econômica para ridicularizar as outras crianças. Isso era algo que Leonardo não estava disposto a deixar que acontecesse.

Regressou ao lugar onde estavam seus pais, antes que concluíssem a compra. Falou primeiro com sua mãe, porque era em quem mais confiava. Disse-lhe que vira um traje maravilhoso de Primeira Comunhão e que era o que mais lhe agradara, entre todos. Foram comprovar, mas, ao ver o preço escandaloso, procuraram convencê-lo de que o outro também era bonito, além de prático. Leonardo insistiu, pois não estava disposto a ceder. Inclusive, os ameaçou de ficar doente no dia da cerimônia. Chorou, manifestando uma dor autêntica, dizendo a eles que se aquele traje estava à venda era porque algum pai o desejava para seu filho e que ele não era em nada inferior aos demais.

Sua mãe cedeu diante de tanta chantagem emocional e aquilo lhe custou uma violenta discussão com o marido, que a acusava de estar mimando demais o filho, lembrando que o excesso de atenções não seria bom para a educação dele. Apesar de tudo, Leonardo saiu dali com o que queria.

Entretanto, o esperado dia de sua Primeira Comunhão foi um dos mais amargos de sua vida: seus pais ficaram todo o tempo sem trocar uma só palavra, enquanto ele vestia, orgulhoso, o traje escolhido por outro garoto."

O tempo passava lentamente naquela catedral grotesca de lúgubre iconografia. Era como se tivesse demorado uma hora para subir os seis primeiros degraus, quando, na realidade, só haviam transcorrido alguns segundos. "A vida é breve", costuma-se dizer. E agora Cárdenas sabia porquê.

Seu olhar cruzou com o de Cláudia, que inclinou a cabeça, submissa. Queria lhe dizer algo, com aquele gesto, talvez adverti-lo de que o último degrau tinha de ser galgado com humildade, razão pela qual ele adotou uma atitude mais reverente e singela, olhando para baixo, como sua companheira.

O que os aguardava era o mais perigoso de todos os degraus: Saturno, símbolo primordial da porta das trevas — para os alquimistas —, pela qual deve passar o homem para nascer de novo, na luz de Deus.

"Leonardo chegou ao hospital minutos depois de receber a notícia: seu pai havia sofrido uma ameaça de infarto e estava internado na Unidade de Tratamento Intensivo. É bem verdade que eles não se falavam desde que o jovem decidira estudar biblioteconomia — e não medicina, como seu genitor desejava —, mas dois anos parecia tempo demais para continuar com a briga. Assim, pensou, melhor seria esquecer tudo e ajudá-lo. Naqueles momentos tão delicados, seu pai precisava do carinho de toda a família.

Falou com sua mãe, na sala de espera, que estava acompanhada de sua tia Berta e de uma amiga de confiança. Beijou-a na bochecha, dizendo em seu ouvido que faria todo o possível para resolver as diferenças com seu pai, para que ficasse tranqüilo, pois em seu estado a última coisa que necessitava era sofrer um desgosto. Em seguida, foi atrás do médico. Precisava saber qual era a situação em curso.

Depois de falar com o especialista, permitiram que fosse ver o pai uns minutos, antes que realizassem um novo eletro. Deixaram-nos a sós, não sem antes adverti-lo do estado do doente. O olhar de Leonardo foi do tubo de soro, que pendia, gotejando, do suporte acima da cama, até a agulha enfiada na veia da mão, e teve pena dele. Começaram a falar de coisas sem importância, já que ambos tinham dificuldade em entabular uma conversa, depois de dois anos sem falar um com o outro. Primeiramente, Leonardo se interessou pela saúde dele. Mais tarde, seu pai lhe perguntou se vivia bem com o dinheiro que sua mãe lhe enviava todos os meses e se estava aproveitando bem os estudos. Não gostou da maneira como ele disse isso. Pensou que jogava em sua cara que o estivesse sustentando e de ter rejeitado a oportunidade de estudar uma carreira de futuro, coisas que o irritaram bastante. Tinha seu orgulho e sua vida não era pior que a de seu pai.

Leonardo conhecia de memória aquela cena. Naquele momento, levado pela soberba, disse ao pai que ele era somente um pobre contador que trabalhava havia vinte anos na mesma empresa e que suas aspirações de ser alguém na vida morreriam com ele, no dia de sua aposentadoria. Falou, também, que guardasse sua esmola, pois ele passaria a trabalhar nos fins de semana para custear seus estudos. Lembrou que fora embora do hospital sem sequer se despedir de sua mãe e sem pedir perdão a seu pai.

Jamais teve a oportunidade de fazê-lo. Morreu poucos dias depois.

Foi isso o que aconteceu, então. Sem dúvida, a seu ver, Leonardo vacilou entre responder ou não. Viveu essa fração de segundo como se fosse eterna. Teve tempo de refletir, de pensar em tudo o que queria dizer a ele. Uma parte de si estava disposta a magoar o pai, expondo sua frustração, a que carregava desde a infância; a outra o aconselhava, sabiamente, a não abrir a boca.

Sua luta interna já durava muito tempo e ele teria de dizer algo.

Foi quando se lembrou da senha da loja, incentivando o neófito a permanecer em silêncio. Recordou, também, as últimas frases do compêndio filosófico escrito por Fulcanelli, no qual se pedia ao dis¬cípulo que fosse fiel a seu voto de silêncio. 'CALAR': assim terminava O Mistério das Catedrais. Seria uma advertência?

Leonardo teve uma nova oportunidade de mudar o passado e a aproveitou. Olhou seu pai nos olhos e, embora lhe custasse um imenso esforço reprimir-se, decidiu calar por respeito, engolindo seu orgulho.

Estava de novo no Salão do Trono, no sétimo degrau da escada. Haviam conseguido. Derrotar a soberba era a última das provas que deveriam superar e, talvez, a mais arriscada e turbulenta. Vencer o orgulho significa triunfar sobre o resto dos pecados, já que não havia ofensa que alguém fizesse aos demais ou a si da qual não participasse a soberba. Ao guardar silêncio, havia usado a chave da loja, convertendo-se em um verdadeiro maçom, em um homem livre. Conseguira redimir-se.

Diante dele estava Cláudia e entre ambos, a Arca. Aproximaram-se dela com certo temor, dando-se as mãos para transmitir segurança um ao outro. E então, na certeza de estar prestes a viver uma experiência sem paralelo na história do ser humano, sentaram no Trono de Deus.

Quando alguém reflete, mergulhando na inconsciência da obscuridade e do silêncio, se defronta com as criaturas de seus próprios pesadelos.


Lilith e Cristina haviam perdido toda a esperança de sair com vida daquele labirinto subterrâneo. As lanternas tinham apagado havia várias horas. Sua única esperança era que Leonardo e seu grupo tivessem pena delas e viessem resgatá-las, mas nem sequer estavam certas de que soubessem realmente onde elas se encontravam. Tentaram tudo, desde gritar à exaustão, até penetrar às cegas pelos diversos corredores em busca de uma saída, embora parecesse impossível escapar daquele labirinto. Dando-se por vencidas, decidiram sentar-se no chão da última sala a que tiveram acesso, com o soturno pensamento de morrer com dignidade.

— Só há uma maneira de sair daqui.

A voz de Lilith ecoou na escuridão da câmara, como uma sentença. Cristina, que estava prestes a derramar-se em pranto e desespero, mal tinha forças para falar, mas recobrou um pouco o ânimo, acredi¬tando que a outra poderia estar certa.

—Se é verdade... como é possível que ainda estejamos aqui?

A criptógrafa podia escutar a entrecortada respiração de sua companheira ao lado.

—O problema é esse: ficamos obcecadas pensando apenas que estamos presas, quando, na realidade, tudo é circunstancial.

A resposta de Lilith fez com que a outra mergulhasse ainda mais no desespero. Aquela desequilibrada terminou enlouquecendo de vez. Não tinha a menor dúvida que, em vez de neurônios, camundongos corriam pelo cérebro daquela mulher e estranhou que alguém assim, com um coeficiente intelectual tão baixo, tivesse sido capaz de desbaratar seus planos de dominação e de eliminar três agentes especiais treinados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Não levou em conta a imensa carreira criminal dela e este foi, precisamente, o seu maior erro.

—Pegue... já não preciso mais dela... — apalpando o espaço, na escuridão, Lilith pegou a mão de Cristina e lhe entregou sua arma. — Não há vencedor nem vencido. E a verdade, se temos de morrer, é que não exista diferença entre nós.

Cristina segurou a pistola, sem entender muito bem a razão daquele gesto surpreendente.

—E o que faço com isso?

Sentiu muito próximo o hálito de Lilith, que chegou perto a ponto de colar seus lábios no lóbulo da orelha da outra.

—Que tal enfiar no cu? — Depois da abrupta e inesperada resposta, Lilith começou a rir como uma desvairada. Em seguida, disse, em voz baixa:

—Vamos começar um jogo chamado sobrevivência. Eu tentarei assassiná-la e você terá de evitar.

Antes que Cristina conseguisse avaliar o que ela queria dizer, as mãos da alemã grudaram em seu pescoço, que ela começou a apertar com todas as suas forças. A primeira reação da agredida foi tentar libertar-se, segurando os dedos que oprimiam sua garganta, mas a pistola impediu-a de fazer a manobra correta. Naquele momento é que se lembrou de estar armada, ou seja, em condições de se defender.

Sorriu, satisfeita, diante do suposto erro de Lilith, antes de colocar a arma no estômago de sua agressora e apertar o gatilho. O brutal impacto fez com que a jovem desse um tranco para trás.

Houve segundos de silêncio, durante os quais só era possível perceber o cheiro de pólvora queimada, além dos gemidos entrecortados da moribunda.

—Isso... isso foi muito bom... sua pequena idiota — ouviu-se uma voz trêmula, em meio ao nada... era a de Lilith. — Você acredita que me fodeu? Pois está muito enganada... Eu é que fodi você...

Deixou escapar um gemido de dor, mas continuou falando, apesar de lhe custar muito esforço:

—E sabe por quê? Simplesmente, porque fez o que eu jamais conseguiria fazer... Porque é muito duro disparar contra si mesma. Sabe o que mais? Você não terá esse problema...

—O que você quer dizer com isso? — perguntou Cristina, que ainda não havia se recomposto da agressão.

—Querida... essa era a última bala... a que eu estava guardando para mim... — soltou uma breve gargalhada, que acabou em um lamento de dor: tinha parte dos intestinos fora da barriga e os segurava fortemente com ambas as mãos.

—Você, ao contrário, sofrerá o tormento da sede e da fome... e isso é terrível, acredite... Saber que estou condenando você ao pior dos suplícios é um prazer que me provoca um maravilhoso orgasmo... um prazer que espero que você desfrute tanto quanto eu.

Em nenhum momento Cristina havia pensado em suicidar-se, mas saber que perdera sua única oportunidade de acabar com o sofrimento aumentou sua cólera. E então, impelida pela raiva, arrastou-se até onde pôde para tocar o corpo dela com os dedos. Movida por uma fúria brutal, golpeou a cabeça de Lilith com a culatra da pistola. Em poucos segundos, ela parou de respirar.

Consumada sua vingança, a criptógrafa gritou desesperadamente, diante da perspectiva de morrer lentamente. Gritou e praguejou desesperada até se esgoelar, sabendo que seu destino era inevitável. Mas ali embaixo, tão perto do inferno, ninguém podia ouvir suas lamentações e blasfêmias.


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