Sumário prólogo capítulo



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CAPÍTULO 18
Esperaram que o ofício do meio-dia terminasse, para entrar na catedral. Cláudia, vestida de forma discreta, mas elegantemente, separou-se dos homens para dirigir-se à secretaria da diocese, situada à esquerda, na nave transversal, junto à porta denominada Bispo. Em pé, atrás de um balcão de madeira, ela viu um indivíduo que analisava, com certo interesse, um conjunto de papéis. Às costas dele, seu companheiro de trabalho se ocupava em organizar várias fichas, diante de um desgastado arquivo de cor verde. Ela se aproximou.

—Bom dia... — sorriu, com timidez. — Eu gostaria de dar uma olhada nos preços das visitas agendadas.

Sem prestar atenção nela, o homem lhe estendeu um folheto informativo, para que procurasse a informação desejada. Arrependido, porém, do que acabara de fazer, levantou a cabeça para olhar o rosto da jovem. Era atraente, bem mais do que seu trabalho. Decidiu fazer uma pausa de deixar para outro momento o soporífero inventário.

—Quantas pessoas seriam e para que dia? — perguntou. Queria ajudá-la envolvendo-se pessoalmente.

—Na realidade, só eu — respondeu Cláudia. — Quanto à data... podia ser agora mesmo — voltou a sorrir. — Em verdade, preciso fazer uma reportagem das catacumbas das catedrais espanholas. Venho de Madri, com a intenção de ampliar conhecimentos. Espero que possam me ajudar... — mordeu o lábio inferior de maneira ansiosa, mas sensual. Com certeza, estou disposta a pagar, seja o quanto for.

—Não se preocupe, eu mesmo me encarregarei de tudo. Disponho de meia hora antes de fecharmos as portas. E agora, se me der licença, aguarde que em um momento vou acompanhá-la.

O funcionário adotou uma pose de homem importante, dizendo a seu companheiro, com voz autoritária, o que devia fazer com o inventário, antes de sair do escritório. Logo, foi ao encontro da jovem, levando consigo uma pasta preta embaixo do braço. Cláudia desviou o olhar, procurando Leonardo. Viu que estava junto de seu tio, passeando ao redor do altar principal, para ver se ali conseguiria descobrir alguma porta de acesso direto às catacumbas.

—É a primeira vez que você vem a Múrcia?

A pergunta do funcionário a pegou desprevenida.

—O quê...? — respondeu distraída, mas logo se refez. — Ah, sim! Não tive o prazer de visitar a região, até agora. Na verdade é uma pena. Múrcia é uma cidade preciosa.

—Eu me chamo Andrés Orengo, e sou o cônego arquivista da Santa Igreja Catedral de Múrcia — apresentou-se, esperando tê-la impressionado com seu cargo.

—Eu sou Laura — mentiu, com naturalidade — e trabalho como pesquisadora para a Tele Madri.

E lhe estendeu a mão.

—Prazer — disse ele, cumprimentando-a efusivamente.

Em seguida, fez-lhe um gesto, indicando um banco de madeira encostado na parede da secretaria. Foram até lá, sentando-se um ao lado do outro.

—Vamos ver... — começou o cônego — ... qual é, exatamente, o conceito que deseja transmitir?

-As catacumbas como alegoria do inferno — respondeu Cláudia, improvisando. — Trata-se de aprofundar o pensamento pagão de que tanto a vida como a morte estão relacionadas com o pecado, representado, neste caso, pela fria escuridão da sepultura.

O homem tratou de imaginar do que se tratava, embora, com certeza, sua atenção continuasse fixada nos encantos de Cláudia. A única coisa que lhe importava, a julgar pelos seus olhares furtivos, eram as linhas que se insinuavam sob a blusa e sua calça justa.

—Muito interessante... — disse, finalmente. — Estou certo de que será muito instrutivo. Pessoalmente, creio que tudo o que seja em benefício da cultura nutre nosso nível intelectual. Pena que não haja mais patrocínio para documentários desse tipo, pelos quais eu sou apaixonado.

Sorriu com exagerada amabilidade. Cláudia já começava a ficar com nojo de tanto pedantismo.

—Então... você se importaria em me mostrar as catacumbas? — foi direta, sem preâmbulos; tinha de forçar a situação até o limite máximo.

—Aqui não há catacumbas, senhorita — ele confessou, depois de tudo, com desilusão. — O que existe é um ossário cujas portas foram fechadas há alguns séculos. Se quiser, posso procurar informação nos arquivos.

—Não existe nenhum subterrâneo sob a catedral? — ela insistiu novamente.

—Nenhum, que eu saiba.

—Então... o que há sob as grades de ferro, no solo que rodeia a capela dos Velez?

Andrés tentou localizar-se, refletindo um instante sobre a pergunta.

—Sinceramente, não sei... — respondeu, constrangido. — Talvez faça parte dos esgotos da cidade. Terei de averiguar, mesmo que seja para poder responder a contento, na próxima vez que me fizerem essa pergunta.

—Nos arquivos nada se menciona a respeito?

—Só sabemos que foram derrubadas duas antigas capelas para erguer a dos Vélez. Se alguma vez houve catacumbas lá embaixo, provavelmente ficaram condenadas depois das obras de construção. Se assim fosse, deveria ser o mausoléu de algum nobre da época.

—Compreendo... Suponho que você conheça todos os cantos da catedral, e que diria se soubesse da existência de alguma porta que não imagina para onde possa conduzir... — usou seu último cartucho.

—Lamento tê-lo feito perder seu tempo. Creio que essa é toda a informação que poderei obter de minha viagem.

Cláudia levantou-se. O funcionário não teve alternativa senão imitá-la.

—Sinto muito, de verdade! Foi, entretanto, um prazer ajudar, no possível. Ah... e quanto aos honorários, esqueça. No fim, não me custou nenhum esforço!

—Gratíssima, por tudo — apertou a mão dele, que agora estava banhada de suor. Reprimiu o nojo com uma careta que ele não soube interpretar.

—Volte quando quiser... Talvez da próxima vez eu esteja melhor informado.

Menos orgulhoso que antes, o cônego arquivista regressou ao seu trabalho monótono, mergulhando em um mar de papéis não classificados. Cláudia teve de reconhecer seu fracasso. Tinha de começar de novo.

—O que você descobriu?

O primeiro a se aproximar dela foi seu tio Salvador, levado pela curiosidade. Leonardo continuava admirando o retábulo neogótico e a esplêndida grade executada por Anton de Viveros, alheio à volta de sua companheira.

—Não há catacumbas nem subterrâneos, apenas um ossário fechado há séculos — ela respondeu, com uma expressão de fracasso.

—Ele me disse, entretanto, que duas capelas foram derrubadas antes da construção das obras do anexo. É possível que a capela dos Vélez tenha sido construída sobre a cripta de algum patrocinador nobre, talvez condenada pelos próprios pedreiros.

Leonardo deixou o que fazia e se uniu a eles, exatamente a tempo de ouvir essas últimas palavras.

—Mas... por que precisamente ali? — quis saber o arquiteto.

- Talvez para que fosse preservado ao longo dos anos... — afirmou Cláudia. Arqueou significativamente uma sobrancelha.

Riera voltou a considerar suas suspeitas, perguntando-se o que poderiam encontrar depois que cinco séculos haviam se passado.

—Vocês pensaram, ainda que por um só instante, no estado em que estará aquele papel, depois de passar uns quinhentos anos em uma cripta? — disse, olhando fixamente para ambos, na esperança de que compreendessem o que acabava de dizer.

—Depende da temperatura a que o documento tenha sido exposto e da umidade do ambiente... — conjecturou Leonardo Cardenas; como especialista bibliófilo, ele conhecia bem os segredos da conservação dos livros antigos.

—Se foi guardado em um lugar fechado, digamos... uma caixa de madeira ou metal, talvez tenham sido protelados os efeitos dos agentes corrosivos que costumam atuar sobre o papel.

—Não saberemos até que consigamos descer para comprovar. As palavras de Salvador não deixavam de ser um estímulo à aventura.

—Podemos fazê-lo? — a pergunta de Cláudia era dirigida a seu companheiro. Queria estar segura de que iriam até o final, sem avaliar as conseqüências de seus atos.

—Em teoria, sim — ele respondeu, com voz baixa. — Só temos de levar a intenção à prática.

—Você tem um plano?

—Deveríamos sair... — Cláudia propôs a eles. — A primeira coisa a fazer é estudar novamente o acesso ao esgoto, se é que se trata disso mesmo, e verificar de que maneira podemos entrar ali sem que nos descubram.

Seu tio concordou, mesmo sabendo que iriam cometer uma loucura.

Minutos depois, observavam outra vez as pedras assinadas com as iniciais do pedreiro. A alguns metros de distância, no lado esquerdo, distinguiram o abismo que se precipitava na profundidade de seu próprio mistério, guardado pelas barras de ferro. Abaixaram-se para observar através da grade.

—Você trouxe as fotografias? — perguntou Cláudia.

Leonardo tirou do bolso de seu casaco um envelope amarelo, onde guardava os instantâneos. Entregou-os à sua companheira, disposta a dar uma olhada neles. Dava para ver, claramente, os contrafortes que se fundiam com as sombras do abismo e também as iniciais do pedreiro esculpidas nas pedras mais elevadas.

—Está bem claro que Iacobus nos indica o caminho. Suas iniciais estão na pedra. — Cláudia indicou as marcas, visíveis na foto.

Leonardo olhou ao redor. Eles chamavam a atenção de quem quer que passasse na Praça dos Apóstolos. As pessoas estranhavam ao ver três criaturas agachadas olhando pelas frestas de um esgoto encostado na catedral.

—Será melhor que a gente se retire — Leonardo se levantou —, ou pensarão que estamos loucos.

Cláudia concordou, dando razão a ele. Ela e o tio se recompuseram, tentando dissimular a ansiedade que os dominava.

—Vocês pensaram como encontraremos um jeito de descer? — quis saber a jovem.

—O único obstáculo que representa dificuldade é a grade de ferro — respondeu Riera. — Superado esse inconveniente, será fácil descermos com cordas e mosquetões. Não teremos muito tempo, pois sempre há quem possa descobrir nossa presença e chamar a polícia. Lembre-se de que estamos no meio da cidade.

—É melhor que voltemos à sua casa. É preciso elaborar uma estratégia que nos permita entrar e sair com rapidez... e há que fazê-lo já! — propôs Cláudia. Depois colocou os óculos de sol, esboçou um sorriso afável e cordial. Olhou para seu companheiro e lhe disse: — esta tarde você tem que me levar ao aeroporto, Leo, e eu gostaria de me inteirar do que vamos fazer antes de regressar a Madri.

—Eu concordo — ele comentou. — Depois de almoçar, faremos uma lista dos materiais que vamos precisar. Amanhã, enquanto você vai ao leilão, nós nos encarregaremos dessas provisões. Se você voltar terça-feira, estaremos prontos para agir na mesma noite.

Salvador Riera também concordou, o que os levou a voltar, enfrentando os diversos andaimes que protegiam a obra, até deixar para trás aquele labirinto de tubos metálicos. Quando, finalmente, alcançaram a Praça Cardeal Belluga, o celular de Leonardo começou a vibrar na carteira atada a seu cinto. Ele estranhou muito que o chamassem, pois muito pouca gente sabia seu número de telefone. No visor, reconheceu os dígitos e a extensão. Pertenciam ao escritório de Mercedes. A chamada era da casa de leilões Hiperión.

Sem perder tempo, pressionou o botão verde. Então, ouviu a voz de Nicolas Colmenares e isso o surpreendeu ainda mais. Escutou o que ele tinha a dizer sem falar absolutamente nada que não fossem monossíbalos. Segundos depois, desligou. Seu rosto empalideceu e seu olhar perdeu-se na multidão que caminhava sob a revoada de pombas.

—Quem era? O que lhe disse? — perguntou Cláudia, suspeitando de uma tragédia em curso.

—Era Colmenares — ele respondeu com voz rouca, depois de alguns segundos de vacilação. — Mercedes está morta.

—Deus do céu, isso é horrível! — exclamou a jovem, buscando refúgio nos braços do tio.

—Eles a assassinaram da mesma maneira que fizeram com Jorge — continuou Leonardo, ainda atordoado com a notícia. —Foram Os Filhos da Viúva. E, segundo creio, agora é a minha vez...



CAPÍTULO 19
Sentado em um dos bancos do Retiro, em frente ao Palácio de Cristal, o advogado passava seu tempo observando os patos que nadavam no tanque. Seu único propósito era manter a mente ocupada e esquecer por uns segundos a trágica morte de Mercedes. Encontrar uma resposta válida entre tantas interrogações sem sentido não seria uma tarefa fácil. Era violento conceber um desastre dessas dimensões. Dois assassinatos em uma semana. Duas pessoas que compartilhavam trabalho e prazer, a quem haviam privado do direito à vida por culpa de um maldito criptograma, cuja mensagem continuava sendo um mistério. E, até onde sabia, um terceiro personagem podia estar na mira dos criminosos. Tratava-se de Leonardo Cárdenas.

Quando falou com ele por telefone, minutos atrás, sentiu certo temor oculto nas afirmações vagas que lhe oferecia como resposta enquanto explicava os pormenores do terrível crime. Sabia que ele estava em Múrcia, para onde se deslocara com a finalidade de procurar o diário do pedreiro. Sua intenção, segundo Mercedes, era descobrir novas pistas que os conduzissem à instituição Os Filhos da Viúva. Depois do que aconteceu, continuar com a investigação era uma prioridade, da mesma forma que encontrar um esconderijo seguro para Leonardo, um apartamento livre longe de Madri. Iria necessitar de ajuda se quisesse ir à fundo no assunto antes que os assassinos de Mercedes o encontrassem. Ela, certamente, teria gostado de lhe dar uma mão. Agora que ela não estava mais encarregada, ele se encarregaria de protegê-lo. Esse era o motivo pelo qual aguardava a chegada da pessoa que trataria de solucionar todos os seus problemas. Eram cinco da tarde. Um homem com moletom cinza cruzou o parque fazendo caminhada. Do outro lado do lago artificial, meio oculta, pela folhagem das árvores, ele percebeu que havia uma jovem falando em um celular. Também observou que havia crianças brincando com barcos de papel, fazendo com que navegassem sobre as turvas águas do tanque.

Então, quando já começava a perder a paciência, apareceu inesperadamente.

Cristina Hiepes chegava atrasada ao encontro. Apesar de tudo, ele acabou admitindo que valera a pena esperar, pois, ainda que austera e solene, seus outros atributos prevaleciam sobre o rigor de seu caráter. De acordo com o seu critério, ávido por qualificativos corriqueiros, era uma mulher ímpar.

—Boa tarde, Nicolas — deu-lhe dois beijos em suas bochechas, sem se dignar a pedir desculpas pelo atraso. — Espero que não tenha sido inconveniente você vir até aqui, mas como você já sabe, tenho um trabalho a realizar e vou precisar de sua ajuda.

—Eu me encarrego, querida... — fez um gesto para que ela sentasse a seu lado. — Suponho que, depois do acontecido, você tomará medidas para evitar que volte a ocorrer.

—Fique tranqüilo — disse-lhe com seriedade —, a partir de agora sou eu que vou tomar as decisões. A primeira coisa será entrar em contato com Leo e convencê-lo a me incluir na investigação... Você pode fazer isso?

—Creio que sim — ele respondeu. — O trabalho dele é financiado com o dinheiro da assassinada, o qual eu administro até a leitura do testamento. Não tem outro remédio senão cooperar.

—Temos, porém, que ser prudentes — advertiu Cristina. — Sob nenhuma hipótese, deve saber para quem eu trabalho.

O advogado concordou. O melhor seria manter as coisas como estavam até agora.

—Telefonei, há pouco, para contar o que houve com Mercedes. Não sei como ele recebeu a notícia. No meu entender, foi muito inexpressivo.

—Como você estaria se soubesse que dois de seus companheiros de trabalho foram mortos, quando os três compartilhavam um mesmo segredo?

A pergunta de Cristina fez com que refletisse.

—Estaria apavorado — respondeu ele com total sinceridade.

—É assim que Leo deve estar se sentindo, neste momento.

—Como vamos convencê-lo a deixar que você participe da investigação, fora a pressão econômica? — quis saber Colmenares.

—Meus conhecimentos serão de grande ajuda para ele. Estou certa de que saberá valorizar minha presença.

Nicolas teve que admitir a importância daquela esplêndida mulher, altamente qualificada, para desempenhar a tarefa que lhe fora imposta por seus superiores.

Apostaria a própria vida na certeza de que Leo estaria em boas mãos.
Naquele instante, a milhares de quilômetros de distância, Altar desceu do táxi que o deixara no aeroporto, depois de pagar a quantia exata do trajeto. Dirigiu-se ao terminal para apresentar seu bilhete de embarque a tempo, já que faltavam poucos minutos para que os guichês fechassem. Uma aeromoça o atendeu na área reservada à Montreal Air Line, pouco depois de dar as passagens a um jovem casal que decidira seguir em lua-de-mel para a Europa. Foram os últimos a entrar no avião.

Minutos mais tarde, enquanto sobrevoavam a costa leste do Canadá e entravam no Atlântico, Altar pediu a seu companheiro de viagem que fizesse o favor de lhe emprestar o jornal, não sem antes iniciar uma conversa casual, para romper o gelo e evitar a atitude embaraçosa de ficar em silêncio durante todo o trajeto.

—Viaja para a Espanha com freqüência? — perguntou em um francês bastante perfeito, apesar de seu sotaque latino-americano.

—É a primeira vez — reconheceu, com franqueza.

—Há muitos anos, estive em Barcelona, por ocasião das Olimpíadas de 92... — relembrou o passado com nostalgia. — Na época eu trabalhava para uma empresa de meu país, a Iztlán Iron Company... Naquele tempo nós éramos encarregados de solucionar as deficiências técnicas que poderiam surgir para a equipe olímpica oficial do México. Você sabe, costumava resolver os enganos dos demais empregados de manutenção.

Altar assentiu em silêncio, sorrindo por cortesia. Não tinha a intenção de dar corda para continuar falando frases tolas. Mas seu companheiro de viagem não era da mesma opinião.

—E você? Qual é seu trabalho na Espanha? — perguntou em espanhol, diante da óbvia timidez de seu acompanhante.

Seguiu-se um silêncio embaraçoso.

—Meu trabalho é idêntico ao que você realizou há anos — respondeu, finalmente. — Podemos dizer que sou o homem de confiança da empresa, um especialista que soluciona os problemas que os outros criam. Um trabalho bastante satisfatório, não acha?

O sujeito lhe deu razão, sem querer, em nenhum momento, se contrapor ao outro, pois o tom de voz do canadense fez com que a curiosidade inicial perdesse a intensidade em razão de uma incipiente suspeita: parecia estar gozando dele. Mas o que nunca chegou a saber é que atrás do cinismo daquele homem de sorriso zombeteiro e olhar implacável se escondia a mais terrível verdade.



CAPÍTULO 20
Tão logo chegaram à casa de Riera, decidiram falar sobre o acontecido, reunindo-se na sala. Cláudia tirou os sapatos para ficar mais à vontade, enquanto os homens foram preparar um café e buscar, nas prateleiras da cozinha, uma garrafa de brandy. Assim que o café ficou pronto, Salvador foi até o sofá com a bandeja e as taças, para acomodar-se ao lado da sobrinha. Leonardo sentou numa ampla poltrona estofada com motivos florais, típica do século XVIII. Os três se olharam em silêncio, sem saber o que dizer.

—Creio que cancelarei meu vôo. É óbvio que não haverá leilão.

Cláudia se levantou para pegar sua bolsa, onde guardava o telefone celular. Depois de alguns instantes, escutaram-na falar do outro lado da sala.

—Tenho de reconhecer que jamais cheguei a imaginar a gravidade do seu problema. — Salvador teve consciência do perigo que corriam.

Leonardo quis dizer-lhe que não estavam em Múrcia por capricho, que aquilo não era uma excursão nem uma aventura passageira, mas as palavras estavam presas ao pensamento e foi impossível ativar o mecanismo da voz. Estava tão assustado, que o mais sensato a fazer era encontrar um modo de continuar vivo.

—O que acontecerá agora? — questionou o arquiteto diante do silencio de seu convidado.

—Não sei, mas temos que continuar com nosso plano — respondeu e, em seguida, bebeu o brandy num só gole.

—Antes, preciso descobrir quem sabe onde você está. A partir de agora, não podemos confiar em ninguém, muito menos em seus companheiros de trabalho.

A princípio, Leonardo sentiu-se incomodado pelo tom autoritário das palavras dele, algo que não suportava nas pessoas fora do âmbito profissional. No entanto, reconheceu que era tão importante conseguir o diário de Iacobus como manter-se afastado da vida social que levara até aquele momento. Qualquer amigo, ou gente de seu meio, poderia servir de elo para que os assassinos chegassem até ele. Era melhor permanecer no anonimato, até que tudo chegasse ao fim.

—Mercedes sabia que eu estava em Múrcia — respondeu antes que a pergunta fosse repetida. — Colmenares, o advogado da empresa, também sabe. Foi ele quem me telefonou para me dar a notícia.

—O que sabem de Cláudia? — Salvador olhou para sua sobrinha. A jovem continuava ao telefone, olhando para o jardim através das janelas, atenta à conversa.

—Nada — respondeu rapidamente Leonardo. — Nossos amigos devem imaginar que ela esteja em Madri, como o resto dos empregados.

—Ótimo! Isso quer dizer que ninguém sabe que vocês estão em minha casa.

—Depende...

Aquela resposta não era o que Salvador esperava. E mais, ele não gostou nada da maneira como seu interlocutor se expressou.

—Explique-me — franziu o cenho.

—Dei seu telefone a Mercedes, depois que Cláudia me informou o número, caso tivéssemos algum problema com os celulares. Eu vi quando ela o anotou no verso de um de seus cartões.

—É possível que tenham encontrado?

—Talvez a polícia, caso tenha revistado a bolsa dela.

Riera estalou a língua, num gesto de frustração. Parecia preocupado. Leonardo tentou amenizar as coisas.

—Comentei que você era um amigo de infância — acrescentou, para que se sentisse mais tranqüilo.

Naquele instante, Cláudia regressou, desligando o telefone celular para guardá-lo no bolso da calça.

—Acabo de falar com Verônica, a secretária da diretoria... — dirigiu-se a Leo. — Cancelaram o leilão, até segunda ordem. A polícia conversou com todos os empregados. O mais estranho, porém, é que não perguntaram por nós.

—Até que encontrem os arquivos da empresa, não saberão que trabalhávamos para Mercedes — recordou-lhe. — Cedo ou tarde, reclamarão nossa presença. Aí será o momento de contarmos a verdade.

—Antes, vocês terão de entregar provas que atestem sua inocência — acrescentou o arquiteto. — Ninguém vai acreditar na história de uma seita criminal dirigida por maçons.

—Isso é verdade — afirmou Cláudia. — Nosso único objetivo, agora, é encontrar o diário de Iacobus. E, para isso, temos de nos organizar de tal maneira que consigamos descer pela rede de esgoto e retornar com o manuscrito.

A partir daquele momento, concentraram-se na difícil tarefa de descobrir uma maneira de entrar na câmara, que fora condenada pelos pedreiros, e se localizava sob a capela dos Veléz. Fizeram uma lista com os materiais que precisariam, entre os quais estavam cordas, mosquetões e lanternas. Cláudia propôs que um dos três ficasse em cima, vigiando, caso houvesse algum acidente ou ficassem retidos e não conseguissem se comunicar com ninguém. Pensou que seu tio seria mais útil na parte externa, devido à sua idade avançada, inconveniente que poderia causar algum problema na descida. E, ainda que o arquiteto tivesse, a princípio, se negado por orgulho, mais tarde compreendeu que arriscar-se não os beneficiaria em nada. Aceitou o plano de sua sobrinha, rosnando entre dentes.

Finalmente, depois de examinar a fundo as conseqüências de sua aventura, fixaram o dia e a hora em que iriam começar a busca. Seria na madrugada de terça-feira, por volta das quatro da manhã, lapso de tempo entre a volta dos mais boêmios para casa e o movimento dos que gostavam de levantar bem cedo.

Depois de reafirmar sua decisão de participar daquela loucura, o trio mergulhou em uma catarse coletiva de silêncio, até que o arquiteto rompeu o feitiço.

—Vocês querem saber a origem do nome Os Filhos da Viúva?

—A pergunta de Salvador fez com que seus convidados se revolvessem na cadeira. A última coisa que esperavam ouvir do arquiteto era uma interrogação desse tipo.

—Você está brincando conosco, não é mesmo?

Cláudia deu por certo que seu tio estava a fim de se divertir com eles.

—Creio que ele fala sério — apostou Leonardo, observando a atitude de Riera, tratando de imaginar o porquê de tanta reticência, se ele já sabia desde o princípio.

—Xakim e Boaz! As colunas que ladeavam a entrada do Templo de Salomão. É o único indício que vocês têm até agora — começou dizendo Salvador, com um olhar circunspecto. — É certo que esses nomes são mencionados no Livro dos Reis, mas vocês esqueceram de ler o resto dos versículos, o que, de certo modo, é o mais importante: a história de Hiram de Tiro, o arquiteto que projetou e executou as obras do templo. Foi ele quem forjou as colunas e lhes deu nome.

—E o que isso tem a ver com Os Filhos da Viúva? — perguntou Cárdenas.

—Existe certo vínculo entre Hiram Abif e os maçons. E mais, para estes últimos o arquiteto é o paradigma do conhecimento geométrico — respondeu. — Hiram Abif nasceu em Tiro. Era um homem obscuro e misterioso, um misantropo que dominava a ciência dos metais e a construção, graças aos segredos aprendidos por seus antepassados, que participaram da construção das pirâmides dos antigos reis do Egito. Salomão, depois de conseguir que ele viesse para Jerusalém, o encarregou da edificação do Templo e da tarefa de erigir as enormes colunas do átrio de entrada, assim como os demais objetos de decoração, o Mar de Bronze, os candelabros e as bases.

Hiram realizou as obras com a ajuda da associação de construtores, que ele mesmo se encarregou de instruir. Chegou a contar com mais de 3.300 mestres de obras, 30 mil operários especializados, 70 mil carregadores e 80 mil pedreiros, os quais extraíam as pedras e as transportavam desde as montanhas.

"Naquela ocasião, Salomão recebeu a inesperada visita de Balkis, a rainha de Sabá, que, atraída pela crescente fama e sabedoria do monarca judeu, foi até Israel para conhecê-lo. Salomão, assim que a viu, enamorou-se perdidamente daquela mulher, e não somente por sua extraordinária beleza, mas também por seu ilimitado conhecimento. Balkis talvez tivesse correspondido, mas sua condição de rainha a impedia de ver-se relegada a simples concubina. Devido a seu cargo, poderia ser esposa apenas de alguém em igual condição: um rei ou um príncipe. Mas Salomão estava casado com a filha do faraó. Repudiá-la significava entrar em guerra com o Egito, de maneira que o desejo do israelita viu-se reduzido a um sonho impossível de realizar.

Assim estavam as coisas quando Hiram conheceu a rainha de Sabá. Entre eles nasceu o amor de forma espontânea, e começaram a se ver sem que Salomão soubesse. Em pouco tempo, Balkis ficou grávida do arquiteto. Enquanto isso, os levitas, atemorizados pela influência estrangeira das associações de construtores a serviço de Hiram, e de seu progressivo desenvolvimento dentro do país, começaram a predispor o rei contra seu protegido.

Levado por ciúmes, Salomão consentiu que os levitas contratassem os serviços de três operários que estavam descontentes com Hiram, por não tê-los elevado à categoria de mestres construtores. Esses indivíduos forjaram um plano para acabar com a vida do arquiteto. Uma noite, durante a qual Hiram fazia guarda nos arredores das obras, atacaram-no golpeando-o até a morte. Antes de morrer, porém, Hiram conseguiu arrancar de seu pescoço a corrente de ouro onde estava inscrito o verdadeiro nome de Deus, lançando-a em um fosso, para que não caísse nas mãos de seus agressores. As armas que utilizaram para assassiná-lo foram um compasso, um esquadro e um martelo, elementos que agora constituem o símbolo da ordem maçônica. Quanto ao triângulo de ouro, dizem que está enterrado junto aos projetos do Templo, nos alicerces da abóboda subterrânea, construída sobre umas pontes tão elevadas, que não seriam afetados pelas águas, caso houvesse um novo dilúvio.

—E o que aconteceu à rainha de Sabá e a seu filho? — quis saber Cláudia, enfeitiçada pela história.

—Regressaram a seu reino e nunca mais se soube deles, até agora... até agora.

—Até agora? — repetiu Leonardo, que continuava sem entender.

—Sim — disse o narrador —, até que vocês apareceram perguntando pela instituição Os Filhos da Viúva. Para que possam entender melhor, o filho de Hiram e seus descendentes foram chamados de Os Filhos da Viúva. Essa é a denominação que se dá, no mundo esotérico, aos construtores de catedrais e aos membros de cada loja maçônica.

—E por que essa denominação? — insistiu Leonardo.

—Será mais fácil compreendê-lo se você ler os versículos 13 e 14, do capítulo 7 do primeiro Livros dos Reis.

Cláudia e Leonardo se entreolharam. Não fazia nem dois dias que haviam consultado a Bíblia, precisamente o capítulo 7 do primeiro Livro dos Reis. Não recordavam de ter encontrado nada a respeito de Hiram de Tiro. E foi o que disseram a Riera.

—Vocês não leram os dois versículos que antecedem o relato da fundição das colunas de bronze — afirmou o arquiteto, achando graça na falta de atenção dos dois:

—Ande! Pegue a Bíblia e eu os mostrarei a vocês.

Suas palavras eram dirigidas a Cláudia, que se levantou do sofá e foi até as prateleiras de livros que se fundiam com as paredes da rocha.

—Você a encontrará na prateleira do lado, junto aos volumes da história da Espanha — Riera orientou a sobrinha.

Cláudia anuiu, com um movimento de cabeça, e desviou o olhar para a esquerda. Encontrou-a na mesma hora. Era um livro grosso, com as capas de cor grená. Tão logo o teve nas mãos, regressou ao sofá e começou a virar as páginas em busca da passagem. Leonardo se aproximou, movido pela curiosidade.

— Vamos, leia para que todos possamos ouvir! — encorajou-a Salvador. — Quero ver a cara que vocês vão fazer quando perceberem o quão perto haviam estado da verdade.

A jovem conseguiu encontrar os versículos ao qual seu tio se referia. E então, repreendendo-se por não ter sabido ler a história completa, disse em voz alta:

"O rei Salomão mandou buscar Hiram de Tiro, que era, filho de uma Viúva da tribo de Neftali..."


Regressar de novo a Múrcia provocou nela um efeito de continuidade que alterou seu metódico sentido do trabalho. O mesmo lhe acontecera quando teve de voltar a Madri. Era a primeira vez que desobedecia ao preceito de abandonar o quanto antes o país onde realizava uma missão, tão logo a tivesse executado — algo, aliás, que não deixava de ser um ato de imprudência. Mas estava disposta a correr o risco. Por precaução, porém, decidiu ficar um pouco mais longe, procurando hospedagem em Espinardo, uma localidade próxima à capital e que era sede da Universidade de Múrcia. Devido à sua idade, passaria despercebida entre tantos estudantes.

Em um bar do povoado, onde parou por um momento para o desjejum, encontrou um anúncio no vidro da porta de entrada, sobre alguém que procurava uma terceira estudante para compartilhar um apartamento. No cartão, ela viu um número de telefone e o nome "Mônica". Guardou-o, enquanto se dirigia ao balcão, para pedir um café e um suco de laranja. Sentou em uma das mesas.

Lilith era uma jovem de incrível agilidade mental, capaz de improvisar nas situações mais críticas. Seu cérebro criou, em questão de segundos, uma história verossímil que lhe permitiria mimetizar-se no conjunto. Decidiu fazer-se passar por uma estudante que acabava de chegar a Múrcia, depois de conseguir validação dos três primeiros anos cursados na Universidade Complutense de Madri, justamente porque conhecia a cidade. Uma coisa era matricular-se e assistir aulas, algo que não pensara fazer, e outra, compartilhar moradia, situação pela qual seria fácil ocultar sua identidade. Quando terminou o desjejum, tirou o celular da bolsa. Chamou, decididamente, um número e ouviu uma voz feminina através do auricular.

—Que é?


—Alô, eu me chamo Lilith... liguei pelo anúncio do apartamento — respondeu, tratando de adocicar a voz para criar um clima relaxado, capaz de inspirar confiança. — Por favor, diga-me que tive sorte e sua oferta continua em pé!

—Se você puder pagar duzentos e quarenta euros por mês, o quarto é seu — disse-lhe a pessoa do outro lado da linha. — Na verdade, você é a primeira a chamar. Mas antes, minha amiga e eu gostaríamos de conhecê-la... Há algum inconveniente?

—Em absoluto. Quando vocês quiserem, combinamos um encontro.

—O que você acha de hoje, às quatro da tarde?

—Perfeito. Onde a gente se vê?

—Na porta do Zig-Zag. Suponho que você saberá encontrar o lugar... digo isso porque me parece distinguir um certo sotaque estrangeiro no tom de sua voz.

—Sim, a verdade é que passei grande parte de minha vida na Alemanha, embora meus pais sejam espanhóis — mentiu.

—Bom, deixe pra lá. Em breve você nos contará sua história — retrucou a jovem. Conhece ou não o Zig-Zag?

—Não, mas ali estarei às quatro em ponto. Fique tranqüila.

—Maravilha! Ah... já ia me esquecendo... eu me chamo Mônica e você me reconhecerá pelos piercings.

—E você a mim, porque estarei vestida de preto.

—Perfeito! — deu risada. — O que nos faltava era justamente uma sinistra no grupo.

—É você quem fala.

—Venha, então. A gente se encontra lá. Ciao, baby.

Aquela despedida, tão familiar e carinhosa, lhe pareceu deprimente. Lilith soube, antes de conhecê-las, que a mentalidade daquelas molecas estava muito aquém de sua experiência. Seria fácil eliminá-las, quando tivesse terminado o trabalho.


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