Sumário prólogo capítulo



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uma conversa de caráter profissional, que ameaçava converter-se em uma cortina de fumaça escondendo o verdadeiro motivo que os levaram até ali.

Mas na hora do café, já relaxados e desarmados, Mercedes decidiu que era o momento de contar a ele certas coisas. Precisava de alguém com credibilidade jurídica para ajudá-la.

—Nicolas... — lhe disse, em voz muito baixa. — Sei porque as­sassinaram Jorge.

Mordeu o lábio inferior. O advogado franziu a testa. Não esperava um comentário desse calibre.

—Tem certeza? — Perguntou, atônito. — E não tente me dizer que se trata de intuição feminina.

Ela prestou ligeira atenção ao comentário. Seu olhar glacial conti­nuava fixo, sem pestanejar.

—Eles o executaram por traduzir um criptograma medieval... — acrescentou, finalmente, para, em seguida esclarecer — ... é um manuscrito que guarda cuidadosamente o segredo de uma irmanda­de esotérica chamada Os Filhos da Viúva. Você deve pensar que eu estou louca, mas o que lhe digo é a verdade nua e crua.

Nicolas fez uma careta e deu-se ao direito de opinar. Refletiu durante alguns segundos, antes de se pronunciar. Conhecia Mercedes e sabia que não era uma mulher inclinada a brincadeiras. Sua história deveria ser correta, embora lhe custasse empenho aceitar que existisse uma conspiração sectária contra Balboa.

Aquilo parecia argumento de uma novela de mistério, bastante comum.

—A polícia tem essa informação? — Perguntou, interessado.


  • Somente no que se refere ao nome de seus assassinos. O resto eu sei porque nós nos víamos na casa dele e eu sabia da existência do manuscrito.

  • E que explicação você lhes deu para o fato de conhecer a exis­tência desses Filhos de... como se chamam, mesmo?

  • Escute, Nicolas. Esses bastardos cortaram a língua do Jorge e escreveram umas frases na parede com sangue — o rosto dela endureceu. — Assinaram como Os Filhos da Viúva... — deteve-se um momento, antes de continuar. — Eu mesma estive lá e pude ver com meus próprios olhos.

—O quê...? — provocou, histriônico, o advogado, sem se importar com os olhares de curiosidade das pessoas que jantavam nas mesas próximas. — Muiiiiiiiiiitoooooooooo beeem.... — prolongou as vogais e perguntou, surpreso — você esteve na cena do crime e não contou isso à polícia?

Mercedes fez um gesto rápido com a mão, indicando-lhe para baixar o tom de sua voz. E então se aproximou dele, para sussurrar, de maneira confidencial:

—Reconheço que foi um erro, lamento. Por isso estou contando a você, agora. Preciso de seus conselhos — num ato reflexo, arrumou a alça do sutiã.

Nicolas Colmenares repirou fundo, constrangido. Depois de um incômodo silêncio, sua voz traiu certa aspereza:



  • Então, será melhor que me conte tudo o que sabe, desde o princípio.

  • Está bem, vou fazer isso, mas lembre-se que você está sob o sigilo de confidencialidade que existe entre advogado e cliente...

Depois do compromisso firmado, Mercedes foi contando a ele tudo o que sabia e também o que estava tramando fazer: procurar os criminosos e entregá-los à polícia havia se convertido em uma genu­ína e particular vingança. Era, ainda, uma maneira de garantir sua própria segurança.

Naquele momento, o conselho profissional de Nicolas não foi o melhor para os interesses de sua amiga. Como advogado, continuava pensando que contar tudo à polícia evitaria grandes problemas, mes­mo que isso lhe custasse enfrentar um juiz por tentar atrapalhar as investigações. Lembrou, inclusive, que poderiam acreditar que ela fosse cúmplice do assassinato, caso não contasse a verdade. Final­mente, desistiu, ao perceber o quanto ela era teimosa quando decidia uma coisa. Seu último recurso foi pedir-lhe que não continuasse in­vestigando, que tirasse férias e saísse da Espanha, para algum lugar bem longe, do outro lado do Atlântico, e que esquecesse aquele as­sunto. Só obteve dela, entretanto, a promessa de refletir profunda­mente antes de tomar uma decisão que a implicaria ainda mais naquele terrível crime.

Com um esgar de tristeza no rosto, o profissional pagou a conta e ambos regressaram ao escritório, pois Melele havia deixado ali al­guns documentos que teria de guardar em casa. Tão logo chegaram, Nicolas sugeriu que ela subisse sozinha, dizendo que a esperaria embaixo, para que fossem tomar uns drinques em algum bar no centro da cidade.

Em seguida, depois de se certificar que Mercedes já entrara no elevador, o advogado tirou o telefone celular do bolso do paletó. Pegou sua carteira e dali tirou um cartão de visitas. Então, pressionou os números impressos no lado inferior direito da cartolina azul.

— Alô...? Sou Nicolas Colmenares. Quero que preste atenção em minhas palavras...
Capítulo 6
- Os Filhos da Viúva? — Cláudia repetiu a pergunta, meneando a cabeça para a esquerda, com a intenção de recordar. — O certo é que sei do que se trata. Creio que ouvi falar deles em meus anos de estudante universitária... Seri­am Os Filhos da Luz? — tinha dúvidas. Na verdade, não estou muito certa... Talvez fosse algo parecido... — então, fez a observação, de uma forma inquisitiva — ..., mas o que isso tem a ver com Mercedes ou com a morte do Jorge?

Leonardo refletiu alguns segundos, antes de responder. Não sabia nem sequer por onde começar.



  • Cláudia, ouça-me com muita atenção... — deixou o copo sobre a mesa, antes de sentar-se ao lado dela. — Essas criaturas que assassi­naram Balboa, bem como a própria causa do crime, estão intimamente relacionadas com o manuscrito que ele trouxe de Toledo.

  • Você me falou algo sobre um documento — ela recordou, va­gamente —, ainda que eu não consiga compreender a relação entre um texto medieval e a morte de um inocente e pacífico paleógrafo.

  • O pergaminho estava criptografado... — confessou. — Acabaram com ele porque havia encontrado a chave do criptograma, decifrando o segredo que as palavras ocultavam. Cortaram sua língua, ou melhor, arrancaram-na desde a raiz, sob o queixo, por traduzir o manuscrito.

  • Isso é terrível! — exclamou horrorizada. — Mas... o que tem a ver a morte dele com você? — quis saber, cada vez mais inquieta.

  • O mesmo Jorge, antes de morrer, nos enviou, a Mercedes e a mim, uma cópia via correio eletrônico ... — percebeu que tinha a testa molhada de suor. — Você entende, agora, por que eu não quis lhe contar nada?

Cláudia empalideceu ao escutar aquelas palavras. Continuava sem entender o que aconteceu, mas já conseguia fazer uma ideia aproxima­da. Haviam assassinado Balboa por investigar um texto cujo conteúdo deveria permanecer em segredo, e voltariam a fazer o mesmo, caso al­guém tentasse novamente. O terrível não era propriamente o pavoroso detalhe da língua arrancada, algo por si bastante desagradável, mas o fato de Leonardo ter uma cópia do pergaminho e isso fazia crer que estava ameaçado de morte. Por um momento, lhe veio à memória a espada de Dâmocles pendendo de uma crina de cavalo sobre sua cabe­ça; naquele caso, de seu companheiro.

—Será melhor que você me conte tudo, desde o princípio. Alice acaba de atravessar o espelho e cair de bruços sobre o mundo de Oz. Em duas palavras: estou perdida!

Perplexo, ele olhou para ela e explodiu, na certeza de não estar no controle da nova situação.


  • Sarcasmos não, por favor! Eu faço questão de repetir que não se trata de nenhuma chacota! — esbravejou, cheio de cólera.

  • Claro que não é! — gritou Cláudia, por sua vez, deixando-se levar pelo nervosismo que sentia. — Você pode imaginar como me sinto, depois de ouvi-lo contar todas essas atrocidades...? Acredita que a me­lhor coisa para um encontro amoroso é uma história de crimes misteri­osos e códigos secretos? Puxa vida! Meus joelhos ainda estão tremendo...

Depois de respirar profundamente, durante alguns segundos, ela se atreveu a fazer uma nova pergunta:

—O que Mercedes tem a ver com tudo isso?



  • Ela e Balboa eram amantes.

  • O que...? — Cláudia não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. Mas isso é um absurdo!

  • Nada lhe parecerá igual como antes, tão logo escute o que tenho a lhe dizer.

Sem perder mais tempo, Leonardo contou o que aconteceu na casa de leilões. Narrou a história sem omitir detalhes, tal como Mercedes lhe contara, advertindo-a que seu futuro na casa de leilões... e talvez até mesmo suas vidas... dependiam da discrição de ambos.

Assim que ele terminou o relato, Cláudia olhou para o chão. Parecia absorta em um grande conjunto de pensamentos. Procurava recordar onde havia escutado, antes, semelhante história. Os mecanismos do subconsciente se puseram em funcionamento, obrigando o cérebro a recuperar imagens perdidas, no passado. O macabro detalhe da adver­tência que falava de salvaguardar um segredo, assim como o ritual de cortar a língua de quem quebrasse um juramento, faziam parte de uma série de detalhes que lhe pareciam vagamente familiares.

"Esse é o juramento de iniciação dos maçons da Escócia!", ela se deu conta, mentalmente. Felicitou-se, acreditando ter encontrado certo paralelo entre o suplício de Balboa e uma antiga lei da loja ma­çônica de Edimburgo. Era, porém, cedo demais para contar a Leo­nardo. Antes, teria de comprovar se estava na trilha certa.


  • Ligue o computador — disse a ele, misteriosa. — Eu gostaria muito de dar uma olhada no manuscrito.

  • Está certa de que quer compartilhar isso comigo? — Leonardo tratou de adverti-la, mais uma vez, do perigo que corria ao ajudá-lo. A jovem, que havia lavado as mãos, de maneira enérgica, deixou bem clara sua decisão, com uma voz grave, mas intensa:

  • Não será tão fácil para você livrar-se de mim... — ela o beijou nos lábios, afastando-o para que se erguesse. — Agora, ligue o computador e vejamos esse texto tão misterioso... Estou com um pressentimento.

Minutos depois, eles observavam juntos aquela coisa confusa que Jorge enviara antes de morrer. Era idêntico ao de Mercedes. Mas o paleógrafo acrescentara algumas frases no final dessa mensagem:

"Nostradamus: Centúria 1, Estrofe XXVII. Quem é capaz de vis­lumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"



  • Aqui está ele — disse Leonardo, sentado diante da mesa de seu escritório —, um código cifrado composto por letras gregas, latinas e números árabes. Um maldito criptograma, impossível de interpretar.

  • E o que significa aquilo ali? — Cláudia apontou, com o indica­dor, para as últimas linhas da mensagem.

  • Não tenho a menor idéia! Mas deve ser algo importante, para que ele tenha se dado ao trabalho de acrescentar ao texto. Talvez se trate de um aviso, ou, ainda, de algo que eu deveria entender ou pro­curar. Vou estudar isso mais tarde; agora o que mais me preocupa é desvendar essa sopa de letrinhas.

  • É um nomenclador medieval — disse, com certeza — ...uma lista — concluiu, arisca.

  • Um o quê...?

  • Um sistema de normas de transcrição, graças ao qual uma mensagem que contém informação secreta se transforma em uma mensagem cifrada... — Cláudia, que acabava de evitar um bocejo, lançou mão das lições de paleografia que aprendera na universidade. Durante os séculos XVI e XVII, um dos procedimentos mais utiliza­dos pelo correio diplomático era o sistema misto de substituição. Nele, eram usados números árabes, letras comuns e inventadas, as quais tomavam o lugar dos caracteres do abecedário. Emissor e re­ceptor possuíam um código de transcrição. Um o usava para escrever o criptograma, outro, para traduzir o texto.

  • Balboa pôde fazê-lo sem código — ele observou. — Mas era um gênio em sua área, capaz de ler com os olhos vendados as grafias dos antigos escritos escandinavos. Já eu me sinto incapaz de ver certas coisas até mesmo sem nenhuma obstrução. Esse amontoado de letras é para deixar qualquer um louco.

  • Querido, o que lhe falta é perspectiva... — ela comentou, olhando para ele com ternura. — Você tem a solução do problema em sua própria casa. O que acontece é que você mesmo se cega, a ponto de não perceber o que está diante de seus olhos...

Ela não conseguiu evitar uma demonstração de criatividade. Mostrar suas aptidões em público saciava demais sua vaidade.

—Mas isso eu lhe contarei mais tarde. Agora preciso comprovar um detalhe.

Deu-se o direito de deixá-lo de lado, para ocupar seu lugar. Estava certa de que encontraria na rede das redes as armas de que necessita­va para lutar naquela singular cruzada. Não havia nada que não se pudesse encontrar na Internet.

Saiu do correio eletrônico para introduzir as palavras "juramen­to" e "Arquivo de Edimburgo", no site de busca Google. Segundos depois, havia várias opções de páginas eletrônicas na tela do compu­tador, todas contendo esses termos. Sem pensar duas vezes, Cláudia clicou em uma que falava de maçonaria operacional. Leonardo lem­brou, então, a máxima escrita pelo assassino no apartamento de Jor­ge. Nela, estava mencionada a palavra "loja". Esse era, precisamente, o nome que recebia a irmandade formada pelos maçons.

Cláudia começou a ler o texto, rapidamente. Com movimentos do mouse, baixava páginas à grande velocidade. Às vezes se detinha para dar uma olhada e, logo depois, voltava a subir até o princípio da relação.

—Sim, aqui está! — exclamou, sem conseguir esconder sua alegria ao encontrá-lo. Sabia que já havia lido isso em algum lugar!

Leonardo se aproximou do monitor de seu computador. Leu o que estava escrito na tela:

"É significativo o Juramento que aparece em um manuscrito conservado no Arquivo de Edimburgo, datado do ano de 1646: 'Juro por Deus e por São João, pelo Esquadro, pelo Compasso, submeter-me ao julgamento de todos, trabalhar à serviço de meu Mestre nesta venerável loja, de segunda-feira pela manhã ao sába­do, e guardar as chaves sob pena de que me seja arrancada a língua pelo queixo e de ser enterrado sob as ondas, onde nenhum homem possa saber'..."

—Isso foi o que fizeram com Jorge... — os lábios de Cláudia tremeram levemente ao falar. Cerrou os dentes e acrescentou, sussurrando: — Esses desgraçados cumprem ao pé da letra suas promessas de maneira implacável.

—Sim..., mas quem? — perguntou seu amigo, com os olhos esbugalhados.

—É evidente que foram os maçons!
Depois de duas horas de viagem, Lilith decidiu descansar em um pe­queno hotel que havia do outro lado da rodovia. Tomou a primeira saída, para seguir pela estrada auxiliar. Passou pelo posto de combus­tível e continuou adiante, até chegar ao estacionamento. Com delica­deza, o Corvette ocupou a vaga mais próxima da porta de entrada.

Ela apagou o cigarro no cinzeiro. Em seguida, enfiou no envelope as fotografias que havia observado pouco depois de sua conversa com Sholomo. Elas, aliás, estavam espalhadas sobre o assento do pas­sageiro, junto com os outros papéis onde havia as referências a res­peito de sua próxima vítima. Retirou a chave do contato e abriu a porta. Fora, o ar da noite suavizou seus pensamentos mais desespe­rados. Aspirou profundamente, levantando a gola de seu sobretudo, até cobrir parte de suas bochechas. Depois, a passos firmes, dirigiu-se à portaria do hotel que escolhera. A moça que a atendeu, na recep­ção, foi discreta e não olhou seu rosto por mais tempo do que o necessário. Assim que viu a hóspede cruzando a porta, logo lhe pareceu ser alguém imprevisível, com um gênio capaz de gerar certo prejuízo ao negócio, caso tivesse algum problema com os empregados. Talvez por isso, tratou-a com muita delicadeza e educação, antes de lhe en­tregar a chave do quarto. O adolescente postado junto ao balcão fez menção de agachar-se para pegar a bagagem, mas Lilith negou-se a entregar a ele a maleta que levava consigo, embora tenha dado uma boa gorjeta ao solícito camareiro.

Quando ficou sozinha no quarto, deixou o que carregava sobre a cama, para tirar, com mais facilidade, o sobretudo de couro. Depois, pegou seu telefone celular no bolso interior. Tinha de chamar a Agência.

A Agência era um sindicato criminoso que se espalhava por todo o planeta como um vírus pandémico em expansão. Sua sede ficava em um dos edifícios mais modernos de São Paulo, tendo como per­feita fachada uma empresa dedicada ao serviço de segurança empre­sarial e de guarda-costas, chamada Corpsson. Ninguém sabia quem estava por trás do Comitê de Direção, nem a maneira como eram recrutados os empregados e conquistados os clientes.

Os funcionários contatavam o escritório central por telefone e pela web e, da mesma maneira, recebiam informações sobre as víti­mas selecionadas e de quem requeria seus serviços. Foi assim que tomou conhecimento de certa irmandade de pedreiros — liderada por um arquiteto apaixonado por espeleologia —, que precisava com urgência calar a boca de um sujeito que descobrira um de seus maiores segredos.

Lilith não era, precisamente, uma dessas pessoas que cumprem regras de maneira displicente ou que tomam uma decisão sem ter refletido profundamente; muito ao contrário, era metódica, imper­turbável e precavida com as encomendas de seus clientes, respeitando sem vacilar os motivos que os levaram a desejar a morte de seus ini­migos. Não obstante, algo chamou imediatamente sua atenção: o fato de eles concederem tanta importância à queima de um simples manuscrito. Segundo o informe que lhe entregou o pessoal da Corpsson, a destruição do texto era prioritária. Aquilo despertou sua curiosidade e, por isso, da mesma forma que Pandora, decidiu abrir a caixa dos trovões e aguardar o resultado.

Mas tinha de agir com precaução. Dentro da Agência havia outra empresa paralela, dedicada a lavar as roupas sujas do pessoal e corri­gir seus erros. Se não andasse com cuidado, poderia acabar seus dias com um saco plástico na cabeça ou um tiro na nuca.

Tirou as luvas, antes de apertar os dígitos do celular. Imediata­mente, escutou o sinal de contato. Pouco depois, a voz feminina de uma secretária — com um claro sotaque anglo-saxônico — a sau­dou, em tom neutro.

— Corpsson, na linha. Em que posso ajudá-la?

Lilith lhe deu uma senha composta, alternadamente, de seis letras e quatro números. Passados alguns segundos de espera, a chamada foi encaminhada ao gabinete do diretor. Quando ele estava na escuta, falou com voz firme:

—Nenhum contratempo. Nos Alpes suíços brilha o sol. Continu­arei na Espanha por mais algumas semanas. Decidiram renovar meu contrato. Para ter mais informações a respeito, fale com Sholomo.

Apertou o botão vermelho, encerrando a ligação, e jogou o celular sobre a cama. Foi, então, até a varanda, de onde pôde ver as luzes dos automóveis passando velozes pela rodovia. Acendeu um cigarro e tragou com força. Então, começou a rir. Imaginou a cara que faria Sholomo se soubesse que ela só havia cumprido em parte sua pri­meira tarefa.


Capítulo 7
Havia descoberto o verdadeiro rosto do inimigo. Agora tra­tariam de conhecê-lo a fundo, para estar em igualdade de condições. A única coisa que podiam fazer para ampliar seus conhecimentos era escarafunchar os livros de esoterismo que havia na casa, ou talvez mergulhar nas páginas que os internautas com credibilidade colocavam na rede: Leonardo se dedicou a investi­gar por conta própria, na biblioteca do escritório, enquanto Cláudia optou por permanecer diante do monitor.

Souberam, então, que a origem da maçonaria ainda era bastan­te incerta. Havia quem afirmasse tratar-se de uma irmandade de pedreiros e oleiros, criada na alvorada da Idade Média, cujos inte­grantes se reuniam em guildas5 ou lojas, e que guardavam cuida­dosamente o segredo da arte da construção. Outros asseguravam que a maçonaria surgiu depois da dissolução da Ordem do Tem­plo6. E, os mais ousados, acreditavam que suas raízes remontavam a época do rei Salomão, ou mesmo antes. Mas o certo é que nin­guém sabia, com certeza, quando e sob que propósito havia surgido a loja maçônica.

Como já era tarde, eles decidiram adiar a investigação para outro momento. Cláudia tinha de se levantar cedo e a Leonardo ainda res­tavam muitas horas de estudo, antes de se recolher, se é que realmen­te quisesse deixar Mercedes satisfeita.

Com a mente embaçada pelo excesso de leitura, consumo de ci­garros e bebidas que tomaram ao longo da noite, eles se dirigiram ao vestíbulo, abraçados pela cintura, bem juntinhos. Depois de abrir a porta, Leonardo recordou as palavras de Cláudia quanto à transcrição do manuscrito e sua promessa de ajudá-lo.



  • Você vai me ensinar a decifrar o documento ou terei de pedir por favor?

  • Basta que você me beije — respondeu, docemente, com os braços ao redor do pescoço dele.

O bibliotecário não se fez de rogado. Suas mãos seguraram o queixo de sua amante ao mesmo tempo em que a beijava lentamente, como se fosse o primeiro dia de seu relacionamento. Lamentou, então, não ter aproveitado a ocasião para desfrutar com ela uma noite de amor desenfreado.

—Hummm..., creio que não seria má idéia... — Cláudia sorriu, atrevida. Portanto, eu lhe direi... — antes fez um muxoxo gracioso e acrescentou — ... a solução do criptograma você encontrará em Poe...6.

Ao perceber que ele não manifestava nenhuma reação, ela excla­mou, irritada:


  • Por Deus, Leo! No seja tão limitado! Por acaso, não leu O Esca­ravelho de Ouro?

Hummm... sim, mas há muitos anos, quando eu era pequeno... Mas a verdade é que eu não me recordo muito bem — reconheceu, apesar de ter a obra completa do escritor americano na biblioteca da sala de visitas.

—Está bem... Pois eu lhe recomendo que volte a ler o livro, será uma grande ajuda para você. Dentro de uma hora, consulte o correio eletrônico. Vou lhe enviar, de minha casa, um cálculo de frequências das letras mais usadas em castelhano. Você vai precisar dele.

—Isso é tudo? — perguntou Leonardo, com meio-sorriso. Continuava sem compreender nada.


  • Amanhã à tarde, virei vê-lo... Enquanto isso, não saia daqui. Eu lhe direi o que estiver acontecendo no trabalho.


  • 6 - Referência ao autor Edgar Allan Poe. (N.T.)

    Comporte-se bem. Não quero que Mercedes suspeite que lhe contei tudo.

  • Fique tranquilo — ela respondeu, séria. — Serei a primeira a perguntar o motivo de sua ausência.

  • Não exagere... — ele objetou.

Cláudia não era uma boa atriz e poderiam descobrir alguma coi­sa, se falasse demais.

  • Aja como o resto dos colegas e se esqueça de mim durante alguns dias.

  • Tudo bem, eu vou me manter à margem... — aproximou-se, para beijá-lo novamente com seus lábios saborosos. — Mas não vai conseguir que eu me esqueça de você.

Foi até o elevador. Apertou o botão de maneira automática, quase inconsciente. Enquanto esperava, voltou-se para observar Leonardo. Ele estava na porta, segurando as últimas palavras. Finalmente, aflo­raram em sua boca.

  • Tome cuidado — preveniu. — A partir deste momento você é uma peça a mais no jogo.

  • Eu sei — respondeu, no momento em que as portas do eleva­dor se abriam —..., mas agora é minha vez de movimentar a peça.

Acenou com a mão antes de ir embora, gesto que Leonardo lhe devolveu. Em seguida, ele entrou novamente no apartamento e foi direto à sala. Depois de procurar por algum tempo entre os volu­mes de literatura fantástica e de terror, encontrou o que procurava. Abriu sem perda de tempo e vasculhou nas páginas uma frase ou passagem que servisse de referência à sua investigação. Finalmente, encontrou o que buscava nas últimas folhas. O criptograma do ca­pitão Kidd lhe pareceu familiar. Lembrava muito o de Balboa, em­bora este fosse muito mais extenso e complicado, além de escrito Cm caligrafia gótica. Ele era muito preparado para a catalogação de livros, mas não tanto quando se tratava de compreender documen­tos medievais.

Voltou ao princípio. A narrativa de Poe atraiu tanto sua atenção a ponto de se sentir o próprio e anônimo protagonista da história. Cláudia, nesse caso, poderia passar por William Legrand, o especia­lista em criptografia. Havia um trecho em O Escaravelho de Ouro que o fez refletir:

"... considero muito duvidoso que uma inteligência humana seja capaz de criar um enigma desse tipo, que outra inteligência humana não consiga resolver caso se esforce adequadamente."

Tratava-se de um pensamento bastante lógico, do ponto de vista de Poe. Mas daí a compartilhar seu critério havia um grande abismo.

Quando terminou de ler o conto, havia aprendido tudo o que precisava para começar a transcrever o pergaminho de Toledo. Em teoria parecia fácil, embora levar isso à prática demandasse tempo. Tratava-se de trocar os diversos sinais por letras do alfabeto, com um índice maior de frequência: isso e um pouco de imaginação. Cláudia prometera que lhe mandaria um cálculo de porcentagens. Enquanto esperava o e-mail, decidiu dar uma olhada na frase que Jorge havia acrescentado à sua mensagem.

Postou-se, outra vez, diante do computador. Entrou no correio eletrônico para estudar o texto a fundo. Depois de alguns segundos de espera, leu novamente o comunicado enigmático:

"Nostradamus: Centúria I, Estrofe XXVII. Quem é capaz de vis­lumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"

Ele conhecia de passagem a vida e a obra de Michel de Nostrada­mus, célebre médico do século XVI, cujas profecias lhe valeram o reconhecimento de Catarina de Médicis e do rei Carlos IX.

Suas Centúrias continuavam assombrando o mundo, quatro séculos depois, sobretudo a partir do momento em que tentaramrelacionar certas estrofes de sua obra com o atentado de 11 de Setembro7. Vários escritores haviam analisado o conteúdo complexo de seus poemas e ninguém chegara a um acordo na hora de definir a data de suas previsões sobre o futuro próximo da humanidade.

Ele não tinha um exemplar das Centúrias em casa, embora dis­pusesse da ajuda que lhe prestava a web. Como Cláudia havia feito antes, Leonardo introduziu as palavras "Nostradamus" e "Centú­rias" na janela do site de busca. Em poucos minutos, ali estava, dian­te de seus olhos, a obra completa do escritor. Tinha, agora, de encontrar a estrofe XXVII. Baixou lentamente as páginas, até encon­trar o que procurava:


"Sob as correntes Guien do céu ferido,

não longe dali está o tesouro escondido,

que depois de estar preso durante longos séculos,

morrerá se encontrar o estímulo do olho saltado."
Leu a quadra várias vezes e, por mais que tentasse, era impossível adivinhar que sentido teria aquele conjunto de palavras. Tentou, en­tão, com a outra frase:

"Quem é capaz de vislumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"

Havia algo no texto que disparou seus sensores de advertên­cia, fazendo com que revivesse um momento já vivido. Estava certo de ter ouvido isso antes, mas não se recordava quando e por quê.

Ficou ali matutando, dando tratos à bola, até que olhou o relógio do computador. Era uma e vinte da madrugada. Uma hora se passara desde que Cláudia fora embora. Esperando ter mais sorte com o ma­nuscrito, abriu novamente o correio eletrônico. Ali estava o e-mail prometido por Cláudia. Abriu o documento anexo, em Word, para ver o que continha. Além de uma saudação carinhosa e de uma frase


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