Susan ronald


Resgatado e amaldiçoado como símbolo máximo de poder



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Resgatado e amaldiçoado como símbolo máximo de poder

Setembro de 1628-1645
APESAR DO ESTADO LAMENTÁVEL das finanças do rei, Carlos destinou 60 mil libras (8,7 milhões de dólares ou 5,5 milhões de libras, em valores de hoje) para um funeral de Estado para Buckingham em setembro. Considerando-se que o povo tinha sido impedido pelos homens do rei de acender fogueiras para festejar o assassinato de Buckingham, aquilo era uma insensatez. O assassino de Buckingham tornou-se um herói popular. O ânimo do público era sombrio, e no final o corpo de Buckingham precisou ser levado às escondidas para a Abadia de Westminster para um funeral rápido, por medo de um levante popular.

Mas isso era apenas o início do amaldiçoado declínio de Carlos. Os mercadores de Amsterdã estavam lutando para vender as jóias inglesas, e alegavam que a coleção empenhada tinha pelo menos duas jóias amaldiçoadas — o histórico diamante Sancy e o grande colar de Henrique VIII. Um mês mais tarde, os ingleses foram desbaratados em La Rochelle e milhares de huguenotes foram assassinados avista da frota inglesa. O rei sem vintém foi obrigado a pedir a paz, primeiramente aos franceses, depois aos espanhóis, e os tratados com ambos foram assinados em 1629 e 1630, respectivamente. Carlos estava privado de dinheiro e de poderio militar.

Alguns mercadores supersticiosos já estavam dizendo que a maldição do Sancy existia e que o uso da gema pelo rei como diamante de sangue iria acabar levando à sua derrocada final — exatamente como fizera com os duques borgonheses, Antônio de Crato e Nicolas Harlay de Sancy. Mas Carlos e Henriqueta Maria continuavam ignorando os perigos que o futuro reservava.















Com a nação em paz, Carlos foi obrigado a colocar as finanças em ordem. Quando empenhou as jóias da coroa em 1626, também foi forçado a vender grandes extensões de terra da coroa. Ele continuava de posse dos ducados da Cornualha e de Lancaster, mas grande parte das terras remanescentes ao norte e ao leste eram brejos (charcos). Fundamentalmente, se ele antes tirava seu dinheiro da terra, estava sendo agora obrigado a buscar formas mais criativas e inovadoras de gerar renda. O rei se concentrou no comércio como uma forma de reduzir seu déficit de 2 milhões de libras (290,9 milhões de dólares ou 181,8 milhões de libras, em valores de hoje).

Carlos embarcou em uma política grandiosa em sua busca pessoal por poder que, no final, teria bons resultados, assim como inesquecíveis efeitos devastadores. Cinco anos de guerra contra a Espanha, e em seguida contra a França, tinham criado uma situação terrível. Se Carlos não tivesse criado impostos sobre tonelagem naval, assim como o terrível Ship Money, um tipo de feudalismo fiscal imposto para defender os portos e ampliar a frota mercante, o governo teria deixado de funcionar.

Em 1629, o palácio real estava em um estado tão dilapidado que Henriqueta Maria alegadamente recebeu a duquesa francesa de Tremouille no escuro. Considerando-se a tendência de Henriqueta para o melodrama, este episódio não pode ser levado muito a sério, já que ela mais tarde chamou a atenção da duquesa para o fato de que "eles faziam as economias mais mesquinhas, mesmo em coisas que tinham o maior efeito".

Em 1629, Carlos nomeou como seu lorde tesoureiro o hábil lorde Weston, que começou a reduzir os gastos reais, ao mesmo tempo buscando novas formas de gerar renda. Weston, porém, estava sempre em desavença com a turbulenta Henriqueta Maria, cuja intransigente postura de monarca absoluta não permitia acordos. Se Carlos recusasse os conselhos de Weston, as jóias da coroa correriam o risco de ser vendidas no mercado aberto pelos prestamistas holandeses.

Weston concebeu todos os tipos de "projetos reais" em uma tentativa de atender às necessidades da coroa, incluindo a drenagem das charnecas; a produção de um "novo" sabão real; a extração de sal a partir da água do mar, a revitalização da mineração de cobre no ducado real da Cornualha; a produção de turfa a partir de campos de urze desocupados; ferro doce; cachimbos de barro e até mesmo papel branco para escrita. A maioria dos projetos terminou em escândalo, enchendo os bolsos dos mercadores aos quais foram concedidas as licenças, com o Conselho Privado revogando todas as comissões e licenças em 1639. Este evento angariou para Carlos alguns importantes inimigos, entre os quais o mais cruel era o evangelista puritano Oliver Cromwell, apelidado "o defensor dos pântanos".

Os impostos impopulares reverteram os fracassos comerciais e os crescentes gastos do palácio real, apesar do nascimento de diversos filhos reais. Em 1635, a situação fiscal restabelecida do rei, como demonstrada no "balanço" real.

Este pequeno déficit no finai de 1635 foi transformado em superávit na primavera seguinte. Em 1636, Carlos resgatou do penhor todas as jóias da coroa, que foram levadas de volta para Londres e guardadas na casa de jóias secreta da Torre de Londres por segurança — reacendendo a sua paixão, e a da nação, por eías. O Sancy foi recolocado na coroa da rainha Henriqueta Maria e seu suposto poder restaurado. A decisão de Carlos de resgatar as jóias da coroa claramente coloca sua importância acima da solvência monetária da coroa.

Em 1640, todas as dívidas jacobitas tinham sido quitadas e o erário apresentou um pequeno excedente pela primeira vez em mais de quarenta anos. Apesar desse milagre fiscal, as despesas reais continuaram a aumentar, em função das "exigências" particulares das crianças da realeza por palácios reais e servos, e da visão extravagante de Carlos de seu próprio poder absoluto. 

Carlos tinha imprudentemente empenhado as jóias da coroa, e agora precisava reverter a opinião de que era um rei falido. As gemas eram a essência da monarquia para os reis e as rainhas Tudor, bem como para Jaime, e permaneciam no coração da capacidade de governo de Carlos. Embora este não seja lembrado por ter comprado muitas jóias, e de fato tenha perdido muitas e vendido outras no início de seu reinado, a devolução das jóias da coroa à monarquia e sua recriação de uma forma mais moderna eram fundamentais para o que ele considerava seu poder pessoal.

Outra chave para o poder de Carlos era seu talento para colecionar arte. Apesar de seus primeiros sete anos empobrecidos como rei, Carlos iria se tornar um dos maiores patronos das artes a ocupar o trono inglês. A Renascença italiana havia muito se espalhara por toda a Europa, mas foi barrada no Canal da Mancha em função da Reforma de Henrique VIII. O apaixonado renascimento do interesse pelas antigüidades no reinado de Carlos deixaria sua pegada indelével na paisagem da Inglaterra. O renascentista inglês Inigo Jones criou grande parte da arquitetura clássica que ainda hoje sobrevive em Londres, como a Whitehall's Banqueting House, a Queen's House, Greenwich, o pórtico da Catedral de São Paulo e a piazza em Covent Garden, para citar apenas algumas.

Com o apoio da coroa, a escultura, a pintura e o teatro também floresceram na paisagem cultural inglesa. Pintores de renome internacional eram levados à Inglaterra para trabalhar. Peter Paul Rubens foi contratado para decorar o teto do palácio real da Whitehall's Banqueting House com telas glorificando Jaime I. Anthony van Dyck, pupilo de Rubens, imortalizou a família real em uma série de retratos idealizados.

Mas o patronato do rei não era inteiramente filantrópico. Ele refletia em tela, no palco, através de jóias e em pedra, a visão egocêntrica que Carlos tinha de seu poder. O patronato artístico de Carlos, somado à ampliada grandeza que ele iria devolver à corte durante aqueles anos, tornaram-se os símbolos de seu poder. Ele simplesmente queria ter a corte mais grandiosa da Europa.

Carlos abriu o caminho para o que iria se tornar capital de poder de todos os reis. Todas as suas preferências e seu conhecimento seriam refletidos em todos os aposentos de cada palácio, com pinturas, antigüidades, esculturas, miniaturas e todos os tipos de obras-primas. Jóias adornavam o rei e a rainha, e todas as vestes da rainha tinham jóias preciosas bordadas como decoração. Todos os que ansiavam pelo poder precisavam imitá-lo.

Foi exatamente isso o que a aristocracia fez. Eles revitalizaram as cidades, propriedades, casas, teatros, a pintura e a escultura inglesas, e literalmente mudaram para sempre a aparência do país. Também encomendaram obras de arte e jóias fabulosas e apoiaram financeiramente artistas, poetas, memorialistas e dramaturgos. Os teatros populares Globe e Rose, que superlotavam com o interesse popular pelas peças de Shakespeare e Marlowe sob Elizabeth I, eram agora reproduzidos nas principais metrópoles e cidades fora da capital. A grande casa de campo inglesa, o mais magnífico acréscimo à paisagem, floresceu. Seus traços neoclássicos eliminaram os pesados (mas hoje vistos como "de conto de fadas") telhados medievais elisabetanos salpicados de chaminés e parapeitos, em benefício da precisão matemática e da ordem deliberadamente contida, tanto no interior quanto no exterior. Não era por acaso que a arquitetura adotada pela época refletia a obsessão do rei por ordem.

Mas esse paraíso no qual Carlos vivia com sua família estava prestes a desmoronar. Como tinha acontecido com seus antecessores, a Igreja estava no cerne de seus problemas. Carlos decidiu dar o que para ele parecia apenas outro passo na consolidação de sua base de poder decretando que o livro de orações da Igreja anglicana (ou como Henriqueta Maria o chamava, "aquele livro fatal") era o único livro de orações da kirk (igreja) escocesa.

Na kirk, ponto central de toda atividade não apenas religiosa, mas também social, as notícias eram lidas em voz alta para uma congregação em grande parte analfabeta, e eram trocados comentários. Era a cafeteria da Escócia do século XVII. Por ter atingido o cerne fundamental da vida calvinista ali, Carlos provocou uma revolta aberta dos escoceses em julho de 1637. Seu decreto foi condenado por uma fúria calvinista de fogo e enxofre, com centenas de milhares de escoceses acabando por assinar a festejada Convenção Nacional, alguns deles com seu próprio sangue.

Confrontado com o primeiro desafio sério à sua autoridade, Carlos se preparou para a guerra no verão de 1638. Henriqueta Maria atiçou o caldeirão fervente religioso pedindo a seus senhores católicos que contribuíssem com dinheiro para sustentar o exército do rei, incitando uma. campanha de relações públicas contra Carlos com sua conspiração "papista" contra os escoceses. O catolicismo de Henriqueta Maria, que sempre fora mal tolerado, transformou-se em uma ferida aberta. Foi acercada uma, trégua quando os exércitos finalmente se viram cara a cara na fronteira escocesa.

Contudo, em ura mês os escoceses fizeram novas exigências, e Carlos sabia que precisaria convocar o Parlamento para levantar dinheiro e acabar com a rebelião dos Convencionais. O rei ainda não havia compreendido que a aposta feita por Henrique VIII de criar uma aura de poder invencível em torno da coroa tinha fracassado, e que naquele momento, de acordo com lorde Weston, "aquele que tivesse mais dinheiro para comprar o melhor exército" sairia vitorioso,

Carlos fez um conciso pedido de dinheiro de trinta segundos no Parlmento. O Parlamento, Siderado por John Pyra, um homem de fabulosa inteligência e tenacidade, possuidor de um conhecimento sem paralelo dos inescrutáveis procedimentos parlamentares, fez do rei o que quis. Não importaram as tentativas de Carlos, o Parlamento de Pym continuou intratável. Então Carlos o dissolveu.

A animosidade pública contra o rei tumultuou a Irlanda, em um complô fantasma supostamente liderado pelo amigo íntimo do rei, o conde de Strafford. Embora naquele estágio uma "ameaça" irlandesa fosse uma ilusão, os escoceses estavam novamente acampados na fronteira inglesa, e Carlos não tinha dinheiro para combatê-los. Relutantemente, ele convocou seu último Parlamento em novembro de 1640.

Então a caça às bruxas finalmente começou. O Parlamento percebeu seu poder e imediatamente emitiu uma ordem de prisão contra o amigo de Carlos, Strafford, pelo complô com os irlandeses, e ele foi mandado para a Torre de Londres. O arcebispo Laud, que estava por trás do fracasso do livro de orações, também foi detido na Torre. Em dezembro de 1640, a rainha foi informada de que deveria dispensar os católicos ingleses a seu serviço. Em meio a todo esse furor, morreu a filha de três anos de idade do casal real, a princesa Ana.

Henriqueta Maria se voltou para a Europa católica em busca de ajuda, mas seria a Holanda protestante que ofereceria uma solução. Frederico Henrique, príncipe de Orange, desejava casar seu filho príncipe Guilherme com a filha mais velha de Carlos e Henriqueta Maria, a princesa Maria, de nove anos de idade. Isso daria uma desesperada injeção de recursos nos cofres reais. O casamento aconteceu no dia 2 de maio de 1641, em uma cerimônia familiar muito discreta na capela do palácio de Whitehall.

Uma semana mais tarde, a histeria tomou conta de Londres com boatos assustadores sobre uma aliança francesa, um exército espanhol invasor e até mesmo sobre os irlandeses estarem se movimentando. Foi emitido um decreto de proscrição e confisco — uma lei obscura pela qual o Parlamento podia condenar uma pessoa acusada de traição — para a execução de Strafford, mas ela necessitava da assinatura de Carlos. Multidões se reuniram do lado de fora da corte, exigindo sangue. Após hesitar durante 48 horas, Carlos traiu seu maior aliado e assinou a sentença de morte do amigo.

Em junho, o Parlamento voltou suas armas poderosas contra a rainha Henriqueta Maria. Seu papel em incitar seus amigos católicos a salvar Strafford da execução e seu plano de reservar o porto de Portsmouth para uma fuga real para a França tinham sido relatados ao Parlamento. Henriqueta Maria, temendo ser apanhada por uma malta, quis acompanhar sua filha até a Holanda. O Parlamento descobriu a intenção de Henriqueta Maria de levar consigo todas as suas jóias e pratarias, e Pym pediu com urgência ao rei que a fizesse mudar de idéia, afirmando que "faria todos os esforços para garantir sua segurança". O rei já tinha usado as jóias da coroa anteriormente para levantar dinheiro e mover uma guerra, e Pym não iria correr o risco.

Dois meses depois, Henriqueta Maria escreveu para sua irmã Cristina, rainha de Nápoles: "Do auge da felicidade eu mergulhei em desespero; (...) imagine o que sinto ao ver o poder do rei ser tomado dele, os católicos perseguidos, os sacerdotes enforcados, as pessoas fiéis a nós expulsas e perseguidas até a morte, por terem servido ao rei. Quanto a mim, sou mantida como prisioneira (...) sem ninguém no mundo a quem possa confiar meus problemas."

Mas a descida real ao inferno ainda não estava concluída. Henriqueta Maria escreveu para todos os seus partidários católicos pedindo ajuda, mas quando a Irlanda entrou em rebelião aberta em novembro de 1641, assassinando e afogando protestantes brutalmente, o Parlamento deduziu que as súplicas da rainha eram a causa da "carnificina irlandesa". A rebelião irlandesa deu a Pym e seus partidários a desculpa de que necessitavam para iniciar sua campanha seguinte contra o rei, que havia recentemente proclamado a paz com os escoceses.

Pym forçou Carlos a assinar o documento sem precedentes chamado Grand Remonstrance, que era uma litania completa de todas as queixas do Parlamento contra a coroa. Ele decretava que no futuro o rei só poderia empregar os serviços de conselheiros aprovados pelo Parlamento. Esse era um ataque direto a Henriqueta Maria, que, sendo a conselheira de maior confiança de Carlos, não compreendia que o Parlamento, os escoceses ou os puritanos pudessem ter um ponto de vista válido. Para Henriqueta Maria, a situação não podia ser mais simples: quem se colocasse contra a autoridade do rei era um patife e um traidor. Carlos, com medo de que o Parlamento tentasse seqüestrar a família real, tentou prender Pym, mas, nas palavras de Carlos, "os pássaros tinham fugido do ninho". Temendo pela vida de sua família, ele rapidamente a transferiu para a segurança de Hampton Court, dessa forma entregando o controle da capital, e da coroa, para o Parlamento. Naquela noite, Carlos e Henriqueta dormiram com sua família todos na mesma cama, onde concordaram que Henriqueta Maria precisava urgentemente buscar ajuda no continente.

Henriqueta Maria rapidamente seduziu o enviado especial do príncipe de Orange a fazer um pedido especial para que a princesa Maria se juntasse a ele na Holanda, acompanhada pela rainha, Carlos, claro, concordou. Dessa vez Pym não fez nenhuma objeção, acreditando que Carlos seria mais maleável sem a esposa resoluta ao seu lado. Mas o Parlamento ignorava que Henriqueta Maria iria desempenhar um papel crucial no financiamento da guerra que fermentava. Enquanto a família real se encaminhava de Londres para Greenwich para embarcar, a rainha e sua entourage pararam por alguns dias no palácio de Greenwich. No caminho para lá, a rainha se dirigiu à casa de jóias secreta da Torre, onde ela coletou todas as suas jóias pessoais, bem como as do rei. Mais tarde foi dito ao Parlamento pelos guardas da Torre que ela também "escapou" com o Sancy, o Espelho de Portugal e vários colares de ouro incrustados de gemas, incluindo um conjunto com pérolas e rubis que pertencera a Henrique VIII. Ela disse ao embaixador veneziano, que tinha ido prestar-lhe uma visita de despedida, que "para ajeitar as coisas primeiramente é necessário desajeitá-las" — uma referência clara a seu objetivo e à planejada resistência militar ao Parlamento através do penhor ou da venda das jóias da coroa.

Quando a rainha embarcou em Greenwich, Carlos e ela se abraçaram, choraram e se mantiveram agarrados até Carlos finalmente se afastar. Sua intrépida rainha levava com ela as esperanças do seu rei e da causa monarquista — esperanças baseadas em formar um exército estrangeiro para invadir a Inglaterra.

A rainha e o rei concordaram em escrever um ao outro em código enquanto estivessem separados, e ela alertou-o para "tomar cuidado, eu peço a você para não colocar nada que não seja em meu código. Eu mais uma vez o alerto para tomar cuidado com seu bolso e não deixar que seu código seja roubado". Durante sua separação, as cartas dela constantemente estimularam Carlos à ação, dando a ele dinheiro e soluções militares, tentando inspirá-lo com mais determinação para a luta à frente.

Foi nesse quadro que Henriqueta Maria iniciou sua cruzada para levantar dinheiro empenhando as suas próprias jóias, as de seu marido e as da coroa. Enquanto o primeiro penhor das jóias da coroa fora conveniente, dessa vez era uma questão de absoluta sobrevivência para a coroa. Em maio de 1642, o príncipe de Orange levou Henriqueta até os judeus de Amsterdã para tomar dinheiro emprestado contra a garantia das jóias. Nesta época chegou à Holanda o boato — provavelmente espalhado pelo Parlamento inglês — de que a rainha tinha levado todas as suas jóias e as da coroa contra a vontade do rei, e poucos mercadores estavam prontos a emprestar dinheiro a ela antes de receberem uma procuração assinada por Carlos.

A maioria dos mercadores não acreditava que ela tinha autoridade para dispor dos objetos mais pessoais do casal real, como os botões de pérola do rei. Mas quando a procuração chegou, eles ficaram muito felizes de comprá-los imediatamente. Ela escreveu para Carlos: "Você não pode imaginar como eram belos os botões quando foram tirados do ouro e presos a uma corrente. (...) Eu garanto a você que abri mão deles com dor. Ninguém queria empenhá-los, apenas comprá-los. Você pode imaginar que agora que eles sabem que precisamos de dinheiro, irão pular em nosso pescoço! Eu só consegui metade do que eles valem."

Em junho, Henriqueta Maria conseguiu enviar ao rei suas primeiras armas européias financiadas com as gemas de sangue: seis canhões, cem barris de pólvora e duzentas pistolas e rifles, no momento preciso em que tinha fracassado a tentativa do rei de manter o paiol na cidade de Hull, no norte da Inglaterra. Um mês mais tarde ela levantou 30 mil florins do príncipe de Orange, mil selas, quinhentos rifles, duzentos mosquetes e dez carregamentos de pólvora. Mas os bloqueios parlamentares erguiam-se, e muitos dos carregamentos de armas enviados para a Inglaterra foram capturados ou afundados.

Henriqueta Maria continuou a lutar, escrevendo para Carlos que "não há nada no mundo, nenhum problema, que me impeça de servir a você e amá-lo mais do que tudo no mundo. (...) A justiça sofre conosco. Sempre cuide para que ela esteja do nosso lado; ela é um bom exército".

Mas, não importa o quanto ela insistisse, ninguém tocava no grande colar de Henrique VIII, nos espelhos de Portugal e Nápoles, e especialmente no Sancy. A própria Henriqueta Maria se convenceu de que havia uma maldição neles. Em fevereiro de 1643, ela levantou todo o dinheiro que pôde na Holanda com a venda das jóias — exceto as "amaldiçoadas" — e decidiu partir para se reencontrar com o marido em sua nova capital real e fortaleza em Oxford.

O Parlamento tentou impedir Henriqueta Maria de chegar à Inglaterra, e a rainha foi atacada por forças parlamentaristas no Canal. Ela escapou à frente de seu próprio exército mercenário pequeno, mas determinado, e marchou para se juntar a Carlos em Oxford. Quando o Parlamento tomou conhecimento de que o rei e a rainha estavam juntos, Pym desistiu de qualquer paz negociada, já que "ela pode, com sua influência, produzir danos consideráveis no adequado encaminhamento das questões".

A provação de Henriqueta Maria em apoio a seu marido já durava 15 meses. Sua corte na nova capital, Oxford, prejudicou inteiramente a vida universitária. Acadêmicos foram forçados a abandonar seus estudos, e muitos foram alistados no exército. Comida foi estocada nas faculdades de Direito e Lógica, o Magdalen College se tornou depósito de armas e o New College um paiol. Uniformes militares eram costurados por alfaiates nas Faculdades de Música e Astronomia, e a nova casa da moeda estava produzindo numerário real no New Inn Hall. Todas as outras faculdades foram confiscadas como acomodações para os lordes e damas da corte e funcionários, comandantes militares, servos reais e acólitos.

O retorno da rainha foi o início de um ano de uma retomada simulada da vida da corte, incluindo bailes, jogos de tênis e jantares dançantes, com Carlos liderando eventuais incursões contra as tropas do Parlamento sob o comando leviano de seu sobrinho, o príncipe Rupert. Enquanto isso, nos bastidores, Henriqueta Maria mandou para casa uma mensagem por carta para a nova força encarregada da França — o cardeal jules Mazarin, primeiro-ministro e padrinho do rei Luís XIV, de cinco anos de idade, que também era sobrinho de Henriqueta Maria. Tanto o cardeal Richelieu quanto sua inimiga mortal de toda a vida, Maria de Médici, tinham morrido em 1642, e o cardeal regente, italiano de nascimento e sedento de poder, tinha todas as intenções de construir para seu rei-menino uma França ainda maior e mais poderosa do que Richelieu havia feito para Luís XIII. Mazarin se considerava, e de fato tornou-se, a pessoa mais poderosa da época. Sua cobiça era lendária, e com seu poder e sua ambição vinha a necessidade imperativa de adquirir diamantes.

Fica claro, desde as primeiras solicitações de Henriqueta Maria a Mazarin, a partir de Oxford, que o plano de possuir o Sancy (bem como as outras gemas vendidas na Holanda) desenvolvia-se na cabeça de Mazarin. Esses planos, contudo, foram deixados em banho-maria enquanto ele consolidava sua posição política. Mazarin raciocinava que, enquanto os parlamentaristas controlassem a marinha e Londres, que eram os centros nervosos de poder e comércio no país, a França iria se alinhar com o Parlamento.

Em dezembro de 1644, Henriqueta Maria soube que estava novamente grávida e já não poderia desempenhar um papel tão ativo como conselheira até que seu filho nascesse. Sua disposição se tornou fóbica, temendo um ataque das "ralés", e ela queria fugir de Oxford quando Carlos partia para batalhas no norte. A rainha ainda estava de posse das jóias "amaldiçoadas", incluindo, claro, o Sancy, e se obsedava com suas várias maldições, preocupando-se excessivamente com sua própria saúde e com a de seu filho no ventre.

No dia 17 de abril de 1645 ela finalmente deixou Oxford e partiu rumo sul "para a segurança na França". Mas a rainha foi forçada a parar em Exeter quando caiu doente. O Parlamento concordou em permitir que ela fosse examinada por seu médico de Londres. Ele não podia correr o risco de permitir um aumento na simpatia pública pela rainha caso ela morresse ou perdesse o bebê em função de sua insensibilidade. Ainda assim, o Parlamento e Mazarin esperavam que ela morresse: a rainha inglesa representava o maior perigo político para os dois países. Ela tinha fortalecido o desejo de Carlos de poder absoluto. Se ela escapasse para a França, onde Mazarin seria forçado a conceder-lhe asilo, iria causar estragos na aristocracia em defesa de seu marido.

A filha de Henriqueta Maria nasceu em 16 de junho, mas a saúde da rainha piorou, com Henriqueta Maria se queixando de "uma paralisia nas pernas e uma constrição ao redor do coração". Em retorno aos pedidos de ajuda de seu médico, o Parlamento deu a resposta ameaçadora de que "os ares de Londres farão bem a Sua Majestade" (implicitamente sugerindo uma temporada na infame Torre da cidade), fazendo Henriqueta voltar à sua fobia de ser "aprisionada em um cerco". Dois dias mais tarde — com ou sem paralisia —, ela partiu para o porto de Falmouth, na Cornualha, com o que restava de suas jóias e prataria. Lá, no dia 9 de julho, ela escreveu seu adeus final a Carlos: "Estou dando a você a maior prova de amor que consigo: estou prejudicando minha vida para não prejudicar seus negócios. Adieu, meu amor. Se eu morrer, acredite que você está perdendo uma pessoa que nunca foi nada além de inteiramente sua."

Henriqueta Maria zarpou com a frota flamenga, e apesar de ter sido alvejada por "cem tiros de canhão", apenas um disparo acertou. Foi dito ao Parlamento que ela não "recebeu outra cortesia da Inglaterra a não ser balas de canhão para encaminhá-la à França". Henriqueta Maria, rainha da Inglaterra, chegou à costa da Bretanha escalando pedras em um rochedo escarpado, lembrando mais uma heroína romântica varrida pelo vento que um membro da realeza da época.

O pior pesadelo do cardeal Mazarin estava prestes a começar, mas, como um rematado conspirador, ele estava preparado para esse momento.


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