Susan ronald



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1389-1409
O primeiro proprietário europeu do sancy, o ardiloso e nada confiável Gian Galeazzo di Visconti, era um déspota esclarecido. Sua oligarquia de Milão baseava-se no comércio, como as de Florença e Veneza. A Milão de Valentina estava chegando ao auge de sua Renascença, quando as guildas de artesãos foram mais poderosas do que em qualquer outro momento da his­tória. No verão, os banqueiros se sentavam a mesas cobertas de toalhas ver­des nas piazzas banhadas de sol para mostrar que estavam abertos a negócios. Barracas com toldos coloridos protegiam peixeiros, padeiros e comerciantes de frutas e legumes do calor abrasador, enquanto animais de fazenda e pes­soas de todas as classes se misturavam nos becos. Os odores freqüentemente desagradáveis flutuavam no ar do verão, escapando apenas por uma passa­gem estreita ocupada por mercadores de plumas, seda, tapeçarias e jóias — a Rodeo Drive da época.

Se o mercador veneziano que carregava o Sancy trilhou esses caminhos nós nunca saberemos, mas ele certamente vendeu o diamante para o trai­çoeiro pai de Valentina. O brasão da família Visconti, com uma cobra abrin­do a boca para devorar uma criança, conta bem a sua história, acredito eu. A partir do século XIII — descontando breves períodos de exílio —, os Visconti foram duques de Milão e governantes absolutos. A partir da sucessão de Gian Gaieazzo di Visconti em 1378, a família ampliou o seu poder: entre 1378 e 1395 o duque tomou Siena e Bolonha pela força, Pisa por aquisição direta.

Gian Gaieazzo tinha, acima de tudo, uma bela mente política, além de um pendor para a intriga, e ele tramou incessantemente para esmagar Florença, felizmente sem sucesso. Seu reinado foi marcado por conflitos san­grentos e, paradoxalmente, pelos altos ideais e beleza da Itália renascentista. Sua esposa Isabelle, filha do rei francês João, o Bom, e irmã de Carlos V, foi efetivamente comprada por 600 mil florins milaneses (291,1 milhões de dó­lares ou 181,9 milhões de libras em valores de hoje) para resgatar o rei fran­cês das garras dos ingleses. Os próprios franceses não tinham dinheiro disponível para libertar seu rei, então, quando o pai de Gian se ofereceu para ajudar em troca do casamento entre o rico ducado milanês e a empobrecida coroa francesa, a corte francesa aproveitou a oportunidade. O fato de o povo de Milão ter sido violentamente taxado para pagar por isso não tinha impor­tância para o pai de Gian Gaieazzo.

Valentina era sua segunda herdeira, nascida em 1370 no castelo de Pavia, Dois anos depois, porém, sua mãe morreu no parto. Embora Valentina nun­ca fosse governar Milão, ela era um grande prêmio de casamento para qual­quer príncipe. Era considerada de grande beleza, inteligente e, segundo todos os relatos, uma musicista de talento, como se pode deduzir das harpas dou­radas que ela depois levaria consigo da corte milanesa para a França. Ela fala­va italiano, francês e alemão, e tinha agudo interesse nos assuntos da corte. Milão já era um importante centro comercial que atraía muitos estrangeiros, particularmente soldados de língua alemã a soldo de seu pai onipotente. Como a corte de Veneza, a de Milão era rica, e Valentina era uma de suas maiores beneficiárias, com uma coleção de jóias inacreditável.

Os palácios do ducado eram distintos de quaisquer outros no mundo medieval. Enquanto a maioria dos castelos era construída como fortalezas de modo a conter invasores, os castelos em que Valentina cresceu eram cheios de luz, esplendor, arte e idéias. A vida era pontuada por diversão suntuosa, com malabaristas, poetas, músicos, artistas e festas magníficas. O castelo de Pavia era cercado por um enorme parque e várias aldeias em que a caça, o tiro e a equitação eram norma. Era um mundo de conto de fadas, um oásis repleto de cisnes, faisões, avestruzes, pavões e javalis. Havia mobiliário fino, tapeçarias, banheiros de mármore branco — e, claro, jóias.

Mas uma tempestade se avizinhava. Gian Gaieazzo era extremamente invejoso de seu tio Bernabo, e já tinha arrebatado o ducado dele pela força. De modo a consolidar sua esfera de influência, porém, ele precisava de alia­dos poderosos, e a melhor forma de garantir sua fidelidade era por intermé­dio do casamento. Assim, Valentina foi colocada no mercado de noivados.

Embora inicialmente tivesse sido procurado um príncipe alemão, Gian Gaieazzo se decidiu pelo irmão de Carlos VI, Luís, duque de Touraine (mais tarde duque de Orleans). Luís tinha 13 anos de idade, Valentina, 15. No dia 26 de agosto de 1386, os termos foram acertados, com Luís assinando o con­trato de casamento no dia 27 de janeiro de 1387, e Gian Gaieazzo o ratifican­do em 8 de abril. O casal foi unido oficialmente no mesmo dia, por procuração, no palácio da mãe de Gian, Blanche de Sabóia, na Lombardia.

Afora o pagamento de 450 mil florins, dois terços dos quais no dia 9 de abril de 1387, os tesouros pessoais de Valentina precisavam ser inventariados, embalados e preparados para a viagem para seu novo lar. Entre seus bens pessoais, além de suas roupas de veludo e seda e de vestidos adornados de pedras preciosas, havia baixelas de ouro e prata e um tesouro repleto de jóias de marfim, jaspe, madrepérola, âmbar, coral, cristal, diamantes, rubis, péro­las, safiras, broches de esmalte e camafeus. No conjunto, ela tinha mais de 150 jóias de diamante, 28 peças de esmeralda e 310 de safira, 425 rubis em diferentes conjuntos e 7 mil pérolas. Era um enorme inventário a compilar. Foi apenas no verão de 1389 que ela chegou a Paris e finalmente ficou cara a cara com seu marido, por quem, segundo relatos, teria se apaixonado à pri­meira vista.

Mas por que houve tal atraso no encontro dos dois? A resposta não-oficial é simples: Gian Gaieazzo tinha levado um tempo considerável para arre­cadar o dinheiro para o dote da filha por intermédio de impostos. A desculpa oficial aos franceses foi a de que as províncias do noroeste da Itália e as regiões da França pelas quais Valentina teria de passar estavam repletas de saqueadores e mercenários em busca de pilhagem. Como Valentina estaria levando dois terços de seu enorme dote em dinheiro e todos os seus tesouros e jóias pes­soais, garantir sua segurança era de suprema importância. Ela seria um alvo tentador e sua vida não podia ser assegurada — nem mesmo com o conside­rável exército de seu pai para protegê-la.

Sua viagem no verão de 1389 foi como uma expedição real, realizada com enorme pompa e circunstância. Precisavam ser feitas homenagens quando ela passava por diversas províncias governadas por outros pequenos autocratas; embaixadores precisavam ser recepcionados e festas suntuosas organiza­das. Qualquer um que era alguém queria ter um vislumbre da jovem beleza e suas riquezas, e eles freqüentemente faziam dívidas com agiotas judeus para comprar mantos ou vestidos, ou mesmo para alugar jóias e ter o prazer de sua companhia, mesmo que por um momento efêmero.

As primeiras festas da viagem aconteceram ainda em Milão. Os venezianos enviaram seus embaixadores, que receberam, cada um, de acordo com um decreto de 7 de junho de 1389, 50 ducados (7 mil dólares ou 4,4 mil libras, em valores de hoje) para encomendar roupas de seda, bem como 150 ducados (21 mil dólares ou 13,1 mil libras em valores de hoje) para presentes e gorjetas. Esses valores foram considerados pelos doges "suficientes", significando mesquinhos, de acordo com os padrões venezianos normais.

A França na qual Valentina se casou não era o país que conhecemos hoje. Ela tinha sido devastada por gerações de guerras bárbaras entre seus peque­nos feudos, e mais especialmente contra os ingleses, que tinham reivindica­do o próprio trono da França. A França era uma terra rude, com um povo inculto e acostumado a modos vulgares. Pouco maior do que a região da Île de Paris que cerca Paris e o Loire, a França era dominada por seus poderosos Estados vassalos, cujos duques integravam, todos, a linhagem de príncipes de Valois. Estes duques rivais eventualmente lançariam a França em uma guerra civil com a ajuda involuntária de Valentina e do Sancy.

O tio mais traiçoeiro, Felipe, o Audaz, tinha recebido a Borgonha e Franche-Comté com a morte de seu pai, Carlos V Os três irmãos mais ve­lhos de Felipe, os duques de Berry, Armagnac e Anjou, eram os regentes de Carlos VT, e saquearam a França conforme seus próprios objetivos.

Embora Felipe parecesse contente com seu status inferior, já que sua pri­meira prioridade era unir seus dois ducados e expandir seus territórios para Flandres, seu poder e cobiça eram inicialmente imperceptíveis. Como es­creveu o autor contemporâneo Bonet: "Quando eu era jovem, você era cha­mado de Felipe Sem Terra: agora Deus generosamente outorgou a você um grande nome, e o colocou ao lado dos maiores da Terra." Na época em que Felipe desposou Marguerite de Flandres, herdeira das ricas províncias que incluíam a agitada capital comercial de Bruges, no norte, e a cidade próxima Antuérpia, ele tinha se tornado uma força poderosa a enfrentar. O fato de ele ter permitido que seus irmãos se ocupassem com os negócios de Estado da França não significava que ele iria permitir que eles o apagassem do cenário político ou econômico.

Os duques de Berry e Anjou sem dúvida estavam malbaratando as ri­quezas e os recursos da França para seu lucro pessoal. Quando o rei Carlos VI herdou a coroa em 1380, aos 12 anos de idade, seus tios despóticos, os duques de Berry e Anjou, governaram não apenas seus próprios territórios mas também a França, como regentes de Carlos. Chamados pela história de "os velhos", eles adoravam extravagâncias palacianas e gastaram vastas somas em diversão para a corte, jóias e prataria. Dada a extrema pobreza fora da corte — a França tinha estado em guerra com a Inglaterra por décadas no que passou a ser conhecido como a Guerra dos Cem Anos —, sua cobiça só poderia levar a mais banhos de sangue. A população tinha sido pesadamente sacrificada em vidas e recursos, e o governo insensível dos duques inevita­velmente levou a uma série de revoltas em Paris contra os impostos, conhe­cidas como les maillotins. "Os velhos" eram odiados pelo homem comum, adorados por seus camaradas por seus gastos pródigos e roubavam da coroa francesa.

Então, com rapidez alarmante, a situação mudou. O rei Carlos afastou seus tios regentes em uma cerimônia pública em Reims em 1390. Felipe, o Audaz, apaziguou seus irmãos mais velhos dizendo: "Irmãos, nós precisa­mos suportar a situação. O rei é jovem (...) chegará o tempo em que aqueles que o aconselharão irão lamentar."

Este golpe surpreendente tinha sido arquitetado pelo irmão de Carlos e marido de Valentina, Luís, pouco antes elevado ao título de duque de Orleans. O adolescente Luís assumiu as cerimônias da corte e organizou as festivida­des e a pompa de todos os assuntos externos, deixando a seus lacaios o traba­lho aborrecido de cuidar dos livros, arrecadar impostos e administrar. Seu tio, o duque de Anjou, tinha morrido, e o duque de Armagnac estava agitado em seus domínios. O duque de Berry fugiu para suas próprias terras em Languedoc. Isso deixou Felipe só para confrontar Luís no Conselho de Estado.

Tudo piorou quando Carlos VI começou a sofrer surtos intermitentes de loucura, sendo que o primeiro episódio foi percebido em 1392. Na época, Luís já tivera vários anos para provar do poder e da cobiça, e, graças a seu casamento com Valentina, sentiu a excitação da expansão territorial quando Asti passou para seu comando como parte do dote dela. Durante seu primei­ro período de loucura Carlos VI tinha, febril e sentimentalmente, outorgado vastos territórios e riquezas a Luís, que agora tinha seus próprios desígnios para o ducado de Milão, Ardenas e Luxemburgo. O tio de Luís, Felipe da Borgonha, sentiu que seu sobrinho estava indo longe demais, já que Ardenas e Luxemburgo faziam fronteira com suas próprias províncias.

Todavia, foi acertada uma trégua desconfortável entre tio e sobrinho, com ambos se voltando para seus próprios negócios e consolidando seus próprios domínios até a morte de Felipe em 1404. No último testamento de Felipe, ele deixou metade de todos os seus bens terrenos para sua amada esposa Marguerite, e a outra metade para o filho, João. Embora Felipe estivesse pobre em dinheiro vivo, devendo centenas de milhares de livres, ele ainda assim transferiu para esposa e filho uma fabulosa biblioteca ilustrada, tapeçarias, pinturas e jóias além da imaginação. A mais preciosa dessas jóias, La Belle Balais de Flandres (O Belo Rubi-balache de Flandres), estava na família do duque de Flandres desde "tempos antigos", de acordo com o testamento. Em­bora a gema tivesse chegado a Felipe por intermédio de sua esposa, ele a dei­xou para João, o novo duque de Borgonha e Flandres, determinando que permaneceria perpetuamente com os duques de Flandres. Todas as suas ou­tras jóias, objetos de valor e prataria seriam divididos igualmente entre sua esposa e seu filho, cada um deles assumindo a responsabilidade por metade de suas dívidas.

O novo duque ficou conhecido como João Sem Medo, duque de Borgonha e Flandres, que introduziu uma nova era de antagonismo com a França, e mais particularmente com o marido de Valentina, Luís, duque de Orleans. As hostilidades iriam resultar em uma rivalidade familiar e em perda de vidas que culminariam em uma sangrenta guerra civil. E o Sancy iria se tornar um dos reféns.


3

A Vingança de Valentina



1407-1419
O Sancy se tornou o principal instrumento na luta familiar e o símbolo do poder desejado pelo novo duque da Borgonha, João Sem Medo. João era um homem feio, deselegante e vulgar, dotado do queixo proeminente de seu pai -— uma característica que se tornaria marca registrada dos príncipes Habsburgo. Ele tinha uma mente ágil e uma habilidade inata para extrair pra­zer em inspirar terror nos outros. Ele normalmente não tinha qualquer pro­blema com sua aparência ou vestuário. Mas quando queria causar impacto, limpava a sujeira de sob as unhas das mãos; talvez se lavasse; vestia seu man­to carmesim, verde e dourado adornado de jóias; e se transformava em uma figura impressionante. Ele era ciumento, esperto, traiçoeiro, militarmente destemido e de uma espantosa astúcia política.

João abominava o rei e o marido namorador de Valentina, Luís, conside­rando que nenhum dos dois merecia ocupar altos postos. A luta pelo poder que começara entre Luís e o pai de João, Felipe, tinha chegado ao auge quan­do Luís comprou o ducado de Luxemburgo em 1401, dessa forma ameaçan­do "coração e alma" da Borgonha.

Depois da morte de Felipe em 1404, Luís sentiu o êxtase do poder de­senfreado, e promoveu um reinicio das hostilidades contra a Inglaterra. Luís chegou mesmo a cometer a tolice de desafiar o rei Henrique IV da Inglaterra para um duelo — uma tolice que felizmente não foi levada em consideração pelo monarca inglês. O marido de Valentina sabia que pondo fim à trégua iria prejudicar o comércio lucrativo que tinha sido estabelecido entre Flandres e a Inglaterra, dessa forma interrompendo o suprimento de riqueza de João.

O plano era maquiavélico. O objetivo de João era reduzir impostos e aumentar o comércio com a França, como seu pai tinha feito com tanto su­cesso com a Inglaterra. Como João tinha assinado um tratado com a Ingla­terra em abril de 1407, estava apto a se apresentar como um defensor do povo, conquistando corações e mentes dos franceses, defendendo com veemência uma redução na carga de impostos, que seria possível se o rei não levasse em consideração a tentativa de Luís de insuflar a guerra contra a Inglaterra. Quando Luís replicou propondo novos impostos para financiar sua guerra, João se recusou a cobrar impostos dos borgonheses, dizendo que se isso não fosse prova bastante de sua sinceridade, ele iria pagar todos os impostos em benefício de todo o seu povo para pôr fim à loucura.

Foi uma manobra populista inédita na França medieval, e funcionou. A popularidade de João aumentou, enquanto a de Luís se esfacelou. Ambos estavam em rota de colisão, e seria uma luta mortal. As idéias de João certamente ganhariam apoio popular, ao passo que as de Luís representavam o status quo da corte. Em um panfleto, João acusou Luís de difundir a corrupção generaliza­da, desperdiçar um precioso capital público e de malversação da coroa.

A segurança da França estava em perigo. A esposa de Carlos VI, a rainha Isabel, renovou o "relacionamento especial" com a Borgonha, ao mesmo tempo permanecendo devotada a Luís de Orleans na esperança de que os dois primos em guerra fossem sensatos e declarassem uma trégua. João fin­giu fazer isso, mas apenas até conseguir a vantagem. Mas ele primeiramente precisaria remover a atenta e virtuosa Valentina.

Embora Valentina fosse vista por seus inimigos como uma mulher sedu­tora e voluptuosa, ela não era. Ela certamente era uma beleza sensual com seus olhos de pálpebras pesadas, cabelos sedosos e corpo gracioso, mas aci­ma de tudo ela era perspicaz, inteligente e leal. Sua devoção a Luís e à sua família era absoluta, mas essa fidelidade seria a sua ruína. Ela tinha tido vári­os filhos com Luís, e ignorava os rumores acerca dos casos amorosos dele, incluindo o persistente boato de seu envolvimento com a rainha da França. Luís estava sempre na companhia da rainha Isabel, mas a história hesita em afirmar se haveria um enlace romântico entre eles.

Quando Valentina administrou plantas medicinais para tentar curar o convalescente e insano rei Carlos VI, isso foi interpretado por seus inimigos como magia negra. Seu mais importante detrator, João Sem Medo, alegou que ela era uma bruxa. Quando sua filha recém-nascida Maria morreu repentinamente em 1407, provavelmente de síndrome da morte súbita infan­til, Valentina foi indiretamente acusada pelo duque João de envenenar a própria filha. Essa acusação ridícula funcionou. Até mesmo Luís acreditou nela, e acabou exilando Valentina em Neufchâtel.

Assim que Valentina foi afastada, João escolheu o momento para atacar. Foi no dia 25 de novembro de 1407, no Chateau de St.-Pol, em Paris. Um bando de matadores a soldo de João, liderados pelo próprio valet de chambre do rei, foi aos aposentos de Luís dizendo que o rei queria vê-lo imediata­mente. Luís não suspeitou de nada, e seguiu o valete até a armadilha de João. Luís estava acompanhado de cinco ou seis de seus próprios criados quando foi confrontado pelos 18 ou vinte homens de João. Luís se identificou e exi­giu que eles abrissem caminho. O líder dos assassinos respondeu: "Ah, você é o homem que nós queremos!" Dois dos criados de Luís foram mortos an­tes que os outros fugissem. A cabeça do duque foi esmagada, seu corpo mu­tilado, e seus restos deixados na lama, enquanto os assassinos escapavam.

Na manhã seguinte ao assassinato, João assumiu seu lugar na cerimônia fúnebre junto ao rei e à rainha, prestando o respeito devido a seu primo as­sassinado, apesar de rumores que o ligavam ao assassinato de Luís. Dois dias mais tarde João confessou a seus tios, os duques de Anjou e Berry, que tinha instigado o crime. Na manhã seguinte ele trocou Paris por Flandres.

Quando Valentina soube do assassinato de seu amado esposo em seu exílio no castelo de Château-Thierry em Neufchâtel, imediatamente temeu o pior por seus filhos. Ela ordenou a seus servos mais leais que os levassem para Blois, no coração de Orleans, para protegê-los de João. Assim que soube que eles tinham chegado em segurança a seu castelo lá, começou a pensar em vingança.

Na gelada manhã de inverno de 10 de dezembro de 1407, a bela viúva, vestindo seu traje de luto de veludo negro, chegou ao castelo de Paris em que seu marido tinha sido assassinado. Os 'Velhos", os duques de Anjou e Berry, estavam presentes, e para ela o rei parecia perfeitamente são. Valentina se jogou aos pés do rei e, em meio a uma torrente de lágrimas, exigiu justiça pelo assassinato do marido. O rei chorou ao ouvir seu apelo emocionado, ajoelhou-se e a ergueu, prometendo a vingança a que ela tinha direito. Foi feita uma petição ao conselho para que João fosse punido, e parecia que Valentina teria a sua vingança.

Mas João Sem Medo era um mestre da invencionice. Ele conseguiu com sucesso fazer circular boatos obscenos de que Valentina era a bruxa tentado­ra que tinha enlouquecido o rei; que seu marido tinha sido um tirano; e que ele, João, estava apenas cumprindo seu. dever patriótico para com a França de livrá-la do homem que queria mergulhar o país em outra guerra bárbara contra a Inglaterra, e extorquir seu povo até a miséria. Com um golpe, ele tinha se transformado no porta-voz dos excluídos, e o rei não se colocaria contra ele. Carlos jogou fora a petição para punir João e o abraçou por salvar a França da iniqüidade. Valentina ficou estupefata com o resultado final, mudando seu lema para "Nada mais para mim, pois eu não sou mais nada".

Ela se retirou para Blois, aparentemente uma mulher arrasada. Mas quan­do uma revolta em Liège obrigou João a voltar para Flandres, Valentina cos­turou uma forte aliança orleanista que persuadiu Carlos a revogar sua posição anterior favorável ao duque da Borgonha, e Valentina retomou à capital A rainha e Valentina se tornaram firmes aliadas e parecia que finalmente João tinha perdido.

Quando João retornou de Liège, o povo de Paris se amontoou nas ruas em apoio a ele, mais uma vez virando a maré a seu favor. Valentina sabia que tinha sido derrotada, e retornou a Blois, definhando rapidamente até a mor­te. Quando sentiu que seu fim estava próximo, ela reuniu os filhos a seu redor e os fez jurar que vingariam a morte do pai. Depois que eles juraram levar a cabo sua vingança, Valentina Visconti, duquesa de Orleans, morreu de coração partido, com apenas 38 anos de idade.

João saiu vitorioso, mas não tinha avaliado o legado de Valentina. As gran­des jóias e a fortuna dela tinham sido colocadas à disposição de seus filhos, e o filho mais velho, Carlos de Orleans, que recentemente havia se casado e ingressado na família Armagnac, tornou-se aliado de um homem de poder comparável ao do duque da Borgonha. O sogro de Carlos, Bernardo VII, duque de Armagnac, transformou a causa orleanista em uma que interessava aos Armagnac. No dia 15 de abril de 1410, em Gien, foi fechado um tratado entre os duques de Orleans, Armagnac, Bourbon, Berry, Clermont e Anjou para montar um exército e retirar João de Paris, "pelo bem, a honra e o pro­gresso do rei, do reino e do bem público". O grande diamante de Valentina (o Sancy) e uma miríade de outras jóias foram utilizados como garantia jun­to a prestamistas parisienses para financiar esse exército e opô-lo ao poder absoluto de João. A primeira guerra civil conhecida a ser parcialmente finan­ciada pelo Sancy era iminente.

A máquina de desinformação de João funcionou dia e noite, garantindo a seu público apaixonado que a facção Orleans/Armagnac estava interessada ape­nas em pilhar o interior, e para sustentar sua afirmação utilizou exemplos de suas transgressões. Em resposta, em julho de 1411 Carlos de Orleans lançou o desafio, emitindo cartas patentes (um decreto real) em que declarava João o responsável pelo assassinato de seu pai. A reação do duque foi imediata. "Você e seus irmãos mentiram, e você está mentindo agora, como traidores que são." João se preparou para a guerra, e para assumir controle total da França.

Dessa vez João se superou em astúcia. Ele esperou... e esperou. A facção Armagnac pilhou Paris com sua horda mercenária saqueadora, e o povo se defendeu sem ajuda o melhor que pôde. Finalmente o rei implorou a João que entrasse na capital para salvar seu reino. Assim, no dia 28 de outubro — três meses depois do início da guerra civil —, João marchou com seu exérci­to para Paris e a "libertou". Seu primeiro decreto foi aplicar o édito papal contra salteadores ao exército saqueador Armagnac. Enquanto isso, os pró­prios lugares-tenentes de João pilharam em seu nome, e jóias e bens de valor foram espalhados aos pés de João. A reação de João ao pôr os olhos sobre as grandes jóias de Valentina, incluindo o Sancy, não foi registrada, mas certa­mente deve ter tornado sua vitória ainda mais doce.

Talvez tenha sido na esperança de que ele ou seus herdeiros se sentassem no trono da França que João mandou engastar o diamante Sancy em uma jóia maior chamada La Belle Fleur de Lys de Flandres, ou A Bela Flor-de-lis de Flandres. Essa jóia reunia sua maior gema, o belo rubi-balache de Flandres, com o maior diamante branco da cristandade, agora chamado La Baile de Flandres.

O Sancy, como parte de La Belle Fleur de Lys de Flandres, foi empenhado por João no dia 2 de julho de 1412, como garantia, juntamente com outras jóias, a Laurens Caignel, um mercador de Lucca, por 2 mil livres (65,5 mil dólares ou 41 mil libras, em valores de hoje), mais juros de 270 livres (24 mil dólares ou 15 mil libras). Pela segunda vez em apenas cinco anos, o Sancy foi usado para financiar a guerra civil.

A bela flor-de-lis era efetivamente a coroa de João Sem Medo. Tinha três grandes pétalas no meio e duas menores em cada extremidade. No meio da pétala central, acima do diamante, estava o grande rubi-balache La Balais de Flandres, de Felipe, o Audaz, considerado o maior da França. As pétalas externas da jóia foram decoradas com outros oito grandes rubis-balache, oito safiras, cinco esmeraldas e 38 grandes pérolas. O conjunto pesava 2 marcos, 7 onças e 2 grãos — impressionantes 23,2 onças, ou 646 gramas. Sem ter idéia de quanto ouro havia na jóia, é impossível avaliar o peso das várias pedras, mas os 646 gramas eqüivalem a astronômicos 3.230 quilates!

Como na Guerra Civil americana, a guerra civil entre Borgonha e os Armagnac colocou irmão contra irmão, com as linhas de batalha sendo estabelecidas mais de acordo com princípios e crenças que com base em lo­calização geográfica familiar. A bruma da guerra fez vítimas de ambos os la­dos, com os Armagnac, o populacho parisiense e João controlando a capital alternadamente entre 1411 e 1413. No final os Armagnac conseguiram van­tagem e se apossaram de Paris.

Uma vez expulso da capital, João cometeu o mais hediondo dos crimes para um francês medieval — um tratado secreto com o novo rei inglês, Henrique V Quando Henrique então reivindicou o trono francês em fun­ção de seus ancestrais Capeto, João foi o único grande poderoso a não tomar parte da guerra que se seguiu. Os Armagnac se encarregaram da defesa da França, resultando na derrota desastrosa em Agincourt em 1415 que abriu o caminho para Henrique ser coroado rei da França. Com Carlos de Orleans capturado em Agincourt (ele passaria 25 anos na Inglaterra como prisionei­ro) e com a morte do delfim pouco depois, a sucessão da dinastia Valois pas­sou para seu irmão de 15 anos de idade, Carlos.

Ao amanhecer de 18 de maio de 1418, as tropas borgonhesas de João entraram em Paris — pela primeira vez desde 1413 —-, iniciando um banho de sangue. Bernardo VII, duque de Armagnac, foi assassinado; bancos e agiotas foram pilhados de todos os seus bens; e qualquer um que tenha se colocado no caminho de João foi massacrado. Menos de um ano depois, em 10 de setembro de 1419, João concordou em se encontrar com o delfim Carlos na ponte de Yonne, em Montereau, para debater os termos de um renovado juramento de amizade e aliança entre eles. Há dezenas de diferentes relatos do que aconteceu nesse dia, mas só uma coisa é certa: João Sem Medo foi assassinado com um golpe de machado.


4

Os últimos grandes duques da Borgonha



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