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Três homens determinados de caráter duvidoso
1584-1590
NÃO HÁ OUTROS REGISTROS ESCRITOS sobre o Sancy na década de 1580. Também não há registros completos das conversas ou da correspondência entre dom Antônio e sir Francis Drake em 1584, mas Drake não precisava de muito estímulo para retomar seus ataques aos espanhóis. Seu ódio permanente ao monarca espanhol remontava a cerca de trinta anos antes, em sua viagem inaugural, quando Felipe afundou o primeiro barco de Drake, deixando-o encalhado no Caribe sem meios claros de voltar para casa. Foi uma humilhação que Drake jamais esqueceria.
Nem era necessário seduzir Elizabeth para que ela entrasse em ação nos primeiros dias do outono de 1584. Ela se sentia vulnerável. Antuérpia tinha mais uma vez caído em mãos espanholas, Anjou estava morto, o protestante fanfarrão Henrique de Navarra era agora herdeiro presuntivo ao trono francês e a Inglaterra literalmente não podia pagar por uma derrota. Dom Antônio, que havia se tornado um incômodo na França, era agora apoiado pela Inglaterra, embora estivesse sendo novamente cortejado por Catarina de Médici com novas promessas de dinheiro "real" — 6 mil coroas — e a restauração de sua pensão se ele retornasse imediatamente à França. Ele recusou a oferta tardia, embora de certo modo provocante.
A longo prazo, a noção de tempo de dom Antônio parecia perfeita. De fato, o embaixador francês comentou exatamente esse ponto quando relatou a Paris que "dom Antônio, no dia 21 de setembro, embarcou oito mil soldados de infantaria e duzentos cavalheiros ingleses em 62 navios e zarpou para Portugal para tentar a sorte de recuperar seu reino. Surpreendeu a todos o quão rapidamente a rainha da Inglaterra se convenceu [dessa vez] a dar a ele tamanha força".
De fato, seu ceticismo era justificado. Elizabeth, conhecida por mudar de idéia, ordenou que tanto Drake quanto Antônio retornassem à costa, tendo pensado melhor na incursão e nas terríveis conseqüências para a Inglaterra se fracassasse. Ela acreditava que não podia proteger os Países Baixos e atacar Felipe através de Portugal e ser bem-sucedida nas duas empreitadas. Um mensageiro partiu de Londres no corcel mais rápido disponível com uma carta da rainha para Drake, dizendo a ele que ocorreu uma mudança de planos. A rainha desejava que ele saqueasse a Nova Espanha e voltasse à Inglaterra com uma nova fortuna em pilhagem. Não importava o quanto Drake quisesse "depenar" o rei da Espanha, ele reconhecia uma ordem real quando via uma, e teve de se separar de dom Antônio para levar a cabo sua tarefa. Enquanto Drake estivesse pilhando as colônias espanholas — e então também portuguesas —, Felipe precisaria de dinheiro e seria incapaz de abastecer seus exércitos nos Países Baixos. Elizabeth raciocinou que aquela era uma forma eficaz e menos arriscada de atingir seus objetivos. Ela e a Inglaterra ainda poderiam ter uma chance.
Sua intuição foi infalível. Juntamente com a serenidade de Felipe, dinheiro era a mercadoria mais em falta na Europa naquela época. Em janeiro de 1585, o papa publicou uma bula das Cruzadas para ser utilizada contra a Inglaterra que efetivamente deu a Felipe, por um período de cinco anos, 1,8 milhão de coroas anuais (997 milhões de dólares ou 623 milhões de libras, em valores de hoje) pela concessão de privilégios papais à coroa da Espanha. O dinheiro seria reunido em fundos especiais na casa da moeda de Madri para uso do rei contra o Estado "herético" da Inglaterra. Abundavam boatos de uma liga formada pelo papa, Felipe, a República de Veneza, Sabóia e Toscana contra a Inglaterra. Felipe, como um homem possuído tentando se livrar dos demônios que o enlouqueciam, levantou outros empréstimos de 900 mil coroas.
O duque de Guise, a quem Felipe via como seu títere pessoal na luta pela coroa da França ao lado da Liga Católica contra Henrique III e Henrique de Navarra, deu a Felipe 50 mil ducados de seu próprio dinheiro para "A Causa" contra a Inglaterra. Dois milhões de florins renanos em ouro foram arrancados de príncipes alemães relutantes. Até mesmo os Fugger levantaram meio milhão de florins renanos em ouro para o rei da Espanha, de seus próprios cofres e outras fontes desconhecidas. Esses últimos empréstimos foram concedidos a Felipe em represália à pirataria praticada pelos mercadores aventureiros de Elizabeth contra seus carregamentos das Índias e da Nova Espanha que jamais chegaram ao porto — em boa parte graças a Drake.
Felipe estava farto, e acumulou fundos de guerra de inimaginável magnitude? Todo homem que ele podia convocar ou colocar em serviço foi intimado a acabar com a interferência "daquela inglesa".
Ao mesmo tempo, Henrique III estava lutando por sua existência política. A guerra religiosa progrediu em uma guerra política, no que seria conhecido como a "Guerra dos três Henriques", entre Henrique III, Henrique de Guise e Henrique de Navarra. Henrique III, para vencer, precisava de um dinheiro que não tinha, e precisava muito. Nos dez anos desde que assumira o trono, ele já havia empenhado ou vendido todas as jóias da coroa e taxado seu povo descontente e oprimido o quanto quis. Qualquer um com um mínimo de riqueza pessoal poderia superar a influência dos favoritos e tentar uma posição de poder na corte. Um homem esperto com riqueza pessoal e raciocínio militar poderia se tornar inestimável — e produzir uma fortuna ainda maior com os despojos de guerra. Nicolas de Harlay, seigneur de Sancy e barão de Maule, era exatamente esse tipo de homem.
Hariay era general de exército dos suíços e um cavalheiro da Casa Real. Ele tinha apenas 25 anos de idade no momento de seu primeiro encontro com dom Antônio, em 1580. Ele era um bom amigo do secretário de Estado do rei francês, Villeroy, e sua filha mais tarde se casaria com o filho de Villeroy. Harlay era inteligente, bonito, e excessivamente consciente de sua própria importância. Ele tinha uma estranha semelhança com dom Antônio e, como o rei português, estava convencido de seu lugar na história, e freqüentemente era econômico com a verdade. Nada disso, porém, tinha importância para Henrique III. Harlay parecia ter uma grande fortuna pessoal e estava preparado para colocá-la em ação em nome do rei. Harlay afirmava a seus muitos detratores que herdara grande parte daquela fortuna, mas ele era um mestre em tecer boas mentiras. Muitas de suas afirmações simplesmente não podiam ser levadas em consideração. Como no caso da maioria dos comandantes militares de sua época, sua riqueza foi obtida no campo de batalha ou perto dele, onde poucas (ou nenhuma) perguntas eram feitas e certamente não eram dadas respostas. Tendo recebido formação de advogado em Orleans, Harlay sabia mais do que a maioria das pessoas sobre a importância da desinformação como meio de combater provas frágeis, e se valia disso repetidamente em seu benefício.
Nascido protestante, Harlay converteu-se ao catolicismo depois do Massacre do Dia de São Bartolomeu em 1572, para garantir seu lugar na corte. O subterfúgio valeu uma indicação para a importante posição estratégica de governador de Châlon-sur-Saône, que estava destinada a ser a passagem para a Suíça e os Alpes, e de "cavalheiro da Casa Real". Mas entre seus contemporâneos a fama de Harlay não era fruto de sua ascensão meteórica na corte de Henrique III, mas de sua posse inexplicável de muitos diamantes de alta qualidade — dois dos quais eram pedras excepcionalmente grandes e perfeitas. Esses bens preciosos parecem ainda mais extraordinários quando se considera o fato de que Harlay tinha retornado a Paris de sua missão na Suíça e em Sabóia como embaixador de Henrique em dezembro de 1580 com pesadas dívidas, em função das exigências impostas a ele por um monarca irresponsável, assediado por seus credores e preocupado com o revés potencial de sua sorte política por seu insucesso. Todavia ninguém questionou, se ele estava tão pobre em dezembro de 1580, como tinha se tornado tão rico na época em que se encontrou com dom Antônio em La Rochelle em 1581. Ou ainda, como ele foi capaz de compensar o descontentamento dos suíços com ele em janeiro de 1582. Certamente nunca teremos as respostas para essas perguntas, já que Harlay era, sem dúvida alguma, um mestre do embuste e da manipulação — ambas qualidades raras na entourage real de Henrique III. Ninguém iria pressionar Harlay demais sobre o exato estado de seus negócios enquanto ele continuasse a utilizar sua inteligência e seu dinheiro em benefício do rei.
Harlay claramente utilizava desinformação e astúcia para desviar a atenção do verdadeiro estado de suas finanças, para não falar das fontes exatas de sua inestimável riqueza. Na época em que se encontrou com dom Antônio em La Rochelle, Harlay era evidentemente capaz de conseguir dinheiro para o monarca destronado em troca de diamantes, e teria conseguido ele mesmo uma considerável comissão com a transação. Continua a ser um mistério se ele deu uma parcela de seu próprio dinheiro a dom Antônio como parte do negócio, mas é uma suposição razoável que as bases para sua reivindicação de muitos grandes diamantes, incluindo o Sancy, datem desse primeiro encontro.
Harlay, quando pressionado sobre a origem das jóias pela crescente facção da corte inamistosa a ele, fingiu em certa ocasião que os diamantes tinham sido comprados em uma viagem a Constantinopla, uma viagem que ele nunca fez. Anos mais tarde ele alegou que seu filho Achille as trouxe consigo de Constantinopla — o único problema com essa explicação era o fato de que seu filho ainda não havia estado naquela cidade, já que na época era um menino.
Apesar de, ou talvez por causa desse subterfúgio, Harlay se tornou conhecido por seus diamantes. Ele estava indo de vento em popa com suas mentiras sobre as pedras. Sua necessidade insaciável de auto-engrandecimento e o prazer de ser o centro das atenções seriam, no final das contas, sua derrocada. Embora Harlay não quisesse anunciar a fonte de suas "compras" de diamantes — afinal, era um saqueador confesso —, ele não era tolo. Harlay sabia que Catarina de Médici queria o Sancy e a pedra menor de 36 quilates, o Beau Sancy, para si mesma, mas dificilmente poderia comprá-los. Ele temia, corretamente, que a verdade vazasse na corte e a punição desagradável que a rainha-mãe poderia impor a ele por sua descoberta deslealdade. Seu saudável medo de Catarina de Médici, somado ao fato de que ele tinha chegado ao Sancy e a outros diamantes em sua posse por métodos que seriam desaprovados na corte, tornava a descoberta de seus atos uma questão potencialmente mortal. Afinal, ele estava em missão oficial do rei e da rainha-mãe quando conspirou para tomar as gemas para si mesmo.
O grande drama acerca da aquisição e compra das jóias da coroa na França — ou em qualquer outra parte — não deve ser subestimado. Quando Henrique III herdou o trono de seu irmão Carlos IX em maio de 1574, um dos primeiros atos de Henrique foi publicar uma carta patente desapropriando a viúva de Carlos, a rainha Isabel da Áustria, das jóias da coroa e dando-as a sua esposa, Luísa de Lorena-Vaudemont, com quem ele havia se casado no mês de fevereiro anterior. Ao mesmo tempo, Catarina de Médici promulgou uma carta patente determinando que se Henrique III morresse sem um herdeiro varão, as jóias da coroa passariam para sua filha ou filhas, já que ela odiava Henrique de Navarra de Bourbon e não poderia suportar que ele as herdasse como herdeiro legítimo segundo a lei sálica. A rainha-mãe alegou que sua carta patente servia para assegurar a inalienabilidade das gemas. Poderíamos ter acreditado nela se ela não houvesse acrescentado: "e se o rei morrer sem prole, todas as jóias reverterão à rainha-mãe para que ela disponha delas segundo sua vontade".
Uma coisa é certa: quando Harlay estava utilizando o Sancy para promover sua carreira e a causa do rei formando exércitos mercenários na Suíça, ainda não era inteiramente propriedade de Harlay para emprestar ou empenhar. François d'O, o superintendente de finanças do rei, possuía pelo menos um terço do diamante até janeiro de 1588, quando ele o cedeu a Harlay por uma quantia não especificada em dinheiro vivo. A nota de venda foi registrada três anos mais tarde, provavelmente em função do atraso na conclusão da compra do Sancy por Harlay, na quarta-feira, 12 de junho de 1591, em Vernon, diante de um notário, pouco antes do meio-dia, quando François d'O assinou o documento em que ele
transfere ao Monsieur Nicolas de Harlay, seigneur de Sancy, também conselheiro do rei em seu Conselho de Estado e capitão de 50 homens de armas, um terço de um grande diamante pesando sessenta quilates, do qual os outros dois terços pertencem aos herdeiros de Francisco Rodrigues, português, em cujas mãos o diamante deverá permanecer, como foi declarado pelos cavalheiros d'O e Harlay. Este terço de um diamante pertencente ao dito Monsieur d'O e ao qual tinham sido cedidos todos os direitos, nomes e ações, é transferido por este efeito ao dito Monsieur de Sancy em todos os seus direitos, nomes, premissas e ações, declarando que ele não tem pretensões ao dito diamante e que o dito Monsieur d'O, por ter recebido pagamento, reconhece e confessa ter recebido do dito Monsieur de Sancy neste mês de janeiro de 1588 o pagamento satisfatório pelo diamante, pelo qual ele não tem mais nada a reclamar.
O documento foi assinado por François d'O e por Harlay com sua marca característica, bem como pelo notário.
Mas permanece o mistério de por que o diamante não permaneceu com os herdeiros de Francisco Rodrigues antes dessas datas, ou se Harlay adquirira sua terça parte antes de "emprestar" o Sancy como sua propriedade para Henrique III para o uso pessoal do rei. Se François d'O tinha originalmente tomado o diamante de dom Antônio sozinho, ou com a conivência de Harlay de Sancy, não sabemos. O que sabemos é que mais tarde Harlay alegou que o diamante esteve empenhado desde 1591 com os "judeus de Metz", quando na verdade os herdeiros de Rodrigues o guardaram até que ele fosse capaz de pagar pelos dois terços restantes. Admite-se que os Rodrigues d'Evora eram originalmente judeus no tempo de dom Manuel, quando o chefe da família era o médico do rei, mas isso é o mais perto da verdade que chegam as afirmações de Harlay.
Por fim, foram os diamantes de Harlay que mais deslumbraram e impressionaram o rei, e Harlay foi "obrigado" a emprestar o que ainda era o maior diamante branco da Europa, que ele agora chamava legrand Sancy, para que o rei Henrique o usasse na frente de seu toque, um chapéu de veludo que cobria a calvície do vaidoso rei. O retrato de Henrique usando o Sancy, atribuído a François Quesnel, foi pintado por volta de 1585 — aproximadamente a mesma data do retrato de Elizabeth I por John Bettes, o Jovem, em que ela usa o Espelho de Portugal pela primeira vez. Não há coincidências na história, especialmente uma coincidência dessa natureza. Duas diferentes gemas chegaram a duas diferentes coroas da Europa saídas da mesma fonte: dom Antônio de Crato, em seu esforço desesperado para recuperar seu reino. Há poucas dúvidas de que Harlay, por meios lícitos ou ilícitos, devia agradecer ao delírio de dom Antônio por sua proeminência.
Descontando todas as falhas de Nicolas Harlay de Sancy — e elas foram muitas —, ele permaneceu um servo excepcionalmente leal de Henrique III, lutando contra seu próprio irmão Robert, que se manteve ao lado de Henrique, duque de Guise, no conflito que irrompeu na França. O conhecimento militar de Harlay repeliu incursões do duque de Sabóia e do duque de Guise em territórios do leste leais ao rei, e Harlay conseguiu controlar política e financeiramente as problemáticas forças mercenárias suíças; era crucial mantê-las ao seu lado. Naquela época era fácil saquear, e Harlay não apenas ficou com saques como conseguiu fazer os suíços pagarem a ele por receberem "favores".
Enquanto Sancy forrava seu ninho sob a demonstração de lealdade a Henrique, o ano de 1587 seria um divisor de águas na história européia. Em fevereiro foi encenado o último ato de um drama de vinte anos no castelo do conde de Shrewsbury em Fotheringhay: Maria, rainha dos escoceses, foi levada a julgamento pelo Complô de Babington, que foi uma clara tentativa de assassinar a rainha Elizabeth. Já haviam passado quase trinta anos desde que Maria se casara com o irmão mais velho de Henrique, Francisco II, e embora ela não tivesse conseguido aprender importantes lições políticas, continuaria a ser, após sua execução, o símbolo para que todos os bons católicos se erguessem contra a "herege rainha Elizabeth". Quando foi lido em voz alta o veredicto de "persistente desobediência (...) incitamento à insurreição (...) contra a vida e a pessoa de sua santa majestade (...) alta traição (...) morte", o último movimento dos quarenta anos anteriores de intriga entre as duas rainhas das Ilhas Britânicas finalmente estava em jogo. Quando a cabeleira ruiva e a cabeça de Maria foram erguidas pelo carrasco para que fossem ditas as tradicionais palavras "Longa vida à rainha" em nome de Elizabeth, Felipe da Espanha decidiu — finalmente — preparar sua Armada para a invasão. Para isso, Henrique de Guise precisaria controlar a França enquanto Felipe voltava toda a sua atenção para a Inglaterra.
Em abril, a empreitada secreta de Felipe já não era um segredo — afinal, os espiões de dom Antônio em Lisboa informavam sobre os grandes prepa¬rativos em curso, e Antônio identificou sua última oportunidade de persua¬dir Drake a ajudá-lo. O ultraje sentido em toda a Europa católica pelo assassinato desumano de Maria por Elizabeth significava que Elizabeth já não podia se equivocar contra a Espanha, e no final ela deu sua aprovação a Drake para promover uma invasão em grande escala de Portugal, com Lisboa como alvo principal. Dom Antônio iria com eles, e teria finalmente a oportunidade de testar suas repetidas declarações dos seis anos anteriores de que uma vez que ele pisasse em Portugal seus súditos leais se ergueriam como um só e expulsariam os intrusos espanhóis de volta para casa.
Elizabeth, então com 54 anos de idade, estava desesperada por uma vitória. Os preparativos para o ataque da Armada, a longa espera pela chegada do inimigo, e especialmente a prolongada mobilização em terra e mar custaram mais dinheiro do que ela gostaria de gastar. Para neutralizar o ultraje francês em relação a Maria, rainha dos escoceses, Elizabeth finalmente cedeu e fez do filho calvinista de Maria, Jaime VI da Escócia, seu herdeiro. Henrique foi aplacado, principalmente porque não estava em posição de objetar, sendo ameaçado todos os dias alternadamente por Henrique, duque de Guise, e Henrique de Navarra.
A rainha já conhecia bem Felipe, e sabia que ele era um rival à altura em obstinação. Embora ela fosse mestra em administrar a paz como se fosse guerra, uma guerra que lamentavelmente seria travada em solo britânico, ou em águas britânicas, era algo que iria no mínimo estimular o patriotismo de seu povo, para não falar da permanente xenofobia de sua nação insular. Era uma situação que ela esperava evitar, mas sua única chance de impedir o inevitável era o sucesso de Drake e Antônio, Um Felipe enlevado recebeu um relatório em código informando que:
A rainha da Inglaterra está totalmente preocupada com sua própria vida e com a segurança de seu reino, tanto em função das conspirações que estão constantemente vindo à luz quanto em função dos grandes preparativos de guerra que os boatos dizem estar sendo feitos na Espanha. De modo a assegurar o apoio da França, ela oferece a Sua Mais Cristã Majestade [Henrique III] for- tificações na Holanda e na Zelândia; em todo caso, Drake a encoraja, assegurando a ela que a gritaria espanhola não passa de salvas de festim que fazem barulho mas não quebram ossos.
Felipe estava gastando 10.500 reais por dia nas comissões de seus funcionários. Como Elizabeth, ele detestava gastar dinheiro desnecessariamente, especialmente se fosse dinheiro que ele ainda não tinha. Apesar das vastas somas que ele já havia levantado para equipar sua poderosa Armada, outros 3 milhões de reais em ouro eram necessários urgentemente.
Quando sopraram os favoráveis ventos do final da primavera, os navios de Drake foram vistos na costa da Espanha. Por razões que permanecem um mistério, Drake e dom Antônio, tendo chegado ao Rochedo de Lisboa, decidiram que Cádiz seria o seu primeiro objetivo. Alguns acreditam que isso aconteceu porque o almirante inglês ouvira falar da Armada de Felipe, enquanto outros afirmam que ele farejou o butim no ar.
Assim que seus navios foram avistados no porto de Cádiz, irromperam gritos de "El Draco!", e as pessoas fugiram para dentro do velho castelo para preservar suas vidas; elas foram imediatamente trancadas do lado de dentro pelo capitão da guarda. Na fortaleza superlotada, abarrotada de cidadãos apavorados, a histeria explodiu e 25 mulheres e crianças foram pisoteadas até a morte. Drake tentou tomar os 60 navios ancorados, enquanto seus defensores entravam em pânico e fugiam. Pela manhã, Drake havia afundado um barco de 700 toneladas carregado de cochinilha, campeche, peles e lã destinado a Gênova; saqueado tudo o que merecia ser tomado nas vizinhanças do porto; e marcado os outros barcos no porto para destruição. O próprio Drake estimou que havia afundado, queimado ou capturado 37 navios no porto de Cádiz. O rei Felipe sabia o verdadeiro custo — 24 navios no valor de 172 mil ducados — e admitiu que "a ousadia do ataque de fato foi grande".
Drake, tendo depenado o rei, sabia que a incursão era apenas uma alfinetada, e escreveu a Walsingham dizendo que:
Da adequada preparação não se soube nem se ouviu dizer enquanto o rei da Espanha diariamente se preparou e maquinou para invadir a Inglaterra (...) e se eles não forem impedidos antes de se juntarem serão muito perigosos. (...) Esse serviço que com a permissão de Deus nós realizamos produzirá algumas alterações, mas todos os preparativos possíveis para a defesa são urgentes. (...) Quase não ouso escrever sobre as grandes forças que nós ouvimos ter o rei da Espanha. Prepare a Inglaterra fortemente, e principalmente por mar!
Drake rumou novamente para o norte ao longo da costa portuguesa e desembarcou sem resistência, mas sob observação, em Lagos. Colunas de cavaleiros cercaram os invasores e abriram fogo e os ingleses se lançaram na direção do castelo de Sagres — um forte de terceira classe que protegia uma aldeia de pescadores contra incursões mouras a partir da costa mediterrânea da África — e o tomaram. Drake provavelmente nunca soube que aquele era o castelo de Henrique, o Navegador, o primeiro membro da nobreza a compreender a importância da exploração marítima. No entanto, mais importante, o levante popular havia tanto prometido por dom Antônio não ocorreu. Antônio declarou-se perplexo, e prometeu uma recepção melhor em Lisboa.
Cinco dias mais tarde, a frota inglesa aproximara-se da costa de uma Lisboa pesadamente fortificada, e Drake estava convencido de que os portugueses sabiam que ele trazia "seu rei" de volta para casa. Quando mais uma vez o levante popular não ocorreu, Drake declarou que tinha "ido a Lisboa apenas para saber do estado das coisas", e um dom Antônio atormentado viu a costa portuguesa desaparecer do horizonte enquanto Drake navegava para os últimos portos de escala da aventura: Cabo São Vicente e Açores. Dom Antônio empenhara o Sancy juntamente com a mais valiosa coleção de jóias reais de sua época por um levante que nunca aconteceu.
Drake escreveu naquele dia em seu diário de bordo: "seguir até o fim leva à verdadeira glória" — uma frase que poderia facilmente ter sido murmurada para dom Antônio em seu desespero. Em cabo de São Vicente Drake espreitou o galeão San Felipe, vindo de Goa rumo à pátria com sua carga anual de especiarias, jóias e outros bens orientais que eram fruto do império oriental português. Drake tomou o barco facilmente, já que suas canhoneiras estavam tão repletas de carga preciosa que não conseguiram usar os canhões contra ele. O galeão estava carregado de pimenta, cravo, canela, tecidos, seda, marfim, ouro, prata e dezenas de escrínios de jóias. O valor total era de 114 mil libras (27,6 milhões de dólares ou 17,3 milhões de libras, em valores de hoje), três vezes o valor de todos os 37 barcos tomados na baía de Cádiz. Considerando que seu navio, o Elizabeth Bonaventure, podia ser aprovisionado por 175 libras por mês, e 40 mil libras colocavam em ação todo um exército, aquele era um butim gigantesco — mesmo para Drake.
Isso também significava que o almirante pirata precisaria se encaminhar imediatamente para a Inglaterra para preservar seu prêmio, e dar um fim a quaisquer ilusões que dom Antônio ainda continuasse a acalentar sobre tomar seu trono. A parte da rainha no butim ajudaria na batalha contra a Armada de Felipe que se avizinhava, e ele tinha de alertar a rainha sobre o que vira. Dom Antônio, a despeito de seus violentos protestos, poderia pular da amurada, no que dizia respeito a Drake.
Quando a frota de Felipe atacou os ingleses no Canal da Mancha em julho de 1588, foi derrotada, nem tanto pelos menores, mais ágeis e tecnologicamente mais avançados barcos ingleses, quanto pelo famoso clima inglês. A Armada de 134 navios se arrastou de volta à Espanha completamente derrotada, e o sonho de Felipe de uma Europa católica tinha sido destruído. Sua última esperança era que seu títere Henrique, duque de Guise, vencesse na França. Se o protestante Henrique de Navarra de Bourbon se tornasse rei da França, Elizabeth da Inglaterra triunfaria.
Mas Felipe não contou com Henrique III tomar a única resolução decisiva de todo o seu reinado: assassinar Guise. Quando o corpo ensangüentado de Guise foi localizado, foi encontrada uma carta inacabada para Felipe que começava: "Sustentar a guerra civil na França irá custar 700 mil livres por mês."
Harlay e François d'O, como superintendente de finanças, eram os personagens principais na França de Henrique III em 1588 e convenceram Henrique a mandar assassinar Guise. A guerra civil era dispendiosa demais e nem Harlay nem d'O tinham à sua disposição os meios — nem o império — que Felipe da Espanha tinha. Matar Guise era sua única opção, então eles recomendaram o assassinato de Guise em suas funções de financistas do rei a cargo dos fundos de guerra dilapidados de Henrique III. O então angustiado Felipe se consolou com a idéia de que ele provavelmente não teria sido capaz de "governar" o duque de Guise se ele tomasse o trono da França. Ao saber da morte do duque, o papa anuiu e disse: "Então o rei da Espanha perdeu mais um capitão."
Sete meses mais tarde, o próprio Henrique III foi assassinado, dando um fim à Casa de Valois e colocando Henrique de Navarra e a Casa de Bourbon no trono francês. Começava a luta para Harlay de Sancy garantir seu futuro como um servo católico de um rei protestante extremamente astuto. Havia poucas dúvidas de que seus diamantes seriam necessários, e mesmo que não fossem, ele iria garantir que Henrique IV pensasse que eram.
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