Tempos modernos tempos de sociologia helena bomeny



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. Acesso em: abr. 2016.

Caras e caras

“O Brasil é um país continental” – certamente você já ouviu essa frase muitas vezes. Com seus 8 514 876,599 km², é o maior país da América do Sul, o terceiro das Américas e o quinto do mundo, tendo à sua frente a Rússia (17075400 km²), o Canadá (9970610 km²), a China (9517300 km²) e os Estados Unidos (9372 614 km²). O território está dividido em 26 estados e um Distrito Federal, que por sua vez se dividem em 5570 municípios. A população brasileira já passa de 200 milhões de habitantes, distribuídos desigualmente entre cinco regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste).
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As regiões brasileiras apresentam condições geográficas distintas, traços particulares de cultura e níveis desiguais de desenvolvimento econômico e social. Tudo isso é importante para entendermos por que é tão impróprio falar de “cultura brasileira” – como se fosse uma cultura única e homogênea – e “realidade brasileira” – como se a realidade do país pudesse ser capturada de uma só vez, por um gesto ou por uma explicação. As indicações gerais sem dúvida servem como orientação, fornecem um mapa. Mas os mapas não reproduzem exatamente o que existe no espaço que seu traçado representa. Vamos nos aproximar um pouco mais e tomar contato com o que existe dentro do espaço gigantesco, continental, do Brasil, que tanto impressiona os que dele se aproximam.

Quando afirmamos que as regiões brasileiras apresentam um desequilíbrio do ponto de vista econômico e social, queremos dizer que algumas delas dispõem de riquezas e oportunidades decorrentes da produção industrial, enquanto outras dependem de recursos provenientes do governo federal, porque a produção local não é suficiente para promover seu desenvolvimento. Veja, no mapa ao lado, como a produção brasileira se distribui entre as regiões.

© DAE/Alessandro Passos da Costa

Fonte: IBGE. Contas regionais do Brasil, 2012.

Com base em dados coletados em 2012, o IBGE nos informa que metade do Produto Interno Bruto (PIB) nacional estava concentrada em apenas 1% dos municípios brasileiros. Dos 5570 municípios, apenas 56 concentravam a metade da riqueza produzida no país. Moram ali 30,8% da população brasileira, ou seja, quase um terço dela. A explicação é que a falta de oportunidade de trabalho, a pobreza, a produção insuficiente, tudo isso expulsa os moradores das regiões mais pobres em direção àquelas onde se supõe que a vida possa ser melhor. No relatório sobre concentração do PIB, o IBGE aponta que cerca de 40% de toda a riqueza, bens e serviços produzidos no Brasil estão concentrados em 25 municípios. São eles:



São Paulo (SP)

Rio de Janeiro (RJ)

Brasília (DF)

Duque de Caxias (RJ)

Salvador (BA)

Fortaleza (CE)

Recife (PE)

Canoas (RS)

Goiânia (GO)

Jundiaí (SP)

Campinas (SP)

Belém (PA)

São José dos Campos (SP)

Manaus (AM)

Osasco (SP)

Porto Alegre (RS)

Belo Horizonte (MG)

Curitiba (PR)

Guarulhos (SP)

Betim (MG)

Barueri (SP)

São Bernardo do Campo (SP)

Santos (SP)

Vitória (ES)

Campos dos Goytacazes (RJ)

IBGE

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma fundação pública da administração federal brasileira. Criado na década de 1930, produz indicadores demográficos, sociais e econômicos. É responsável, entre outras coisas, pelo censo demográfico, realizado a cada dez anos, e por elaborar cartas topográficas e mapas nacionais, regionais, estaduais e municipais. Os indicadores, os mapas e as publicações do IBGE são importantes subsídios tanto para as políticas públicas quanto para a pesquisa.

Para conhecer melhor essa importante instituição, visite o site .
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É importante observar que o fato de uma região ser economicamente rica – assim como um município, ou um estado, ou um país – não significa que ela distribua equilibradamente suas oportunidades e riquezas entre seus habitantes. Em outras palavras, o “bolo” pode ser grande, porém mal repartido. Foi essa constatação, aliás, que motivou Karl Marx a procurar entender as razões que levaram a sociedade capitalista a produzir tanta riqueza e concentrá-la ainda mais. Também no Brasil os cientistas sociais estão sempre mostrando os contrastes profundos existentes dentro de uma mesma região ou de um mesmo centro metropolitano. As maiores e mais prósperas metrópoles brasileiras produziram com a mesma força os maiores contrastes sociais. O tão comum dito “o Brasil é o país dos contrastes” se sustenta, portanto, mesmo quando adentramos sua realidade mais profunda.

Mas os pesquisadores querem mais. Querem saber como vive a população, qual é sua qualidade de vida. Isso pode ser medido por um indicador chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que informa como um país distribui a renda, cuida da saúde e da educação de seu povo. Para viver com qualidade e se desenvolver, uma pessoa precisa de renda, saúde e educação. E o Brasil não se sai muito bem nessa avaliação. Segundo os dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em 2014, o Brasil ficou em 79º entre 187 países. De 1980 a 2013, o IDH do Brasil foi o que mais cresceu entre os países da América Latina e do Caribe, com alta acumulada de 36,4%. Isso significa que nessas três décadas os brasileiros ganharam mais anos em expectativa de vida, mais tempo de escolaridade para as crianças e para os adultos com 25 anos ou mais. Mas também aqui acontece um fenômeno típico brasileiro: as desigualdades regionais são tão grandes que em algumas regiões os índices são comparáveis aos dos países mais pobres do mundo, enquanto em outras, ao contrário, aproximam-se dos mais desenvolvidos e com melhor qualidade de vida. De acordo com os dados do Pnud em 2010, Alagoas era o estado brasileiro em pior situação: seus habitantes tinham uma expectativa de vida bem menor que a de outros estados. Já o Distrito Federal, nesse item, foi o que apresentou melhor posição.

Desenvolvimento Humano

O conceito de Desenvolvimento Humano [...] parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. [...]

O que é IDH

O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos do desenvolvimento e não é uma representação da “felicidade” das pessoas, nem indica “o melhor lugar no mundo para se viver”. [...]

Desde 2010, quando o Relatório de Desenvolvimento Humano completou 20 anos, novas metodologias foram incorporadas para o cálculo de IDH. Atualmente, os três pilares que constituem o IDH (saúde, educação e renda) são mensuradas da seguinte forma:

■ Uma vida longa e saudável (saúde) é medida pela expectativa de vida;

■ O acesso ao conhecimento (educação) é medido por: i) média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 anos; e ii) a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar, que é o número total de anos de escolaridade que um criança na idade de iniciar a vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes de taxas de matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida da criança;

■ E o padrão de vida (renda) é medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo 2005 como ano de referência.

Publicado pela primeira vez em 1990, o índice é calculado anualmente. Desde 2010, sua série histórica é recalculada devido ao movimento de entrada e saída de países e às adaptações metodológicas, o que possibilita uma análise de tendências. Aos poucos, o IDH tornou-se referência mundial. É um índice-chave dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas e, no Brasil, tem sido utilizado pelo governo federal e por administrações regionais através do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). [...]

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud/Brasil), 2009. Disponível em: . Acesso em: maio. 2016.
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Augusto Dauster/Fotoarena

Moradia à beira do Lago Paranoá, em Brasília (DF), 2016.

Tales Azzi/Pulsar Imagens

Moradia na margem da Lagoa Manguaba, em Marechal Deodoro (AL), 2015.

A mancha nacional

O desenvolvimento educacional dos estados e municípios brasileiros também é revelador da situação mais geral. Os indicadores de analfabetismo, por exemplo, são mais altos nas regiões mais pobres e mais baixos nas mais favorecidas. Os estados mais pobres do Brasil se aproximam de países mais pobres, como Madagascar, na África, com posição bastante desfavorável entre os países considerados pelas agências que tratam do desenvolvimento humano.

Quando tomamos como referência uma questão importante, como educação, vemos com clareza as diferenças agudas entre as regiões mais favorecidas e as menos favorecidas do Brasil. Se a educação é um direito de todos, estamos ainda muito longe de cumprir esse direito fundamental de maneira igualitária. As discrepâncias entre as regiões acentuam as desigualdades e as diferenças entre os cidadãos brasileiros, o que é demonstrado pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).



Alex Argozino

Fonte: IBGE. Séries estatísticas. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.
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Se compararmos as zonas urbanas e rurais, veremos que os números também são muito diferentes. Apesar de o Brasil ter investido mais em educação nos últimos 20 anos, há uma grande disparidade entre o que acontece nesses dois espaços.



Ilustrações: Alex Argozino

Fonte: IBGE. Séries estatísticas. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

Tomemos, por exemplo, uma noção importante na área educacional, a do chamado analfabetismo funcional. O analfabeto funcional, embora consiga juntar letras, não consegue entender o que lê, nem o que significam as palavras nos parágrafos de um texto. Embora conheça os números, não consegue fazer as operações matemáticas básicas. Essa deficiência evidentemente compromete a posição de alguém que está competindo por um lugar melhor no mercado de trabalho. E esse conceito revela o tipo de aprendizado que a pessoa teve, pois ela pode ser analfabeta funcional mesmo tendo completado o Ensino Fundamental. O IBGE define como analfabeto funcional a pessoa com 15 anos ou mais de idade, porém com menos de quatro anos de estudos completos. Para alcançar um indicador, é feita uma análise comparativa em relação ao total de pessoas do mesmo grupo etário. Por meio dessa metodologia, o PNAD nos oferece os dados a seguir:



Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004/2013. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

Os analfabetos funcionais não conseguem compreender textos curtos e localizar informações, inclusive as que estão indicadas nos próprios textos lidos. O mais preocupante é que isso tem acontecido com adolescentes e adultos que concluíram tanto o Ensino Fundamental II quanto o Ensino Médio. Essa situação se tornou um problema tão sério para nosso país que foi criado um medidor para isso: o Índice de Analfabetismo Funcional (Inaf). E o retrato não é muito estimulante. A pesquisadora Paula Louzano, da Universidade de São Paulo, nos dá um alerta: “Oito por cento das pessoas que têm ensino médio completo podem ser consideradas analfabetas funcionais...”. Essa situação faz parte da vida de 15% da população brasileira com idade entre 15 e 24 anos. Em cada dez brasileiros, apenas três estão plenamente alfabetizados, ou seja, leem, interpretam textos longos e resolvem cálculos com maior quantidade de elementos e etapas.

Fonte: Inaf Brasil 2001 a 2011.


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Em muitos outros aspectos as distâncias podem ser percebidas. Os indicadores de educação e saúde são sempre lembrados porque, se um ou outro forem muito baixos, todos os demais (renda, moradia, posição social) se alteram. São áreas tão importantes que, no início do século XX, nas primeiras décadas da República, caravanas de cientistas e educadores percorreram o Brasil para identificar e denunciar o que diagnosticaram como o “flagelo nacional”: as más condições educacionais e sanitárias. Miguel Pereira, médico sanitarista, chegou a dizer em 1916 que “o Brasil é um imenso hospital”. Não foi por acaso que em 1930, quando o governo Getúlio Vargas decidiu cuidar do “flagelo nacional”, criou o Ministério da Educação e Saúde. Até 1953 foram tratadas juntas, em um mesmo ministério, as duas áreas que mais duramente mostravam a dificuldade de lidar com a distância entre uns e outros em nosso país.



G. Evangelista/Opção Brasil Imagens

Sala de aula em escola municipal. Turmalina (MG), 2015. As condições que colaboram para o baixo rendimento dos alunos podem ser a má luminosidade – que dificulta a leitura e a concentração –, falta de materiais complementares e estrutura precária.

Eduardo Zappia/Pulsar Imagens

Alunos em sala de aula em escola municipal. Sobral (CE), 2013. As condições que resultam em bom rendimento dos alunos muitas vezes estão relacionadas ao ambiente da sala de aula, como boa luminosidade, fornecimento de materiais de apoio, boa estrutura, com carteiras e lousas etc.
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Tudo virando urbano

Outro fenômeno importante provocou a necessidade de olhar o Brasil de forma mais atenta: a urbanização. O Brasil tem sido apontado por especialistas nacionais e estrangeiros como um país que passou por um dos maiores movimentos de urbanização registrados na época contemporânea. A população predominantemente rural transformou-se em majoritariamente urbana em um período de tempo muito curto, de apenas 25 anos. A rapidez desse processo e a concentração de pessoas que ele produziu têm exigido dos especialistas muitas explicações. Aos habitantes das cidades, têm provocado um misto de aceitação e inquietação. Afinal, como e por que tudo virou urbano?

Este livro começou falando da importância das cidades e da atmosfera urbana para que pudessem emergir novos valores, novas crenças, novas formas de relacionamento e de poder. Associamos também a vida urbana ao surgimento e à consolidação da atividade industrial. A cidade, fizemos questão de insistir, foi o cenário onde ocorreram profundas transformações tanto no sentido econômico, com as mudanças no processo de trabalho, quanto no sentido sociopolítico, com a ampliação e a conquista de direitos.

As cidades fazem parte da paisagem social brasileira desde o Período Colonial, mas foi a partir da segunda metade do século XIX, quando ocorreu o primeiro surto de industrialização no país, que elas começaram a ter um número expressivo de habitantes. As cidades cresceram, sobretudo, graças aos imigrantes italianos, japoneses e alemães, que se dirigiram primeiro para o Sul do país e em seguida para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo – que também se tornariam atraentes para as migrações internas.

Museu de Arte Contemporânea/USP, São Paulo. Tarsila do Amaral Empreendimentos/Fotografia: Rômulo Fialdini

Tarsila do Amaral. Estrada de Ferro Central do Brasil, 1924. Óleo sobre tela, 1,42 m × 1,02 m. A obra evidencia o contraste entre as paisagens rurais e as estradas de ferro da emergente São Paulo industrial. Quais símbolos da modernidade estão presentes nessa pintura?
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Estima-se que na última década do século XIX cerca de 1,2 milhão de imigrantes entraram no Brasil.

Se as migrações internacionais provocaram o crescimento urbano na primeira metade do século XX, entre 1960 e 1980 seriam as migrações internas que definiriam os contornos das cidades. Em duas décadas, saíram do campo para a cidade cerca de 43 milhões de pessoas. A industrialização do Sudeste estimulou o movimento de migrantes, oriundos sobretudo da região Nordeste, os quais deixavam o campo com a esperança de uma vida melhor no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Estadão Conteúdo

Migrantes de diferentes locais do Nordeste chegam a São Paulo (SP), 1960.

Ao longo da história, a rede urbana brasileira foi se concentrando no litoral. De início, as cidades mais importantes eram aquelas que se relacionavam diretamente com a metrópole portuguesa. No Império e no início da República, as cidades estavam articuladas entre si em função das atividades agrícolas, e todas tinham como referência a capital da província ou do estado. Nas capitais estavam os serviços públicos e as principais instituições comerciais e financeiras. Até a década de 1960, as principais cidades brasileiras, além do Rio de Janeiro, capital federal, eram todas capitais de estado: Belém, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Cuiabá, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Eram poucas as cidades de médio porte. A partir da década de 1970, porém, ocorreu uma desconcentração da população nos grandes aglomerados urbanos, em consequência da redução das migrações e da queda da taxa de fecundidade – estimativa do número médio de filhos por mulher em idade de procriar. As cidades médias não metropolitanas ganharam relevância e passaram a apresentar maior crescimento. Paralelamente, assistiu-se à formação de grandes regiões metropolitanas.

Hoje o Brasil é um país majoritariamente urbano. De acordo com o Censo 2010, 84,4% da população nacional habitam domicílios situados em área urbana. Na comparação entre as grandes regiões, observamos que 26,9% dos domicílios do Nordeste, 26,5% do Norte, 15,1% do Sul, 11,2% do Centro-Oeste e 7,1% do Sudeste estão situados em área rural. As cidades de Rio de Janeiro e São Paulo concentram 9,84% do total da população urbana.

Como afirmou Georg Simmel, as cidades em geral têm a propriedade de mostrar muitas coisas ao mesmo tempo – e as brasileiras não são diferentes. Elas abrem oportunidades de vida e trabalho para milhares de pessoas e mostram caminhos para a realização de muitos desejos: participar das decisões políticas, usufruir dos equipamentos culturais, andar pelas ruas com liberdade, adquirir bens. Mas também abrigam pessoas que não conseguem realizar nenhum desses anseios. As cidades brasileiras revelam, assim, a cara do Brasil: são amigáveis e violentas; cordiais e injustas; livres e opressoras; generosas e excludentes; hospitaleiras e cruéis.

Os muitos retratos possíveis do Brasil estão presentes em traços desconexos nos ambientes urbanos, porque foi nas cidades que a imprensa e os meios de comunicação surgiram e se disseminaram – nelas as notícias se espalham com rapidez. Os isolamentos se quebram, porque somos obrigados a compartilhar espaços, mas ao mesmo tempo se criam novas fronteiras entre os grupos sociais. Por isso é que a “imaginação sociológica” recomenda que não nos atenhamos a uma fórmula única, a uma só versão dos acontecimentos, a uma possibilidade de solução. Por isso ela nos incentiva a observar de perto como se alteram aspectos considerados estáveis e permanentes em nosso cotidiano. Para percebermos quão complexa é a vida em sociedade, tomemos um exemplo apenas. O que acontece com as famílias brasileiras?

Regiões metropolitanas

Região metropolitana é o nome dado a um grande centro populacional formado por uma cidade central – uma metrópole – e as cidades adjacentes. Em uma região metropolitana, os limites físicos entre as cidades praticamente desaparecem, formando-se uma única aglomeração urbana. Você sabe quais são as regiões metropolitanas do país? Conhece os processos que as formaram? Sabe onde encontrar informações a respeito delas? Vamos pesquisar!
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As muitas famílias

Uma boa maneira de iniciar esta reflexão é imaginarmos uma pesquisa com as pessoas mais velhas que estão à nossa volta. O que diriam os mais velhos sobre a vida familiar do tempo em que eram crianças? Do que será que eles se lembram? Contariam que as famílias eram sustentadas com o rendimento do trabalho do pai ou do pai e da mãe? Diriam que pais e mães sempre permaneciam casados ou, ao contrário, sentiam-se livres para se separar se assim o desejassem? Quando se separavam, continuavam a morar na mesma casa ou continuavam casados morando em casas separadas? As famílias eram sempre constituídas de um homem e uma mulher e seus filhos ou já havia casais formados por pessoas do mesmo sexo? Havia famílias só com mães e filhos, ou só com pais e filhos? Casais sem filhos?

Essas perguntas indicam que há vários formatos possíveis de família que hoje não nos causam estranhamento, mas podem ter causado em outros tempos. Em muitos casos, as famílias mudaram de formato em comparação com o passado, mas em outros mantiveram as formas tradicionalmente conhecidas. Famílias, portanto, como percebeu Émile Durkheim, são ricos objetos de pesquisa para os que querem entender a vida em sociedade.

Uma das causas mais importantes da mudança familiar no Brasil a ser observada é a alteração do comportamento das mulheres em nossa sociedade. Mais uma vez as indicações do IBGE são esclarecedoras. O nível de escolaridade das mulheres subiu, em muitos casos mais que o dos homens. Por outro lado, a taxa de fecundidade diminuiu. As mulheres têm menos filhos, participam cada vez mais do mercado de trabalho, contribuem crescentemente para o rendimento familiar, e muitas vezes são as principais responsáveis pelo sustento da família. Aumentou o número de mulheres com apenas um filho: em 1997, elas eram 25,8%, mas em 2007 esse percentual subiu para 30,7%. Também aqui, a variação regional é significativa. Em 2010, Norte e Nordeste apresentavam taxas mais elevadas de fecundidade – 2,47 e 2,06, respectivamente, contra 1,86 da média nacional. Ainda assim, essas foram as regiões com maior redução da fecundidade entre 2000 e 2010, com queda de 23,5% (Norte) e 25,2% (Nordeste).

Os dados do Censo 2010 apontam ligeira queda de participação dos grupos de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos de idade na fecundidade total, os quais concentravam 18,8% e 29,3% em 2000 e passaram a concentrar 17,7% e 27% em 2010. O recenseamento também indicou aumento de participação nos níveis de fecundidade dos grupos de idade acima de 30 anos – de 27,6% em 2000 para 31,3% em 2010.

Portanto, quando queremos saber como se constituem as famílias brasileiras nos dias de hoje, temos de contabilizar muitas informações. Os divórcios, os casamentos sucessivos, os filhos provenientes de casamentos distintos do pai ou da mãe, os meios-irmãos, os padrastos e madrastas, as diferentes casas onde as crianças e os jovens transitam dentro do ambiente familiar, os filhos registrados por casais do mesmo sexo, tudo isso tem de ser levado em consideração.

Rafael Danielewicz/Arquivo pessoal

O casal Toni Reis e David Harrad, com os filhos adotivos Alyson, Jéssica e Felipe, 2014.

Certamente, há resistência aos arranjos pouco usuais, que contrariam os formatos familiares tradicionais. A vida em sociedade está cheia de casos que revelam tensões, não só no Brasil como em outros países. O que uns escolhem ou defendem pode parecer ofensivo a outros. E isso não acontece apenas com os formatos familiares. Acontece também, por exemplo, com as diferentes manifestações culturais que dão sentido às tribos formadas pelos jovens e com as diferentes opções religiosas. São comuns as discussões entre os que defendem e os que condenam a legalização do aborto ou a descriminalização das drogas. Tudo isso é revelador da vida em sociedade, e nada disso é objeto de consenso.

A riqueza da Sociologia está em caminhar pelas discordâncias, pela diversidade de concepções da vida, pelas conquistas das negociações, pelo que junta e pelo que separa opiniões e maneiras de ser. As cidades, em todo o mundo, expuseram a multiplicidade das manifestações da vida coletiva de forma concentrada, facilitando o desenvolvimento de uma ciência da sociedade. No Brasil não foi diferente.
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A nova família brasileira

O Censo 2010 mostrou que a família brasileira mudou bastante ao longo dos últimos anos. Pela primeira vez a formação clássica “casal com filhos” deixou de ser maioria nos arranjos familiares, representando 49,9% dos domicílios. Nos 50,1% restantes, uma grande variedade de configurações deixa clara a necessidade cada vez maior de pensar a unidade familiar de forma plural.

Segundo os dados do IBGE, casais sem filhos, pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, casais do mesmo sexo, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, entre outros, são hoje maioria. Não por acaso, o último censo listou 19 laços de parentesco para dar conta das mudanças, oito a mais que em 2000.

Um dos arranjos que mais aumentou nas últimas décadas foi o dos chamados “Dinks”, denominação importada do inglês para designar casais sem filhos (double income, no kids, ou, em português, “dupla renda, nenhum filho”). De acordo com o IBGE, o número de famílias Dinks dobrou entre 1996 e 2006, chegando a mais de 2 milhões em 2010 (cerca de 4% dos domicílios brasileiros). Além de casais que ainda pretendem ter filhos, também são considerados Dinks casais homossexuais, pessoas de meia-idade cujos filhos já saíram de casa ou ainda casais que não podem ou não querem ter filhos.

Outra novidade trazida pelo último censo foi a inclusão das chamadas “famílias mosaico” nas estatísticas. Formados por segundos e terceiros casamentos, nos quais há filhos só do pai, só da mãe ou de ambos, esses lares já representam 16% dos domicílios de casais com filhos, correspondendo a nada menos que 4,5 milhões de famílias. O aumento do número de pessoas que se divorciam e se casam novamente com outros parceiros é também responsável pelo surgimento de um tipo de arranjo ainda não pesquisado pelo IBGE: filhos de casais separados que estabeleceram o regime de guarda compartilhada e, por isso, têm dois domicílios, dividindo seu tempo entre a casa do pai e a da mãe.



Alex Argozino

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010.
Página 226

Outros brasis...

A despeito da extensão do território, da diversidade entre as regiões e da distância entre suas muitas realidades, uma certeza é sempre mencionada quando se trata do Brasil: uma única língua oficial, o português, é reconhecida em todo o país. Mas não é a única falada...

O Censo 2010, que investigou pela primeira vez as etnias e línguas indígenas, encontrou nada menos que 247 línguas faladas por 305 etnias. Os dados disponíveis até então apontavam para a existência de cerca de 180 línguas e 220 etnias, numa mostra do desconhecimento que ainda hoje paira sobre essas populações.

Recorrentemente associados ao passado colonial, os indígenas (que em 2010 somavam cerca de 900 mil pessoas, apenas 0,47% da população brasileira) não podem, hoje, ser resumidos à velha imagem de homens e mulheres nus, vivendo em ocas e sem nenhum contato com outras formas de civilização. Ainda que existam comunidades vivendo dessa maneira, elas coexistem com muitas outras formas de vida, sem que isso implique prejuízo algum para sua identidade indígena.

Uma das constatações do IBGE nesse sentido foi que muitas pessoas não associam sua condição de indígena a características físicas, como a cor da pele. O instituto passou então a perguntar aos moradores das terras indígenas que se declaravam de outra cor se eles se consideravam indígenas segundo aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados. No total, 78,9 mil pessoas que haviam dito ser de outra cor (sobretudo parda) responderam que sim.



Renato Soares/Pulsar Imagens

Indígenas da etnia pankararu, vestidos para o ritual de passagem Toré, em Tacaratu (PE), 2014.
Os pankararus fazem parte de um grupo de “indígenas do sertão” conhecidos como tapuias, forma pela qual os tupis da costa brasileira chamavam a todo grupo não tupi. Com uma população aproximada de 6 500 indivíduos, estão localizados nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, no estado de Pernambuco.

Outro aspecto que aponta para a pluralidade da situação do indígena brasileiro diz respeito à moradia. O antropólogo João Pacheco de Oliveira nos ajuda a traçar um panorama do assunto, chamando atenção para o fato de que a identidade indígena é sobretudo múltipla, não cabendo em nenhuma tentativa de classificação muito rígida ou estática:

A população indígena vive nas situações mais diversas: alguns têm terra demarcada, vivem em parques indígenas ou terras mais amplas, como os povos do Xingu e os Yanomami, têm boas condições ambientais, meios de sobrevivência e estão assegurados pelo Estado, que os defende contra populações invasoras. Por outro lado, uma parte muito grande de indígenas vive em áreas menores, na condição de trabalhadores rurais, como camponeses, seringueiros e pescadores. Outros indígenas, no entanto, têm áreas demarcadas, às vezes pequenas, onde não dá nem para desenvolver atividades produtivas. E existem muitos que não têm qualquer resolução em torno de suas terras e passam a protagonizar situações dramáticas de disputa de territórios no Brasil, como os Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Eles são um dos maiores grupos do Brasil, chegam a mais de 30 mil, e tiveram suas áreas tomadas. Uma parte dessa população vive à beira da estrada, acampada em toldos, como sem-terras, correndo riscos de toda natureza.

João Pacheco de Oliveira traça panorama dos indígenas no Brasil. Globo Universidade. Rio de Janeiro, 24 abr. 2012. Disponível em:


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