Tempos modernos tempos de sociologia helena bomeny



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Construindo seus conhecimentos



MONITORANDO A APRENDIZAGEM

1. Você aprendeu que a Sociologia é um saber científico que nos ajuda a entender que certas ideias e fenômenos sociais nem sempre foram percebidos por nós da mesma forma que hoje. Um bom exemplo é o tempo.

a) De que modo o tempo era medido, controlado e percebido na Idade Média?

b) Que situações contribuíram para que o tempo passasse a ser percebido como riqueza?

2. Leia o texto.

Lembra-te de que tempo é dinheiro. [...] Lembra-te que – como diz o ditado – um bom pagador é senhor da bolsa alheia. [...] Guarda-te de pensar que tudo o que possuis é propriedade tua e de viver como se fosse.

Benjamin Franklin, texto escrito entre 1736 e 1748 apud Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Lisboa: Presença, 2001. p. 121.

■ Esses três conselhos de Benjamin Franklin – fazer uso adequado do tempo, ter crédito na praça e ter ambição para ganhar mais do que o necessário para viver – são parte daquilo que Max Weber chamou de “espírito do capitalismo”. Essas orientações nada têm de religiosas. Por que Weber entendeu que a ética da religião protestante combinava com essa visão de mundo e contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo?



3. Construa uma definição para racionalidade com base no que você aprendeu sobre a Sociologia de Max Weber.

DE OLHO NO ENEM

1. (Enem 2015)

A crescente intelectualização e racionalização não indicam um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significa a crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Não há forças misteriosas incalculáveis; podemos dominar todas as coisas pelo cálculo.

WEBER, M. A ciência como vocação. In: GERTH, H.; MILLS, W. (Org.). Max Weber: ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979 (adaptado).

Tal como apresentada no texto, a proposição de Max Weber a respeito do processo de desencantamento do mundo evidencia o(a)



(A) progresso civilizatório como decorrência da expansão do industrialismo.
(B) extinção do pensamento mítico como um desdobramento do capitalismo.
(C) emancipação como consequência do processo de racionalização da vida.
(D) afastamento de crenças tradicionais como uma característica da modernidade.
(E) fim do monoteísmo como condição para a consolidação da ciência.
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2. (Enem 2015)

O impulso para o ganho, a perseguição do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro não tem, em si mesma, nada que ver com o capitalismo. Tal impulso existe e sempre existiu. Pode-se dizer que tem sido comum a toda sorte e condição humanas em todos os tempos e em todos os países, sempre que se tenha apresentada a possibilidade objetiva para tanto. O capitalismo, porém, identifica-se com a busca do lucro, do lucro sempre renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional. Pois assim deve ser: numa ordem completamente capitalista da sociedade, uma empresa individual que não tirasse vantagem das oportunidades de obter lucros estaria condenada à extinção.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001 (adaptado).

O capitalismo moderno, segundo Max Weber, apresenta como característica fundamental a



(A) competitividade decorrente da acumulação de capital.
(B) implementação da flexibilidade produtiva e comercial.
(C) ação calculada e planejada para obter rentabilidade.
(D) socialização das condições de produção.
(E) mercantilização da força de trabalho.

3. (Enem 2005)

Frank & Ernest, Bob Thaves © 1998 Thaves/Dist. by Universal Uclick for UFS

A situação abordada na tira torna explícita a contradição entre

(A) as relações pessoais e o avanço tecnológico.
(B) a inteligência empresarial e a ignorância dos cidadãos.
(C) a inclusão digital e a modernização das empresas.
(D) a economia neoliberal e a reduzida atuação do Estado.
(E) a revolução informática e a exclusão digital.

4. (Enem 2011)

O acidente nuclear de Chernobyl revela brutalmente os limites dos poderes técnico-científicos da humanidade e as “marchas a ré” que a “natureza” nos pode reservar. É evidente que uma gestão mais coletiva se impõe para orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas.

GUATTARI, F. As três ecologias. São Paulo: Papirus, 1995 (adaptado).

O texto trata do aparato técnico-científico e suas consequências para a humanidade, propondo que esse desenvolvimento



(A) defina seus projetos a partir de interesses coletivos.
(B) guie-se por interesses econômicos, prescritos pela lógica do mercado.
(C) priorize a evolução da tecnologia, se apropriando da natureza.
(D) promova a separação entre natureza e sociedade tecnológica.
(E) tenha gestão própria, com o objetivo de melhor apropriação da natureza.
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ASSIMILANDO CONCEITOS

1. Observe a charge a seguir:

© 2001 Wiley Miller/Dist. by Atlantic Syndication/Universal Press Syndicate

Quadrinho de Wiley Miller, publicado em 4 de dezembro de 2001. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

a) Consulte o dicionário e anote os sentidos da palavra réplica. Em seguida descreva e interprete a situação representada na charge.

b) Retome o dicionário e procure o sentido da palavra dogma. A charge sugere que a ciência é neutra ou que ela também pode ser dogmática como a religião, por exemplo?

[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR

OLHARES SOBRE A SOCIEDADE

1. Leia o texto a seguir.

CÉREBRO ELETRÔNICO

O cérebro eletrônico faz tudo


Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo

O cérebro eletrônico comanda


Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda

Só eu posso pensar se Deus existe


Só eu
Só eu posso chorar quando estou triste

Só eu
Eu cá com meus botões de carne e osso


Hum, hum
Eu falo e ouço
Hum, hum

Eu penso e posso


Eu posso decidir se vivo ou morro
Por que
Porque sou vivo, vivo pra cachorro
E sei

Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro


No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo, sou muito vivo
E sei
Que a morte é nosso impulso primitivo
E sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro

Cérebro eletrônico, Gilberto Gil. Gege Edições Musicais Ltda. (Brasil e América do Sul)/Preta Music (resto do mundo). Todos os direitos reservados.

a) O que seria o “cérebro eletrônico” de que fala a letra da música? Você o identifica em seu dia a dia?

b) De que maneira podemos relacionar a letra da música com a racionalidade de que nos fala Max Weber?

c) Na letra da música, quais trechos tratam dos limites da racionalidade científica?
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[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR

EXERCITANDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
TEMA DE REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UERJ (2013)


TEXTO IV

Lembra-te de que tempo é dinheiro. Aquele que pode ganhar dez xelins2 por dia com seu trabalho e vai passear, ou fica vadiando metade do dia, embora não despenda mais do que seis pence durante seu divertimento ou vadiação, não deve computar apenas essa despesa; gastou, na realidade, ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais. [...] Aquele que perde cinco xelins, não perde somente esta soma, mas todo o proveito que, investindo-a, dela poderia ser tirado, e que durante o tempo em que um jovem se torna velho, integraria uma considerável soma de dinheiro.

Benjamin Franklin

WEBER, Max. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1985.



TEXTO V

Dizemos, com frequência, que fomos atropelados pelos acontecimentos − mas quais acontecimentos têm poder de atropelar o sujeito? Aqueles em direção aos quais ele se precipita, com medo de ser deixado para trás. Deixamo-nos atropelar, em nossa sociedade competitiva, porque medimos o valor do tempo pelo dinheiro que ele pode nos render. Nesse ponto remeto o leitor, mais uma vez, à palavra exata do professor Antonio Candido: “O capitalismo é o senhor do tempo. Mas tempo não é dinheiro. Isso é uma brutalidade. O tempo é o tecido de nossas vidas”. A velocidade normal da vida contemporânea não nos permite parar para ver o que atropelamos; torna as coisas passageiras, irrelevantes, supérfluas.

Maria Rita Kehl
mariaritakehl.psc.br

Proposta de redação

Os textos IV e V apresentam posições opostas sobre a relação com o tempo: para o primeiro, tempo é dinheiro, porque deve ser empregado em produzir riqueza; para o segundo, tempo não pode ser resumido ao dinheiro, porque isso é uma brutalidade.

Com base na leitura de todos os textos e de suas elaborações pessoais sobre o tema, escolha uma das duas posições e a defenda, redigindo um texto argumentativo em prosa, com no mínimo 20 e no máximo 30 linhas.

Utilize a norma-padrão da língua e atribua um título a sua redação.
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7 A metrópole acelerada



United Artist

O tique nervoso de Carlitos em cena do filme Tempos modernos.

Em cena: O surto e o manicômio

O dia de trabalho chega ao fim. Os operários estão exaustos, porém o dono da fábrica dá ordem para acelerar a produção. Carlitos tenta heroicamente acompanhar o ritmo, mas já não consegue: em uma das cenas mais famosas da história do cinema, atira-se sobre a esteira que passa à sua frente e é literalmente engolido pelas engrenagens circulares que compõem a máquina gigantesca. Sob o olhar incrédulo do “rebanho”, a “ovelha negra” enlouquece.

Após ser cuspido de volta pela máquina, tomado por uma espécie de transe, Carlitos aperta o nariz dos colegas com suas chaves como se fossem roscas e persegue até a rua a secretária do dono da fábrica com o intuito de apertar-lhe os botões da saia. Em seguida, corre atrás de outra mulher, fixado agora nos botões da blusa dela, e entra novamente na fábrica fugindo de um guarda que se aproxima. Daí em diante as coisas pioram: ele liga e desliga máquinas, explode fusíveis, borrifa óleo nos colegas, saltita loucamente pela linha de montagem, dependura-se em um enorme gancho e borrifa óleo no próprio dono da fábrica. Os operários e seguranças tentam contê-lo, mas Carlitos, incontrolável, corre para a rua. Nesse momento, depois de borrifar o enfermeiro, é metido numa ambulância que o conduzirá ao manicômio.

Na cena seguinte, Carlitos, bem mais calmo – não mais usando o macacão de operário, e sim o famoso terno preto, chapéu coco e bengala –, deixa a clínica psiquiátrica. Antes de partir, escuta atentamente o conselho do médico: “Vá com calma e evite a excitação”. Será realmente possível viver sossegado nestes tempos modernos?
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Apresentando Georg Simmel

Um ótimo autor para nos acompanhar nesta cena e ajudar a compreender o surto de Carlitos é Georg Simmel, sociólogo que estudou temas variados. Especialmente interessante para nós é seu ensaio sobre a vida nas metrópoles modernas, no qual analisa a relação entre os diversos aspectos da vida social e da vida psíquica, ou seja, entre o ambiente urbano e a personalidade das pessoas.

Georg Simmel



(Berlim, Alemanha, 1 de março de 1858 – Estrasburgo, França, 28 de setembro de 1918)

Sammlung Rauch

Georg Simmel, c. 1900.

Embora Georg Simmel nem sempre apareça entre os pais da Sociologia, sua obra foi muito importante para o desenvolvimento do conhecimento sociológico. Uma de suas preocupações foi, assim como para Durkheim, discorrer sobre os objetos e a metodologia próprios dos estudos da sociedade.

Simmel teve sua obra marcada pelo intenso crescimento urbano por que passava Berlim, capital alemã, no final do século XIX e início do século XX. Atento a essas mudanças, desenvolveu um método de análise que ficou conhecido como microssociologia, propondo olhar para os fenômenos sociais em suas pequenas manifestações. Para ele, a sociedade estava em constante transformação, sendo feita e refeita com base nas relações do dia a dia.

Formado em História e Filosofia, Georg Simmel foi muito influenciado pelo filósofo alemão Immanuel Kant, embora tenha sido na análise sociológica que empreendeu seu maior esforço. Os temas mais explorados em sua obra são a modernidade, o indivíduo moderno e a importância social do dinheiro. Sobre esse tripé, analisou as mais diversas formas de interação, tendo como pano de fundo a questão mais ampla da relação entre indivíduo e sociedade.

Suas principais obras são coletâneas de ensaios e, dentre seus textos mais famosos, destaca-se “As grandes cidades e a vida do espírito” (1903).

Tempos nervosos

A modernidade, incontestavelmente, mudou o ritmo da produção. Mas não só isso: mudou o ritmo das ruas, das cidades, da vida. Na verdade, tudo foi se acelerando. As formas de entretenimento são bons exemplos: a quietude exigida pela leitura contrasta radicalmente com a velocidade da montanha-russa ou do cinema de ação. Nossa capacidade de percepção também se alterou: pense na quantidade de variáveis em que você precisa prestar atenção enquanto joga uma partida de video game. Não por acaso, as habilidades dos jovens do século XXI deixam os mais velhos perplexos: falam ao telefone, checam mensagens, escutam música e fazem o dever de casa ao mesmo tempo!

Marcio Silva/Dreamstime.com

Times Square, Manhattan, Nova York, 2015. Times Square é uma grande área comercial situada na região central da Ilha de Manhattan, Nova York (EUA). É um dos pontos turísticos mais visitados do mundo. Seus prédios ostentam gigantescos painéis publicitários de telas LED, intensamente iluminados.
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Georg Simmel viveu muito antes de nosso tempo, mas formulou um conceito que nos ajuda a pensar na aceleração do cotidiano e em suas consequências psíquicas: o conceito de intensificação da vida nervosa. No contexto da cidade, dizia ele, somos frequentemente expostos a estímulos – imagens, sons, rostos, anúncios – que acabam exigindo de nós uma sensibilidade específica. É necessário sermos capazes de nos concentrar, de manter um ritmo acelerado de produção e de nos adequar a um tempo marcado por um “calendário estável e impessoal”. Os avanços tecnológicos e a racionalização da vida – lembre-se do que Max Weber ensinou – contribuem para que o cotidiano se torne ao mesmo tempo mais simples e mais complicado.



RosaIreneBetancourt 8/Alamy/Latinstock

Pedestres e automóveis dividem as ruas em Mumbai (Índia), 2015. Mumbai é considerada uma das cidades mais populosas do mundo.

Paradoxos da moderna vida urbana

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), na primeira década do século XXI metade da população mundial passou a viver em áreas urbanas. Com o crescimento das cidades, o número de veículos também aumentou. Os automóveis e transportes coletivos são tecnologias desenvolvidas para facilitar a vida das pessoas, seja nas cidades, seja nas áreas rurais. No entanto, essas mesmas tecnologias trouxeram desafios à vida nas grandes cidades, como os congestionamentos gigantescos que vemos nos noticiários de jornais ou que nós mesmos já enfrentamos. Criadas para encurtar distâncias e reduzir o tempo de locomoção, também impuseram a complexa tarefa de organizar a circulação de pedestres e veículos. Surgiu, inclusive, a necessidade de uma área específica no campo da engenharia para tratar dessa questão urbana: a engenharia de tráfego. Além disso, não podemos esquecer o quanto a concentração de veículos contribui para o aquecimento global e aumento da poluição atmosférica, que afeta a saúde dos habitantes das áreas urbanas.

Fonte: FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – UNFPA. Pessoas e possibilidades em um mundo de sete bilhões. Relatório sobre a situação da população mundial, 2011. p. 78.

Se você nasceu ou mora em uma cidade grande há muito tempo, dificilmente pensa, antes de sair de casa, no quanto é complicado caminhar em meio à multidão apressada. Mas, para que isso não seja um problema, você precisou ser socializado, precisou adquirir certos saberes que hoje são automáticos em seu comportamento, como: desviar de transeuntes enquanto presta atenção no sinal de trânsito e nos carros; ignorar certos sons e estar atento a outros (uma sirene ou buzina, por exemplo); manter o foco quando tantas imagens passam pela janela do ônibus; agir quando está cercado por rostos estranhos.
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Mobilidade urbana

Em junho de 2013, milhares de jovens brasileiros foram às ruas protestar contra o aumento das tarifas de ônibus. Ainda que as manifestações tenham encontrado aí sua motivação inicial, seu estopim colocou na pauta dos movimentos sociais um assunto cada vez mais importante: a mobilidade urbana. O tema da mobilidade urbana está diretamente ligado à questão do direito à cidade porque trata de como, e em quais condições, as pessoas se movem – ou são impedidas de se mover – dentro das cidades. Não é difícil imaginar por que ele se tornou um dos principais desafios das metrópoles mundiais. Vejamos o caso do Brasil.

Ale Silva/Futura Press

Trem em movimento próximo à estação São Cristóvão, Rio de Janeiro (RJ), 2014.

O caos da mobilidade urbana está presente diariamente nos noticiários. Já nos acostumamos a cenas de congestionamentos, acidentes, ônibus, metrôs e trens lotados, num enredo que parece não ter fim. Essas imagens se refletem claramente nos números: segundo o Censo 2010-IBGE, mais de 1 milhão de pessoas no Brasil levam mais de duas horas para chegar ao local de trabalho. O município de Japeri, na Baixada Fluminense (Região Metropolitana do Rio de Janeiro), ficou em primeiro lugar no ranking dos trabalhadores com maior tempo de deslocamento do país. Ali, mais de 20% da População Economicamente Ativa (PEA) participa de um grupo conhecido como migrantes pendulares: são trabalhadores que saem de seu município dormitório para trabalhar em outras cidades, enfrentando diariamente um caminho longo e lento, por causa de atrasos e da precariedade dos meios de transporte coletivos.

Além dos problemas do transporte público, outro fator contribui para a crescente piora nas condições de deslocamento, sobretudo nas grandes cidades do país: multiplicação da frota de veículos. De acordo com o Observatório das Metrópoles, nos últimos anos o aumento do número de veículos automotores no Brasil foi dez vezes maior do que o crescimento da população: enquanto a população cresceu 12,2% numa década, o aumento do número de veículos motorizados foi de 138,6%. Segundo dados disponibilizados pelo Denatran, o país terminou 2012 com mais de 50,2 milhões de automóveis e 19,9 milhões de motos.

Não por acaso, cada ano, mais pessoas e entidades aderem ao Dia Mundial Sem Carro (DMSC), iniciativa que começou na França em 1997. Trata-se de uma ação que tem como ideia principal sensibilizar e mobilizar a população em torno das diversas questões relacionadas à mobilidade urbana. Recentemente, no Brasil, têm surgido muitas ações de incentivo ao uso de bicicletas, pressionando o poder público a criar ciclovias e melhorar a segurança de quem opta por esse meio de transporte. E você, como se desloca até a escola? Quanto tempo do dia gasta em deslocamentos pela cidade?


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O ritmo do tempo nas cidades grandes



Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Painel com os horários de partida de voos nacionais e internacionais do aeroporto de Cumbica, Guarulhos (SP), 2015. O painel luminoso informa os horários de partida e de chegada dos aviões domésticos e internacionais nos aeroportos. O cumprimento rigoroso dos horários é fundamental para garantir a eficiência desse meio de transporte, uma vez que o cancelamento ou o atraso dos voos pode gerar esperas superiores a um dia.

As relações e oportunidades do habitante típico da cidade grande costumam ser tão variadas e complicadas, e sobretudo: mediante a acumulação de tantos homens, com interesses tão diferenciados, suas relações e atividades engrenam um organismo tão complexo que, sem a mais exata pontualidade nas promessas e nas realizações, o todo se esfacelaria em um caos inextricável. Se repentinamente todos os relógios de Berlim andassem em direções variadas, mesmo que apenas no intervalo de uma hora, toda a sua vida e tráfego econômicos, e não só, seriam perturbados por longo tempo. A isto se acresce, de modo aparentemente ainda mais exterior, a grandeza das distâncias, que torna toda espera e viagem perdida uma perda de tempo insuportável. Assim, a técnica da vida na cidade grande não é concebível sem que todas as atividades e relações mútuas tenham sido ordenadas em um esquema temporal fixo e suprassubjetivo.

SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. Mana, v. 11, n. 2, p. 577-591, 2005 [1903]. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

O que hoje já se tornou um comportamento em grande medida naturalizado foi objeto de reflexão das ciências e das artes na virada do século XIX para o XX. Cientistas, filósofos, literatos e poetas escreveram sobre os novos “choques” cotidianos e suas consequências – positivas e negativas – para a personalidade dos indivíduos. Como explica o antropólogo Luiz Fernando Duarte, foi nessa época que os psiquiatras criaram um novo vocabulário clínico em torno da “doença dos nervos”, com a intenção de explicar as “perturbações de caráter”, “irritações”, “tensões” e “surtos” a que estariam submetidos os que vivem nas grandes cidades. Esse vocabulário, aliás, atualiza-se continuamente: hoje, por exemplo, é comum explicarmos reações típicas da vida nas grandes cidades usando a palavra “estresse”.

Georg Simmel argumentou em seus escritos que, para lidar com os novos estímulos e acelerações, com a intensificação da vida nervosa, os habitantes das grandes cidades desenvolveram um comportamento estranho ao mundo rural e à cidade pequena, a que chamou de atitude de reserva. Homens e mulheres urbanos, para preservar sua sanidade mental, acabam fechando-se, protegendo-se dos estímulos exteriores e se distanciando das emoções cotidianas. Aprendem a se tornar indiferentes àquilo que não lhes diz respeito diretamente, a mergulhar em si mesmos, a prestar atenção apenas a seu pequeno círculo de convívio. Imagine, por exemplo, se você tivesse de cumprimentar ou saber o nome de cada pessoa com que você cruza no caminho entre sua casa e a escola. Se você mora em uma cidade grande, isso é simplesmente inconcebível. Simmel descreve essa impossibilidade com as seguintes palavras:
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A atitude espiritual dos habitantes da cidade grande uns com os outros poderia ser denominada [...] como reserva. [Na cidade grande] somos coagidos àquela reserva, em virtude da qual mal conhecemos os vizinhos que temos por muitos anos, e que nos faz frequentemente parecer, ao habitante da cidade pequena, como frios e sem ânimo. Decerto [...], o lado interior dessa reserva exterior não é apenas a indiferença, mas sim [...] uma leve aversão, uma estranheza e repulsa mútuas [...]. Toda organização interior de uma vida de circulação ampliada [...] baseia-se em uma gradação extremamente multifacetada de simpatias, indiferenças e aversões, das mais efêmeras como das mais duradouras. [...] Essa reserva [...] garante precisamente ao indivíduo [...] uma medida de liberdade pessoal [...].

SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. Mana, n. 11, p. 577-591, 2005 [1903]. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

A vida na metrópole acelerada seria marcada, portanto, pela pluralidade de experiências e pelo anonimato das interações.

A cultura subjetiva e a cultura objetiva

Georg Simmel nos aponta um paradoxo fundamental da vida moderna: partindo do princípio de que a capacidade dos indivíduos de absorver informações tem um limite, à medida que aumenta a oferta de informações disponíveis, reduz-se proporcionalmente a parcela desse acervo que cada indivíduo pode reter. Para dar um exemplo: a simples leitura de uma revista semanal talvez nos ofereça mais informação do que um homem dos tempos medievais seria capaz de adquirir ao longo de sua vida. Mas, certamente, a quantidade de informações que o homem medieval conseguia apreender da cultura de sua época é maior que aquela processada pelo homem de hoje. Isso mostra, segundo Simmel, que na vida moderna há um fosso intransponível entre o que ele chama de cultura subjetiva e cultura objetiva.

É fácil perceber que nas sociedades modernas o número de livros, músicas, espetáculos, filmes, teorias e ideias que estão à nossa disposição é enorme. Além disso, as sociedades se caracterizam pela presença de um imenso acervo de máquinas, equipamentos, brinquedos, instrumentos, objetos de uso comum – uma lista interminável de bens que se multiplicam a cada dia, ocupando o lugar da novidade de ontem e já anunciando que ficarão obsoletos amanhã, numa espiral sem fim. Esses bens são obras do intelecto, do engenho e da criatividade de homens e mulheres, mas não pertencem exclusivamente a seus criadores, porque estão disponíveis a todos que puderem usufruí-los ou adquiri-los: são bens públicos. A propaganda cuida de mostrar essas novidades a cada instante para convencer a todos de que vale a pena comprar esses bens e usá-los.

Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas

Todos reconhecemos que inovações tecnológicas dos mais variados tipos introduzem transformações em nossas vidas. Além das transformações que presenciamos em primeira mão, somos capazes de ter acesso a inúmeras outras quando estabelecemos contato, por meio de relatos dos mais velhos, livros, filmes, viagens etc., com os modos de vida de épocas e lugares em que uma ou outra tecnologia ainda era desconhecida. Esse tipo de contato com o antes de determinada tecnologia torna fácil perceber as transformações por ela geradas no depois.

Quem não sabe que, antes da energia elétrica, a família se reunia ao redor do piano? Quem desconhece que, depois da energia elétrica, o piano foi substituído pelo rádio e, ainda mais recentemente, pela televisão? Alguém que tenha uma geladeira que já parou de funcionar pode desconhecer as transformações que esse eletrodoméstico gerou na nossa relação com o mercado de suprimentos? Quantos de nós, acostumados que estamos às calculadoras de bolso, ainda sabemos fazer contas de cabeça ou na ponta do lápis?

Não parece haver dúvidas de que nossos comportamentos e hábitos podem sofrer alterações em função do desenvolvimento de novas tecnologias. O difícil é perceber que algumas tecnologias têm impactos bem mais profundos sobre os seres humanos que a elas são expostos, chegando mesmo, embora em raros casos, a gerar transformações internas radicais. Em outras palavras, embora seja fácil detectar que novas tecnologias têm o poder de alterar nossos hábitos e nossas formas de agir, é bem mais difícil registrar que algumas tecnologias também podem alterar radicalmente nossos modos de ser (como pensamos, percebemos e organizamos o mundo externo e interno, como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos, como sentimos etc.). […]

NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 18, n. 2, 2002. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.


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Dorann Weber/Getty Images

Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC): novas possibilidades de informação e sociabilidade.

A vida metropolitana nos expõe: ao desejo de bens culturais e à ansiedade por não sermos capazes de tudo conhecer e/ou adquirir; ao movimento incessante das ruas e à sensação de solidão que experimentamos mesmo cercados por uma multidão; ao prazer de saber que não somos vigiados por nossos conhecidos e ao medo de não sermos conhecidos por ninguém; à sensação de liberdade ao caminharmos sem explicar por que estamos vestidos assim ou assado; e ao receio de não sermos socorridos por alguém, caso necessitemos.

Aproximação e distanciamento são duas faces da mesma moeda. São o paraíso e o inferno da vida moderna. Esse foi um tema estudado por Simmel, sobre o qual também escreveram muitos pensadores geniais, como Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, que revolucionou a maneira de pensar os assuntos da vida do espírito. A seguir, extrato de texto escrito por Freud.

Não existe, então, nenhum ganho no prazer, nenhum aumento inequívoco no meu sentimento de felicidade, se posso, tantas vezes quantas me agrade, escutar a voz de um filho meu que está morando a milhares de quilômetros de distância ou saber, no mais breve tempo possível depois de um amigo ter atingido seu destino, que ele concluiu incólume a longa e difícil viagem? [...] Se não houvesse ferrovias para abolir as distâncias, meu filho não teria jamais deixado a cidade natal e eu não precisaria de telefone para poder ouvir a sua voz; se as viagens marítimas transoceânicas não tivessem sido introduzidas, meu amigo não teria partido em sua viagem por mar, e eu não precisaria de um telegrama para aliviar minha ansiedade a seu respeito.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. 21. (Obras Psicológicas Completas).

Enquanto Émile Durkheim apostava em um reavivamento da moral como solução para a anomia ou para a falta de coesão da sociedade, Georg Simmel nos deixa como mensagem uma postura bem mais pessimista.

Não é difícil imaginar Durkheim aconselhando Carlitos a se juntar a uma corporação profissional. Mas, por outro lado, não é fácil pensar no que Simmel poderia dizer. O conselho do médico ao despedir-se de Carlitos no manicômio – “Vá com calma e evite a excitação” – não faria sentido para Simmel, porque a vida moderna é por si só repleta de estímulos excitantes.

Recapitulando

Você aprendeu com Georg Simmel que a cidade grande oferece a cada um de seus habitantes múltiplos estímulos que contribuem para formar uma personalidade psíquica peculiar. Um cidadão urbano é socializado a cada dia para enfrentar situações com alto nível de excitação, que exigem o desenvolvimento de habilidades específicas. Exemplos: mover-se na multidão, usar seletivamente os sentidos e comportar-se de maneira reservada quando julgar necessário.

Com a vida moderna nasceu um paradoxo: o cotidiano ficou ao mesmo tempo mais simples e mais complexo. A modernidade ampliou os horizontes dos indivíduos, mas trouxe novos desafios. Nas metrópoles, a complexidade da vida aumenta por causa da enorme massa de indivíduos que nelas vivem: as filas para o atendimento em repartições públicas, supermercados e hospitais são grandes e lentas; os congestionamentos de trânsito podem durar muitas horas em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro. Morar em grandes centros urbanos muitas vezes significa ter de esperar quando se tem pressa. Nada mais estressante do que isso.

A vida moderna, que se mostrou tão promissora para o desenvolvimento da individualidade, do gosto pessoal, da cultura subjetiva, enfrenta ainda outro desafio: a atração exercida pela cultura objetiva, que iguala os homens e ofusca suas singularidades.

A “vida do espírito” dos indivíduos urbanos enfrenta a tensão entre a originalidade e os constantes convites para seguir os passos da civilização, fazendo o que todo mundo faz, gostando do que todo mundo gosta e tendo o que todo mundo tem. Haja nervos!


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Leitura complementar


O significado sociológico da semelhança e da diferença entre indivíduos

Acima de tudo o significado prático do ser humano é determinado por meio da semelhança e da diferença. Seja como fato ou como tendência, a semelhança com os outros não tem menos importância que a diferença com relação aos demais; semelhança e diferença são, de múltiplas maneiras, os grandes princípios de todo o desenvolvimento externo e interno. Desse modo, a história da cultura da humanidade deve ser apreendida pura e simplesmente com a história da luta e das tentativas de conciliação entre esses dois princípios. Bastaria dizer que, para a ação no âmbito das relações do indivíduo, a diferença perante outros indivíduos é muito mais importante do que a semelhança entre eles. A diferenciação perante outros seres é o que incentiva e determina em grande parte a nossa atividade. Precisamos observar as diferenças dos outros [...].

É compreensível que esse interesse na diferença do que se possui expande-se conceitualmente para todas as relações do indivíduo. Pode-se dizer que, ante uma igualdade no geral que é tão importante objetivamente como uma diferença, para o espírito subjetivo, a primeira [igualdade] existirá mais na forma inconsciente, e a segunda [diferença], mais na forma consciente. [...] O interesse pela diferenciação chega a ser grande o suficiente para produzi-la na prática, mesmo onde não haja nenhum motivo objetivo para isso. Percebe-se, assim, que associações – desde grupos legislativos até agremiações com fins de diversão – com pontos de vista e objetivos unificados, após algum tempo, se desmembram em facções que se relacionam entre si da mesma maneira que, quando unidos, se mobilizariam contra um grupo de tendência radicalmente diferente. É como se cada individualidade sentisse seu significado tão somente em contraposição com os outros, a ponto de essa contraposição ser criada artificialmente onde antes não existia. [...]

SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da Sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p. 45-47.

Fique atento!
Definição dos conceitos sociológicos estudados neste capítulo.


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