. Acesso em: mar. 2016.
Ação Ética & Cidadania
a) Sabendo que a peça publicitária foi intitulada “Ocidente e Oriente”, que subtítulo você proporia, considerando o contexto em que ela foi produzida? Explique.
b) É possível relacionar essa imagem ao conceito de etnocentrismo? Explique.
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[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR
OLHARES SOBRE A SOCIEDADE
DO BOM USO DO RELATIVISMO
Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente. Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de coexistir; segundo, o relativo quer expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade. Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geosociedade una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto. Então não há verdade absoluta? Vale o everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua diferença. Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma, participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa, a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária. Por que com a verdade deveria ser diferente?
Boff, Leonardo. Disponível em: . Acesso em: abr. 2016.
Vocabulário
Alphavilles: expressão usada pelo autor para designar condomínios de luxo.
Everything goes: literalmente, “todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”.
1. O texto que você acabou de ler, do teólogo brasileiro Leonardo Boff, explora a noção de relativismo. Resuma os principais aspectos da visão do autor e tome uma posição: concorda, discorda ou concorda em parte. Em seguida, defenda seu ponto de vista em debate com a turma.
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[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR
EXERCITANDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
TEMA DE REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA PUC-RIO (2014)
Autocrítica e autoconhecimento: caminhos para o outro
Formule um texto (de 20 a 25 linhas) que possa ter o título acima – “Autocrítica e autoconhecimento: caminhos para o outro” –, dissertando a respeito da questão do etnocentrismo na cultura ocidental. […]
TEXTO 1
O QUE É ETNOCENTRISMO
Etnocentrismo é uma visão do mundo na qual o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como o fato de sentirmos estranheza, medo, hostilidade, etc. [...] Esse problema não é exclusivo de uma determinada época nem de uma única sociedade.
Como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica, temos a experiência de um choque cultural. De um lado, está “um grupo do eu”, o “nosso” grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou, quando as faz, é de forma tal que não as reconhecemos como possíveis. Mais grave ainda: esse “outro” também sobrevive à sua maneira, gosta do seu jeito de viver, também está no mundo e, ainda que diferente de nós, também existe. [...]
O grupo do “eu” faz, então, da sua visão a única possível ou, mais discretamente, se for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do “outro” fica, nessa lógica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. Esse processo resulta num considerável reforço da identidade do “nosso” grupo. No limite, algumas sociedades chamam-se por nomes que querem dizer “perfeitos”, “excelentes” ou, muito simplesmente, “ser humano”; ao “outro”, ao estrangeiro, chamam, por vezes, de “macacos da terra” ou “ovos de piolho”. De qualquer forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior. É representada como o espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso. A sociedade do “outro” é atrasada. É o espaço da natureza, cheio de selvagens, de bárbaros. Eles são estranhos para nós, pois, lá no fundo, embora não saibamos, somos nós mesmos.
Adaptado do livro O Que é Etnocentrismo, de Everardo Rocha (Brasiliense, 1984, p. 7-22)
TEXTO 2
DESCOBERTA DE NOVOS MUNDOS
O antropólogo americano Loren Eiseley (1907-1977) conta uma história que exprime um possível encontro com outras realidades em nossa rotina. Para Eiseley, descobrir outro mundo não é apenas um fato imaginário, mas algo fantástico que acontece aos homens e aos outros animais. Por vezes, as fronteiras entre distintos universos resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento.
O antropólogo relata um fato que viu acontecer com um corvo: “Esse corvo é meu vizinho e eu nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu me dirigia às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isso passou como um raio, soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca mais ouça coisa semelhante”. O grito não saiu da mente de Eiseley durante toda a tarde, tamanha foi a sua intensidade. Em virtude do denso nevoeiro, a fronteira entre o mundo do corvo e o dele – um homem – resvalara, caíra, tombara. Aquele corvo, que achava estar voando à altitude habitual, tinha visto, subitamente, um espetáculo contrário, para ele, às leis da natureza: um homem caminhando no espaço, bem no centro do mundo dos corvos. A imensa ave tinha se deparado com a manifestação de estranheza mais completa que podia conceber. Na análise de Eiseley, o animal tinha visto, pela primeira vez, um fantástico homem voador: “Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, nos quais reconheço a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é e nunca mais será como os outros corvos”. Ninguém permanece igual quando se depara com o mundo do “outro”.
Adaptado do livro “O Despertar dos Mágicos”, de Louis Pauwels (Tradução de Gina de Freitas para a editora Bertrand Brasil, 1998, p. 23-25)
[...]
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4 Saber as manhas e a astúcia da política
Coleção particular
Frontispício de Leviatã, de Thomas Hobbes (detalhe). Gravura, 1651.
O principal acontecimento político dos séculos XVI e XVII foi a formação dos Estados absolutistas na Europa. Leviatã foi escrito pouco depois do término da guerra civil na Inglaterra (1642-1649). O contexto daquele momento foi comparado, por Thomas Hobbes (1588-1679), ao “estado de natureza” – quando, segundo esse autor, prevalecia a guerra de todos contra todos. Para superar o caos, Hobbes não via outro caminho: para viver em paz, os indivíduos deveriam ceder sua liberdade natural a um poder central com autoridade absoluta. A figura do Leviatã – monstro marinho de mitologias antigas – foi usada por ele para personificar o Estado. Na ilustração, o traje do Leviatã é formado pelos súditos.
Falaremos agora de mais uma área importante para a reflexão dos cientistas sociais: a Ciência Política. Enquanto os conceitos motivadores da Sociologia e da Antropologia são, respectivamente, diferenciação social e cultura, a Ciência Política estuda o saber relacionado ao poder que indivíduos ou grupos exercem sobre outros indivíduos ou outros grupos.
“Poder é a capacidade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas de impor sua vontade a outras”. Esta afirmação é de Max Weber (1864-1820), cientista social alemão, e nos dá uma pista para levantar outro aspecto fundamental que integra as Ciências Sociais. Se alguém ou algum grupo impõe sua vontade aos outros, o que resta aos demais? Obedecer? Não obedecer? Negociar? Rebelar-se? Manter-se apático, indiferente? Tentar convencê-lo do contrário? Manifestar sua posição ou desistir de sua convicção? Mudar a situação conquistando o lugar de quem está mandando? Os que têm poder estão falando em seu nome ou em nome de alguém? Eles são poderosos porque têm força para mandar ou porque foram capazes de convencer os outros de que estão no lugar certo? Veja quantas situações são possíveis quando estamos diante do fenômeno da política. Antes, porém, recuperemos o significado dessa palavra tão importante e de uso tão variado em nosso cotidiano.
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A palavra política vem do grego politikos, “relativo ao governo de uma cidade, de um Estado”. A política era exercida na pólis, a cidade-Estado grega, espaço fechado onde, nas civilizações antigas, decidia-se a vida da sociedade. Portanto, a origem da palavra já veio carregada de significados porque dizia respeito ao Estado e também ao cidadão. Indicava não só os procedimentos de governar, de organizar a vida dos cidadãos como também uma forma de expressar o ponto de vista, defender interesses e organizar a comunidade urbana daqueles considerados cidadãos (e não eram todos). É por essa razão que o termo diz respeito ao ato de governar, de exercer poder, de conquistar, e também de participar, concordar, resistir ou lutar. São gestos, decisões, movimentos dirigidos para o exercício do poder.
Veja que entender o que é política implica muitas ideias e se vale de conceitos fundamentais. O poder é um deles, mas como os cidadãos fazem suas demandas chegar aos que governam é outro. Como proceder para que os que estão no poder saibam dos desejos e aspirações dos que não estão no governo? De que maneira aqueles que decidem a vida em sociedade podem saber das necessidades dos cidadãos? Como se forma o governo? Que relação tem o governo com a sociedade por ele governada? Quem diz ao governo o que e como fazer? Os “governos governam” em todas as partes da mesma maneira? Os indivíduos de uma sociedade respondem de forma semelhante a todos os governos?
As perguntas que o exercício da política suscita trouxeram para as Ciências Sociais um campo repleto de possibilidades. Alguns governos são fruto da vontade do povo, expressa nas urnas em processos eleitorais livres. Outros decorrem da força de determinado grupo sobre a maioria, e não consideram o voto condição para sua existência. Há também os que recebem o poder como herança (a exemplo das monarquias, em que os critérios de sangue definem quem são os sucessores do monarca). E há ainda aqueles que combinam a figura do rei com a de um primeiro-ministro – que executa as atividades do governo. A Ciência Política se interessa pelo estudo do exercício do poder em suas variadas formas de manifestação e também em entender o movimento da sociedade para fazer valer sua vontade diante do Estado. Empenha-se ainda em explicar o funcionamento das instituições políticas, como os partidos políticos.
Tempos modernos e a nova ordem política
Um dos grandes nomes, sempre mencionado quando se trata da Ciência Política, é o de Nicolau Maquiavel (1469-1527), o italiano de Florença, que viveu no período do Renascimento.
Em sua obra mais conhecida, O príncipe, escrita em 1513, e publicada postumamente em 1532, Maquiavel faz recomendações precisas ao governante. O livro é considerado um receituário de como governar, controlar os conflitos, lidar com os inimigos, conquistar espaços, conceder benefícios e definir punições.
Um dos grandes pontos levantados por Maquiavel – o que conferiu a ele o símbolo de moderno – foi a defesa intransigente da separação entre a política e a religião. Dever-se-ia atribuir ao Estado e à sociedade o exercício da política. A Igreja cuidaria da formação religiosa, da orientação dos fiéis para o caminho da salvação ou aperfeiçoamento espiritual. Do mundo terreno, cuidam os homens; do mundo espiritual, da alma, cuida a Igreja. Não se tratava de pouca coisa se lembrarmos que, na tradição das monarquias, as autoridades religiosa e política se fundiam. E no caso da Itália ainda não unificada, sobretudo, os Estados Pontifícios, segundo Maquiavel, competiam com o Estado político, dificultando a formação de um Estado Nacional unificado.
A obra de Maquiavel é uma expressão fiel do tempo em que foi produzida, considerada inovadora por provocar o rompimento com a maneira tradicional de tratar os fenômenos históricos e políticos. Os fatos deveriam ser analisados como se apresentavam concretamente, como produtos das ações humanas reais, desenvolvidas em experiências históricas específicas. Foi o primeiro a propor uma ética para a política diferente daquela do ensinamento religioso. A finalidade da política seria a manutenção do Estado. Tudo, portanto, que dissesse respeito ao funcionamento do Estado – ato de governar, de obedecer, de administrar conflitos, de se representar – interessava ao conhecimento da política.
Nos séculos seguintes a Maquiavel – XVII e XVIII –, muitos outros pensadores ampliaram a advertência feita por ele. Como construir uma nova ordem social que não fosse submetida aos costumes que vigoravam e ao poder exclusivo de um monarca?
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Os pensadores desse século, também chamados de contratualistas, estavam preocupados com ideias que hoje nos são caras. Noções de direitos, de participação dos cidadãos na vida política e nas questões que afetavam suas vidas, e de limites ao poder do rei, foram matéria de estudo e de clássicos que são referência no campo de conhecimento da Ciência Política. Fortalecer o Parlamento e definir regras para a sucessão dos governantes foram conquistas de uma famosa revolução ocorrida na Inglaterra em 1688-1689, a Revolução Gloriosa, também conhecida como “Revolução sem sangue”. Foi dela que resultou um documento fundamental que viria a marcar os tempos modernos: a Bill of Rights (Declaração de Direitos).
O que aprendemos com esses exemplos? Nada é natural ou espontâneo quando pensamos na sociedade e no exercício da política. Os direitos são conquistados, disputados, negociados, muitas vezes abolidos, negados, desrespeitados. Os ensinamentos da Ciência Política nos ajudam a entender como esses movimentos de sucesso, fracasso e estabilidade, e também de retrocessos, são parte de épocas e situações sociais específicas.
National Portrait Gallery, Londres
J. Cary e Samuel Wale. A Declaração de Direitos ratificada pelo rei William e pela rainha Mary antes da coroação, séc. XVIII. Gravura, 30,2 cm × 21,6 cm.
Teorias Contratualistas ou Teorias do Contrato Social
Como explicar a origem da ordem social e da política? De que modo indivíduos isolados passam a se perceber como participantes da mesma sociedade, do mesmo grupo ou da mesma organização política? Essas perguntas são antigas e tiveram respostas fundamentadas em diversos campos, como Religião, Mitologia, Filosofia e Ciência. Uma das maneiras de responder a essas questões foi dada por uma corrente filosófica que surgiu na Antiguidade e atravessou o Período Medieval – o Contratualismo. Ainda que tivessem origem remota, foi na modernidade que as teorias contratualistas contribuíram para o desenvolvimento da Ciência Política – ciência que estuda a organização política das sociedades.
A ideia central do pensamento contratualista é que a ordem política surge de um acordo estabelecido entre os indivíduos a fim de evitar mais danos ou garantir a paz. Esse acordo seria o Contrato Social. Isso significa que existiria, ainda que hipoteticamente, um tipo de vida associal ou apolítica, anterior ao contrato – momento definido pelos contratualistas como estado de natureza. Com o contrato, o estado de natureza desaparece e surge a sociedade civil (civitas, “Estado”, “organização política”).
As guerras religiosas decorrentes da Reforma e da Contrarreforma, a emergência do capitalismo e da burguesia e o surgimento da ciência moderna tiveram implicações no campo político no Período Moderno. As transformações sociais, culturais e econômicas modificaram a ordem social, que deixou de ser percebida como resultado da vontade divina e passou a ser compreendida como construção humana. Assim, o indivíduo passou a ser o protagonista da história. Se nos modelos políticos medievais a soberania era justificada pela religião e pela tradição, no contexto moderno a soberania (do monarca e, posteriormente, do povo) passou a ser justificada pelo acordo entre indivíduos.
O primeiro contratualista moderno foi o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), mas outros nomes ligados ao Iluminismo fizeram parte dessa corrente de pensamento, como o inglês John Locke (1632-1704) e o genebriano Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ambos pensaram o mundo social de forma diferente de Hobbes, mas os três compartilhavam um argumento comum: a vida social, para existir como tal, necessita de um acordo (que pode ser redefinido muitas vezes e de muitas maneiras) que estabelece os princípios básicos dessa sociedade. Os contratualistas trabalhavam três elementos: o estado de natureza, o contrato e o resultado do contrato, ou seja, os fundamentos das leis que deveriam orientar a constituição do Estado. A forma como cada pensador entendeu cada um desses aspectos (estado de natureza, contrato e fundamentos das leis) deu origem a teorias diferentes.
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Poder, obediência e suas veredas
De um lado, temos o mando, o exercício do poder; de outro, a obediência. Nesse sentido, outra questão que motiva os cientistas políticos é por que os in diví duos obedecem. Uma das razões pode ser por acreditarem que o governante é alguém preparado, capaz e competente para fazer o bem para os governados. Outra razão pode estar relacionada à confiança em que o governante será bom porque pertence a determinada família ou foi treinado por alguém que parece saber governar, ou seja, por uma questão de tradição, de costume. Mas é possível também que pessoas apoiem e obedeçam ao governante por considerarem que ele tem um dom excepcional e carisma, podendo conduzir a sociedade na direção mais desejada. E ainda pode haver outras razões, e mesmo a combinação delas. O interessante e instigante é saber o que os governados dizem a respeito de quem os governa. Se o governante for considerado adequado pela maioria, o exercício do poder pode não ser percebido como uma violência por aqueles que o apoiam. O inverso também é plausível: os que discordam podem avaliar o exercício político como arbitrário, impositivo, violento.
Desmond Boylan/Reuters/Latinstock
Fidel Castro, revolucionário comunista cubano, dirigiu seu país de 1959 a 2008. Cuba, 2010.
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Barack Obama, eleito presidente dos Estados Unidos em 2008 e 2012. Estados Unidos da América, 2015.
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Vladimir Putin, presidente russo eleito em 2000 e 2012. Rússia, 2015.
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Angela Merkel, chanceler alemã eleita em 2005, 2009 e 2013. Alemanha, 2016.
Juan Barreto/AFP
Nicolas Maduro, eleito presidente da Venezuela, em 2013. Venezuela, 2014.
A Ciência Política traz às Ciências Sociais conceitos fundamentais para entender como a comunidade se faz representar, como se protege dos abusos de poder, como se manifesta para defender seus interesses, como avalia o desempenho dos políticos, que instituições as sociedades criam para controlar o poder do Estado e que instituições o Estado cria para proteger a vida dos cidadãos.
Ela procura compreender os regimes políticos. Aprende-se com ela as formas variadas que as sociedades encontram para organizar a vida política. Como se constituem os governos? Em que consiste um governo autoritário? Como sabemos se estamos diante de um regime democrático? A esse respeito, o cientista político norte-americano Robert Dahl pode nos ajudar.
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O que é democracia
Todos nós temos objetivos que não conseguimos atingir sozinhos. No entanto, cooperando com outras pessoas que visam a objetivos semelhantes, podemos atingir alguns deles.
Suponhamos então que, para atingir certas metas em comum, você e muitas centenas de outras pessoas concordam em formar uma associação. Podemos deixar de lado os objetivos específicos dessa associação para nos concentrarmos na pergunta [...]: O que é democracia?
Na primeira reunião [...] diversos membros dizem que a associação precisará de uma constituição. A opinião deles é bem recebida. [...]
Entretanto, ao começar a tarefa, descobre-se que diversas associações e organizações que se chamam “democráticas” adotaram muitas constituições diferentes. Descobre-se que, mesmo entre países “democráticos”, as constituições diferem em pontos importantes. Por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos prevê um poderoso chefe executivo na presidência e, ao mesmo tempo, um poderoso legislativo no Congresso; cada um é bastante independente um do outro. Em compensação, a maioria dos países europeus preferiu um sistema parlamentar, em que o chefe do Executivo, o primeiro-ministro, é escolhido pelo Parlamento. Pode-se facilmente apontar muitas outras diferenças importantes. Aparentemente, não existe uma só constituição democrática [...].
Começamos então a nos perguntar se essas diferentes constituições têm algo em comum que justifique intitularem-se “democráticas”. Talvez algumas sejam mais democráticas do que outras? O que significa democracia? Logo [...] aprenderão que a palavra é usada de maneiras pasmosamente diferentes. Sabiamente, você decidirá ignorar essa infinita variedade de definições, pois a tarefa [...] é [...]: criar um conjunto de regras e princípios, uma constituição, que determinará como serão tomadas as decisões da associação. Além disso, a sua associação deverá estar de acordo com um princípio elementar: todos os membros serão tratados (sob a constituição) como se estivessem igualmente qualificados para participar do processo de tomar decisões sobre as políticas que a associação seguirá. Sejam quais forem as outras questões, no governo desta associação todos os membros serão considerados politicamente iguais.
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 47-49.
Na época moderna, os direitos individuais foram sendo definidos com base na noção de que “todos são iguais perante a lei”, ou seja, de que os direitos deveriam ser reconhecidos, independentemente de serem os sujeitos mais ou menos influentes, mais ricos ou mais pobres, de uma cor de pele ou de outra, homem ou mulher, religioso ou ateu etc. O reconhecimento jurídico moderno é o de que todo ser humano, sem distinção, deve receber respeito universal. Vale lembrar aqui da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789). Esse documento representou um grande diferencial em relação às sociedades medievais, em que os sujeitos só conseguiam obter reconhecimento jurídico quando reconhecidos como membros ativos da comunidade e apenas em função da posição que ocupavam na hierarquia social. Exceções e privilégios eram atribuídos às pessoas da sociedade em função do seu status. O sistema jurídico moderno nasceu justamente com o objetivo de combater esses privilégios e essas exceções.
Museu Carnavalet, Paris
Jean-Jacques-François Le Barbier. Declaração dos direitos do homem e do cidadão, 1791. Óleo sobre madeira, 56 cm × 71 cm.
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Democracia e Ciência Política no Brasil
Entre os direitos, está aquele que concede aos cidadãos a liberdade de escolha de seus representantes. Quando e como se escolhem os representantes dos cidadãos na esfera do Poder Executivo (nos cargos de prefeito, governador e presidente da República) e do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, federais e senadores)? Nas experiências democráticas, esse momento é o das eleições, e o voto é o mecanismo que efetiva a participação dos cidadãos na escolha de seus governantes. Entretanto, o direito ao voto, por exemplo, nem sempre foi extensivo a todos no Brasil. E seu exercício nem sempre pôde ser praticado de maneira tranquila, como nos mostra o livro que foi um dos marcos inaugurais da Ciência Política brasileira: Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal.
Victor Nunes Leal
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