Vítima de sua própria armadilha, ela teria de renunciar ao amor



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— Que esplêndido veículo — comentou Nathan.

Jéssica não resistiu a outro olhar, mas o cabriole já havia desaparecido. Chegando a North Parade, procederam à inspeção da casa.

— Bem, eu acho que é perfeita — disse Jéssica. — Não é muito gran­de, mas fica próxima ao centro e a decoração é elegante.

"E talvez o rico cavalheiro de sorriso travesso more nesta mesma rua", acrescentou para si mesma em pensamentos.

Na noite seguinte eles já estavam estabelecidos em North Parade. Tad, em seu uniforme de libré, foi ao encontro da diligência que trazia Hayes e a sra. Ancaster.

Satisfeita com os arranjos, Jéssica retirou-se para seu quarto. Preparou-se para dormir e apagou a vela. Sentou-se à janela e olhou para o rio Avon. Banhada pelos últimos raios de sol do entardecer, a água tingia-se de um tom rosado sob a ponte Pulteney.

Jéssica voltou a atenção para a rua, por onde já passava o acendedor de lampiões. Um veículo aproximou-se e parou na casa ao lado, mas na penumbra ela não pôde nem distinguir se era um cabriole, quanto mais ver o condutor.

Era ridículo o modo como seu pensamento insistia em retornar ao ca­valheiro que vira apenas de relance! Provavelmente sequer o veria outra vez, e se visse era bem capaz de não reconhecê-lo.

Ela riu, balançou a cabeça, e deitou-se.

Ao entrar na Pump Room na manhã seguinte, Jéssica olhou ao redor, desolada. Não faltavam muletas, monóculos e cadeiras de rodas. Com exceção dela e de Nathan, a pessoa mais nova no local era a srta. Tibbet.


  • Só há octogenários inválidos aqui! — Nathan exclamou, indignado. — Onde estão nossos "bons partidos"?

  • Psiu! — sussurrou Jéssica. — Acho que chegamos muito cedo, mas era impossível fazer tia Tibby esperar mais. A propósito, é bom termos o hábito de chamá-la de "titia", assim todos pensarão que somos uma família.

A srta. Tibbet também olhava ao redor, mas seu descontentamento era dirigido ao prédio.

  • Nada aqui tem mais do que cem anos — disse ela, desgostosa.

  • E ninguém tem menos de cem — disse Jéssica, rindo, apesar do desalento. — Talvez até seja bom, pois ainda não visitamos a modista.
    E já que estamos aqui, a senhora precisa tomar um copo de água, tia Tibby. A água, com certeza, não mudou desde a época dos romanos.

Concordando com a sugestão, a srta. Tibbet afastou-se em direção às torneiras. Nathan e Jéssica caminharam até um canto.

— Bath costumava ser uma cidade muito elegante — Jéssica comen­tou. — Espero que não tenhamos vindo para cá à toa.

Eles se viraram, examinando o prédio decadente, iluminado pela luz que entrava pelas enormes janelas. Não havia nem sinal da srta. Tibbet em suas habituais vestes pretas.


  • A dama perguntou pelo caminho até as fontes — o encarregado das torneiras respondeu, ao ser interrogado. — Ela entrou por aquela porta ali.

  • Com certeza deve estar investigando as fundações do edifício, em busca de ruínas romanas — comentou Nathan.

  • Não importa. Nossa casa é aqui perto, de forma que ela não vai se perder. Querido irmão, você me acompanha às compras?

Indulgente, o rapaz assentiu. Jéssica merecia um guarda-roupa novo e algumas semanas de frivolidade. Afinal, ela cuidara de Langdale sozi­nha por um bom tempo, sem um lamento.

Nathan não pretendia comprometer a própria honra tornando-se um caça-dotes, mas que mal havia em se divertirem em Bath?



  • Nós vamos ao baile na Upper Room amanhã à noite? — ele inqui­riu, oferecendo o braço à irmã, enquanto cruzavam o Pump Yard e do­bravam à direita na Stall Street.

  • Se eu encontrar uma costureira que me apronte um vestido a tempo... Vou procurar uma musselina branca, com detalhes no mesmo tom de verde da túnica que andei bordando.

  • E eu terei prazer em acompanhar a mais bela e elegante dama da cidade — disse Nathan, galante.

Ele tinha orgulho da beleza de Jéssica e notou que vários cavalheiros a fitavam com interesse, apesar da roupa fora de moda.

As ruas estavam repletas agora, e Nathan ficou feliz ao notar que não havia apenas pessoas idosas na cidade. Um trio de jovens damas desceu a Old Bond Street, exibindo sombrinhas coloridas. Ao passarem, as mo­ças lançaram-lhe olhares furtivos, sussurrando e rindo entre elas.

De repente, ele tomou consciência de sua aparência provinciana. Che­gara da América apenas com o uniforme de tenente, e todas as outras roupas que possuía eram de no mínimo três anos atrás.


  • Se você não se importar — disse Nathan, evitando o olhar da irmã —, eu a deixarei na tecelagem enquanto procuro um alfaiate.

  • É claro. — Ela sorriu. — Se eu não estiver lá mais tarde, você pode me encontrar na chapelaria ao lado.

Na noite seguinte, quando Jéssica desceu da carruagem em frente às Assembly Rooms, estava satisfeita consigo mesma. Havia perguntado ao vendedor da loja de tecidos o nome de uma costureira que pudesse aprontar-lhe um vestido em pouco tempo. Ele fornecera nome e endere­ço, explicando que a mulher não era a modista mais elegante da cidade, mas justamente por isso não deveria estar muito ocupada.

A costureira, uma viúva modesta, ficara muito grata pelo trabalho. Era rápida e competente, e seus preços eram módicos. Jéssica encomendou-lhe outras roupas.

O novo vestido de musselina era bonito, com a túnica nova acrescen­tando um toque de elegância ao traje. Os cabelos loiros de Jéssica esta­vam presos em um coque, enfeitados com margaridas de seda, com al­guns cachos na testa e algumas mechas soltas na nuca. À luz difusa do sol do entardecer, as águas-marinhas que ela herdara da mãe reluziam.

Nathan, que pagava o condutor, trajava um conjunto novo em folha: casaco verde-musgo, colete de cetim verde-claro e um lenço ao pescoço. Usava o pesado anel de sinete do pai, e do bolsinho do colete pendia a miniatura de um macaquinho de ouro com olhos de rubi, que um tio havia lhe trazido da índia. Era o suficiente para parecer próspero, sem ostentação.

O rapaz ajudou a srta. Tibbet a descer da carruagem. Com seu me­lhor vestido de seda preto, tia Tibby era o protótipo da acompanhante de respeito.

O mestre de cerimónias, sr. Guynette, fez uma mesura polida quando Nathan anunciou seus nomes, desejando-lhes uma agradável estadia em Bath. Eles entraram no salão de baile e encontraram assentos livres na lateral.

A orquestra começou a tocar quando o salão se encheu de gente. Ob­servando as pessoas entrarem, Jéssica sentiu-se satisfeita com a própria aparência, assim como com a de seus acompanhantes. Menos satisfató­ria era a impressão de que todos pareciam se conhecer, enquanto Nathan e ela não possuíam um único amigo no local.

Casais começavam a tomar seus lugares na pista de danças. Jéssica já estava pensando em sugerir que Nathan procurasse o sr. Guynette para que ele o apresentasse a alguma moça desacompanhada. Foi nesse mo­mento que o mestre de cerimónias apareceu com um rapaz baixo, gordu­cho e de faces rosadas.

— Srta. Franklin, o sr. Barlow pediu-me para ser apresentado à senhorita. Espero que lhe conceda a honra de ser seu par na próxima dan­ça — disse o sr. Guynette, com uma mesura. — Sir Nathan, o senhor ainda está sentado! Venha comigo, por favor, e encontrarei alguma da­ma bonita para apresentar ao senhor.

Enquanto os dois se afastavam Jéssica levantou-se, descobrindo, con­forme temera, que era alguns centímetros mais alta que o sr. Barlow.

— É o destino — anunciou o rapaz gorducho, enquanto a guiava até o centro do salão. — Eu sempre me apaixono por mulheres altas...

Ela sorriu e decidiu divertir-se.

O sr. Barlow, filho mais velho de um proprietário de terras, mostrou-se um companheiro agradável. O próximo cavalheiro apresentado pelo sr. Guynette, lorde Peter Glossop, era muito alto e magro, e possuía uma arrogância que sugeria gerações de antepassados aristocráticos. Tentan­do conversar com ele entre uma dança e outra, Jéssica quase ficou com torcicolo de tanto olhar para cima. E o esforço foi em vão, pois lorde Glossop respondia suas perguntas com monossílabos.

Retornando para junto da srta. Tibbet, ela estava determinada a ficar sentada durante a dança seguinte quando o sr. Guynette reapareceu acom­panhado pelo cavalheiro do cabriole.



CAPÍTULO IV

Apresento-lhe o sr. Matthew Walsingham, L.srta. Franklin — disse o mestre de ceri­mónias.

Jéssica mirou os olhos cinzentos do cavalheiro. Ele era alto e esguio. O corte impecável do casaco preto e o broche de safira que adornava a gravata sugeriam riqueza.

Walsingham não deu sinal de tê-la reconhecido. Limitou-se a fazer uma mesura elegante, e ela notou com satisfação as suaves ondas dos cabelos escuros.



  • Concede-me a honra dessa dança, srta. Franklin?
    A voz do cavalheiro era grave, agradável.
    Sorrindo, Jéssica levantou-se e fez uma reverência.

  • Será um prazer, senhor.

Enquanto caminhavam até o salão ela percebeu que Matthew manca­va ligeiramente.

  • A senhorita mora em Bath? — ele perguntou, educado, enquanto
    esperavam que a música começasse.

  • Não, senhor, estou aqui de visita por algumas semanas, com minha família. A propriedade do meu irmão fica no norte, no condado de Durham.

  • Depois de uma viagem tão longa, espero que esteja gostando de Bath.

  • Oh, sim!

O início da dança separou-os. Matthew Walsingham dançava bem, mal deixando perceber o coxear. Quando se aproximaram outra vez, Jéssica continuou:

— Pensamos em ir a Londres, mas eu detesto multidões. No entanto, confesso que ontem de manhã cheguei a pensar que havia cometido um erro em vir para cá. Nós chegamos à Pump Room cedo demais. — Ela descreveu o acontecimento e o horror de Nathan, acrescentando: — O senhor pode imaginar nosso alívio ao perceber esta noite que não somos os únicos em Bath com pleno controle de nossas capacidades físicas. Oh! - Ela levou a mão à boca para sufocar um gritinho, sentindo o rosto corar. — Peço-lhe desculpas, sr. Walsingham! Para alívio de Jéssica, era hora de fazer uma reverência e trocar de parceiro. Céus, como pudera dizer uma coisa daquelas!



  • Um ferimento de guerra, sita. Franklin — explicou Matthew, quan­do se aproximaram outra vez.

  • O senhor esteve na Península? — ela arriscou-se a perguntar. —Meu irmão acaba de retornar da América. Ele ficará contente com a opor­tunidade de conhecer outro soldado. Isto é, se o senhor me perdoar pelo comentário impensado e permitir que eu o apresente.

  • Não há o que perdoar. Mas eu gostaria de cultivar a esperança de ser cumprimentado pela senhorita, em minha cadeira de rodas, quando nos encontrarmos na Pump Room...

  • Eu me oferecerei para dar uma volta com o senhor pelo salão e o persuadirei a tomar um copo da água da fonte.

  • Como um rosto tão bonito pode esconder tamanha crueldade? —indagou ele, brincalhão. — A senhorita já experimentou aquela água hor­rorosa?

  • O cheiro era tão desagradável que eu não tive coragem. Espero que o senhor não esteja aqui por causa da água.

  • Nã... Sim, sim. Os médicos recomendaram um copo diário para...
    hum... meu pulmão. Outro pequeno ferimento de guerra, senhorita.

Matthew fingiu um acesso de tosse.

  • Então o senhor não mora em Bath? — indagou Jéssica.

  • Não, estou hospedado na casa de meu tio, lorde Stone, em North Parade.

A resposta inocente foi dita num tom insinuante, que a deixou emba­raçada. Pelo visto, Matthew Walsingham lembrava-se de tê-la visto na rua. Se ele a considerara ousada na ocasião, isso explicaria porque não se ofendera com seu comentário impensado.

  • A senhorita parece ter ficado séria de repente — comentou Mat­thew. — Eu seria capaz de dar um pêni por seus pensamentos.

  • Eu não revelaria meus pensamentos, agora, nem por um milhão de libras — riu Jéssica.

  • Talvez prefira revelá-los em outra oportunidade, então — sugeriu Matthew.

Quando a dança terminou, ela estava contente. Tudo indicava que o amável sr. Walsingham gostaria de vê-la de novo.

Quando ele a acompanhou de volta até o lugar onde estivera sentada, Jéssica descobriu que a srta. Tibbet desaparecera. Não era apropriado para uma jovem dama ficar sentada sozinha, mas ela hesitou em pedir a Walsingham para ficar, ou mesmo para ajudá-la a procurar por sua acompanhante. Ele poderia supor que ela havia pedido à tia que os dei­xasse a sós.

Jéssica ficou aliviada ao ver o irmão se aproximando.


  • Nathan, você viu nossa tia?

  • Não me diga que titia se perdeu outra vez! — exclamou o rapaz, rindo. — Duvido que haja ruínas romanas nesta parte da cidade.

— Ruínas romanas? — perguntou Matthew, surpreso.

Jéssica apresentou os dois cavalheiros e falou sobre a paixão da srta. Tibbet pela história romana.

— Eu lhe farei companhia, Jess. Estava mesmo à sua procura. Minha acompanhante e a mãe estão no salão de chá. Acredito que tia Tibby também esteja lá — disse Nathan. — Sr. Walsingham, gostaria de nos acompanhar, se já não estiver comprometido?

Matthew aceitou o convite com evidente prazer, e eles seguiram para o salão de chá. A acompanhante de Nathan era a irmã do sr. Barlow, uma moça cheia de vida, tão baixinha quanto o irmão.

O sr. Barlow cumprimentou Jéssica com animação, proclamando-se um velho amigo dela.

Nathan e Matthew Walsingham começaram a conversar sobre as guer­ras da Península e da América. Feliz por perceber que os dois se enten­diam bem, Jéssica permitiu que a família Barlow a monopolizasse. A sra. Barlow, uma versão mais velha e rechonchuda dos filhos, conversava con­tente sobre as diversões de Bath, enquanto servia o chá. Sua filha era uma jovem amigável, que logo pediu a Jéssica que a chamasse de Kitty.

— Quando me chamam de srta. Barlow, sempre procuro por minha irmã Amélia, apesar de ela já estar casada há anos — comentou a jovem. — Mamãe sempre nos traz a Bath quando completamos dezoito anos. Todas as minhas irmãs fizeram casamentos muito respeitáveis.

A sra. Barlow assentiu, complacente:



  • Eu diria que posso me congratular, srta. Franklin, já que não é fácil casar cinco filhas.

  • Não será difícil para Kitty arrumar um marido, já que ela é a mais bem-humorada de minhas irmãs — argumentou o sr. Barlow. — Eu mes­mo me casaria com ela, se possuísse fortuna.

O gracejo arrancou uma risada divertida de Kitty. Jéssica sorriu, con­cluindo que gostava da família alegre. Apesar dos cinco anos de diferen­ça entre Kitty e ela, seria agradável ter uma amiga com quem ir às com­pras e passear.

A srta. Tibbet continuava desaparecida. Mas, sob a simpática super­visão da sra. Barlow, Jéssica dançou com outros três cavalheiros apre­sentados pelo sr. Guynette e teve o duvidoso prazer de dançar no mesmo grupo que Matthew Walsingham e sua parceira do momento.

Apesar de Matthew tratar a jovem dama com respeito e cortesia, ela mal erguia os olhos para fitá-lo. "Talvez por causa do peso do diadema de brilhantes", pensou Jéssica, irritada. O diadema fazia parte de um conjunto de colar, brincos, pulseira, anel e broche, mais apropriado pa­ra ser usado por uma duquesa no Palácio St. James, em noite de gala.

o vestido da jovem dama era de cetim amarelo, com uma sobressaia ae legitima renda valenciana. Mas apesar do luxo de sua toilette, ela pa recia querer que um buraco se abrisse no chão e a engolisse, de tão tímida.

Virando-se, Jéssica captou o olhar meio divertido, meio exasperado, de Matthew Walsingham e sentiu-se um pouco consolada.

O baile terminou exatamente às onze horas, de acordo com a tradição da cidade. Quando Jéssica e Nathan acompanharam a multidão até a ante-sala, encontraram a srta. Tibbet esperando por eles.



  • Tia Tibby, a senhora está parecendo um gato que acaba de comer
    um passarinho. Por onde andou? — perguntou Jéssica.

  • Eu conheci um casal encantador — explicou a senhora. — Um pastor aposentado e sua esposa. — Ela suspirou, os olhos brilhantes — Ambos são arqueólogos amadores, com especial interesse pelas ruínas romanas de Bath!

Jéssica não teve coragem de estragar a felicidade da srta. Tibbet, admoestando-a por tê-la- abandonado durante o baile.

Pegaram uma carruagem de aluguel e logo chegaram em casa. Exaus­ta de tanta excitação, tia Tibby subiu direto para o seu quarto. Os cria­dos já estavam dormindo. Jéssica e Nathan seguiram até a cozinha para fazer um pequeno lanche e conversar sobre os eventos da noite.

Jéssica atiçou o fogo e esquentou leite para preparar duas xícaras de chocolate, enquanto Nathan procurava pelos doces.


  • Você pretende investir em Matthew Walsingham? — indagou o ra­paz, ao encontrar a lata de biscoi-tos amanteigados. — Eu não gostaria de decepcioná-lo, Jess. Ele é um camarada muito simpático.

  • Você preferiria que eu me interessasse por algum velho antipático?
    Se quer saber, simpatizei com o sr. Walsingham, sim.

  • Imagine, eu elogiei o cabriole dele, e ele se ofereceu para me deixar dar uma volta com o veículo.

  • Oh, Nathan, você não mencionou a ele o encontro em North Parade, mencionou?

  • Por que não deveria mencionar? — perguntou o rapaz, surpreso.
    — De qualquer modo, acho que não disse onde o vi...

  • Tanto melhor. Agora diga-me, o que achou do baile?

  • Eu me diverti bastante — admitiu Nathan. — Conheci cavalheiros interessantes e dancei com garotas agradáveis. No entanto, não desejo me casar com nenhuma delas!


CAPÍTULO V
Matthew caminhava em direção à Pump Room, assobiando. O mundo lhe sorria nessa bela

manhã de junho. Há menos de dez minutos ele vira a srta. Franklin pas­sar diante da casa onde estava hospedado, acompanhada pela tia. Na certa estavam ido para a Pump Room.

Ele mal conseguia acreditar na própria sorte. Dois dias depois de che­gar em Bath conhecera uma jovem, bela e simpática dama, cujo irmão possuía uma propriedade no norte. Pelo jeito, a srta. Franklin também era rica...

Como ela enrubescera ao ouvir a referência ao encontro na North Parade! Sim, ela ficara embaraçada de forma encantadora, apesar de ser uma jovem bastante franca e espirituosa.

Nesse sentido, a srta. Franklin diferia bastante da srta. Pearson. Mat­thew fizera de tudo para conseguir arrancar uma palavra desta última, mas as raras respostas da moça haviam sido dadas em voz tão baixa que ele não compreendera nada.

Matthew dobrou a esquina da Abadia e lá, à sua frente, estava a jovem dama que dominava seus pensamentos, linda em um vestido de musseli-na cor de damasco com fitas brancas, com um delicado chapéu de palha e uma sombrinha branca de babados. Ela estava sozinha, observando em aparente fascinação o lado oeste da igreja.

Não era apropriado abordar uma dama na rua, a não ser que a dama em questão o reconhecesse antes, mas Matthew não conseguiria passar por ela sem cumprimentá-la.

— Bom dia, srta. Franklin.

Sobressaltada, Jéssica virou a cabeça e abriu um sorriso.


  • Como vai, sr. Walsingham?

  • Bem, obrigado. A Abadia é uma bela obra de arquitetura, não acha?

  • Sim. Preciso trazer meu bloco de desenhos qualquer dia. Bath está repleta de vistas interessantes.

  • É verdade. — Ele admirou a figura esbelta e feminina. — A senho­rita está a caminho da Pump Room?

Estava, mas parece que me desencontrei de tia Tibby outra vez —respondeu Jéssica, cândida. — Acho que a Abadia foi construída mil anos depois da época que interessa a titia. Eu parei por um instante para apreciar a igreja, e quando olhei em volta ela havia sumido. Acho que volta­rei para casa, para buscar minha dama de companhia.

  • Eu ficaria muito contente em oferecer-lhe minha companhia, se quiser.

  • Obrigada, senhor, acredito que posso aceitar, já que fomos apre­sentados por ninguém menos que o sr. Guynette.

Matthew ofereceu-lhe o braço e juntos entraram na Pump Room. — Espero que esteja indo beber seu copo diário de água medicinal — co­mentou Jéssica.

Embaraçado diante da preocupação dela com sua saúde, ele fez um gesto em direção ao salão lotado, tentando mudar de assunto:

— Como a senhorita pode ver, o lugar não é frequentado apenas por inválidos. A esta hora, é um local elegante para passeios e ponto de encontro de mexeriqueiros.

Ela riu.


  • Eu não me importo de ser alvo de mexericos.

  • Ainda bem, já que uma dama com a sua beleza jamais deixa de chamar atenção.

  • Estou vendo os Barlow lá adiante — disse Jéssica, corando. — Pre­ciso cumprimentá-los.

Eles se juntaram ao alegre grupo, que planejava um passeio até Beechen Cliff naquela tarde.

  • A senhorita irá conosco, não é mesmo? — indagou o sr. Barlow, ansioso. — Precisamos aproveitar o dia, que está belíssimo.

  • Venha conosco, Jéssica — insistiu Kitty.

  • Ficarei feliz em acompanhá-los — assentiu ela, por fim.

  • Ótimo! O encontro será em nossa casa, em Westgate Buildings, número sete. Assim lhe convém? — perguntou a jovem. — E o senhor também irá conosco, não é, sr. Walsingham?

Matthew aceitou o convite, pensativo. Sem dúvida Kitty Barlow pre­tendia mantê-lo por perto, bem como a sir Nathan. Ele notara também a silenciosa presença de lorde Peter ao lado da cadeira da sra. Barlow. A julgar pelo endereço dado, os Barlow estavam longe de serem ricos, e a srta. Barlow precisava se empenhar para conseguir um bom casamento.

O sr. Barlow também parecia estar atrás de um bom casamento. Jéssi­ca ria, alegre, de algum comentário espirituoso feito por ele. Matthew tossiu.

Ela virou-se no mesmo instante.


  • O senhor precisa beber sua água. Vamos, eu o acompanharei.

  • Mamãe, a senhora ainda não tomou sua dose hoje — o sr. Barlow observou. — Vou buscar-lhe um copo.

  • Então é melhor eu ir junto, Bob — disse Kitty ao irmão —, senão você acaba esquecendo o que ia buscar.

Os quatro partiram em direção à torneira, mas os jovens Barlow pararam para conversar com um grupo de conhecidos.

  • Fico imaginando se a sra. Barlow vai chegar a receber um copo de água medicinal — disse Jéssica, sorrindo, enquanto Matthew dava uma moeda ao atendente em troca de um copo do líquido turvo.

  • Ela é uma mulher de sorte se não receber — Matthew comentou, sombrio, antes de engolir o líquido. — Ugh! Não me admiro que essa água tenha provocado uma gastrite em tio Horace!

Nesse momento, desejando descarregar sua irritação em alguém, ele vislumbrou a jovem de pouca fala com quem dançara na noite anterior, entrando no Pump Room com uma dama de companhia.

Na verdade seria difícil não perceber a presença da srta. Pearson, já que seu vestido verde estava coberto por uma profusão de laços verme­lhos^ No entanto, longe de se esforçar por parecer atraente, a jovem da­ma andava com a cabeça baixa, talvez para contemplar o broche de rubi preso ao corpete. Pela segunda vez naquele dia Matthew, ignorou as re­gras de cavalheirismo.

— Srta. Franklin, já conhece a srta. Pearson?

Antes que Jéssica pudesse responder, ele a conduziu até a jovem. Des­concertada, a srta. Pearson lançou um olhar nervoso a Matthew e fez uma mesura.



  • Srta. Franklin, permita-me apresentar-lhe a srta. Pearson e a sra. Partridge — disse ele.

  • Woodcock! Sra. Woodcock — corrigiu a dama de companhia.

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