Zíbia gasparetto



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Capítulo 16
Gabriela acordou assustada e olhou para o relógio. Eram seis ho­ras e o dia já havia amanhecido. Levantou-se rápida. Dormira mais de oito horas. Vencida pelo cansaço, deitara vestida pretendendo descan­sar um pouco.

Lavou-se depressa, arrumou-se e quando se preparava para sair em busca de notícias uma enfermeira bateu levemente e entrou.

— Aconteceu alguma coisa? — indagou preocupada.

— O médico deseja vê-la na sala de consultas. Sabe onde é?

- Sim.

Com o coração descompassado, Gabriela entrou na sala do médico.



— Como está meu marido, doutor? Já acordou?

— Infelizmente, D. Gabriela, o estado de seu marido agravou-se esta madrugada. Está em coma.

— Por que não me avisaram? Eu estava cansada, peguei no sono. Meu Deus! Eu não podia ter dormido.

— A senhora estava exausta e foi melhor ter descansado. Vou per­mitir que visite seu marido.

— Ele vai morrer, doutor?

— Seu estado é grave, além disso há uma infecção generalizada que não conseguimos debelar.

A senhora precisa ser forte.

Gabriela sentiu as pernas bambearem e o médico amparou-a, obri­gando-a sentar-se.

— Se continuar assim, não permitirei que vá vê-lo.

— Por favor, doutor. Foi o choque, mas prometo me controlar. De­sejo vê-lo.

— Está bem. Se desmaiar lá dentro, pode atrapalhar o atendimen­to ao seu marido.

— Eu quero vê-lo.

O médico conversou com ela mais alguns minutos, deu-lhe um calmante e quando a viu mais controlada levantou-se dizendo:

— Venha comigo.

Com o coração aos saltos, Gabriela entrou na UTI esforçando-se para controlar a emoção.

Vendo o marido inconsciente, ligado aos aparelhos de controle, respirando de maneira irregular, Gabriela sentiu que as lá­grimas desciam pelas suas faces.

Aproximou-se do leito, segurou a mão do marido e inclinou-se, di­zendo ao seu ouvido:

— Roberto, neste momento difícil de nossas vidas, eu juro por Deus que sempre lhe fui fiel. Nunca o traí. Não nos deixe agora. Reaja.

Ele apertou a mão dela com força e Gabriela olhou para o médico dizendo admirada:

— Ele ouviu minhas palavras, apertou minha mão.

O médico aproximou-se de Roberto, abriu-lhe as pálpebras, os lá­bios, auscultou-lhe o coração, depois disse sério:

— É impossível, senhora. Ele está inconsciente.

— Mas ele apertou minha mão.

— Deve ter sido algum espasmo. Ele não tem condições físicas de responder a nada.

— Posso ficar aqui com ele?

— Melhor não. A enfermeira ficará o tempo todo e nos avisará no caso de alguma mudança.

— Mas eu gostaria de ficar...

- Não é bom para ele. Precisa de sossego. Depois, no caso de pre­cisar de um atendimento urgente, sua presença poderá prejudicar. O paciente está em primeiro lugar. Ele precisa de toda a atenção.

Gabriela deixou a UTI abatida. Uma atendente aproximou-se:

— Deixei a bandeja do café em seu quarto. A senhora precisa se alimentar.

Gabriela foi para o quarto. Sentia um vazio no estômago e muita inquietação, O que seria de sua vida se Roberto morresse? A esse pen­samento sentiu tontura e resolveu reagir. Tinha de ser forte. Seus filhos precisavam dela.

Serviu-se de café com leite, comeu um pãozinho. O que fazer en­quanto esperava?

Telefonou para casa e conversou com Nicete sobre as crianças, in­formando-a sobre o estado de Roberto.

- Vou levar os dois para a casa da Alcina e logo estarei aí.

— É melhor ficar com eles em casa.

— A senhora não pode ficar sozinha agora. Fique tranqüila, estarão bem lá. Não vou agüentar ficar aqui quando a senhora está passan­do por tudo isso.

- Faça como quiser — concordou por fim. A presença de Nicete lhe daria conforto.

Eram oito horas quando Renato bateu na porta do quarto. Estava pálido e assustado.

— Roberto está em coma! — foi dizendo Gabriela assim que o viu.

— Fui informado assim que cheguei. E você, como está?

Ela deu de ombros, respondendo:

— O que posso dizer? Arrasada. Isso parece um pesadelo, uma men­tira. Como estão as coisas em sua casa?

— As crianças bem. Conversei com elas e expliquei tudo. Ricar­dinho compreendeu. Célia está inconformada. O advogado acompa­nhou o depoimento de Gioconda. Ela não falava coisa com coisa, por isso o delegado resolveu interrogá-la novamente hoje.

— Meu Deus! Até onde nos levará essa loucura?

— O Dr. Altino me preveniu de que nós dois precisaremos depor no inquérito.

— Ainda isso?

— Infelizmente não podemos evitar.

— Não vou sair daqui enquanto ele não melhorar.

— O delegado ainda não marcou nada. O Dr. Altino vai nos dar orientações.

— Pretendo falar a verdade. Não temos nada a esconder. Isso mesmo. Ele vai nos orientar quanto às providências legais e ao inquérito.

Gabriela suspirou inquieta.

Depois de bater ligeiramente, Nicete entrou no quarto. Após os cum­primentos, indagou:

— Alguma novidade?

— Não — respondeu Gabriela. — Ele continua na mesma.

— Deus vai nos ajudar e ele vai ficar bom.

— Estamos rezando por isso — tornou Renato.

Roberto continuava em coma na UTL. Enquanto seu corpo lutava para manter-se vivo, seu espírito, agitado, lutava para entender o que estava acontecendo.

Quando foi atingido pelos tiros, conservou a consciência, sentiu que havia sido ferido e, apavorado, vendo-se estirado na calçada ao lado de Gabriela, que desmaiara, imaginou que ela também havia sido atingida.

Apesar do seu esforço para manter-se consciente, perdeu os senti­dos. Então começou para ele um período de inquietação, no qual se mantinha entre a semiconsciência e a lucidez. Queria ficar lúcido, acor­dar, saber o que estava acontecendo, porém não conseguia.

Momentos havia em que perdia completamente a consciência, ou­tros em que via seu corpo deitado na cama do hospital e ficava deses­perado. Teria morrido?

Quando freqüentou o centro espírita, disseram-lhe que a vida con­tinuava depois da morte do corpo e que a pessoa se sentia viva, como se ainda estivesse na carne.

Roberto não queria morrer. Apesar dos problemas que enfrentava, nunca lhe passara pela cabeça deixar o mundo. Pensava nos filhos, e as lágrimas desciam pelas suas faces sem que pudesse evitar.

Angustiado, atirava-se sobre o corpo, querendo dar-lhe vida, mas ao fazer isso sentia dores e acabava perdendo a consciência. Acordava novamente, como se estivesse vivendo um pesadelo.

Queria saber a ver­dade, ver Gabriela, os filhos, dizer que estava vivo e que não desejava deixá-los.

Por que havia acontecido isso com eles, por quê? Com medo de per­der a consciência, Roberto não se atirou mais sobre o corpo. Assim, acabou percebendo que estava no hospital. Via a enfermeiras fazendo o atendimento, e, quando o médico chegava, ficava do lado, ouvindo o que ele dizia.

Assim descobriu que seu estado se agravava a cada hora e, apavo­rado, não sabia o que fazer.

Entrar no corpo novamente era inútil, ape­nas conseguia perder a consciência e sentir-se mal.

O que fazer, então?

Arrependia-se de haver-se envolvido com Gioconda. Não pensa­ra que fazendo isso colocaria em risco a vida de Gabriela.

Naquela tarde ele se sentiu mais forte. Pensou que estivesse melhor, mas assustado viu que a enfermeira chamou o médico e que este cons­tatou o coma.

Quando Gabriela entrou na UTI, o espírito de Roberto estava lá. Vendo-a abatida porém ilesa, sentiu-se aliviado. Aproximou-se dela co­movido e ouviu quando ela disse emocionada:

— Roberto, neste momento difícil de nossas vidas, eu juro por Deus que sempre lhe fui fiel.

Nunca o traí. Não nos deixe agora. Reaja.

Foi acometido de incontrolável emoção. Sem pensar em mais nada, atirou-se sobre o corpo no desejo de voltar à vida. Sentiu-se mal, tonto, com dores pelo corpo, mas por alguns segundos teve a mão de Gabriela entre as suas e apertou-a com força. Depois, perdeu a consciência.

Acordou algum tempo depois olhando ansioso em volta, à pro­cura de Gabriela. Mas ela não estava no quarto. Recordou-se das pa­lavras dela, e todo o seu ciúme, sua dúvida, desapareceu como por encanto.

Em seu lugar apareceu o remorso, a certeza de que em sua loucura provocara a tragédia que estavam vivendo. Por que se deixara envol­ver pelo ciúme daquela forma? Por que esquecera toda a dedicação, o amor, o carinho que Gabriela manifestara todos os anos em que vive­ram juntos?

O remorso dói, e Roberto viveu horas de angústia e arrependimen­to, O que fazer agora para remediar o mal que fizera? Por mais que pen­sasse, não conseguia encontrar saída. Estava preso àquele quarto, ten­do à sua frente seu corpo semidestruído lutando para manter-se vivo. E se ele não conseguisse? E se por fim ele morresse, cortando definitiva­mente o vínculo que tinha com o mundo? O que seria dele dali para a frente? Se ao menos a morte fosse o fim de tudo, o esquecimento, odes-canso eterno, talvez fosse bom.

Mas, pelo que estava percebendo, o espírito tem vida própria e pode continuar vivendo sem estar na carne. Teria de sofrer aquele pe­sadelo para sempre?

No auge do desespero, sentindo que precisava encontrar uma saí­da, lembrou-se de Deus. Ajoelhou-se, dizendo entre lágrimas:

— Meu Deus! Grande foi meu erro, minha cegueira, minha lou­cura. Menti, envolvi Gabriela em uma tragédia, acabei com minha vida. Sei que não mereço sua misericórdia, mas estou arrependido. Peço uma nova oportunidade. Ajude-me! Permita que eu volte à vida e possa re­parar esse erro. Enlameei o nome da mãe de meus filhos, da mulher que jurei amar e defender a vida inteira! Preciso voltar, pedir que me per­doe, reparar todo o mal que causei! Sei que vai me ajudar.

Só o senhor pode me tirar deste pesadelo terrível. Não me abandone!

Naquele momento Roberto sentiu ter sido arremessado para outro lugar. Viu-se em uma sala em penumbra, onde algumas pessoas oravam em silêncio. Ele conhecia aquelas pessoas. Cilene estava entre elas.

Emocionado, aproximou-se dela, dizendo:

— Cilene, sou eu, Roberto. Você me atendeu e me ajudou muitas vezes. Vim pedir auxílio.

Estou desesperado.

Repetiu a frase algumas vezes e ouviu quando ela disse em voz alta:

— Está aqui um espírito que precisa de ajuda. Vamos orar.

Então Roberto sentiu uma espécie de tontura e viu que estava ao lado de uma senhora que não conhecia. Disse aflito:

— Por favor, tenho que falar com alguém, me atendam. Eu fre­qüento aqui. Vocês já me ajudaram muito.

Admirado, percebeu que a senhora repetia suas palavras em voz alta e todos estavam ouvindo. Continuou:

— Meu corpo está em coma no hospital. Preciso que me ajudem. Não quero morrer. Errei, mas estou arrependido. Por favor, vocês falam com os espíritos de luz, me ajudem. Eu preciso viver, tenho dois filhos para criar. Tudo aconteceu por minha culpa.

Cilene respondeu com voz calma:

— Estávamos orando por você. Temos acompanhado seu caso pe­los jornais.

— Não sei o que disseram, mas Gabriela é inocente. Sempre me foi fiel. Oh, o ciúme! Se eu pudesse voltar atrás... Foi por causa dele que armei a cilada que nos precipitou nesta tragédia. Eu desejo viver, defen­der Gabriela e criar meus filhos! Preciso dessa oportunidade para des­fazer todo o mal.

— Acalme-se, Roberto. Acima de nossa vontade está a de Deus. Só ele poderá fazer o que pede. Todavia, estamos intercedendo por você. Procure não agravar sua situação mergulhando no desespero ou na revolta. Sempre que tomamos alguma atitude, não sabemos bem até onde ela nos levará. Mas a vida é mestra e deseja nossa felicidade. Va­mos confiar no futuro, pedir a Deus que nos abençoe e que permita sua recuperação.

— Diga que vou ser atendido.

— Vamos pedir. O resultado pertence a Deus. Mas saiba que, acon­teça o que acontecer, tudo será para o melhor. Confie, ore e espere. Procure cultivar a confiança. Vai acontecer o melhor.

Naquele momento Roberto viu o espírito de uma mulher de meia-idade, cujos cabelos grisalhos estavam rodeados por uma auréola de luz prateada. Ela se aproximou dele, dizendo com doçura:

— Vamos ajudá-lo agora, acalmar seu coração. Só a harmonia pode nos ajudar nos momentos difíceis. Por isso, você vai pensar no bem e manter a confiança.

Ele quis falar, mas não conseguiu. Ela estendeu as mãos sobre a ca­beça dele, e delas saíam energias coloridas que entravam pelo seu coro­nário. Ele sentiu grande bem-estar. Naquele momento, toda a sua an­gústia desapareceu. Em sua mente ele viu como em um filme todos os momentos importantes de sua vida.

Ela se aproximou de uma senhora presente, dizendo:

— Vamos ajudar. Procurem Gabriela no hospital e tragam-na aqui.

— Não a conheço — tornou Cilene —, não sei se virá.

— Vá até lá e nós a ajudaremos a trazê-la.

Cilene prometeu ir falar com ela. Roberto, aflito, olhou para o es­pírito da mulher que o socorrera, ansioso para perguntar, mas com medo de saber se iria morrer ou viver. Ela olhou em seus olhos e disse:

— O momento é de oração e fé. Faça sua parte, mentalize luz e evite dramatizar. Entregue o resultado nas mãos de Deus na certeza de que, embora nem sempre as coisas sejam como desejamos, sempre acontece o melhor. Devo dizer que precisamos muito da sua força e da sua fé.

É importante que nos ajude.

— Está bem — respondeu ele em pensamento, dominado pela energia agradável que vinha dela. Só não quero perder a consciên­cia outra vez.

— Acalme-se. Você agora vai dormir um pouco. Quando acordar, se sentirá melhor.

Ficaremos do seu lado, aconteça o que acontecer.

Cilene saiu da reunião pensando em como saber em qual hospital Roberto estava. Procurou a ficha de atendimento de Roberto e encon­trou o número do telefone de sua casa. Olhou o relógio: passava das nove da noite.

Ligou e Nicete atendeu. Cilene perguntou por Gabriela. Meu nome é Nicete, trabalho aqui. D. Gabriela está no hospi­tal com o marido. Quem está falando?

— Cilene, uma amiga do Sr. Roberto. Poderia me dizer em que hospital eles estão? Pretendo visitá-los.

— O Seu Roberto não pode receber visitas. Pode deixar o telefo­ne que eu falo com a D. Gabriela.

— Preciso ir até lá com urgência. Minha visita não é apenas de cor­tesia. Trabalho no centro espírita que o Sr. Roberto freqüentava. Ora­mos por ele e recebemos a incumbência de ajudar espiritualmente no seu tratamento.

Apesar de estranhar que Roberto houvesse freqüentado um centro espírita, Nicete informou o endereço do hospital imediatamente. Ela tam­bém estava rezando, pedindo ajuda aos espíritos.

— Eles estão precisando muito. Deus abençoe vocês por essa ajuda.

Cilene convidou um companheiro do centro a acompanhá-la até o hospital. Meia hora depois, ela e Hamílton, seu companheiro de tra­balho espiritual, batiam na porta do quarto de Gabriela.

Uma atendente que passava informou que ela estava na lanchone­te. Eles foram até lá e um funcionário indicou a mesa onde Gabriela e Renato conversavam. Ele havia insistido para que ela se alimentasse, to­masse pelo menos um café com leite.

Sabendo que precisava conservar suas forças, Gabriela concorda­ra. Havia terminado e se preparavam para voltar ao quarto quando os dois se aproximaram.

— D. Gabriela?

Admirada, ela assentiu com a cabeça. Cilene continuou:

— Meu nome é Cilene, e este é Hamílton. Somos amigos do Sr. Roberto, seu marido. Precisamos conversar com a senhora em particu­lar. Pode nos dar alguns momentos de atenção?

— Claro. Mas... poderia esclarecer melhor? Não me lembro de vocês.

— A senhora não nos conhece. Somos do centro espírita onde seu marido fazia tratamento.

Gabriela olhou admirada para Renato. Roberto nunca lhe falara nada sobre o assunto. Renato interveio:

- Meu nome é Renato, sou amigo da família. O que desejam?

— Gostaríamos de conversar a sós com ela. O assunto é delicado.

— O Dr. Renato está nos ajudando. Pode falar.

É melhor irmos até o quarto — sugeriu Renato. — Aqui há muito barulho.

Uma vez no quarto, Cilene começou:

— Há mais ou menos um ano, atendi seu marido no centro espíri­ta onde somos voluntários. Ele estava desesperado por haver sido rouba­do pelo sócio. Conversamos e pedi a ele que freqüentasse nossas reuniões de energização e ajuda. Não sei se os senhores sabem como funciona.

— Já ouvi falar — respondeu Gabriela. — Nicete, minha empre­gada, costuma ir a um centro de vez em quando.

- Pois bem. Soubemos o que aconteceu pelos jornais e ontem em nossa reunião espiritual colocamos o nome dele para nossas orações. Então eu vi o espírito de Roberto do meu lado.

Gabriela levantou-se da cadeira, assustada:

— Como assim? Ele ainda não morreu. Sempre ouvi dizer que eles se comunicam depois da morte.

Hamílton interveio:

— Em certas circunstâncias, fazem isso sem terem morrido.

— É difícil acreditar disse Renato, que nunca se interessara por esse tipo de fenômeno.

— Mas ele ficou do meu lado implorando ajuda. Disse que seu cor­po estava em coma no hospital e que ele não queria morrer. Disse tam­bém que tudo aconteceu por culpa dele, que foi ele quem armou toda a cilada que resultou nesta tragédia. Que está arrependido. Que agora sabe que você é inocente e que sempre lhe foi fiel. Que seu ciúme foi a causa de tudo. Implorou nossa ajuda.

Gabriela deixou-se cair na cadeira, emocionada:

— Então ele ouviu o que eu lhe disse na UTI. Eu sei que ouviu. Ele apertou minha mão. Meu Deus! Ele está consciente!

— Os médicos garantem que uma pessoa em coma não ouve nada. Isso não pode ser! — disse Renato.

— Então os médicos estão enganados, e ele não está em coma —tornou Gabriela. — O que sei é que ele apertou minha mão e eu senti que ele entendeu o que eu disse e acreditou em mim. Eu jurei que nun­ca o havia traído. O que mais ele lhe disse?

— Que deseja viver para reparar seu erro, para defender você e criar seus filhos.

— É verdade! Eu acredito. Diga-me: o que podemos fazer para ajudá-lo?

— Nossos guias pediram que você vá orar conosco em nossa reunião.

— Quando? Não quero sair daqui enquanto ele não melhorar.

- O quanto antes, melhor. Vai demorar pouco mais do que uma hora entre ir e voltar.

— Posso levá-la — ofereceu Renato.

Hamílton olhou sério para ele e respondeu:

— É bom mesmo. O senhor também precisa muito da ajuda espi­ritual. Seus filhos estão muito atingidos emocionalmente. Eles fazem o possível para não o preocupar, porém estão sofrendo.

Vejo uma meni­na chorosa, mas o menino fecha-se no quarto e chora agoniado. Quer parecer forte, mas está cheio de medo e de dúvidas.

Renato ia dizer algo, mas desistiu. Como aquele homem podia sa­ber detalhes do comportamento de seus filhos se ele não tinha dito nada? Bem que desconfiava das atitudes de Ricardinho, mostrando-se cordato, alegre, disposto. Suas olheiras indicavam que ele não estava tão bem quanto queria parecer.

— Eles também precisariam ir até lá?

— No momento, não. O desequilíbrio emocional deles vem de muito tempo. As crianças são sensíveis às energias dos pais. Saiba que um relacionamento perturbado no lar acaba sempre os atingindo. A in­segurança de sua esposa afetou-os bastante.

— De fato. Minha mulher sempre foi insegura... Não sei o que dizer.

— Vá com D. Gabriela e vamos orar juntos pelo bem-estar das duas famílias.

— Obrigado — disse Renato, comovido. — Amanhã estaremos lá.

Depois que eles se foram, Gabriela olhou para Renato sem saber o que dizer.

— Estou tão admirado quanto você — tornou ele. — O que eles nos disseram me impressionou muito. Em poucas palavras o rapaz descreveu todos os meus problemas com Gioconda. É difícil acreditar no que disseram, mas eles não nos conhecem, como podem saber tanto so­bre nossas vidas?

— Faz tempo que Nicete me pede para ir a um centro espírita. Apesar de respeitar as crenças dela, nunca levei a sério. Roberto, no en­tanto, estava indo lá e nunca me disse.

— Roberto é reservado. Não falou do centro nem do psiquiatra. É mesmo. Houve um tempo em que ele andou muito deprimi­do, mas depois foi melhorando. Ultimamente começou a ganhar dinheiro novamente e eu pensei que a crise houvesse passado. Mas o ciú­me derrubou-o novamente, e desta vez foi pior.

— Sempre agüentei os desentendimentos com Gioconda porque acreditava que uma separação iria desestruturar nossa família, que as crianças seriam muito prejudicadas. Agora, vendo os resultados, notan­do o sofrimento dos meus filhos, tenho minhas dúvidas. Arrastar um casamento errado e destrutivo como o meu talvez tenha sido a pior coi­sa que fiz.

Gabriela ficou pensativa por alguns instantes, depois, olhos perdi­dos em um ponto distante, considerou:

— Uma separação sempre traz sofrimento para a família. O que resta saber é o que machuca mais. Tenho pensado muito nisso. Preten­do ficar ao lado dele até que recupere a saúde, depois vou me separar. Quando a confiança acaba, não resta mais nada.

Renato fitou-a triste e não respondeu. A tragédia tomara conta das duas famílias e ele estava tão deprimido quanto ela. Não se sentia em condições de dar opinião. Pretendia defender Gioconda na justiça, apoiá­la dando-lhe bons advogados, mas já se considerava separado. Assim que o caso dela fosse julgado, ele partiria para uma separação judicial.

Iria brigar pela posse dos filhos. Depois do que ela fizera, talvez isso não fosse difícil de conseguir. Gioconda não tinha condições para edu­car os filhos.

Gabriela continuou:

— O ideal teria sido escolher melhor a pessoa com a qual quería­mos nos casar. Muitos casamentos estão errados desde o começo.

— Tem razão. O difícil é ter discernimento na hora de escolher. Dei­xamo-nos levar pela atração física, pelos interesses pessoais, pelos nos­sos sonhos de ter uma família ideal. Projetamos nossos desejos em al­guém que “parece” ser tudo que desejamos. Assumimos papéis sociais pretendendo impressionar o parceiro e não temos como avaliar o que cada um é de verdade. Com o tempo e a convivência, percebemos o quanto a pessoa é diferente do que havíamos imaginado. Então vem a roti­na, a insatisfação.

— E a desilusão. Mas é tarde. O mal já está feito. E os filhos é que sofrem pela nossa inexperiência.

— Gioconda disse que deseja falar comigo. Eu não vou. Prefiro que o advogado trate de tudo.

Gabriela suspirou angustiada. Reconhecia que Renato estava em uma situação delicada.

— Nossos visitantes estão certos. Só Deus pode nos socorrer, ali­viar nossa dor. Já pensou se Roberto morrer?

— Isso não pode acontecer. Você tem razão. Está na hora de rezar. Pela primeira vez em minha vida me sinto impotente diante dos fatos. Não podemos nos entregar ao desânimo, pensando no pior. Essa tem­pestade vai passar e a calma voltará em nossas vidas.

— Vamos perguntar sobre Roberto — lembrou Gabriela.

— Sim. Vamos, e depois vou embora. As crianças podem preci­sar de mim.

Roberto continuava na mesma. Depois que Renato se foi, Gabrie­la foi para o quarto. A visita de Cilene e Hamílton confortara-a. Saber que havia pessoas que compartilhavam sua dor e desejavam ajudá-la fa­zia-a sentir-se apoiada. Era uma esperança à qual ela queria apegar-se.

Deitou-se e pensou em Deus. Nunca fora muito inclinada à reli­gião. Sua mãe era católica praticante, mas Gabriela, apesar de respei­tar sua crença, não se detinha pensando nisso.

Seu temperamento prático e objetivo rejeitava as regras, os rituais e os mistérios com os quais seus adeptos tentavam explicar o inexplicá­vel. Não era uma pessoa mística.

Por isso nunca fora a um centro espírita, como aconselhava Nice­te, nem a uma igreja católica, como sua mãe gostaria. Tinha sua própria maneira de olhar a vida. Não era descrente. Acreditava que o univer­so, é sempre perfeito mantendo o equilíbrio dos astros e de tudo; a natu­reza, com sua versatilidade, suas leis inexoráveis; tudo isso era coman­dado por uma força maior.

Porém não se detinha pensando nisso, porque acreditava não ter discernimento para entender.

Pensava que, se isso fosse preciso, a vida lhe daria esse conhecimento.

Agora, depois do que soubera de Roberto, mil perguntas iam-lhe à mente. Pela primeira vez detinha-se nos mistérios da vida e da mor­te, querendo saber como era aquilo.

Se Roberto pôde deixar o corpo em coma no hospital e foi em busca da ajuda dos amigos, era porque ele não dependia do corpo físico para estar consciente. O que o impedia de voltar àquele corpo e tornar à vida? Por que, apesar de estar consciente do próprio estado, não con­seguia acordar?

Quanto mais pensava, mais desejava que o tempo passasse depres­sa. Talvez na noite seguinte, quando fosse ao encontro de Cilene e Ha­mílton, as respostas começassem a aparecer.

Estendeu-se na cama ainda vestida, porque pretendia saber de Ro­berto de madrugada.

Decidiu rezar. Fechou os olhos e pensou na força que move o universo. Essa era sua concepção de Deus. Evocou essa for­ça e abriu seu coração pedindo ajuda e esclarecimento.

Nem sequer percebeu que adormeceu e, pela primeira vez depois de muito tempo, mergulhou em um sono reparador.



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