Zíbia gasparetto



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Capítulo 5
Gabriela levantou-se apressada. Estava atrasada. Aquele café com leite na cama, a mudança da atitude do marido haviam-na feito relaxar e dormir pesadamente.

Quanto à situação financeira dele, não queria pensar. No prin­cípio, tentara de todas as formas ajudá-lo, sugerindo várias opções de trabalho que, seja por ele não ter prática ou por não ter entusiasmo, nun­ca haviam dado certo. No fim, ela ficava sempre com a sensação de fra­casso.

Nessas ocasiões, sentia que ele a olhava como que a culpando. Por causa disso decidiu não interferir mais nessa questão.

Entretanto, apesar disso, não conseguia manter serenidade diante das contas a pagar, da falta de compreensão dele, do ar de vítima da so­gra e até das pequenas contrariedades domésticas normais do dia-a-dia. Sentia-se esgotada de corpo e alma.

Aprontou-se rapidamente e, tendo dado algumas recomendações a Nicete, saiu após um “até mais” ao marido.

Chegou ao escritório com quase meia hora de atraso. Uma colega informou:

- O Dr. Renato perguntou por você duas vezes.

Nervosa, Gabriela guardou a bolsa no armário, ajeitou a roupa e ime­diatamente foi à sala do chefe. Bateu levemente e entrou.

Ele lia alguns papéis e, vendo-a entrar, levantou os olhos dizendo:

— Onde estava, Gabriela?

— Desculpe, doutor, não consegui chegar no horário.

Ele pousou os papéis sobre a mesa e olhou atentamente para ela. Você parece cansada. Está doente?

- Não, senhor. Estou muito bem.

- Tenho observado. Ultimamente você tem estado triste, abati­da, emagreceu.

- Tenho tido alguns problemas pessoais.

Ele continuou fitando-a pensativo. Era um homem fino, elegante, que aos quarenta e cinco anos já podia considerar-se rico. Tinha mu­lher e dois filhos, sua empresa ia muito bem.

— Se continuar assim, vai adoecer — disse. — Tem trabalhado de­mais. Mesmo quando não preciso de você, tem procurado fazer horas ex­tras em outros departamentos. O que está acontecendo?

Gabriela esforçou-se para controlar-se. Não queria mostrar-se fra­ca. Ele poderia despedi-la.

Se ela perdesse aquele emprego, sua família não teria como se manter.

Tentou conter as lágrimas e disse com voz que tudo fez para tor­nar firme:

Por favor, Dr. Renato! Não me mande embora. Sei que tenho estado cansada, mas não posso perder o emprego agora!

Ele se levantou e se aproximou dela, dizendo:

- Não pensei nisso, Gabriela. Acalme-se. Estou apenas queren­do saber o que está acontecendo com você. Sempre admirei sua alegria, disposição, bom humor. Agora está diferente.

Não me passou pela ca­beça despedi-la. Pelo contrário, desejo sabero que está acontecendo para poder ajudá-la.

Ouvindo essas palavras, Gabriela não conseguiu mais conter a emo­ção. Rompeu em pranto convulso e incontrolável. Tudo quanto ela ha­via represado durante aquele tempo aflorou, e ela não conseguia parar de soluçar.

Sensibilizado, ele a abraçou, apanhou um lenço e colocou-o na mão dela, dizendo:

- Chore, Gabriela. Extravase seus sentimentos. Desabafe.

Ela se deixou ficar ali, abraçada a ele, sentindo o conforto do seu apoio, o delicado perfume que vinha dele. Quando conseguiu se acal­mar, afastou-se e ele imediatamente a largou.

- Desculpe. O senhor não tem nada a ver com meus problemas pessoais. Sinto muito. Não estou sendo profissional. Não devia ter dei­xado acontecer.

— Não se preocupe. Você está exausta, no limite da sua resistên­cia. Sente-se melhor agora?

Gabriela tentou sorrir, enxugando os olhos mais uma vez.

— Sim. Obrigada pelo lenço. Vou levá-lo para lavar, amanhã eu devolvo. O senhor estava me procurando.

— Isso pode esperar. Eu queria que soubesse que pode confiar em mim. Trabalhamos juntos há mais de três anos e somos amigos. Se há alguma coisa que eu possa fazer...

— O senhor já fez muito. Meu marido está desempregado até ago­ra. As coisas estão muito difíceis lá em casa.

- Agora me recordo, ele foi roubado pelo sócio.

- Foi. Como nunca trabalhou como assalariado, está difícil ar­ranjar emprego. Todos pedem dois anos de experiência.

- Por que ele não volta a trabalhar por conta própria?

— Não tem capital.

— Ele tinha um depósito de materiais de construção, não é?

— É.


— Ele pode procurar um sócio e recomeçar.

— Depois do que ele passou? Desta vez ele vai precisar fazer tudo sozinho. Aliás, foi assim que ele começou.

— Não desanime. Ele vai conseguir. Agora vá lavar o rosto, refa­zer a maquiagem e vamos trabalhar.

— Obrigada pela compreensão. Estou melhor agora. Pode ter cer­teza de que vou trabalhar como nunca.

Renato sorriu. Era assim que gostava de vê-la: firme, disposta, ca­paz. Ele sabia que ela era muito eficiente. Gabriela retirou-se e ele ficou olhando para a porta, o lugar por onde ela desaparecera. Que mulher!

Muito diferente da sua, que estava sempre se queixando e para quem tudo era difícil. Havia momentos em que ele não conseguia su­portar sua voz chorosa, lamentando-se por futilidades. Ora porque o trânsito estava ruim, ora porque o cabeleireiro estava lotado, a balco­nista da Loja fora indelicada, uma amiga esquecera o dia do seu aniver­sário, etc., etc.

Se ela tivesse a metade dos problemas de Gabriela, com certeza te­ria um chilique. O que mais o irritava em Gioconda era sua atitude com os filhos, desculpando todas as malcriações, principalmente de Ricar­dinho, que aos dez anos fora expulso de duas escolas e estava difícil de manter na terceira.

Quando Renato chamava a atenção de Gioconda para que ela fos­se mais firme com o filho, ela tinha crises de depressão, dizendo-se in­compreendida, chamando-o de malvado.

Ele tentara várias vezes orientar Ricardinho, porém Gioconda sem­pre interveio, tirando sua autoridade. Pensara até em interná-lo em um colégio, o que deixou sua mulher de cama por dois dias, infernizando sua vida.

Já Célia era mais cordata. Quieta, delicada, falava pouco. Aos oito anos, fazia tudo para agradar a mãe, mesmo percebendo que Gioconda só tinha olhos para Ricardinho.

Renato, por vezes, sentia vontade de intervir, mudar tudo. Mas como? Ficava trabalhando a maior parte do tempo. Depois, Gioconda era tão frágil que ele tinha medo de pressioná-la. E se ela fizesse algu­ma besteira?

Ia levando a vida como dava. Gabriela era o oposto. Forte. Deter­minada. Bonita e indomável como um cavalo de raça.

“Vai ver que o marido dela é um moleirão que não merece tudo isso!”, pensou ele.

Quando Gabriela voltou, estava renovada. Arrumara-se melhor. Não podia desagradar ao patrão. Sabia que ele detestava gente feia e mal ar­rumada. Queria estar sempre rodeado de obras de arte em um ambien­te agradável.

Vendo-a entrar, ele tornou:

— Vamos trabalhar. Há algumas cartas que quero ditar sobre aque­le contrato com a importadora.

— Sim, senhor. Estou pronta.

Ela se sentou com o caderno de anotações nas mãos e ele começou a ditar. Trabalharam durante uma hora, depois ele decidiu:

— Providencie essas cartas com urgência. Pretendo assiná-las logo ao voltar do almoço e mandá-las o quanto antes.

— Sim, senhor. Não levarei mais do que meia hora para tê-las prontas.

— Todas?

—Todas.


— Você não sai para o almoço?

— Não. Costumo trazer um lanche e como aqui mesmo.

- Isso não faz bem à saúde. Você deveria se alimentar melhor. A noite, em casa, faço isso.

Ele balançou a cabeça negativamente.

— Não parece. Vai ver que é por isso que tem emagrecido e sen­tido cansaço. Precisa se cuidar.

— Sim, senhor. Farei o possível.

Gabriela saiu e tratou de aprontar as cartas. Havia trazido o lan­che, porém não sentia fome.

Quando acabasse, tentaria comer um pou­co. Ela não gostava daquela sensação de estômago vazio que a deixava um pouco tonta.

Atirou-se ao trabalho com capricho. Todos saíram para o almoço e ela continuou trabalhando. Meia hora depois, chegou um mensagei­ro com um pacote. Ela atendeu.

— É para D. Gabriela. É só entregar.

— Gabriela do quê?

— A secretária do Dr. Renato.

- Sou eu. Obrigada.

Curiosa, abriu a embalagem. Era um almoço completo, com refri­gerante, sobremesa e tudo.

Ela corou. Quanta gentileza! Ele almoçava em um restaurante próximo e mandara-lhe aquela comida.

Sentiu-se confortada. Ele se interessara pelo seu bem-estar. Estava habituada a cuidar dos filhos, do marido, da empregada, e foi agradável ter alguém que cuidasse um pouco dela. Era como se houvesse voltado à infância e tivesse a presença de sua mãe, de quem havia se separado desde o casamento porque ela morava em outro estado.

Abriu tudo sobre sua mesa. Ele não se esquecera dos pratos e ta­lheres descartáveis. Abrindo as embalagens e experimentando a comi­da, Gabriela parecia uma criança. Seu apetite voltou como por encan­to e ela comeu tudo, sentindo-se muito bem.

Depois limpou a mesa e foi pegar um café na garrafa térmica na outra sala. Acendeu um cigarro e, enquanto observava as espirais de fumaça que formavam arabescos no ar, pensava que afinal não tinha mo­tivos para ficar tão depressiva.

Roberto encontraria o que fazer, mas enquanto isso não aconteces­se ela garantiria as despesas da família. Era bom também poder contar com a amizade de Nicete. Um dia, quando a situação melhorasse, ha­veria de recompensá-la pela lealdade.

Voltou ao trabalho e, quando Renato chegou, as cartas já estavam em sua mesa, prontas para serem assinadas e despachadas.

Vendo-o entrar, Gabriela seguiu-o até a sala.

— Muito obrigada pelo almoço, Dr. Renato. Não precisava ter se incomodado.

— Pelo menos você comeu?

— Tudo. Estava delicioso. Mas o melhor foi sentir seu apoio. Mui­to obrigada.

— Não foi nada. O que eu fiz foi pensando em mim. Não conse­guia comer sabendo que você, minha secretária, estava aqui, apenas com um sanduíche.

— Mais uma vez obrigada.

— Não me agradeça, porque de hoje em diante vou ter você sob minha vigilância. Terá que cuidar melhor da sua saúde.

— Farei o possível.

— Está bem. Vejamos as cartas.

Ele leu, assinou e, entregando-as, tornou:

— Despache-as e depois volte aqui.

Ela saiu e dez minutos depois voltou.

— Pronto, doutor.

— Tenho alguns contratos que gostaria que você lesse e depois me dissesse o que pensa deles.

— Eu?

— Você. Preciso de uma opinião de alguém que esteja fora da negociação.



Ele apanhou uma pasta e entregou-a a Gabriela, continuando:

— Leia e faça os apontamentos que julgar interessantes. Entregue-me assim que terminar.

- Tem urgência?

— Sim. Pare outras coisas e dê prioridade a estes contratos.

— Está bem.

— Como são vários e diferentes assuntos, eu gostaria que, à medi­da que acabasse um, fosse me devolvendo. Assim estaremos agilizando as providências.

Gabriela saiu, foi até sua mesa e começou a leitura. A princípio não se sentiu muito à vontade.

Analisar um contrato era atividade para pes­soa habilitada, que tivesse mais qualificação do que ela.

Já ao ler o primeiro, sentiu-se muito interessada pelo assunto, pela maneira como ele estava sendo exposto. Fez várias anotações, nas quais, além de questionar algumas propostas, sugeria modificações.

Duas horas depois, ela entrou na sala de Renato com um contra­to na mão.

— E então? perguntou ele.

— Acabei de ler este. Anotei algumas questões. Não é minha área de trabalho, por isso peço que releve minha ignorância.

Ele apanhou o contrato e leu as anotações com atenção.

— Acho que você se saiu muito bem. Só não entendo por que su­geriu esta mudança aqui.

Parece-me melhor fazer como a minuta pede.

— Se fizer como está aí, em caso de o cliente vir a falecer e deixar herdeiros menores, a empresa ficará amarrada, sem poder continuar o projeto. Se desvincular o contrato da área pessoal, colocando-o em nome do banco e o mesmo ficar credor em caso de morte do cliente, nos­sa empresa estará garantida.

Renato olhou para ela admirado.

- Tem razão! Como é que não pensei nisso? Vou modificar tudo.

Nosso negócio será em nome do banco, que garantirá a outra empresa.

- Acha que eles aceitarão isso?

— Acho. Estão muito interessados neste projeto. Afinal, eles é que irão ganhar a melhor parte. Leia os outros e depois conversaremos. Es­tou pensando em uma coisa diferente.

— O quê?


— Em dar-lhe uma oportunidade de melhorar seus vencimentos. Estou falando de uma promoção.

Gabriela corou de prazer.

— Promoção?

— Sim. Você é arguta e observadora. Merece uma oportunidade me­lhor. Vamos ver como se sai com os outros contratos.

Gabriela ficou alegre. Melhorar sua situação financeira seria qua­se um milagre naquelas circunstâncias.

Naquela noite chegou em casa feliz. Depois de tanto tempo, acon­tecia alguma coisa boa. Dali para a frente tudo poderia mudar. Era só questão de tempo.

Passava das sete quando Renato deixou o escritório. Olhou o bur­burinho das ruas e decidiu andar um pouco antes de apanhar o carro no estacionamento.

Apesar do vento frio, foi caminhando pensativo, parando em uma vitrine ou outra, procurando alguma coisa interessante. Não sentia von­tade de ir para casa, ouvir as últimas reclamações de Gioconda.

Não se interessou por nada e reconheceu que estava entediado. Advogado bem-sucedido inclusive na área internacional, abrira sua pró­pria empresa de assessoria e negócios, especializando-se em empreendi­mentos de vulto. Podia orgulhar-se de ter como clientes grandes empre­sas que, aliadas à sua capacidade, lhe garantiam notoriedade e sucesso. Bela casa, carro do ano, boas roupas, Renato possuía tudo quanto ha­via desejado.

Olhando sua figura refletida na vitrine iluminada, seu rosto abor­recido, Renato foi forçado a admitir que não estava feliz. O que estaria acontecendo com ele?

Uma mulher jovem, elegante e bonita passou por ele, encarou-o e sorriu. Ele percebeu o interesse dela, mas nem isso o fez sentir-se me­lhor. Fosse em outros tempos, teria pelo menos se entusiasmado.

Continuou andando, tentando encontrar o motivo da sua insa­tisfação, sem conseguir. Não era dado a depressão. Ao contrário, con­siderava-se um otimista. Fora sua postura entusiasta e seu empenho em resolver os desafios que lhe granjearam a confiança dos clientes.

Começou a garoar e ele resolveu apanhar o carro e voltar para casa. Passava das nove quando entrou na sala onde Gioconda, comodamen­te instalada em uma poltrona, folheava uma revista. Elegante, de esta­tura média, cabelos castanhos bem penteados, pele clara e delicada, vestida com apuro, era o que se pode chamar de uma mulher de classe. Vendo-o, levantou-se.

— Finalmente. Fiquei esperando você para jantar.

— Não precisava. Estou sem fome.

— Mandei servir às crianças. Sabe como é, eles precisam se alimen­tar nas horas certas.

- Já lhe disse várias vezes: não tenho horário para chegar. Vocês não precisam me esperar.

— Ainda assim esperei. Afinal, almoçamos sozinhos todos os dias. Você nunca está em casa.

O escritório fecha às cinco e meia... o que fi­cou fazendo até agora?

Renato tentou conter a irritação. Não podia dizer que ficara andan­do na rua sem vontade de ir para casa.

— Nem sempre posso sair junto com os funcionários. Tenho as­suntos sérios a estudar, contratos a resolver. Projetos de muita respon­sabilidade. Não posso brincar em serviço, parar de trabalhar por causa do relógio.

Ela se aproximou dele, dizendo com voz queixosa:

— Sinto tanto sua falta! Por que me abandona desse jeito? Passo o dia contando as horas que faltam para você chegar e dói muito per­ceber que só eu sinto essa necessidade. Você não se importa comigo nem com sua família.

— Você sabe que isso não é verdade. Agora vou subir, me lavar um pouco. Pode mandar tirar o jantar.

— Vê? Você não liga mesmo para mim. Estou sofrendo e você nem se importa.

Ele fez um gesto de impaciência.

— Estou cansado, Gioconda. Tive um dia de muito trabalho. Gos­taria que esta noite você me poupasse.

— Você nunca tem tempo para mim. Os Mendes telefonaram para saber se iríamos jantar com eles no sábado.

— Eu já disse que neste fim de semana pretendo ir ao clube fazer um pouco de exercício. Iremos outro dia.

— Você sabe que eu detesto ir ao clube nos fins de semana.

— Seria bom que fosse e levasse as crianças. Ricardinho deveria pra­ticar algum esporte para equilibrar seu excesso de energia.

— Lá vem você de novo com essa idéia. Ele é como eu, não gosta de nada disso.

— E fica em casa sem se ocupar, só pensando em besteiras.

— Você é um pai omisso. Nunca está em casa, não conhece o pró­prio filho e ainda se queixa das atitudes do menino.

— Vou subir, Gioconda. Depois conversaremos.

Ele subiu as escadas quase correndo para livrar-se da voz queixosa, da mulher. Sentia vontade de dizer-lhe uma porção de desaforos. Con­trolou-se, porém. Não gostava de ser indelicado. Sempre primara pela boa educação, herança da postura firme e ditatorial de sua mãe, que não tolerava a mínima indelicadeza e o educara rigidamente.

Enquanto se lavava, ele idealizava uma forma de não se aborrecer com a postura da mulher.

Reconhecia que ela era assim mesmo. Ele se orgu­lhava de saber manejar as pessoas. Decidiu que a melhor forma de lidar com ela era não a levar a Sério, não entrar em seus desacertos emocionais.

Alguém naquela casa precisava conservar o bom senso. Ele não podia contar com ela na administração dos problemas da família. Por isso, teria de tomar todas as decisões sozinho.

Quando se sentou à mesa do jantar, Renato já conseguira se acal­mar, e, quando Gioconda quis retomar seus assuntos, ele sorriu gentil­mente e pediu:

— Vamos deixar os problemas domésticos para mais tarde. Não há nada como um jantar agradável. Gostaria de um pouco de música. Você pode ver isso?

— O que você quer Ouvir?

— Música de filmes com orquestra. Com seu bom gosto, tenho a certeza de que escolherá adequadamente.

Nada podia alegrar mais Gioconda do que uma referência às suas qualidades. Sorriu e apressou-se em fazer o que o marido pedira.

Quando voltou, ele dirigiu o assunto para banalidades, coisa de que ela gostava de conversar, uma vez que estava a par de todas as no­vidades da sociedade e da moda.

Enquanto a ouvia discorrer sobre as últimas fofocas de Hollywood, Renato lembrou-se de Gabriela. Aquela sim que era mulher! Que dife­rença! Reconhecia que a vida fora injusta com ele, dando-lhe uma es­posa infantil e fraca, muito diferente do que ele desejaria.

Assim que acabaram o jantar, Renato, dizendo que precisava estu­dar um projeto novo, fechou-se no escritório sob os protestos de Gio­conda, que indignada não se conformava em vê-lo trabalhar tanto.

Uma vez Lá, Renato apanhou um livro, afundou gostosamente em uma poltrona macia e mergulhou prazerosamente na leitura.

Esse era seu momento de reflexão e paz, e ele não desejava dividi-lo com ninguém, muito menos com Gioconda. Renato só resolveu ir dor­mir quando percebeu que a esposa já havia pegado no sono.

Na manhã seguinte, na mesa do café, Roberto notou que Gabrie­la estava mais disposta e sentiu-se mais animado. Não se conteve:

— Noto que você está melhor, menos cansada. De agora em dian­te, enquanto eu não estiver trabalhando, farei tudo para ajudar no ser­viço da casa.

— Não se preocupe com isso, Roberto. Nós damos um jeito.

— Tenho pensado muito e acredito que nós ainda vamos re­construir nossa vida. Vou me esforçar para reaver tudo quanto perdi. Você não se arrependerá de ter me apoiado. Quando estiver bem de novo, você pode deixar de trabalhar, ficar só em casa cuidando dos nossos filhos.

Gabriela olhou séria para ele e respondeu:

— Sei que você é capaz e vai reaver o que perdeu. Mas gostaria que entendesse que eu gosto de trabalhar. É verdade que estamos vivendo tempos difíceis, mas não pretendo parar. Você pode ficar milionário que continuarei trabalhando.

Roberto fez um gesto de impaciência.

— Por quê? Meu sonho é vê-la em casa, como uma rainha. Colo­car tudo a seus pés. Você não vai precisar mais de um emprego.

— Esse é um sonho seu, não meu. Nunca lhe ocorreu que eu pos­so desejar outra coisa? Cada pessoa tem o direito de escolher o que de­seja fazer. Eu sinto muita vontade de aprender mais, de melhorar minha cabeça, de participar da vida fazendo coisas inteligentes, boas, que me realizem.

— Você é uma mulher casada, mãe de família. Tem essa responsa­bilidade. Essa é sua realização.

— Não penso assim. Eu posso muito bem ser ótima mãe, boa es­posa e fazer coisas que me deixem feliz.

— É isso que não consigo entender. Você é diferente das outras mulheres que se contentam em cuidar da família. Você não valoriza o lar que tem.

Gabriela olhou para ele com raiva.

— Se não valorizasse, há muito já teria desistido de ficar com você. Gostaria que entendesse de uma vez por todas que eu estou aqui só por­que amo vocês todos e valorizo muito minha responsabilidade familiar.

Roberto mordeu os lábios. Estava sendo injusto de novo. Tentou consertar:

— Desculpe, Gabriela. As vezes não sei me expressar.

— Você sabe muito bem. Já conversamos inúmeras vezes sobre esse assunto e nunca concordamos. Por isso é melhor parar. Estou muito sa­tisfeita no emprego e pretendo continuar mesmo depois que você ganhar dinheiro de novo. Estou sendo promovida, meu salário vai aumentar.

— Promovida? Por quê?

— O Dr. Renato acha que eu posso progredir e deu-me um traba­lho de mais responsabilidade. Além do aumento que ainda não sei de quanto será, há a chance de melhorar meus conhecimentos profissionais.

— Por que será que ele resolveu fazer isso por Você?

— Ele precisava de uma assistente em outra área e eu estou ex­perimentando. Já me disse que estou indo bem e que vai melhorar meu salário.

Roberto sentiu um aperto no coração e tentou disfarçar. Não que­ria que ela percebesse que sentia ciúme. A cena de Gabriela passando den­tro do carro com outro homem surgiu em sua mente e ele apertou a mão na xícara que segurava, sorvendo um gole de café para ganhar tempo.

Quando se sentiu mais calmo, respondeu:

— Você vai aceitar a nova responsabilidade?

— Claro. Além de aprender mais, há o aumento. Neste momento será de grande valia. Temos algumas contas vencidas para pagar. Ago­ra preciso ir. Ontem cheguei atrasada, não quero que aconteça de novo.

Depois que ela se foi, Roberto decidiu-se. Ele não podia ficar mais naquela situação. Tinha de dar um jeito na vida.

Arrumou-se e saiu. Estava disposto a trabalhar em qualquer servi­ço. Pegaria o que aparecesse, contanto que o ocupasse e lhe rendesse al­gum dinheiro. Do jeito que estava não podia ficar mais.

Ao passar por um prédio de apartamentos que estava sendo cons­truído, parou. A estrutura estava em andamento e alguns andares já haviam sido levantados. Viuo mestre de obras e o engenheiro vistorian­do o serviço e foi até eles, que estavam tão entretidos discutindo deta­lhes da obra que nem o viram.

Roberto esperou calado até que o mestre, vendo-o, tornou:

— Se deseja alguma informação sobre os apartamentos, o plantão de vendas é ali na frente.

— Eu desejo é falar com o senhor mesmo.

— Agora estou ocupado.

— Enquanto esperava, ouvi o que conversavam. Posso lhes oferecer uma solução barata e eficiente para o problema que estavam discutindo.

O engenheiro que examinava algumas colunas voltou-se para Rober­to e perguntou:

— Você é da área?

— Desde criança. Sempre trabalhei com construção. Há um ma­terial específico, com uma liga especial e de grande resistência, que vai melhorar toda a estrutura. Além de tudo, é barato e fácil de trabalhar.

— Você é vendedor? — indagou o mestre de obras, olhando-o desconfiado.

— Sou — respondeu Roberto.

— Estou interessado em obter mais informações — tornou o en­genheiro. — Esse problema está atrasando meu cronograma. Tenho ur­gência de solucioná-lo.

— Meu nome é Roberto Gonçalves. O senhor vai ficar aqui até a hora do almoço?

—Vou.


— Até lá estarei de volta com as informações de que precisa.

O engenheiro olhou sério para ele e respondeu:

— Está bem.

Roberto saiu dali e foi diretamente a uma empresa que ele conhe­cia e que produzia o material.

Procurou pelo chefe de vendas.

— Roberto! Quanto tempo! Prazer em vê-lo.

— Obrigado. Estou retomando os meus negócios.

— Eu sabia que você ia dar a volta por cima. O que é que manda?

— Estou trabalhando com alguns engenheiros, sugerindo mate­riais e ajudando-os a comprá-los. Preciso refazer meu capital.

— Tenho certeza de que conseguirá.

— Gosto dos produtos desta empresa e pretendo comprar grandes quantidades para meus clientes. Vai depender da comissão que você me oferecer.

O chefe de vendas interessou-se imediatamente. Roberto, de pos­se de todas as informações técnicas, inclusive uma amostra do produto para um teste, voltou à construção, onde o engenheiro o esperava.

Juntos testaram o produto, e no fim o engenheiro resolveu:

— Vamos esperar vinte e quatro horas para ver se resiste ao peso e se mantém a consolidação. Amanhã você volta e, se tudo estiver apro­vado, farei o pedido. Tem pronta entrega?

— Tem. Assim que autorizar, o material estará aqui. Não trabalho só com este produto. Sei que a rotina em uma obra é muito corrida e o trabalho não pode parar. Por isso me especializei em agilizar as compras.

— Costumo pedir três orçamentos — disse o mestre de obras.

— Imagino que por telefone, e sempre para as mesmas empresas. Já no meu caso, eu ando constantemente procurando novos materiais, novas alternativas para facilitar a obra, melhorar o custo, mas manten­do a mesma qualidade. Se precisar de outros produtos, é só me pedir. Com rapidez eu lhe trarei várias opções, sem que precisem perder tempo.

— É interessante conhecer as novidades. As vezes vejo novas opções nas revistas especializadas, mas acabo não tendo muito tempo de ir investigar.

— Pode contar comigo. Vou deixar meu telefone. Infelizmente esqueci meus cartões. Este é o número da minha residência. Fechei meu depósito de construções e no momento estou trabalhando em casa mesmo.

Roberto ficou de voltar na manhã seguinte. Sentia-se animado. Por que não pensara nisso antes? Naquele dia visitou o gerente de ven­das de mais duas empresas onde ele comprara muito material quando teve o depósito e negociou uma comissão nas compras que faria para seus clientes.

Fez os planos para o dia seguinte. Iria visitar outras obras e propor boas soluções para seus construtores.


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