Zíbia gasparetto



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Capítulo 10
Renato chegou ao escritório nervoso, agitado. Tivera uma discus­são com Gioconda, e ela, como sempre, se refugiara na cama alegando mal-estar.

Estava difícil levar adiante a vida familiar, porqüanto sua mulher

a cada dia mais e mais se mostrava incapaz e fraca. Ele percebia que, com

a desculpa de estar se sentindo mal, ela fazia tudo do jeito que queria,

perturbando a educação dos filhos e o andamento da casa. Até os criados estavam abusando, e ele, embora notasse, não que­ria intervir. Pensava que, enquanto ela estivesse se ocupando com os pro­blemas domésticos, pelo menos desviaria um pouco a atenção dos mem­bros da família. Não podia conceber que uma mulher como ela, forte, saudável, tendo uma família bonita, conforto e bem-estar, se compor­tasse como uma criança mimada, estragando sua própria vida colecio­nando problemas inexistentes, imaginando dificuldades, tornando-se tão alheia à realidade como as crianças.

Enquanto se tratava dela, de sua maneira errada de viver, não qui­sera intervir. Mas, agora, as crianças estavam sendo prejudicadas, e isso ele não iria tolerar.

Estava cansado das chantagens que ela fazia com os filhos a pro­pósito de qualquer coisa, obrigando-os a fazer tudo que ela quisesse.

Ricardinho, inteligente e esperto, percebia o jogo dela. Renato no­tava que o menino perdera completamente o respeito pela mãe, não lhe obedecendo em nada, a não ser quando ele intervinha.

Com ele, o menino mostrava-se completamente diferente. Depois que ele se aproximara, ouvindo-o, levando em consideração suas opi­niões, ele mudara radicalmente seu comportamento na escola.

Tornara-se querido pelos colegas. Os professores, admirados, con­tavam ao pai satisfeito os progressos que Ricardinho fizera, tornando-se mais corajoso em assumir seus erros e interessado em aprender mais.

Mas em casa, com a mãe, ele andava impossível. Quando o pai não estava, divertia-se em atormentá-la, inventando histórias sobre os colegas, deixando-a assustada.

Naquela manhã ela lhe dissera na mesa do café:

— Estou preocupada com Ricardinho. Estou procurando outro co­légio para ele. Nesse não quero que ele fique.

— Por que isso agora? Ele está indo bem nos estudos, os professo­res até o elogiam.

- Isso eles dizem a você. Mas Ricardinho tem colegas perigosos. Ontem ele me contou coisas de arrepiar. São verdadeiros marginais. Não quero que meu filho fique em companhia deles. Já pensou o que pode acontecer?

— Não acredite em tudo que ele diz. As crianças gostam de fanta­siar. Ricardinho tem uma mente fértil. Acho que ele andou lendo mui­tas revistas em quadrinhos.

— O que não posso acreditar é que você ouça isso e não tome nenhuma providência. Se você não for, eu mesma irei ao colégio para pedir sua transferência. Aliás, já escolhi um outro. Eles ficaram de me arranjar uma vaga.

Renato, contrariado, colocou a xícara de café sobre o pires.

— Gioconda, deixe Ricardinho por minha conta. Estou satisfeito com o colégio e com ele. Não vejo motivo para transferi-lo. Estamos no segundo semestre, e uma mudança agora com certeza vai prejudicá-lo.

— Não sei o que está acontecendo com você. Antes deixava que eu cuidasse dos nossos filhos. Agora está interferindo, e isso está sendo desastroso. Ele não me obedece. Quando pergunto das aulas, desconver­sa. Para mim, esse menino está escondendo algo, e você fica aí, nessa postura calma, sem fazer nada. Já pensou se ele estiver fazendo alguma coisa errada?

— Nosso filho não é um marginal, se é disso que você tem medo. É um menino inteligente e não vai deixar-se levar por ninguém.

— Pois eu sinto que não é assim. Não quero que ele estude mais nesse colégio e vou tirá-lo.

Renato levantou-se, olhando para ela e tentando controlar a raiva:

- Você está proibida de fazer qualquer coisa. Ele vai continuar lá e não se fala mais nisso.

— Puxa, você está sendo grosseiro comigo! Nunca pensei que che­gasse a tanto. Logo eu, uma mãe preocupada com o futuro dos nossos filhos. Pode haver maior ingratidão?

— Não se faça de vítima. Você é uma mulher privilegiada, tem tudo de que precisa para ser feliz. Por que prefere colecionar problemas?

Tenho tudo, menos um marido que me apóie. Começo a pen­sar que você não me ama mais. Está mudado. Não me trata mais como antigamente. O que está acontecendo?

— Nada. Não está acontecendo nada. Quem mudou foi você. Não é mais a moça alegre e agradável com quem me casei. Sempre que che­go em casa tem uma nova reclamação, vive chorosa pelos cantos. As ve­zes olha-me como se eu fosse culpado de alguma coisa.

— É que a vida não é do jeito que eu gostaria. Meus filhos não li­gam para mim, meu marido está se distanciando a cada dia. Eu não fiz nada para isso. Tenho desempenhado meu papel de esposa e mãe com devotamento.

Renato sentia-se irritado. Detestava discutir logo cedo, principal­mente com Gioconda, cujos argumentos infantis o indignavam. Ape­sar do esforço para controlar-se, ele não conseguiu segurar as palavras:

— Isso é o que você diz. Mas passa os dias folheando revistas, con­versando com as amigas ao telefone, circulando pelas lojas. O que você tem é tédio. Está jogando fora sua vida, gastando seu tempo sem fazer nada de útil. Penso que, se procurasse algum trabalho para fazer, ocu­passe seu tempo com coisas interessantes, não ficaria criando problemas para sua família. Há muitas obras filantrópicas precisando de voluntá­rias. Por que não tenta ocupar-se? Garanto que lhe faria muito bem.

O rosto de Gioconda cobriu-se de rubor, e ela, indignada, le­vantou-se:

— Não dá para conversar com você! Não vou ficar aqui ouvindo. O ar está me faltando. Vou tomar meu remédio.

Saiu revoltada, e Renato, meneando a cabeça contrariado, não terminou o café. No carro, enquanto se dirigia para o escritório, sentia-se desanimado.

Sua mulher era um desastre. Imatura, incapaz, vaidosa e cheia de exigências. Ele sentia que precisava fazer alguma coisa, mas o quê?

Gabriela entrou na sala e percebeu logo que ele não estava bem.

— Dr. Renato, trouxe-lhe aquele contrato que me pediu. Fiz algu­mas considerações sobre o projeto e gostaria que o senhor visse.

— Agora não. Estou sem cabeça para resolver qualquer assunto.

— Desculpe, doutor. Aconteceu alguma coisa?

— O de sempre. Só que hoje Gioconda caprichou. Conseguiu ti­rar-me do sério e acabamos discutindo. Ela foi para a cama, e, se a co­nheço bem, a estas horas já deve ter infernizado a vida de seu médico, dos empregados. Felizmente as crianças estão na escola.

— Podemos deixar para amanhã. Temos prazo.

Ela ia se retirando quando ele disse:

— Espere, Gabriela. Estou arrasado. Sou um homem educado. De­testo discutir logo cedo com uma pessoa tão confusa quanto Gioconda. Ela não se coloca como qualquer pessoa faria. Ela se faz de vítima e ati­ra toda a culpa sobre mim.

— Se o senhor sabe disso, não precisa se aborrecer. Cada pessoa écomo é, e não temos como mudá-las.

— Está difícil continuar convivendo. Estou cansado. Sinto que preciso fazer alguma coisa, mas não sei o quê. Gostaria que ela perce­besse que está jogando fora nossa felicidade. Eu amo minha família.

Gabriela pensou em Roberto e suspirou. Ela também gostaria de fa­zer alguma coisa para que ele voltasse a ser como antes.

— Há muitas pessoas com problemas de relacionamento. Nesses ca­sos, o melhor é procurar um terapeuta. É o que eu faria se tivesse dinhei­ro para isso.

— Você também está com problemas com seu marido?

— Os de sempre. Ele é muito ciumento, como o senhor sabe.

— Nesse caso, quem deveria procurar ajuda terapêutica é ele.

— É. Mas ele nunca faria isso. É um homem antiquado. Sua mu­lher concordaria em procurar ajuda de um psicólogo?

— Não sei. Acho que não. Ela vive com médicos, pretendendo provar que tem alguma doença para nos comover. Para ir a um terapeu­ta, teria que admitir que precisa de ajuda. Isso acho que ela não faria. Pensa que está sempre certa. Os outros é que estão todos errados.

Gabriela sorriu.

— Meu marido é igual. Sempre acha que está com a razão.

Depois que Gabriela se foi, Renato ficou pensando. A idéia era boa. Se Gioconda concordasse em procurar um psicólogo, talvez pudes­se melhorar, O que não dava era para continuar daquele jeito.

No fim da tarde, ao chegar em casa, encontrou-a na sala, folhean­do uma revista. Gioconda não respondeu quando ele cumprimentou.

Renato respirou, tentando segurar o mau humor que tornaria as coi­sas ainda piores. Procurou contornar:

— Vejo que está melhor.

Ela olhou séria para ele e respondeu:

— Preciso me fazer de forte, tenho dois filhos pequenos para criar. Renato sentou-se na poltrona em frente a ela.

— Gioconda, nossa discussão de manhã deixou-me de péssimo hu­mor. Não gosto de discutir com você.

— E você acha que eu gosto? Passei o dia inteiro indisposta. Sabe como tenho a saúde delicada.

Ele procurou ignorar suas palavras e continuou:

— Precisamos conversar. Ultimamente não estamos nos enten­dendo. Não desejo continuar assim. Nossos filhos precisam viver em um lar harmonioso, tranqüilo, alegre.

— Você mudou de algum tempo para cá.

— Não é verdade. Eu amo você, vivo para a família e para meu trabalho.

— Pois não parece. Vive me contrariando. Pode avaliar como me sinto quando me desautoriza diante dos nossos filhos?

— É sobre isso que quero conversar. Com relação à maneira de educá-los, temos idéias diferentes. Temos que discutir e acertar nossas diferenças nesse sentido em benefício deles. Não gosto de intervir quan­do você decide alguma coisa. Tenho certeza de que deseja o melhor para eles. Mas às vezes você não percebe que algumas atitudes que toma não dão bom resultado.

— Quer dizer que não sei educá-los?

— Não diria isso. Você sempre foi uma mãe amorosa, interessada. Mas, Gioconda, você tem se colocado em uma posição frágil diante de­les, e essa não é uma postura adequada.

— Sou uma mulher sensível. Não consigo tolerar certas coisas...

— Respeito sua sensibilidade, mas já reparou como Ricardinho procede exatamente como você? Até Célia, que era mais alegre, está ado­tando sua postura.

— O que há de errado que os filhos copiem a mãe? Isso é natural nas crianças.

- É que você vive se queixando, reclamando de tudo, mostran­do-se fraca. Fazendo isso, eles também se tornarão fracos como você. Enquanto são crianças, estão protegidos. Mas, quando forem viver a pró­pria vida, estarão despreparados. As pessoas só respeitam os fortes, qua­se sempre costumam passar por cima dos fracos, esmagando-os.

Gioconda levantou-se nervosa:

— É isso que pensa que eu sou? Uma fraca? Até que tenho sido mui­to forte agüentando tudo que me tem acontecido. Não pode falar isso de mim, não pode.

As lágrimas estavam prestes a cair, e ela saiu da sala indo fechar-se no quarto. Renato passou a mão pelos cabelos desanimado. Qualquer conversa com ela naquele sentido era impossível. Ela lhe pareceu real­mente desequilibrada. Antes ela não era tanto assim. E se com o tem­po piorasse?

Ele precisava fazer alguma coisa, mas o quê? Aquela tentativa lhe valeria mais alguns dias de cara fechada, de suspiros e idas ao mé­dico. Era isso que ela faria. Ouviu o ruído de alguém discando no te­lefone. Era ela com certeza solicitando a visita do médico, como sem­pre fazia.

No dia seguinte, desanimado, contou a Gabriela o que acontece­ra. Ela ouviu-o com atenção e ao final sugeriu:

— Se D. Gioconda não vai ao terapeuta, porque o senhor não vai no lugar dela?

— Eu?

— Claro. Ele poderá lhe dar sugestões de como ajudá-la. É a pes­soa certa para isso.



— É. Sabe que tem razão? Estou me sentindo perdido. Preciso mes­mo de uma direção de quem entende. Se continuar como está, tenho certeza de que não suportarei por muito tempo.

Como eu disse, amo mi­nha família. Não desejo me separar, por causa das crianças. Nesses ca­sos a lei favorece a maternidade. Sinto que Gioconda não está prepa­rada para educá-Los como é preciso. Tenho que ficar lá, fazendo minha parte. Mas está cada dia mais difícil.

— O senhor é um bom pai. Procurar ajuda especializada é o me­lhor caminho.

— É o que farei.

Gabriela saiu pensativa da sala. Por que na hora de casar as pessoas escolhiam errado? Um homem bonito, rico, culto, amoroso e sincero, por que se casara com uma mulher despreparada, que estava tornando aquele lar infeliz?

Pensou em seu casamento. Se pudesse voltar atrás, não se casaria com Roberto. Lembrou-se de seus sonhos de moça, das idéias que fazia de como deveria ser um casamento harmonioso e feliz.

Na verdade, ninguém conhece ninguém intimamente. As ilusões, os sonhos, são muito agradáveis. Mas as pessoas nunca são como as ve­mos. Com o tempo, a verdade aparece e é preciso esquecer os sonhos, juntar os pedaços de realidade e tentar pelo menos levar adiante.

Renato falara nos filhos. Não fosse por eles, certamente ele já te­ria se separado da esposa. E ela, teria feito o mesmo? Se não tivesse Gui­lherme e Maria do Carmo, também teria se separado?

Lembrou-se dos primeiros tempos de casamento. Ela amava o ma­rido. Casara-se por amor.

Haviam vivido momentos de felicidade. Quan­do tudo começou a mudar?

Percebeu que, mesmo quando ele estava bem, antes de Neumes haver levado todo o dinheiro, as coisas já haviam começado a modifi­car-se. Quanto mais ele ganhava, mais insistia para que ela abandonas­se o emprego. Insistia para que ela mudasse de hábitos, usasse roupas sem graça, não se maquiasse. Quando saíam a passeio, preferia andar por lu­gares com pouca gente. Se ela desejava ir a alguma festa, ele acabava se atrasando, indo sem vontade, criticando suas roupas, vigiando-a o tem­po todo. Era insuportável.

Gabriela era jovem, cheia de vida, gostava de viver. Ele e D. Geor­gina sugeriam que ela era leviana. Isso a ofendia profundamente. Sem­pre fora sincera e respeitara o marido. Nunca lhe dera nenhum motivo para duvidar de sua dignidade.

Gabriela tinha a sensação de que ele de certa forma até gostara de terem ficado sem dinheiro, porque assim não podiam ir a lugar algum.

Apesar de tudo, ela não pretendia mudar em nada. Gostava de ves­tir-se na moda, de ficar bonita, olhar-se no espelho e sentir-se viva, ale­gre, bem cuidada. Não podia entender por que deveria ficar feia, mal­tratada, só porque era casada. Seu marido deveria sentir-se orgulhoso de ser casado com uma mulher bonita, charmosa, agradável.

Lembrou-se de que Renato reclamava exatamente disso, que sua esposa não se interessava em ficar bonita, em cuidar da aparência. Se Gabriela fosse casada com um homem como ele, certamente não o de­cepcionaria. Andaria no maior luxo, ele teria orgulho dela.

Suspirou resignada. Afinal, escolhera Roberto por marido, e Rena­to escolhera Gioconda. Ninguém poderia mudar aquilo.

Renato telefonou a um amigo médico pedindo que lhe indicasse um bom terapeuta. Conseguiu o nome e o endereço e ligou marcando hora. Ficou admirado ao saber que só havia vaga para dali a quinze dias. Não imaginava que tantas pessoas procurassem aquele serviço.

Marcou a consulta, e a sensação de estar fazendo alguma coisa em favor de sua família deixou-o um pouco aliviado. Depois se esforçou em esquecer o assunto. Havia muito trabalho a atender, decisões importan­tes a tomar, e ele precisava estar lúcido para fazer o melhor.

Gioconda olhou o relógio e pensou desanimada:

“Minha vida está cada dia mais sem graça. O que está acontecendo conosco? Renato nunca me tratou dessa forma. Já não me procura como antes. Terá deixado de me amar?”

Levantou-se da poltrona e foi olhar-se no espelho do hall. Seus olhos estavam sem brilho, e as olheiras fundas davam um aspecto en­velhecido a seu rosto. Já não era mais a mocinha com a qual ele se ca­sara. Os anos haviam deixado sua marca.

E se ele houvesse se apaixonado por outra? Isso justificaria sua fal­ta de interesse. E se ele resolvesse abandoná-la?

Gioconda passou a mão pelo rosto preocupada. Sempre ouvira falar que o casamento tinha momentos de crise. A rotina, os filhos, tudo contribuía para que aos poucos a paixão dos primeiros tempos desaparecesse.

Os sintomas eram claros. Seu marido estava entediado e nem se­quer disfarçava. Que ingratidão! Ela sempre se esforçara em ser uma boa esposa e cumprir seus deveres, chegando até o sacrifício de deixar seus interesses de lado para cuidar primeiro da família.

Isso não valia nada. Os homens são venais e estão sempre interes­sados em novas conquistas.

Acreditava haver encontrado um homem fiel e dedicado, mas estava enganada. Ele era como os outros. Bastou ela ficar um pouco mais envelhecida e pronto, ele se mostrava distante e desinteressado.

Renato chegara ao ponto de criticar suas atitudes, como se ela é que fosse culpada pela infelicidade que estavam sentindo. Não adiantava ne­gar. Ele se sentia infeliz dentro de casa, evasivo, preferindo isolar-se com os filhos ou no escritório lendo.

Quando estava em casa, nunca a procurava para trocar idéias, como faziam no começo de casados. Ela nunca sabia se ele estava triste ou ale­gre, preocupado ou relaxado.

A iniciativa para conversar sempre partia dela, e ele a ouvia com aque­le ar distante, sem muito interesse, embora fosse educado, atencioso.

Ultimamente, então, dava mais razão às crianças, aos estranhos, do que a ela. Interferia na educação dos filhos, mostrando claramente que não concordava com sua forma de pensar.

A cada dia que passava as crianças estavam mais difíceis de lidar. Não lhe obedeciam, faziam-se de desentendidas quando ela dava uma ordem. Ela não podia reclamar a Renato, porque com o pai elas agiam completamente diferente.

Renato, com aquela história de ouvir o que eles pensavam, acaba­va por facilitar que o enganassem. Na opinião dela, criança tinha de ou­vir e obedecer. Dar importância ao que elas pensavam seria relaxar a dis­ciplina, favorecer a que mentissem. Estava claro que fingiam diante dele. Por que Renato não percebia?

Ela precisava reagir. Fazer alguma coisa para salvar seu casamento. Mas o quê?

Lembrou-se de que sua amiga Leucádia lhe contara que fora a uma cartomante maravilhosa.

Não só adivinhara detalhes de sua vida mas tam­bém previra muitas coisas do seu futuro.

Resolveu fazer uma consulta. Pelo menos poderia descobrir se havia outra mulher na vida de Renato.

Foi ao telefone e falou com a amiga, pedindo o endereço.

— Vá, sim, Gioconda — respondeu Leucádia com entusiasmo. —Ela é boa mesmo. Falou tudo sobre Geraldinho, até que ele estava com problemas na empresa por causa da inveja de um colega que estava fa­zendo tudo para tomar-lhe a chefia. Acertou em cheio.

— Vou telefonar e marcar logo. Quero ir hoj e mesmo.

— Diga que fui eu quem a indicou. Sabe como é, ela só atende por indicação. Tem medo da polícia. Eles não gostam dessas coisas.

— Compreendo.

— Você está com algum problema?

— Problema, propriamente, não. Mas tenho notado Renato dife­rente nos últimos tempos. Bateu uma desconfiança...

— Huuum... Para isso ela é ótima. Você vai ver. Se não tiver nada, ela fala logo; mas, se tiver, revela tudo.

— Estou ansiosa. Eu ligo depois da consulta.

— Ficarei esperando.

Gioconda desligou e ligou em seguida para a cartomante. Depois de dizer quem a indicara, insistiu. Queria a consulta imediatamente.

— Madame Aurora não tem hora vaga para hoje, minha senhora. Não posso fazer nada.

— Por favor, é urgente... Diga a ela que eu pago o quanto for.

— Ela está atendendo a uma pessoa e não posso interromper. Dei­xe o seu telefone. Vou conversar com ela assim que a cliente sair e li­garei para a senhora. Mas desde já lhe digo que não vai ser fácil. Mada­me respeita a fila. Não passa ninguém na frente.

— Faça uma forcinha. Saberei reconhecer sua boa vontade, tenha certeza. Preciso falar com Madame Aurora ainda hoje.

— Está bem. Verei o que posso fazer.

Ela desligou o telefone e tratou de se arrumar para sair. Sabia que iria conseguir. O dinheiro sempre abre todas as portas. E ela estava dis­posta a pagar regiamente pela consulta. Sua tranqüilidade valia muito mais.

Quase uma hora depois, o telefone tocou: ela havia conseguido uma consulta para aquela tarde. Gioconda sorriu. Quando queria algu­ma coisa, sempre conseguia.

Cinco minutos antes da hora marcada, ela já estava tocando a cam­painha da casa de Madame Aurora. Uma moça convidou-a a entrar, con­duzindo-a a uma sala mobiliada com luxo e bom gosto.

— Queira sentar-se, senhora. Madame está se preparando para atendê-la.

Gioconda não conteve a curiosidade:

— Ela se prepara para atender a cada cliente?

— Claro. Ela faz um pequeno intervalo entre um atendimento e outro para manter a privacidade dos clientes e também para renovar as energias da sala. Mas sente-se, fique à vontade. Não vai demorar.

Gioconda sentou-se e esperou. Estava emocionada. O que iria saber?

A moça apareceu na sala e pediu:

— Vamos entrar, por favor.

Gioconda acompanhou-a pelo corredor até outra sala.

— Pode entrar.

Gioconda abriu a porta e entrou. A sala estava em penumbra e ha­via no ar um forte cheiro de incenso. Pesadas cortinas fechavam as ja­nelas. Atrás de uma mesa, uma mulher de meia-idade estava sentada, à espera. Vendo-a entrar, fixou-lhe os olhos penetrantes.

Gioconda estremeceu. Havia alguma coisa diferente naquela mu­lher. Cabelos castanhos, lisos, presos em um coque na nuca, rosto mo­reno, lábios grossos, traços fortes embora fosse magra.

— Sente-se, Gioconda — disse ela com voz suave.

Ela obedeceu. Sobre a toalha bordada da mesa, um baralho bastan­te manuseado, uma lamparina acesa.

— Você me procurou porque não está segura em sua vida. As mu­danças estão ocorrendo e você não sabe como as enfrentar.

— É. De fato. Meu marido mudou muito. Suspeito que haja ou­tra mulher.

— Vamos ver. Corte o baralho com a mão esquerda três vezes. Gioconda obedeceu, e a mulher, com mãos ágeis, manuseou as car­tas, dispondo algumas delas sobre a mesa, dizendo:

— Você está certa. Sua vida familiar corre perigo. Seu marido está muito distante da senhora.

Veja: ele está Lhe voltando as costas.

— Bem que eu senti isso. Diga, ele tem outra?

Ela continuou manuseando as cartas e continuou:

— Ainda não. Mas está em via de apaixonar-se por outra. Veja: uma mulher bonita, mais jovem do que você.

— Quem será?

— Ela é muito infeliz no casamento. Está sempre do Lado do seu marido.

— Nesse caso tem alguma coisa com ele...

— Não. Ainda não. Seu marido trabalha no quê?

— É empresário. Por quê?

— Porque acho que essa moça trabalha com ele. Está sempre me­xendo com papéis. Você conhece as pessoas que trabalham com ele?

— Não. Nunca vou à empresa. Não gosto de me meter nos negócios.

— Pois tome cuidado. Trate de ir verificar. Trata-se de uma mulher muito bonita e atraente. Ele a admira muito. Daí a se apaixonar é fácil. Corte o baralho novamente.

Ela obedeceu e Aurora prosseguiu:

— Veja... De novo! Confirmado! Veja: os dois aparecem sempre juntos. Um olhando para o outro. Ele lhe faz confidências.

— Confidências? Sobre nossa vida particular?

— Sim. Ela ouve e aconselha. Ele anda triste com você. Está de­sanimado. Vocês não estão se entendendo bem nos últimos tempos.

— Se ele está interessado em outra...

— O afastamento dele ainda não é por isso. Você não está saben­do Lidar com ele. Precisa mudar se quiser conservar o marido.

— Como assim?

— Você é que tem de notar o que está fazendo que o deixa descon­tente. Ele se afasta porque você tem estado muito queixosa. Vive recla­mando de tudo.

— Eu?

— Sim. Se ama seu marido, trate de mudar sua forma de viver den­tro de casa. Caso contrário, ele vai se afastar cada dia mais.



— Ele está se apaixonando por outra e a culpa é minha? Acho que você não está vendo direito. Leucádia me disse que você sabia tudo e iria me dizer a verdade. Eu acreditei. Agora vejo que não é bem assim.

— Sinto que você está resistente. Não quer saber a verdade. Essa postura só vai agravar seu caso. Seu marido é um homem bom, dedica­do, mas eu o vejo cansado do relacionamento em casa.

— Agora fala bem dele e eu é que sou a errada. Acha que vou acre­ditar nisso? E dizer que prometi pagar um dinheirão por esta consulta. Acho que cometi um erro vindo aqui. Você não sabe de nada. Não fi­carei aqui nem mais um minuto.

Gioconda levantou-se. Aurora olhou para ela sem se perturbar com seu tom irritado e disse calma:

— Lamento. Você me procurou para que eu lhe dissesse o que você desejava ouvir. Mas eu prefiro lhe dizer o que estou vendo de fato. Se está lamentando seu dinheiro, não precisa pagar nada. É uma norma que tenho. Se meu cliente não está satisfeito, não cobro nada. Vá com Deus e pense no que ouviu aqui.

Gioconda deu-lhe as costas e saiu dirigindo-se à porta da rua sem dar atenção à moça que a acompanhou silenciosa.

Depois que ela saiu, a moça foi ter com Aurora, dizendo:

— Que mulher antipática, Madame.

— Não diga isso, Maria. Ela pensa que sabe, mas está iludida. Não deseja conhecer a verdade.

— Nesse caso, a vida vai cobrar o preço. Toda ilusão deve ser arrancada.

— É por isso que lhe peço para não a julgar. Não vamos agravar seu estado. Já basta o que ela consegue fazer por conta própria.

Maria sorriu.

— Só a senhora para dizer uma coisa dessas!

— É por isso que não gosto de abrir exceções no atendimento. Ge­ralmente os que se deixam levar pelo desespero, que não têm paciência de esperar sua vez, são pessoas mimadas, cheias de ilusões. Atendê-las sempre nos causa problemas. Aprenda. Nunca mais insista para passar alguém na frente.

— Sim, senhora.

Gioconda saiu de lá irritada. Essa era a mulher que adivinhava tudo? Leucádia estava enganada. Era uma embusteira que gostava de ex­plorar o próximo. Ainda bem que não pagara a consulta. Não fora lá para ouvir desaforos nem para ouvir elogios ao seu marido.

Mas apesar disso um pensamento incomodou-a. Haveria mesmo essa mulher ao lado dele, para quem Renato fazia confidências? Podia ser mais uma mentira daquela farsante, mas, diante das circunstâncias, não era demais verificar.

Nos próximos dias faria uma visita à empresa do marido. Iria ver com seus próprios olhos.



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