Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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FORTUNE, UMA MULHER IMPIEDOSA.

BERTRICE SMALL

DISPONIBILIZAÇÃO:Sueli J.A

DIGITALIZAÇÃO:Marina.C

REVISÃO:Helayne. L.S

FORMATAÇÃO:Helayne.L.S






RESUMO:

UM AMOR VERDADEIRO RESISTE A TODAS AS TORMENTAS...
UMA HISTÓRIA DE PAIXÃO, LEALDADE E AVENTURA, QUE COMEÇA NA IRLANDA E ATRAVESSA OS MARES PARA MOSTAR A FUNDAÇÃO DE UMA NOVA TERRA: AMÉRICA. FORTUNE JAMAIS IMAGINARA QUE SEUS SENTIMENTOS A LEVARIAM TÃO LONGE E A TORNARIAM TÃO CORAJOSA.

UMA NARRATIVA RICA EM DETALHES HISTÓRICOS, COMO O CONFLITO ENTRE CATÓLICOS E PROTESTANTES NA EUROPA E A CHEGADA DOS PRIMEIROS COLONOS AOS ESTADOS UNIDOS, RETRATANDO UM TEMPO DE HOMENS E MULHERES FORTES. IMPOSSÍVEL NÃO SE ENVOLVER COM O UNIVERSO MÁGICO DE BERTRICE SMALL, A GRANDE DAMA DOS ROMANCES HISTÓRICOS.



Fortune, uma mulher impetuosa.

Tradução: Débora da Silva Guimarães Isidoro
Prólogo
ULSTER, 1630

Ela estava chegando. Jesus, estava chegando! Voltava a Maguire's Ford. Ele não a via fazia vinte anos, mas sabia tudo que havia para saber sobre ela; porque seu primo, o sacerdote, nunca se esquivara de compartilhar suas cartas. Ela tivera um bastardo real do finado Príncipe Henry Stuart. Como um prín­cipe poderia deixar de amá-la? Quando um homem não a ama­ria? Era o que ele se perguntava com nostalgia. Ela se casara novamente, com um escocês, e dera a ele três filhos. A filha mais velha do segundo casamento era agora casada e mãe de dois filhos. Ela tivera muito mais nesses últimos vinte anos, enquanto ele ficara apenas com as lembranças dela. E havia sido sufi­ciente até agora. Ele passou a mão pelos cabelos, que ainda eram dourados e brilhantes, mas não mais como no passado. Seus olhos azuis refletiam inquietação. Ele suspirou profundamen­te. Por que agora? Por que, quando começara a sentir falta de uma família, ela retornava a Maguire's Ford? Ele deixou de lado a carta enviada por ela.

— Rory. Rory Maguire! — Padre Cullen Butler adentrava o salão com um pergaminho na mão. — Jasmine está voltando a Ulster! — ele anunciou entusiasmado. — Não esperava vê-la novamente em minha vida. Graças a Deus e aos Seus anjos!

Os anos haviam sido generosos com Cullen Butler. Apesar dos cabelos brancos em sua cabeça, ele exibia um rosto ainda jovem e olhos azuis cintilantes.

— Não poderei estar aqui quando ela chegar — respondeu Maguire.

— Você precisa estar — o sacerdote argumentou em voz baixa, servindo-se de uma generosa dose de uísque de uma garrafa sobre um móvel. — É o administrador da propriedade dela, Rory Maguire. Foi a você que ela confiou Maguire's Ford durante todos esses anos, e agora ela está voltando. Certamen­te espera encontrá-lo aqui. Haja o que houver em seu coração, isso terá de permanecer guardado, homem. Sei que era mais fácil quando não tinha de vê-la todos os dias, mas ela não vai ficar aqui por muito tempo. Alguns meses, no máximo. Ela ex­plicou por que decidiu vir? — o sacerdote bebeu o uísque. Rory Maguire balançou a cabeça.

— Não — disse. — Ela não deu explicações.

— A mais nova das filhas de Jasmine, a que foi concebida e nasceu aqui, Lady Fortune Mary Lindley, está sendo trazida para encontrar um marido. Aparentemente, não há homem na Inglaterra ou na Escócia capaz de despertar seu interesse. A jo­vem tem personalidade e determinação, ao que tudo indica. Já passou do auge da juventude, de fato, mas é teimosa — sorriu o religioso. — Tenho a impressão de que é muito parecida com a mãe quando tinha a sua idade, e sei o que digo, porque fui tutor de Jasmine. —Ele recuperou a seriedade. —Jasmine quer dar Maguire's Ford à filha como forma de dote, Rory. — Ele se sentou ao lado da lareira, convidando o companheiro a fazer o mesmo.

Rory Maguire sentou-se, repetindo o gesto de passar a mão na cabeça, sinal claro de preocupação.

— Nesse caso, certamente é melhor que eu me vá — insis­tiu ele. — A jovem vai querer escolher ela mesma seu adminis­trador ou, talvez, o marido dela prefira fazer essa escolha.

— Não, ainda não há nada acertado — o religioso o acal­mou. — E é improvável que você seja substituído por um des­conhecido. Jasmine sabe que sua família comandava o lugar antes de Conor Maguire partir com os condes, levando seu povo. Até hoje você é considerado o senhor de Eme Rock Castle, Rory.

— Só porque o proprietário inglês se encontra ausente — Maguire lembrou com tom grave.

— Jasmine não o dispensará depois de tanto tempo. Co­nheço minha prima. Eu ajudei a criá-la e a educá-la.

— Mas não a vemos há anos. Estamos falando de uma mu­lher cujo segundo filho é sobrinho de um rei. E o marido esco­cês? Certamente ele também vai opinar sobre o assunto, padre.

— James Leslie tem grande respeito pela esposa. Ele não interfere nos assuntos de Jasmine. E agora, já chega de tanta tolice, Rory Maguire. Eles estarão aqui no início de maio.

— Eles? Quantos serão? — Rory terminou de beber seu uís­que e levantou-se para buscar uma segunda dose.

— Jasmine, o marido e Lady Fortune.

— E os criados?

— Adali, sim, e Rohana. Toramalli é agora uma mulher ca­sada e permanecerá com o marido cuidando de Lorde Patrick, que vai ficar em Glenkirk com os irmãos. É melhor assim. A propriedade um dia será dele, e é melhor que o menino comece a ter noção de suas futuras responsabilidades.

— Erne Rock os receberá como nos tempos de meu pai — Rory anunciou com um sorriso pálido. — Acho melhor levar minhas coisas de volta para a casa na entrada da propriedade.

— Sim, é melhor — concordou o sacerdote. — Afinal, é bem provável que você passe a viver lá agora. Se não me engano, Jasmine lhe deu a casa. Ela é sua. E creio que minha prima pre­tenda instalar a filha definitivamente na Irlanda. Ela tem man­tido contato com o Reverendo Steen com relação a algumas fa­mílias protestantes. É claro, só existe uma sobre a qual ele e eu podemos estar de acordo e julgar adequada. Os Devers de Lisnaskea. O herdeiro de Sir Shane é um jovem digno e está na idade ideal. 23 anos. Lady Fortune vai completar 20 no próxi­mo verão.

— Como pode tomar parte em um casamento protestante, padre? Pelo amor de Deus! Batizou essa menina em sua pia!

Cullen Butler deu de ombros.

— Estamos muito longe de Roma, meu rapaz — disse ele com tom sereno. — Nós dois sabemos que, se Lady Fortune Lindley pretende mesmo se apossar de Maguire's Ford, terá de desposar um protestante. Além do mais, ela foi criada por um padrasto escocês anglicano; e Jasmine, como minha tia Skye, que Deus a tenha em bom lugar, faz aquilo que bem entende no que se refere à sua fé. Se Jasmine herdou o caráter da mãe, cer­tamente tratará todos com igualdade e tolerância. Há 20 anos não havia protestantes neste vilarejo, mas agora eles estão aqui e têm uma Igreja estabelecida. Todos nos damos bem porque Samuel Steen e eu não permitimos que seja diferente. Minha tia Skye, que nasceu em 0'Malley, gostava muito de citar as pala­vras da Rainha Bess: "Só existe um senhor Jesus Cristo. O resto é só detalhe". Lamento ter de reconhecer que a mulher estava certa, mesmo que Roma ameace me excomungar simplesmen­te por pensar nisso, e mais ainda por manifestar o pensamento em voz alta. Amo a Igreja, ou não teria dedicado minha vida a ela, Rory, mas até mesmo a Igreja pode errar de vez em quando. E não só a nossa, mas a dos protestantes também. Como alguns deles podem justificar essa inveja cega e acreditar que Deus os apoia nisso é algo que não entendo. Por isso sanciono, sem di­vulgar publicamente minha decisão, um casamento protestan­te entre Lady Fortune Lindley e o filho de Sir Shane Devers. Não será bom ter um casal jovem em Erne Rock e, se Deus qui­ser, crianças também?

— Está ficando sentimental com a idade, Cullen Butler — acusou Rory Maguire com tom carinhoso, sem nenhum indí­cio de condenação.

O sacerdote riu.

— Eu mesmo me surpreendo quando penso que tenho 60 anos, Rory Maguire, e você está apenas 10 anos atrás de mim, apesar da aparência vigorosa. Agora, não quero mais ouvir essa tolice sobre deixar Maguire's Ford, está ouvindo?

— Ficarei, a menos que me mandem partir — declarou o administrador do lugar. — Não sei mesmo para onde iria — ele admitiu, sorrindo, antes de recuperar a sobriedade. — Mas não vai ser fácil revê-la.

— Não, não acho que será fácil, mas você vai fazer o que deve ser feito, da mesma forma como o tem feito durante todos esses anos, não vai?

Maguire respirou profundamente.

— Sim, eu vou — concordou. — Porque farei tudo o que puder para agradá-la, padre.

O sacerdote assentiu, satisfeito, e depois se levantou en­quanto esvaziava o copo de um gole só.

— Estou de saída. Tenho de conduzir as preces vesperti­nas. Mas estarei aqui para apoiá-lo durante todo esse processo, Rory Maguire. E que Deus o abençoe. — Ele fez o sinal da cruz no ar, diante da cabeça de seu anfitrião, e saiu.

Rory Maguire ficou sentado olhando para o fogo. Jasmine estava voltando a Maguire's Ford. Apaixonara-se por ela no instante em que a vira em Dundeal, descendo graciosamente pela rampa de desembarque do Cardiff Rose, conduzida pelo braço do marido. Ela era a mulher mais bela que jamais vira, ou a mais bela que vira desde então. Ela assumiu o comando da situação rapidamente e pôs em seu devido lugar o obsequioso agente de propriedades reais, Eamon Feeny. Ao tomar conheci­mento de que Feeny havia expulsado moradores do vilarejo por serem católicos, Jasmine o dispensou imediatamente, man­dando o cruel bastardo de volta a Belfast.

Mas Eamon Feeny retornou muitos meses depois, com o coração negro carregado de ódio. Tentou matar Jasmine, mas, em vez disso, assassinou o marido dela. O assassino foi pego no mesmo dia. Jasmine, valente e implacável como um guer­reiro celta, o enforcou imediatamente. Só então, quando o cri­minoso exalou seu último suspiro, ela sucumbiu sob o peso do luto. Todos pensaram que ela morreria, porque havia ficado inconsciente por vários dias. Porém, seu criado Adali, o india­no com seu eterno e imaculado turbante branco, e o sacerdote, primo dela, haviam ido procurar Rory. Disseram que ela cha­mava pelo marido em sua angústia, e que temiam que acabasse morrendo de tristeza e dor, a menos que pudesse acreditar que Rowan Lindley estaria novamente em sua cama.

Rory ficou chocado com a sugestão. Era terrível ouvi-la do criado, mas um sacerdote apoiar tal solução pecaminosa! Am­bos, porém, haviam assegurado que Jasmine morreria de outra forma, e que talvez ela morresse mesmo assim. De qualquer maneira, tinham de correr todos os riscos e empenhar todos os esforços para tentar salvá-la. Rory Maguire ignorou o escrúpu­lo, porque a desejava com desespero. Conhecia pessoas que haviam de fato morrido de tristeza e luto. Por isso, naquela noite, entrou no castelo com a ajuda e a cumplicidade de seus compa­nheiros de conspiração e lá fez amor com a mulher inconscien­te, inundando-a com sua ternura. Mais tarde ela mergulhou num sono profundo e natural. Mas ele seguia vivendo com um coração despedaçado no peito. Jasmine sobreviveu, mas jamais soube sobre aquele único encontro. Nem havia uma possibili­dade de ela tomar conhecimento de seu profundo amor, muito menos de retribuí-lo.

O fardo em sua consciência fora terrível durante todos es­ses anos. O sacerdote e Adali dividiam o peso, também, mas saber disso não o ajudava em nada. O amor dos dois homens por Jasmine era de um tipo diferente do dele. E era dele a maior parcela da culpa. Às vezes tentava imaginar o que ela diria se soubesse que fora seu amante por uma hora, uma única vez. Provavelmente ficaria horrorizada. E seu atual marido também não ficaria satisfeito nem agradecido. A ignorância de Jasmine sobre esse acontecimento permitira que ele continuasse na casa que fora de sua família, cuidando das terras que antes haviam pertencido aos Maguire. Melhor que ela permanecesse igno­rante, e ele se comportaria como um homem de 50 anos, não como um adolescente queimando de paixão. Jasmine nunca o amaria. Não era para ser. Ele sabia disso e há muito aceitara essa realidade e se conformara com ela. Porém, durante os pró­ximos meses, teria de enfrentar o período mais difícil de sua vida. Mas sobreviveria. Era preciso... Não só por ele mesmo, mas por Jasmine também.

Parte Um
MAGUIRE'S FORD Primavera, 1630


“A bebida não é a maldição dos irlandeses, a religião é. — Kathleen Kennedy, marquesa de Hartford”

Capítulo 1


Lady Fortune Lindley ajeitou o xale de lã sobre os ombros e olhou com atenção para as colinas verdes da Irlanda, agora vi­síveis. O vento de maio ainda era cortante e agitava a pele que adornava e contornava o capuz que protegia sua cabeça. Apoia­da contra a balaustrada do navio, via a neblina do início da manhã começar a se desfazer, revelando um trecho de céu azul-claro. Imaginava como seria realmente a Irlanda e se finalmen­te encontraria o amor ali. Haveria amor para ela, afinal?

Os dedos protegidos por luvas agarraram o metal frio da grade. Em que estava pensando? Amor? Esse tipo de coisa era para sua mãe e para sua irmã, índia. Fortune Mary Lindley era a prática na família. A história de sua mãe era fascinante e as­sustadora. Dois maridos assassinados, um deles tendo sido seu próprio pai. Seu meio-irmão, Charlie, era um bastardo real, por­que sua mãe havia sido amante do falecido Príncipe Henry Stuart, mas eles nunca se casaram, porque sua mãe também era considerada uma bastarda pela realeza inglesa. Na índia, po­rém, sua mãe era uma princesa real — obra de sua avó, que havia sido raptada, posta em um harém e engravidado do im­perador antes de ser resgatada pela família e devolvida ao ma­rido escocês.

E sua irmã, índia, que tentara fugir com um jovem, embar­cou com ele em um navio que acabou sofrendo um violento ataque de piratas berberes, e também ela foi parar em um harém. Resgatada, voltou para casa grávida do senhor dos berberes. Seu padrasto ficou furioso e a enviou para uma propriedade da família no alto das montanhas, um local recluso onde ela teve seu filho. Fortune seguiu com índia para manter a companhia da irmã. A criança foi arrancada dos braços de índia segundos depois do parto, e a moça foi casada com um lorde inglês. Amor? Deus a protegesse! Não queria sua vida dominada por algo tão dramático!

O amor não era prático. O que uma mulher queria era um homem agradável com quem pudesse conviver pacificamen­te. Ele deveria ser razoavelmente atraente, ter riqueza própria, porque ela não dividiria o que tinha, os bens que preservaria para seus filhos, e teria de concordar com seu projeto de ter filhos em intervalos regulares. Dois. Um menino para herdar os bens do pai e uma menina para herdar Maguire's Ford. Era sensato. Esperava gostar da Irlanda, mas, mesmo que não apre­ciasse o lugar, permaneceria ali. Uma propriedade de três mil acres não era algo que se pudesse desprezar, e o presente que receberia da mãe por ocasião do casamento não a faria apenas mais rica, mas muito, muito rica. E riqueza, ela já havia com­preendido, era preferível à sombria pobreza.

— Está pensando em William Devers? — perguntou a mãe dela, surgindo ao seu lado para observar também a extensão de água que ainda as separava da Irlanda, cada vez mais próxima.

— Não consigo guardar o nome dele — Fortune riu. — William não é um nome muito familiar para mim, mamãe.

— Você tem um primo William — observou Jasmine. — O filho mais novo de minha tia Willow. Ele fez os votos sagrados na Igreja anglicana. Não creio que o tenha conhecido, meu bem. Um rapaz muito agradável, se bem me lembro. Um pouco mais jovem que eu. — Jasmine tinha a preocupação estampada nos olhos. Fortune era a mais reservada de suas filhas. Nunca sabia em que ela estava pensando realmente. — Se não gosta desse rapaz, meu bem, não precisa se casar com ele — disse. Era um aviso que já havia repetido mais de duas dezenas de vezes. Por Deus! Não queria que a caçula de Rowan fosse infeliz. Com índia haviam estado muito perto disso, mas, felizmente, tudo se resolvera.

— Se ele for apresentável, mamãe, e agradável, tenho certe­za de que me será mais do que conveniente — respondeu Fortune, batendo na mão da mãe num gesto de conforto. — Não sou aventureira como você e índia, ou como as outras mulhe­res de nossa família. Tudo que quero é uma vida organizada e pacífica.

A duquesa de Glenkirk riu.

— Fortune, não creio que as mulheres de nossa família te­nham procurado aventura deliberadamente. Aconteceu, sim­plesmente.

— Aconteceu porque todas vocês foram impulsivas e in­cautas.

— Ah! E você não é impulsiva, minha pequena caçadora? Vi você cavalgando como um raio muitas vezes, enchendo-nos de pavor com sua bravura desmedida.

— Se a raposa pode saltar sobre um precipício estreito, o cavalo também pode, mamãe. E não é disso que estamos falan­do. Você e as outras mulheres de nossa família buscaram cli­mas e lugares exóticos, associaram-se a poderosos... Era inevi­tável que se envolvessem em aventuras arriscadas. Eu não sou assim. Visitei a França com você e papai uma vez, mas sempre me senti mais satisfeita em casa, no aconchego da família. Como papai, não aprecio a corte. Há por lá muitos jovens que não se banham regularmente, gente que mente sem escrúpulo, pes­soas que estão sempre buscando a última fofoca ou o escânda­lo mais picante, e até inventando maledicências quando não encontram nada que mereça ser comentado. Não, obrigada.

— Mesmo nos mais simples e remotos lugares da área ru­ral, Fortune, há gente mentirosa e sempre pronta para se entre­gar à maledicência. Talvez tenha vivido muito protegida pela segurança da família, mas deve permanecer vigilante, meu bem. Siga sempre seus instintos, mesmo quando eles entrarem em conflito com sua natureza prática. Seus instintos estarão sem­pre certos.

— Sempre seguiu seus instintos, mamãe?

— Sim, na maior parte do tempo. E me meti em dificuldades sempre que os ignorei — respondeu Jasmine com um sorriso.

— Como quando fugiu para Belle Fleurs depois de ter rece­bido a ordem do velho Rei James para se casar com papai?

A duquesa riu novamente.

— Sim, mas nunca conte a Jemmie que eu disse isso, meu bem. Será nosso segredo. Oh, veja! Estamos entrando na Baía de Dundalk. Os irlandeses a chamam de Dundeal. Logo apor­taremos. Gostaria de saber se Rory Maguire vai estar nos espe­rando no porto, como fez há tantos anos quando seu pai e eu viemos conhecer a propriedade. O assassino cruel que acabou tirando a vida de Rowan o trouxe para conduzir a carruagem. Seu pai logo ficou sabendo que a família de Rory Maguire ha­via possuído Erne Rock por séculos. Eles partiram com Conor Maguire, senhor do clã, e com os condes, mas Rory nunca dei­xou as terras nem seu povo. Nós o fizemos nosso administrador, e desde então ele me tem servido com lealdade e fidelidade.

— Ele vai permanecer, mamãe?

— É claro que sim. Ouça-me, Fortune, Maguire's Ford pas­sará a ser sua no dia de seu casamento. E será só sua, não de seu marido. Já discutimos esse assunto, mas parece que não consi­go me fazer suficientemente clara. Uma mulher que não pos­sui riqueza própria está fadada a viver em servidão. Você pode desejar uma vida simples e pacata, meu bem, mas não terá nada disso se não for senhora de seus atos. Em Ulster, quando mui­to, protestantes e católicos têm um relacionamento tênue, mas qualquer pequeno descontentamento pode causar problemas. Por isso isolamos Maguire's Ford das outras propriedades que a cercam. Há agora católicos e protestantes em nosso vilarejo. Cada qual freqüenta a própria Igreja, mas todos trabalham jun­tos e em paz. Quero que tudo continue como está e sei que você também vai querer manter a paz. Rory Maguire cuida de tudo por aqui há 20 anos, sempre com a ajuda de meu primo, Padre Butler, e de nosso ministro protestante, o Reverendo Steen. Ago­ra você será a responsável pela manutenção dessa harmonia. Seu marido não poderá opinar nem tomar decisões sobre os assuntos de Maguire's Ford, nem você deverá se deixar influen­ciar por ele para promover mudanças. O povo local coexiste pacificamente. É assim que deve ser.

O vento enchia a vela da embarcação, provocando um ruí­do intenso. O ar úmido e salgado borrifavam os lábios das duas mulheres.

— Por que católicos e protestantes estão sempre em com­bate, mamãe? — indagou Fortune intrigada. — Não somos to­dos filhos e servos do mesmo Deus?

— Sim, minha querida, somos, mas as Igrejas se tornaram bases de poder para os homens, da mesma forma que governos e reis são também bases de poder. Infelizmente, o poder nunca é suficiente para aqueles que o têm. Os homens querem sem­pre mais. E, para ter poder, é preciso comandar a mente e o co­ração do povo. Deus é uma arma muito poderosa. As Igrejas usam Seu nome para intimidar as pessoas. Cada uma quer que sua maneira de idolatrar seja a correta, a única maneira. Por isso elas brigam entre si, matando; alegam, em nome de Deus, convencidas de que estão certas agindo dessa maneira. Meu pai, seu avô, o Grande Mugal Akhbar, há muito tempo chamou à corte por ele presidida representantes de todas as religiões do mundo. Por anos, discutiram a natureza de Deus, a maneira certa de idolatrá-lo, e por que cada um deles estava certo em sua forma de pensar, por que todos os outros estavam errados. Meu pai os tolerava e ouvia com interesse, mas, no final, fun­dou a própria religião, sem, no entanto, exigir que outros a se­guissem. A fé, minha querida, é uma questão que cada um de nós deve resolver apenas com Deus. Não permita que ninguém a convença do contrário.

— Então, os homens usam o nome de Deus em proveito próprio, mamãe. E isso não é correto.

— Não é. Eu a criei para ser tolerante com as pessoas e suas crenças, meu bem. Não deixe que ninguém a mude.

— Não vou deixar — respondeu Fortune com firmeza.

— Se você se apaixonar, talvez sofra influência dessa pessoa.

— Então, não me apaixonarei jamais. Tenho notado que não existem homens como meu padrasto. Ele a respeita, ouve seus conselhos, acata suas decisões. É com esse tipo de homem que gostaria de me casar, mamãe. Espero que William Devers seja assim.

— Seu pai me respeita porque me fiz respeitar, mas, quan­to a ouvir meus conselhos, sim, ele talvez os ouça, mas rara­mente os segue. Os homens são criaturas teimosas, Fortune. Precisa aprender a lidar com eles para conquistar o que consi­dera importante.

— Já notei como você manobra seu marido — comentou Fortune, rindo. — Quando éramos pequenas, índia e eu apos­távamos quanto tempo você levaria para convencê-lo de uma coisa ou outra.

— De fato? E qual de vocês vencia mais vezes?

— Eu. Índia estava sempre muito ansiosa, apressada de­mais para vencer. Eu, porém, sabia usar o tempo, como você, mamãe. A paciência é realmente uma virtude quando se tem de lidar com um homem.

Jasmine gargalhou e tocou com ternura a face da filha.

— Não havia percebido que era uma criatura tão sábia, mi­nha querida. Receio que William Devers tenha uma surpresa com a mulher que vai desposar.

— A única coisa que William prevê é meu dote. E ele terá realmente uma grande surpresa quando souber que pretendo manter minha riqueza. Talvez até desista do casamento, mamãe.

— Só se for um tolo.

— Quem é o tolo? — quis saber James Leslie, o duque de Glenkirk, que se juntava à esposa e à enteada no convés do navio.

— Oh, estávamos apenas falando sobre os homens — Fortune respondeu com ar distraído.

— Esse seu comentário não é exatamente lisonjeiro, moci­nha — respondeu o duque. — Está animada? Em pouco tem­po, talvez em alguns poucos dias, conhecerá o homem que pro­vavelmente será seu marido.

— Veremos — respondeu Fortune com serenidade inaba­lável.

James Leslie respirou fundo. Qual era o problema com suas enteadas? Ele as criara desde que eram meninas, e todas ha­viam sido, via de regra, crianças cordatas e obedientes, até co­meçarem a tratar casamentos. O confronto com Índia, a mais velha, acabara por provocar uma cisão que só recentemente havia sido emendada. E prometera a ela que nunca mais duvi­daria de seus próprios filhos. Essa era uma promessa que pre­tendia cumprir.


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