Politica e religião não se discute



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Violência Politica e Intolerância Religiosa: uma análise à luz da comunidade negra no Brasil

Political Violence and Religious Intolerance: an analysis in the light of the black community in Brazil
Resumo: A realidade da violência interferindo na vida e na historia da comunidade negra no Brasil é fato que historicamente depõe contra os princípios da convivência digna e pacifica entre os diferentes grupamentos sociais na sociedade brasileira. O presente artigo busca refletir a possiblidade de articulação, no cotidiano da vida da comunidade negra, como se dão as relações entre religião e política, utilizando como fio condutor a questão da violência. À luz da historia dos negros no Brasil, pode-se constatar a utilização de métodos violentos em determinados períodos no país, sustentados por modelos políticos de desenvolvimento. Resquícios de tais práticas, na contemporaneidade se transveste de intolerância religiosa e continuam atentando contra a cidadania e a dignidade humana da comunidade negra.
Palavras Chave – Negro; Violência; Intolerância Religiosa; Política.

Abstract: The reality of violence interfering in the life and history of the black community in Brazil is the fact that historically argues against the principles of dignity and peaceful coexistence among different social groups in Brazilian society. This essay reflects the possibility of articulation in everyday life of the black community, as if giving the relations between religion and politics, using thread as the issue of violence. In light of the history of blacks in Brazil, one can note the use of violent methods in certain periods in the country, supported by political development models. Remnants of such practices, whether in contemporary transveste of religious intolerance and continue violating their citizenship and human dignity of the black community.

Key Words - Black , Violence , Religious Intolerance ; Policy

Introdução

Quem de nós já não ouviu  a afirmação:  religião e politica não se discutem. Trata-se de uma afirmação do senso comum. A sabedoria popular se encarrega de “formular” alguns postulados para solucionar determinadas situações, que em muitas oportunidades funcionam. O contexto de surgimento  de tal  postulado pode até ser verdadeiro e ter certa funcionalidade em determinadas situações. No entanto a afirmação não encontra plausividade diante de uma reflexão mais aprofundada dos inúmeros conflitos de fundo religiosos ameaçando a paz no mundo. É assim explicitado a fragilidade da afirmação no mesmo instante que demonstra a sua insustentabilidade no mundo contemporâneo. É fácil constatar o exacerbamento dos conflitos nos dias atuais cuja raiz e pano de fundo, estão pautados nas questões religiosas e nos processos de organizações  políticas  dos grupamentos humanos. A humanidade estarrecida está mergulhada em conflitos de fundo religiosos. O fundamentalismo religioso tem se constituído em um dos grande males nas sociedades contemporâneas.  Os noticiários televisivos bem como  a imprensa escrita e as redes sociais,  todos os dias veiculam materias dando conta de atos, ações e práticas religiosas associadas à intolerância. São bombas que explodem, pessoas que explodem, inocentes que morrem, nações em guerra,  religiões que não se entendem, tudo em nome de um pretenso  deus.

O presente artigo tem como objetivo articular o tripé religião, política e violência à luz da situação de discriminação, marginalização e exclusão da comunidade negra no Brasil.

A exclusão da comunidade negra na sociedade brasileira é resultante de projetos políticos desenvolvidos secularmente. Tais projetos foram caracterizados pelo uso da violência sob seus múltiplos aspectos com vistas a garantir a sede de lucratividade do colonizador.

O modo como as religiões cristãs têm se relacionado com a comunidade negra no Brasil caracteriza-se como um sistemático processo de violência institucionalizada. Desde o primeiro “gesto religioso” do catolicismo ao batizar os negros  que chegavam nos  portos brasileiros para serem escravizados  no período colonial (HOONAERT, 1978, 1983 ), até os dias atuais com as mais diversificadas formas de intolerância religiosa. Os negros têm sido desrespeitados em suas religiosidades  e diminuídos em sua dignidade humana. O projeto político do Estado brasileiro, associado à religião, não mediu esforços para implementar o sistema de escravidão, uma das mais abomináveis práticas de violência que a humanidade tem notícia. O regime escravocrata enquanto sistema politico lançou mão de métodos e práticas violentas para submeter e subjugar os negros aos trabalhos forçados. Nesse processo de subjugação dos negros imposto pelo sistema político as expressões religiosas vinculadas às tradições africanas foram vistas e tratadas como afronta aos interesses do branco colonizador, uma vez que funcionavam como elemento de fortalecimento físico e espiritual dos negros escravizados. O modo como os negros vivenciavam suas religiões no período colonial, significava uma ameaça ao sistema vigente, razão pela qual se entendia como uma necessidade a sua perseguição, o seu combate e o seu extermínio. Autores como Hoonaert (1978) entendem estar ai a fundamentação ideológica que fez com que nunca houvesse propriamente missão na América Latina e sim conquista, e implantação da estrutura da religião dominante.

A historia do Brasil é profundamente marcada pela presença e interação dessa tripla realidade – religião, política e violência – atuando de modo articulada, gerando riquezas para alguns, significando conquistas para determinados grupos, à custa da dominação, exploração e morte dos negros.   O trafico de negros para serem nas Américas escravizados bem como a cumplicidade religiosa com tão aviltante prática social e política aqui desenvolvida comprovam o estreito vínculo entre religião , politica e violência nessas terras.




  1. Sínodo da Igreja Católica e aos escravos no século XVIII

Ao perscrutarmos a historia da relação da Igreja Católica com os negros no Brasil pode-se constatar em alguns escritos elementos elucidativos da posição da igreja em relação à escravidão. Strieder (2000) observa que em 1707, o Sínodo da Igreja Católica na Bahia apresentou preocupação, de forma especial, com a situação dos escravos no território brasileiro. O Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, junto a outros poucos bispos apoiaram as "Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia", publicadas ao final das sessões e que ficaram válidas até fins do século XIX. Durante 170 anos a Igreja Católica, com relação aos escravos, se baseou nas resoluções deste Sínodo, que apresentou Quarenta Cânones das "Constituições Primeiras" dedicadas aos escravos. Tais Cânones não questionam a escravatura, pelo contrário, a considera uma instituição legítima já existente há 200 anos nas colônias portuguesas, legitimamente permitidas pelo governo e aceita pela maioria dos moralistas da época. Esses religiosos apresentavam um foco religioso no que se referia ao escravo, além de buscar junto aos proprietários dos escravos, maior empenho em promover a fé cristã dentro de seus grupos de escravos.

Em relação aos maus tratos dos senhores de engenhos com seus escravos, segundo Striedr (200), o Sínodo da Bahia nega o direito de asilo àqueles escravos que sem motivo especial fogem e procuram abrigo das igrejas. Aos fugitivos por causa dos maus tratos manda devolvê-los aos seus donos mediante juramento por parte destes de não mais maltratá-los no futuro.


O Sínodo aconselha também aos Senhores que admitissem que os escravos cumprissem suas obrigações cristãs, entre estas se aludem o repouso aos domingos e a assistência à missa. Tal recomendação é de grande alcance, principalmente para as fazendas de cana-de-açúcar, onde, em tempos de colheita, também aos domingos os escravos eram obrigados a cortar cana.

Não obstante, o Sínodo não foi intransigente. Quando o trabalho dominical se tornava enormemente necessário, os fazendeiros podiam pedir ao vigário licença para invalidar o descanso dominical. Recebiam a licença no caso de alternarem os turnos de trabalho para que os escravos tivessem tempo de ir à missa e de desfrutar algum descanso no Dia do Senhor. Strieder (2000).

O Sínodo alude também aos numerosos atos de injustiça para com os escravos. Diz que muitos Senhores nem sequer providenciam para que seus escravos tenham o mínimo para a subsistência e vestimenta. Devido a isto,são obrigados a trabalharem aos domingos. Outra ofensa à humanidade dos escravos consistia em negar-lhes o direito ao casamento, ou em se venderemos esposos para donos distantes entre si. O Cânon 303 do Sínodo da Bahia classifica tal atitude como grave desordem moral. Finalmente o Sínodo pede aos Senhores de escravos que ao menos mandem rezar a Missa de Réquiem por seus súditos falecidos. .( STRIEDER,2000 p.07).
Esses religiosos, segundo o autor, ameaçam à excomunhão àqueles que sepultassem seus escravos em qualquer canto da fazenda, em vez de fazê-lo nos cemitérios bentos. O Sínodo, em si, não entra em muitos detalhes. Sabe-se, porém, por outras fontes, que durante a escravatura os direitos humanos eram firmemente desrespeitados. Foram relativamente poucos os que reagiram contra tais crimes. Houve, porém, esporadicamente vozes humanistas que desaprovavam as desumanidades. Os vigários poucas vezes se referem aos escravos nos seus sermões, abordando para que fossem tratados humanamente'.Os missionários que defendiam os escravos ,foram banidos da Colônia por terem falado a favor dos escravos oprimidos.
A religiosidade portuguesa, na época do Brasil Colônia, se distinguia pelas associações das irmandades ou confrarias. Estas, ao chegarem ao Brasil, rapidamente foram adotadas também pelos escravos.E assim nascem as confrarias escravas de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito, dos Irmãos de São Francisco de Assis, etc. Esta última foi aprovada em 1585 pelo papa Sisto V e prosperou principalmente no século XVIII em Minas Gerais nas localidades de Mariana, São João dei Rei, Sabará e Vila Rica . Os negros e os mulatos fundaram esta confraria de São Francisco porque a Ordem III e só aceitava brancos como sócios. A Confraria de São Benedito estava canonicamente agregada a dos Irmãos de São Francisco. Os santos negros como Santa Efigênia, São Benedito, São Fidélis e Santo Antônio de Categerô eram especialmente venerados nas capelas das confrarias de escravos.

Estes santos ali possuíam seus altares. Em sua honra e organizavam festas com grande pompa. Principalmente em Salvador da Bahia as irmandades competiam entre si na veneração de seus padroeiros, querendo cada uma sobrepujar a sua congênere em procissões mais vistosas. E disto os escravos gostavam. Que obrigações tinham os sócios das confrarias? Segundo os estatutos da Confraria do beato Antônio de Categerô, os sócios se comprometiam a rezar diariamente o terço, venerar especialmente o padroeiro, freqüentar no domingo de novembro, festa do Santo, a igreja com os trajes da Confraria, rezar nos dias seguintes pelos irmãos falecidos e dar uma contribuição anual à Confraria. .(STRIEDER, 2000 p.07).


Além da veneração aos santos, as confrarias, assegura AZZI, (1983) tinham por finalidade angariar fundos para a construção de ermidas ou capelas, mantendo seus cultos e suas festas. Essas confrarias, também auxiliavam seus sócios ao comprarem suas liberdades, caso essas estivessem em boas condições financeiras, em geral essas organizações religiosas, se satisfaziam quando seus associados sabiam rezar as orações principais, demais conhecimentos podiam permanecer de forma rudimentar, pois seu principal objetivo era que os escravos venerassem os Santos. No século XIX a igreja católica passa por algumas dificuldades em função do fechamento dos noviciados das congregações religiosas por D. Pedro II. Tal decisão impactou a vida cristã da época levando quase que ao desaparecimento as confrarias e irmandades dos escravos

Declara ainda o autor que a abolição da escravidão, as irmandades dos negros, por questões políticas, foram perdendo suas características, tendo em vistas que negros mulatos foram aceitos nas confrarias dos brancos,para evitar possíveis conflitos raciais, e assim as distinções, no que se refere as confrarias, foram desaparecendo uma vez que os brancos também passam a frequentar as Igrejas dos negros.




  1. Era preciso resistir

A prática religiosa no Brasil colônia apresentou várias facetas, tendo em vistas as proveniências cultural e étnica de cada povo que em solo brasileiro chegou, mas a presença maciça dos povos africanos, foi que provocou um modelo religioso adaptado. Os escravos africanos que chegaram ao território brasileiro de diversas nações africanas trazem para o Brasil um sistema religioso animista, além de um grupo que praticava o islamismo. Quanto aos indígenas, esses praticavam uma crença religiosa xamanista, logo, a missionação a miscigenação das populações e das crenças por estes grupos seguidos, resultam em novas práticas religiosas como o catimbó e o candomblé que persistem até os dias de hoje. Os negros ao chegarem em solo brasileiro com suas crenças , trazem também no grupo, pessoas com conhecimento para difundir de forma oral a sua religiosidade para os demais,e estes embora convertidos forçosamente mantém seus rituais dentro das senzalas por debaixo de altares cristãos ,onde escondiam elementos litúrgicos do candomblé. Damasceno (2011).

A religião tem por base a adoração da Natureza, da sua alma, sendo por isso chamada de anímica. Contudo a crença de um deus criador, comum a todas as nações africanas levou à sua assimilação com o Deus dos cristãos. Esta assimilação foi aceita pela maior parte dos seguidores do candomblé que combinam elementos tradicionais africanos com aspetos da religião cristã. A perseguição da Igreja a estas práticas foi persistente, mas o Candomblé conseguiu sobreviver até aos dias de hoje integrando adeptos de todos os estratos da sociedade. (DAMASCENO, 2011, p.02).


Os Calundus (século XVIII) e Candomblés (século XIX) foram manifestações que congregaram pessoas de procedência africana que no Brasil refizeram suas formas de sociabilidade, de organização, de relacionamento com o mundo invisível,dando origem as novas manifestações e tipos de organização que chamamos de afro brasileira.

O inicio do século XX, surge também a Umbanda, culto religioso que incorpora práticas do candomblé, do catolicismo e do espiritismo. A umbanda em seu inicio, também passou por perseguições da polícia. Nesse período muitos terreiros foram invadidos e até mesmo proibidos de exercitarem sua prática religiosa


Para chegar à posição de religião e garantir o mínimo de respeitabilidade, o culto afro brasileiro passou por muitas intempéries, enfrentou barreiras, desde sua sobrevivência e resistência nas Senzalas. Quando o candomblé se consolidou como religião de boa parte da comunidade negra, o Brasil já tinha se tornado independente, o que não garantiu total liberdade ao negro conforme demonstra Damasceno (2011). As instituições religiosas de cunho católico para o negro no Brasil colônia funcionavam para os negros como um expediente regulador do comportamento e das relações sociais entre os grupos de etnias africanas, de forma que estes se sentissem iguais, uma estratégia utilizada de forma cuidadosa e organizada pela organização eclesiástica, assegura Moura (1995). Neste contexto foram enviados missionários à África, no intuito de difundir os Santos e as virgens negras num catolicismo separado.
Este, ao incorporar elementos culturais do novo grupo abordado, redefinia-os de acordo com os princípios da cristandade, e mais especificamente, de acordo com as necessidades de manutenção da dominação imposta ao africano: o sacerdote era definitivamente associado ao soldado conquistador e ao mercenário escravagista (MOURA1995, p.46).
Essas irmandades davam certa garantia aos negros, além de ser um espaço de trânsito social, é nela encontrava-se as distinções de grupos seja, por nação de origem e gênero seguindo assim os princípios da Igreja Católica Colonial. Esta ordem era evidenciada nas procissões, que eram grandes espetáculos coreografados, atos que asseguravam as diferenças entre as raças e até mesmo divisão entre os negros. Moura (1995). Esse catolicismo negro acende uma série de subcultura de etnias, de castas, se compondo, com a Independência e depois com a Abolição, em embrião das subculturas de classe. É no seio das confrarias negras que as tradições africanas ganhariam o espaço necessário à sua perpetuação na aventura brasileira, sincretizada com o código religioso do branco, de maneira mais ou menos formal. Inicialmente apenas como um disfarce legitimador, mas progressivamente absorvendo o catolicismo como uma influência profunda que se expande nas religiões populares urbanas negras da modernidade.
Entretanto, na rua, evitada pelos aristocratas, domínio do povinho, do negro, progressivamente se contestam essas distinções no meio popular, e nela surgem as grandes manifestações do encontro dessa pluralidade de civilizações africanas de extrema expressividade místico-religiosa. O Ocidente, via Portugal e seu catolicismo ritualizado, já vira renascer (MOURA,1995 p.48)
Porém, em Salvador se redefine o calendário cristão, em um novo ciclo de festas populares,quando foram encontradas nos santos católicos correspondência e identidades associadas aos orixás nagôs homenageados não só em cerimônias privadas,mas a partir de então,os orixás africanos passam a serem festejados com toda pompa nas festas católicas.E tais comemorações aconteciam e acontecem até os dias de hoje,nas ruas, nas praças, nos mercados e mesmo nas igrejas das cidades. Moura (1995). Essas festas seguem um ciclo que se inicia no inicio de dezembro com as homenagens a Santa Bárbara (Iansã), dias depois a homenagem a Nossa Senhora da Conceição da Praia (Iemanjá) e primeiro de Janeiro Nosso Senhor dos Navegantes (Oxalá) e assim o negro através de uma resistência passiva e de forma política mantém a sua fé religiosa criando elementos fundamentais à sua personalidade moderna, ou seja, adaptada as regras do europeu. Moura (1995).



  1. Perseguições e intolerâncias do século XIX até meados do século XX

Franco (2010) aponta que as religiões de matrizes africanas no final do século XIX, no período que compreende a Proclamação da República, é o momento que o Governo Provisório edita o primeiro Código Penal Republicano em 11/10/1890, antes mesmo da Primeira Constituição Republicana, editada em 24/02/1891. Dentre os artigos do Código Penal. Destaca-se as punições contra o crime de curandeirismo (art.158),crime de espiritismo(art.157),crime de mendicância(art.391 ,crime de vadiagem (art.395) e crime de capoeiragem (art.27,Inciso 1º).O autor observa que tais artigos,estão associados as condições sócio –econômica e cultural. E que maioria que se encontravam.nessa situação, era a população negra tendo em vista que a promulgação da abolição da escravidão, tinha ocorrido a poucos anos antes ao Código Penal Republicano e tal advento renegou negros e negras ao ócio compulsório,fato que levou esse grupo a mendicância e vadiagem.

O curandeirismo e espiritualismo eram práticas atribuídas aos negros e índios e tais práticas não eram reconhecidas como ritos religiosos, bem como a capoeiragem misto de dança e luta que foi utilizada pelos negros escravos como defesa contra as atrocidades submetidas no período da escravidão.

Declara Franco (2010) que o primeiro Código Penal, promulgado, teve como alvo a população negra, em virtude de sua condição social e suas marcas culturais e que o teor da Lei mostra tais intenções. Identifica o autor que Antônio de Farias, advogado, juiz e promotor público da Primeira República, atribuíram as práticas religiosas dos negros como feitiçaria, bruxaria e evocação de espírito, logo, existia uma rejeição das práticas religiosas negras se tornarem religião no universo brasileiro. Todavia as religiões evangélicas, entre outras, se estabelecem no Brasil com a chegada de grupos imigrantes que trouxeram seus templos com liberdade de culto e de certa maneira até incentivos do Estado brasileiro. Enquanto isso, as religiões de matrizes africanas, nem sequer eram reconhecidas como religião mesmo tendo os povos africanos uma permanência mais de 300 anos em solo brasileiro. É importante ressaltar que estas igrejas vieram para o Brasil através de uma política imigratória constituída pelo estado brasileiro no final do século XIX, para suprir a ordem econômica com mão de obra escrava no campo.

Neste contexto, era lícito os imigrantes constituírem espaços coletivos para exercício de hábitos e costumes de sua terra natal, portanto, escolas ,igrejas,associações tiveram o caráter de manutenção de suas culturas de origens aceitáveis.Por outro lado, aos negros,então libertos e presentes no território nacional desde o século XVI,estas mesmo benefício de espaços coletivos eram sistematicamente cerceados , quando não violados pelo aparato policial. Desde o início do século XX, para se obter licença de funcionamento para as casas de umbandas e candomblé era necessário solicitá-la na delegacia de polícia,Secretaria de segurança Pública,além de comprovar sanidade mental de seus sacerdotes ou responsáveis pelo templo,fato que caracterizava o principio de repressão institucionalizada. Franco (2010). O modelo coercivo e a manutenção da ordem utilizada pelo aparelho da Polícia nos remetem ao que aponta Foucault (2005) em Vigiar e Punir, ao descrever sobre as estratégias de punição exercidas em finais do século XVIII e início do século XIX no cotidiano de uma sociedade disciplinar.

De acordo com Franco (2010) no ano de 1940 foi aprovado no Código Penal os delitos de charlatanismo (art.283) e curandeirismo (art.284) e tais práticas de origem africanas eram vista como bárbaras e primitivas.

O autor aponta que as evidencias contra ao exercício religioso de origem africana, como caso de polícia, se apresentam na Lei nº 3.097 de 29/12/1972 do Estado da Bahia que obrigou até 1976, as sociedades de culto afro brasileiro a se registrarem na Delegacia de Polícia da circunscrição. E também a Lei de nº 3.443 de 06/11/1966 do Estado da Paraíba que subordinava os cultos de matriz africana, a autorização outorgada pela Secretaria de Segurança Pública, bem como o atestado de sanidade mental do responsável pelo culto.

Ao longo do século XX, as várias religiões foram conferidas prerrogativas civis, tais como sessão de terras, isenções de impostos, transferências de recursos do Poder Público, para suas obras de caridades. No entanto, as religiões de matrizes africanas tiveram, e ainda tem dificuldades de conseguirem recursos de prerrogativas sociais e civis. Franco (2010).

Ainda assim, a luta pelo reconhecimento das religiões de matrizes africanas representou um longo processo de resistência. E na primeira metade do século passado, as casas de umbanda e candomblé adotaram estratégia de proteção e preservação do espaço, na relação com o Estado e a sociedade brasileira, em busca de protetores que em geral eram pessoas públicas e de influência política.

Manter relações com pessoas “da alta roda” era uma estratégia possível de sobrevivência, uma maneira de garantir proteção para dar continuidade aos seus ritos. Tais alianças podiam incluir até mesmo autoridades policiais. João do Rio descreveu em suas narrativas que um delegado, estando amarrado a uma paixão, conseguiu seus intuitos graças ao prodígio de um galo preto. E conforme Vagalume, cronista, as funções no candomblé de Sua Alteza Cypriano Abedé eram perfeitamente permitidas pela polícia por ser uma Sociedade de Ciências Ocultas com organização de sociedade civil. Provavelmente, Abedé teria obtido tal permissão com uma ajudinha de seus seguidores influentes. (SILVA, 2013, p.93)

Não obstante, declara Franco (2010) que a cultura da repressão e perseguição contra as religiões de matrizes africanas persistiram e persistem até os dias de hoje.A prática de controle e repressão,por parte do Estado, tentou coibir o crescimento inicial das religiões afro brasileira,quase as condicionando a clandestinidade.

Esses personagens de acordo com Franco (2010) condicionaram as religiões de matrizes africanas ao fenômeno da invisibilidade urbanística, não as reconhecendo como religião, mas identificando as como curandeirismo ou seitas folclóricas e seculares.

Segundo o autor o reflexo dos vetores de repressão, perseguição, discriminação, preconceitos e ataques, são elementos fundamentais de intolerância religiosa. Tais intolerâncias se dão em primeiro momento pelo Estado, em segundo pela instituição católica e, em terceiro pelos grupos evangélicos neopentecostais. Logo, são esses elementos que conduziram as religiões de matrizes áfrica à condição de invisibilidade, tanto arquitetônica como censitária.



  1. Tráfico e religiosidade na favela de Acari


Antes do ano 2000, as religiões de origem africana eram divulgadas publicamente como uma extensão do crime organizado, por conta disso eram perseguidas pelo Estado e discriminada pela sociedade. As matérias jornalísticas registravam e analisavam estas situações em várias favelas do Rio de Janeiro, dentre elas, a favela de Acari. Neste período era possível ler nos jornais matérias que abordavam este teor. Vital da Cunha(2011)

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Manchete: ‘Traficantes acordam o Rio com barulho de tiros para festejar Dia de São Jorge’. Subtítulo: ‘PM e Polícia Civil recebem ligações com queixas de moradores de toda a cidade’. ‘Moradores de vários bairros vizinhos às favelas da cidade acordaram assustados com fogos e tiros de metralhadoras que começaram aos primeiros minutos de ontem. Não se tratava de nenhuma guerra pelo controle do tráfico. Era a comemoração do Dia de São Jorge, que começou pontualmente à meia-noite. De Sul a Norte da cidade, traficantes dos morros cariocas soltaram fogos e aproveitaram o barulho para dar rajadas de metralhadoras. Além dos tiros, o som dos atabaques dos terreiros de umbanda e candomblé no alto dos morros se misturavam aos dos tiros disparados. No Morro dos Macacos, em Vila Isabel, os traficantes comemoraram disparando tiros das 11h às 4h, não deixando os moradores do morro e dos prédios vizinhos dormirem. São Jorge na Igreja Católica e Ogum para os umbandistas são sempre reverenciado com muito fervor pelos traficantes. As delegacias de polícia e os batalhões da PM receberam telefonemas de moradores’. (Fonte: Jornal O Globo de 24 de abril de 1997 apud Vital da Cunha 2011)


A favela de Acari, especialmente, apresentava uma grande relação com as religiões de matrizes africanas, nos anos de 1980/1990, por conta do chefe do tráfico local o Cy de Acari, que apresentava tatuado em seu corpo as figuras de São Jorge e Cosme e Damião.Além de manter os espaços físicos da Favela,com as figuras dos seus santos de fé.

Com o passar do tempo, os cinco terreiros existentes em Acari entre 1980 e 1990,passam para dois terreiros em 1990,no início do ano 2000 todos estavam desativados,porém os templos evangélicos que em 1997 eram trinta e dois,no ano de 2002 já existiam quarenta e cinco.

O crescimento do poder local dos evangélicos foi concomitante à perda de espaço político, social e religioso outrora exercido pelo candomblé e umbanda. O terreiro de um das mães de santo mais prestigiadas no local até então deixou de oferecer atividades abertas ao público. (VITAL DA CUNHA, 2011, p.09)

Com o declínio da referida casa de santo, a zeladora da casa passa a atender clientes somente com jogos de búzios, em entrevista com a mãe de Santo, Vital da Cunha (2011) colhe dados em que a mãe de santo mostra-se ressentida com seus filhos de santo e com os traficantes, pois estes passam a negar a fé ns orixás, ao esconderem suas guias e baixarem a cabeça ao encontrá-la. A mãe de santo, fala da hipocrisia de muitos que se transformaram evangélicos, mas que entre os becos da favela, arriam seus despachos.

Os traficantes de drogas locais não proibiram expressamente as atividades religiosas na casa desta mãe de santo, segundo relatos dela própria e de moradores de Acari. Contudo, o aumento da violência associada à favela de Acari na década de 1990 e início dos anos 2000 e àquela região da cidade, concomitante aos ataques simbólicos- religiosos/religiosos/morais que vinha sofrendo de evangélicos e suas lideranças foi decisivo, segundo ela própria, para o esvaziamento de sua casa tanto em termos objetivos, quanto políticos/simbólicos. (VITAL DA CUNHA, 2011, p.10).
O candomblé, a umbanda e as demais formas de expressão religiosa de matriz africana tinham um lugar subordinado, camuflado na cidade, nas favelas, no caso de Acari, no contexto anterior das décadas de 1980/1990, seus emblemas religiosos eram tatuados nos corpos dos traficantes, estavam pintados nos muros da favela, seus dias de festa e culto tomavam papel de destaque no calendário social da geografia. Eles estavam muito presentes no espaço público em razão da aliança, da filiação, da expressão de fé dos traficantes de então na direção dessas religiões. Com o redirecionamento nessa revelação de fé e de aliança para os evangélicos, foram estes que saíram fortalecidos no campo religioso, social e político. Não podemos dizer, com isso, que os evangélicos cresceram em Acari pelo privativo apoio simbólico, político e material dos traficantes da favela. Também não é correto afirmar que o redirecionamento na fé destes traficantes foi o único fator a contribuir para o esvaziamento do lugar político outrora ocupado pelos pais e mães de santo na favela de Acari (e em tantas outras nas quais foi possível observar um cenário similar como no Morro do Dendê, Ilha do Governador (RJ), Santa Marta, Botafogo (RJ), etc.) Vital da Cunha (2011).
De acordo com a autora na gestão do traficante Jorge Luís em Acari nos anos 1990, alguns cultos evangélicos eram requereridos pelos traficantes em momentos nos quais eles e a favela estavam vulneráveis – em perigo de incursão da polícia, de grupos rivais, a cisão entre o grupo de traficantes locais, etc., é a partir de Jeremias (chefe do tráfico local ao final da década de 1990 e início dos anos 2000) esse empoderamento evangélico se aguçou. Foi a partir do seu comando à frente do tráfico local que foram disseminadas as pinturas de textos bíblicos e demolidos os últimos santuários de entidades, orixás e santos católicos.

Após o comando de Jeremias os traficantes passam a expressar sua fé não só nos murros da favela, mas também em oração as 05h30 min, em uma rádio local onde um deles pregava uma oração e todos se mantinham sintonizados com radinhos na mesma frequência. Assim, a oração é ao mesmo tempo um pedido de proteção e bênção e um reforço na orientação de conduta para os “manos” locais. Vital (2011).


Senhor: Fazei com que a vida torta que eu vivo sirva pra ajudar as pessoas a viver uma vida melhor e direita. Senhor: Eu te peço Senhor, que neste dia, nesta manhã, como em todos os dias, proteja os trabalhadores que saem agora para o trabalho. Proteja as crianças que saem pra escola. Senhor: eu te peço proteção para os líderes comunitários desta comunidade. Que o Senhor ilumine suas cabeças e toque seus corações e os livre da ganância e do egoísmo e olhem para o bem que busquem o melhor para nossos moradores sofridos e pesados pelos governantes poderosos. Senhor: eu lhe peço proteção não para mim, mas para meus amigos. Que os livre da morte, Senhor, que eles não sejam mortos covardemente e que não matem nenhum polícia ou inimigo que venham atacar nossa favela. Em nome de Ti, Senhor, é só o que peço.Agora vamos orar uma oração que todos conhecem e que serve para todas as religiões: Pai nosso que estais no céu. (VIDAL, 2011: p. 130)
De acordo com Vital (2011), a oração do traficante parece buscar justificativa para sua entrada na vida criminosa, e que em uma agenda de um traficante de alto cargo na favela é possível observar uma linguagem pentecostal quando o mesmo diz:

Só Deus faz a alma Feliz. Meu Deus, quando eu morrer eu quero ir para o Teu reino. Por isso vou me converter e sair do tráfico. Não sei o dia, mas ainda vou sair do tráfico. Não quero ser uma alma penada como outros que morreram. JESUS! Se você tem olho grande então porque não enxerga Jesus? Senhor meu Deus e meu Pai Te agradeço por mais um ano de vida porque vida de bandido não é fácil. Meu Deus quero te pedir perdão por todos os meus pecados e também quero Te aceitar como o meu Salvador. Amém. “Para Deus, Cristo Jesus (VIDAL, 2011: p. 130).


Segundo a autora a percepção (ou desejo) da transitoriedade da “vida no crime” anuncia nessa mensagem, o agradecimento pelo amparo alcançado, a promessa/sugestão de conversão a Cristo pós-vida criminosa, pós-acumulação de riqueza no tráfico são noções partilhadas por outros integrantes do tráfico local.

A partir da conversão de Jeremias, e com a concomitante justaposição entre traficantes locais e evangélicos, foram observadas alterações na dinâmica da criminalidade local , assim como na intercessão religiosa,política e social preferencialmente exercida por lideranças e fiéis vinculados a igrejas evangélicas locais. Vital da Cunha(2011)



  1. A violência: em nome da política e em nome de Deus


Na década de 2000 um projeto desenvolvido pelo prefeito do Rio de Janeiro que segundo o mandatário politico visava dinamizar a vida dos moradores da periferia acabou se tornando um transtorno para inúmeras famílias. O que era uma favela, ao se tornar um “bairro” houve um aumento da incidência de impostos o que tornou inviável aos moradores continuarem vivendo no lugar. Valorizou-se a área, os pobres não aguantaram arcar com os impostos e se transferiram do local, para um local mais retirado. Algo semelhante tem ocorrido com o processo de pacificação desenvolvido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. A violência é monstruosa nas periferias da “cidade maravilhosa”. Os grandes eventos como Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas 2016 não podem conviver com tal situação no entendimento dos governantes. É necessário, segundo os governantes preparar a cidade para tais acontecimentos. Nessa dinâmica, a pacificação é necessária para termos uma cidade que possa acolher os eventos e turistas. É preciso “limpar” a cidade. É uma política de “higienização” da cidade. Assim sendo, tirar os moradores de rua, que dormem nas calçadas e marquises, é uma demanda urgente, expulsar os traficantes das favelas e morros é imprescindível.

Como se não fosse suficiente a violência praticada no âmbito da politica, essa se expressa também no campo religioso. É corrente nas grandes cidades uma cultura de dominação religiosa cujas raízes remontam à práticas do período da colonização. No contexto da violência urbana, a intolerância religiosa tem se caracterizada com atentado á dignidade humana. Pesquisas têm demonstrado que o desrespeito, a negação do direito da livre manifestação de fé, conforme assegurado na constituição é uma constante. Com isso as religiões de matrizes áfricas e seus seguidores têm sido alvo de violência desmedida na contemporaneidade. Isso tem sistematicamente afetado a vida daqueles que professam a fé nas religiões dos orixás. O sentimento de ser aviltado na sua dignidade pode ser percebido nos relatos colhidos na pesquisa sobre intolerância religiosa na Baixada Fluminense.

Sinto-me severamente ultrajado, porque esse senhor me humilhou, humilhou o meu povo, se desfez dos meus Orixás; disse que era religião de preto, que era vodu, que era culto ao demônio, ao satanás. Eu observo que dentro das próprias religiões evangélicas, nos cultos que eles fazem dentro das igrejas os pastores incentivam aos seus fiéis a descriminarem as pessoas de religiões de matrizes africanas, seja ela Umbanda ou Candomblé; eles incentivam a descriminação e até mesmo a agressão. Eu já presenciei um grupo de jovens evangélicos agredindo uma Yaô, arrebentando os fios de contas, rasgando suas roupas, o pano da costa e o de cabeça, isso foi no centro de Duque de Caxias, próximo ao Supermercado Guanabara. Foi um grande tumulto e muita gente foi em defesa dessa senhora e acabamos sem apoio das autoridades competentes, só nós que saímos na defesa e proteção dessa senhora.

(Paulo 52 anos)

Em outra oportunidade um Babalorixá revela:

Só mesmo os Orixás para nos dar força, porque hoje você ser responsável por um Terreiro, ter um Barracão funcionando acaba sendo perigoso. No tempo do meu pai de santo os vizinhos e povo de outras religiões respeitavam mais, isso eu ouvia dizer, e acredito, porque meu pai nunca falou de violências como eu vejo hoje. Gente invadindo os Terreiros, agredindo a gente, até matando. E o povo de Candomblé precisa ser unir mais para acabar com essa situação.

Para se ter uma ideia, aqui, neste Barracão, onde eu trabalho para ganhar o meu sustento e onde vivo também, já foi apedrejado várias vezes, jogaram pedras no portão do meu portão, chutaram ebós que despachei, passaram gritando de dentro do ônibus. Tudo o que podem fazer para me causar medo já fizeram. Tudo para me amedrontar e tentar acabar com as funções no Terreiro. Eu continuo e não vou para porque faço tudo pela fé que tenho nos Orixás. Não vou ligar para eles. É preciso que tenham amor no coração e respeito pelo outro. Respeitem as religiões de cada um. (LUCAS 49 anos)

O crescimento das cidades foi engolindo os espaços dos terreiros e estes por sua vez passaram a significar incômodo para alguns segmentos religiosos. Tal afirmação pode ser percebida na narrativa de Ana.

O Terreiro que faço parte já existe há mais de 50 anos, e o pessoal da nossa rua sempre respeitou o meu pai de santo, os meus irmãos e o Axé, mas depois de alguns anos para cá as coisas se modificaram. Eu tenho 50 anos e nasci neste bairro. Para você ter uma ideia quando eu era criança, só na minha rua existiam 3 Terreiros, isso no pedaço que eu conhecia. Agora próximo só tem o que eu frequento, tinha uma capela católica e agora eu conto pelo menos quatro igrejas pentecostais. É duro porque antes todos os vizinhos respeitavam, nunca tivemos problemas sérios.

Depois que essas igrejas viram para cá começaram os nossos tormentos. Há 4 anos atrás elas se juntaram para desmoralizar e agredirem a gente. Numa festa de Ogum eles fiéis dessas igrejas fizeram uma caminhada pelas ruas próximas e - depois ficamos sabendo que era para nos ofender – quando passaram na rua do nosso Terreiro jogaram sal grosso e enxofre, e disseram que ali era a casa do demônio e de tantas outras coisas. Eles falaram tantas coisas ruins, negativas. Eles estavam com tanto ódio que ali poderia virar uma guerra, porque o nosso povo ficou enfurecido. Nós nunca fomos à porta de qualquer templo deles. ( Ana 50 anos)

O tempo vai passando e novas formas de exercer a violência vão sendo aprimoradas. Algumas noticias amplamente veiculadas na impressa demonstra o grau da intolerância e apontam para as nefastas consequências que tal atitude pode significar. Um episódio de repercussão nacional e internacional foi o ataque sofrido por um terreiro de umbanda no Bairro do Catete no Rio de Janeiro em 2008. Assim noticiou o jornal A Folha de São de são Paulo em 03 de junho:

Evangélicos são acusados de quebrar centro de umbanda no Rio


Quatro integrantes da igreja evangélica Nova Geração de Jesus Cristo foram presos, acusados de invadir ontem à noite um centro de umbanda no Catete, zona sul do Rio de Janeiro, e quebrar cerca de 30 imagens religiosas, prateleiras e um ventilador. O caso foi registrado na 9ª DP (Catete). Segundo uma das dirigentes do Centro Espírita Cruz de Oxalá, a advogada Cristina Maria Costa Moreira, 45, cerca de 50 pessoas aguardavam em fila a abertura do atendimento ao público, às 19h, quando Alessandro Brás Cabral dos Santos, Afonso Henrique Alves Lobato, Raimundo Nonato e uma jovem identificada apenas como Dominique chegaram ao local. De acordo com Moreira, eles ofenderam os presentes e forçaram a entrada na casa. "Eles chegaram dizendo que queriam ver onde estava o demônio e foram direto para o terreiro", conta Celso Quadros, 52, outro dirigente do centro. "Quebraram tudo, inclusive imagens que temos há 40 anos." A advogada Sílvia Santana, 33, que estava na fila, disse que os evangélicos disseram estar agindo "em nome de Jesus" e acusaram os presentes de "adorar o demônio”. Policiais foram chamados ao local e levaram os invasores. Até a noite de ontem, os acusados ainda prestavam depoimento e não havia informação sobre seus advogados. Segundo o advogado que representa o centro de umbanda, Márcio Melo de Almeida, eles serão indiciados sob acusação de danos materiais e ultraje a culto.

(http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u408216.shtml)


Casos de agressões e violências relacionadas às praticas de fé das matrizes africanas continuaram acontecendo em todo o país, embora nem sempre divulgadas na grande mídia. Em 2012 um outro evento semelhante ganha os holofotes da imprensa. Dessa vez o acontecimento se dá em Recife e foi assim noticiado. Evangélicos tentam invadir Terreiro em Olinda

18 de julho de 2012

Centenas de evangélicos com faixas e gritando palavras de bagunça realizam protesto em frente a um terreiro de matriz africana e afro-brasileira – candomblé, umbanda e jurema. As imagens poderiam ser de um filme sobre a Idade Média. No entanto, foram registradas no domingo, no Varadouro, em Olinda, Grande Recife.http://www.deldebbio.com.br/2012/07/18/evangelicos-tentam-invadir-terreiro-em-olinda/


No ano de 2013 a face da violência assume uma dimensão mais preocupante ainda ao ser noticiada uma realidade que já vinha sendo detectada e denunciada pelos membros da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa, sediada no Rio de Janeiro. Segunda a Comissão, em alguns bairros da cidade as pessoas estavam alertando para algumas práticas onde estavam acontecendo associação do trafico com segmentos evangélicos para impedir os terreiros de realizarem suas práticas religiosas.

No dia 8 de setembro de 2013 o Jornal Extra publicou uma matéria dando conta dessa realidade. Fragmentarei a noticia em várias partes pra efeito de análise. Ao ser identificada como praticante da religião de matriz africana a represália do trafico se expressa.

A roupa branca no varal era o único indício da religião da filha de santo, que, até 2010, morava no Morro do Amor, no Complexo do Lins. Iniciada no candomblé em 2005, ela logo soube que deveria esconder sua fé: os traficantes da favela, frequentadores de igrejas evangélicas, não toleravam a “macumba”. Terreiros, roupas brancas e adereços que denunciassem a crença já haviam sido proibidos, há pelo menos cinco anos, em todo o morro. Por isso, ela saía da favela rumo a seu terreiro, na Zona Oeste, sempre com roupas comuns. O vestido branco ia na bolsa. Um dia, por descuido, deixou a “roupa de santo” no varal. Na semana seguinte, saía da favela, expulsa pelos bandidos, para não mais voltar. - Não dava mais para suportar as ameaças. Lá, ser do candomblé é proibido. Não existem mais terreiros e quem pratica a religião, o faz de modo clandestino - conta a filha de santo, que se mudou para a Zona Oeste. A situação da mulher não é um ponto fora da curva: já há registros na Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto Afro Brasileiro e Espírita de pelo menos 40 pais e mães de santo expulsos de favelas da Zona Norte pelo tráfico. Em alguns locais, como no Lins e na Serrinha, em Madureira, além do fechamento dos terreiros também foi determinada a proibição do uso de colares afro e roupas brancas. De acordo com quatro pais de santo ouvidos pelo EXTRA, que passaram pela situação, o motivo das expulsões é o mesmo: a conversão dos chefes do tráfico a denominações evangélicas. (8 de setembro de 2013 o Jornal Extra)
As práticas de intolerância chegaram ao ponto que ultrapassam todos os limites da convivência humana, razão pela qual demanda uma ação enérgica do poder público com vistas a assegurar os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim continua a notícia do Jornal Extra: Atabaques proibidos na Pavuna

A intolerância religiosa não é exclusividade de uma facção criminosa. Distante 13km do Lins e ocupada por um grupo rival, o Parque Colúmbia, na Pavuna, convive com a mesma realidade: a expulsão dos terreiros, acompanhados de perto pelo crescimento de igrejas evangélicas. Desinformada sobre as “regras locais”, uma mãe de santo tentou fundar, ali, seu terreiro. Logo, recebeu a visita do presidente da associação de moradores que a alertou: atabaques e despachos eram proibidos ali. Tive que sair fugida, porque tentei permanecer, só com consultas. Eles não gostaram — afirma. A situação já é do conhecimento de pelo menos um órgão do governo: o Conselho Estadual de Direitos do Negro (Cedine), empossado pelo próprio governador. O presidente do órgão, Roberto dos Santos, admite que já foram encaminhadas denúncias ao Cedine: Já temos informações desse tipo. Mas a intolerância armada só pode ser vencida com a chegada do estado a esses locais, com as UPPs. O deputado estadual Atila Nunes (PSL) fez um pedido formal, na última sexta-feira, para que a Secretaria de Segurança investigue os casos. Não se trata de disputa religiosa mas, sim, econômica. Líderes evangélicos não querem perder parte de seus rebanhos para outras religiões, e fazem a cabeça dos bandidos — afirma. (8 de setembro de 2013 o Jornal Extra)


A prática da violência como forma de intimidação e perseguição dos terreiros e seus praticantes vem sendo disseminada tornando-se uma pratica rotineira em algumas cidades no país. No caso do Rio de Janeiro, as pessoas responsáveis para tal tarefa são tidas como “convertidas a Jesus”, conforme podemos verificar na sequência da noticia.

Nas favelas, os ‘guerreiros de Deus’

Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, chefe do tráfico no Morro do Dendê, ostenta, no antebraço direito, a tatuagem com o nome de Jesus Cristo. Pela casa, Bíblias por todos os lados. Já em seus domínios, reina o preconceito: enquanto os muros da favela foram preenchidos por dizeres bíblicos, os dez terreiros que funcionavam no local deixaram de existir. Guarabu passou a frequentar a Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai em 2006 e se converteu. A partir daí, quem andasse de branco pela favela era “convidado a sair”. Os pais de santo que ainda vivem no local não praticam mais a religião. A situação se repete na Serrinha, ocupada pela mesma facção. No último dia 22, bandidos passaram a madrugada cobrindo imagens de santos nos muros da favela. Sobre a tinta fresca, agora lê-se: “Só Jesus salva”.

O babalaô Ivanir dos Santos, representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criada justamente após casos de intolerância contra religiões afro-brasileiras em 2006, afirma que os casos serão discutido pelo grupo, que vai pressionar o governo e o Ministério Público para que a segurança do locais seja garantida e os responsáveis pelo ato sejam punidos. “Essas pessoas são criminosas e devem ser punidas. Cercear a fé é crime”, diz o pai de santo. (8 de setembro de 2013 o Jornal Extra)
Ainda na noticia é perceptível como as pessoas que têm sua dignidade e direitos negados se sentem ultrajadas e desrespeitadas por essa forma de violência.

Iniciei-me no candomblé em 2005. A partir de minha iniciação, comecei a ter problemas com os traficantes do Complexo do Lins. Quando cheguei à favela de cabeça raspada, por conta da iniciação, eles viravam o rosto quando eu passava. Com o tempo, as demonstrações de intolerância aumentaram. Quando saía da favela vestida de branco, para ir ao terreiro que frequento, eles reclamavam. Um dia, um deles veio até a minha casa e disse que eu estava proibida de circular pela favela com aquelas “roupas do demônio”. As ameaças chegaram ao ponto de proibirem que eu pendurasse as roupas brancas no varal. Se eu desrespeitasse, seria expulsa de lá. No fim de 2010, dei um basta nisso. Não suportava mais fingir ser o que eu não era e saí de lá. (8 de setembro de 2013 o Jornal Extra )


Finalizando a noticia, o Jornal Extra destaca o depoimento de uma mãe de santo de um bairro no Rio de Janeiro. Mãe de santo há 30 anos, expulsa da Pavuna:

Disseram que quem mandava ali era o “Exército de Jesus”.

- Comprei, em 2009, um terreno no Parque Colúmbia, na Pavuna. No local, não havia nada. Mas eu queria fundar um terreiro ali e comecei a construir. No início, só fazia consulta, jogava búzios e recebia pessoas. Não fazia festas nem sessões. Não andava de branco pelas ruas nem tocava atabaque, para não chamar a atenção. Um dia, o presidente da associação de moradores foi até o local e disse que o tráfico havia ordenado que eu parasse com a “macumba”. Ali, quem mandava na época era a facção de Acari. Já era mais de santo há 30 anos e não acreditei naquilo. Fui até a boca de fumo tentar argumentar. Dei de cara com vários bandidos com fuzis, que disseram que ali quem mandava era o “Exército de Jesus”. Disse que tinha acabado de comprar o terreno e que não iria incomodar ninguém. Dias depois, cheguei ao terreiro e vi uma placa escrito “Vende-se” na porta — eles tomaram o terreno e o puseram a venda. Não podia fazer nada. Vendi o terreno o mais rapidamente possível por R$ 2 mil e fui arrumar outro lugar. (8 de setembro de 2013 o Jornal Extra )

As dificuldades em reconhecer o direito da liberdade de expressão religiosa estão associadas por um lado, aos preconceitos em relação às manifestações de fé dos negros na sociedade brasileira e ao proselitismo – o desejo de aumentar o número dos fiéis de uma determinada denominação religiosa. Por outro lado, afirma Vagner Gonçalves da Silva, o combate às religiões de matrizes africanas,

parece ser uma estratégia para monopolizar seu principal bem no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do avivamento- em forma de êxtase religioso-, transformando-o em um valor interno do sistema neopentecostal (…) o reconhecimento de um valor no outro que poderá servir aos meus caprichos induz a implementação de estratégias de apropriação dos mesmos(SILVA,2006, p.208-209).

O que podemos perceber é que a violência tem sido um modo de apropriar do “simbólico” do outro e torna-lo uma fonte de enriquecimento próprio.

Pensar um mundo de paz e de respeito ao outro, de defesa incondicional da vida, talvez seja um caminho alternativo para enfrentar tantas formas de violência que degradam dia a dia a existência humana.

A intolerância religiosa é um posicionamento politico e desencadeia uma prática de violência que pode ser ora simbólica, psicológica e até mesmo física, constituindo-se em atentado ao exercício da cidadania , dos direitos elementares da pessoa humana e da dignidade humana

A negação dos direitos bem como o seu cerceamento por mecanismos violentos, são práticas abomináveis, que não condizem com o exercício da democracia e nem conseguem dar sustentabilidade a projetos que esteja em consonância com a defesa da dignidade humana. Buscar desenvolver na cotidianidade gestos e praticas com vistas à superação de todas as formas de violências é uma tarefa que compete a cada um de nós no lugar onde desenvolvemos nossas atividades diárias. Trata-se na verdade de uma reeducação para uma cultura de paz, fruto da justiça e da igualdade entre os humanos em suas relações e nas relações com o meio onde vivem.

O senso comum diz que religião e política não se discutem. Pelo contrário, precisamos refletir sobre a relação entre violência e política e, por outro lado, entre estas e a religião. Um simples olhar sobre a história da humanidade evidenciará a simbiose existente entre política, religião e violência. Gostemos ou não, política, violência e religião entrelaçam-se nas mais diversificadas esferas da vida e da atividade humana. Em determinadas circunstâncias, de tal modo essas realidades estão entrelaçadas que torna-se difícil distingui-las.



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