Sumário prólogo capítulo



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Patrick Ericson

O SÍMBOLO SECRETO


Tradução

Mirian Ibañez

2ª. Edição

Janeiro-2010

Geração Editorial
SUMÁRIO
PRÓLOGO

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19



Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45

Capítulo 46

Capítulo 47

Capítulo 48

Capítulo 49
Prólogo
Iacobus olhou para trás, diante da necessidade de escapar de seus perseguidores, que aceleravam o passo com a intenção de dar a volta nas construções e cercá-lo, antes que alcançasse a porta de entrada principal e se abrigasse na imunidade outorgada pela religio­sidade do santuário. Sabia muito bem qual era o castigo reservado a quem desobedecia aos preceitos da loja. Só de pensar, sentiu o sangue congelar nas veias. Tanto foi assim que, ao perceber a luz das lanter­nas, à direita e à esquerda dos muros da catedral, não teve mais remé­dio senão buscar amparo no pórtico chamado de os Apóstolos1.

Ali se encolheu, na esperança de desaparecer, de fundir-se aos ícones ocultos atrás das sombras da noite. Olhou para o céu. O fulgor das es­trelas lhe falou dessa magia imortal que alçava seu ofício acima da ignorância comum das pessoas e imediatamente compreendeu que havia sido um estúpido ao pretender memorizar o mistério dos templos, para depois deixar um legado à humanidade. De nada lhe serviu lamentar-se. A sorte estava lançada e ele teria de pagar caro por seu erro.

Não havia tempo a perder. Pegou a talhadeira e o pequeno marte­lo que guardava na bolsa e, rapidamente, gravou suas iniciais na par­te inferior da porta, esperando que as gerações vindouras pudessem compreender a mensagem de angústia que tentava transmitir.

Em seguida, ao perceber que seu esconderijo não o privaria do castigo e que seria impossível chegar até a capela da virgem templária, tratou de fugir até o rio — sua última esperança.

Vários de seus companheiros o seguiram, rodeando-o como a um animal ferido a quem desejavam matar, com o intuito de evitar que sofresse mais ainda. Permaneceram em silêncio, observando com fir­meza o homem que os havia traído ao anotar, às escondidas, os co­nhecimentos dos Filhos da Viúva. Iacobus percebeu, nos rostos deles, a condenação. Sentiam-se enganados. Ele os decepcionara.

O mais velho, que vestia uma túnica púrpura e uma capa de veludo azul, se aproximou; as cores do cobre e do ferro com que é forjado o compasso do maçom. Era o Mestre de Obras.

— Dize-nos... Onde tu o escondeste? — perguntou, com voz gra­ve, o que se chamava Justo Bravo.

Iacobus de Cartago se surpreendeu com sua própria valentia ao negar com a cabeça, respirando apressadamente enquanto tratava de tomar fôlego, de adquirir forças diante da letal ameaça que pairava sobre ele.

— Não preciso dizer-te qual é a decisão da irmandade em relação aos traidores — recordou. Se continuas com essa atitude, eu me verei obri­gado a consumar o castigo que aguarda a quem quebra o juramento.

Justo falava sério. Cumpriria o prometido, apesar da amizade de anos que existia entre ambos os pedreiros.

— Tomei uma decisão e não pretendo retratar-me — ousou dizer Cartago, mesmo sabendo que, ao fazê-lo, assinava a própria sentença de morte. — Creio que nos apossamos de um direito que pertence a todos e já é hora de que o homem compreenda a importância de decifrar o segredo da Sabedoria, o poder dos templos perdidos e o mistério que envolve a obra dos antigos mestres. O Trono de Deus não é apenas um símbolo celestial privativo do bispo, também pertence ao povo. Não podemos continuar ocultando a verdade deles.

— Assim tem sido há milhares de anos e assim deve continuar, até que a humanidade esteja preparada para escutar a voz do grande Arquiteto. Nenhum de nós deve romper o elo que nos une à tradição.

Sem poder evitar, Iacobus começou a rir. Achou graça que se falasse em elos, sobretudo depois de ter cinzelado, durante meses, os enormes elos de pedra que pendiam da parte alta da capela octogonal, ainda em construção, façanha que foi elogiada pelo próprio Pedro Fajardo, marquês dos Vélez.

— Sabias que um dos elos da cadeia está rachado de um lado a outro? — perguntou a seu antigo mestre. — Eu mesmo o danifiquei, porque a tradição deve cessar.

Justo Bravo se virou para ver a resposta dos demais membros da loja. Na expressão rigorosa de seus companheiros, reconheceu a necessi­dade de pôr fim ao desenfreado esforço de Iacobus. Os pedreiros, em uníssono, gritaram a máxima da irmandade:

— Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada do que fazem na loja! Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada do que fazem na loja! — vociferavam, ao mesmo tempo em que estreitavam o círculo ao redor do traidor.

Antes que todos caíssem sobre o artista e o assassinassem com suas próprias mãos, pois os ânimos exaltados dos congregados significa­vam uma ameaça de morte, mestre Justo ordenou que o rebelde fosse conduzido à parte de trás da catedral, onde se localizavam as áreas reser­vadas ao descanso e reunião dos companheiros maçons. Pouco depois, amarrado a um poste do andaime que rodeava a capela em construção, foi açoitado pelo próprio Justo, diante do olhar complacente de todos os demais. Apesar do rigor do suplício, Iacobus resistia a dar a eles um motivo de prazer, afogando em silêncio os gritos de dor. Seus dentes rangiam às carícias do chicote, sem deixar escapar um só gemido. O corpo se arqueava para frente, a cada investida, flexionando a cabeça e as costas no momento em que sentia a pele se rasgar em farrapos san­guinolentos. E, mesmo assim, o castigo não conseguiu subjugar seu espírito nem fazer com que dissesse onde havia escondido o manuscrito da discórdia. A firme convicção que mantinha em suas ideias era maior que o propósito de salvar a própria vida.

Terminada a flagelação, e vendo que seu velho amigo era incapaz de reconhecer o absurdo de seu esforço, Justo Bravo ordenou que lhe trouxessem uma broca e também uma adaga bem afiada. Iacobus reagiu ao pedido do mestre tensionando os músculos do corpo, agora dilacerado pelas bolas pungentes do silício.

— Não me deixas alternativa — afirmou, com voz glacial, o res­ponsável pelas obras. — Já que decidiste esconder de nós o paradeiro de teus escritos, eu me vejo obrigado a cumprir fielmente o castigo que corresponde ao juramento da loja. Para garantir que tu não pos­sas recuperá-los sem a ajuda de alguém, se é que conseguisses sobre­viver, levarei o castigo mais longe.

Antes que o mestre cumprisse a promessa, Iacobus olhou para o alto, em direção à escura e eterna noite. As figuras que sustentavam e protegiam o escudo de armas dos Chacón y Fajardo, nascidas de sua imaginação de artista, o observavam com significativa tristeza. O guin­daste mecânico, os objetos do canteiro de obras, o andaime central, que serviria para construir a cúpula estrelada, lhe dera o último adeus, em absoluto silêncio. Apesar de tudo, sentia-se satisfeito. Jamais encoiay trariam seu testemunho.

Sem retardar mais a cruel sentença, Justo Bravo perfurou sem
piedade, os olhos do condenado, e, depois de lhe fazer um corte profundo no maxilar inferior, arrancou sua língua por baixo do queixo. Os gritos podiam ser ouvidos muito além dos bairros de ruas estreitas localizados do outro lado do rio.
Capítulo I
Seu espírito viajou do recôndito do quarto até as longínquas terras do norte. Viu-se a sobrevoar um mar imenso e escuro, salpicado por diversos pedaços de gelo, que balançavam de um lado ao outro, levados pelo movimento das ondas. Tentou lem­brar o que estava fazendo em uma região tão distante, um lugar onde era impossível que um homem pudesse sobreviver devido à tremen­da inclemência dos elementos, e foi quando se deu conta de que nem sequer recordava seu próprio nome, embora não lhe causasse ne­nhum conflito interior descobrir que carecia de personalidade. A única coisa que importava era ser testemunha do que iria acontecer.

O vento gemia ao seu redor. Revolto, o mar se agitava em altas ondas, como um deus imenso de espuma branca, ameaçando inun­dar o planeta. Na tênue obscuridade da noite, a pálida coloração dos pingos de gelo agora adquiria um tom azulado, devido à luminosida­de que fluía prodigamente da Lua cheia. Era um contraste de extra­ordinária beleza, em que se fundiam a coerência e a desordem. Nada era real, mas tudo parecia tão autêntico, tão vivo, que até seu espírito sentiu como se levantava o véu, etéreo e aparente, da pele, que apri­sionava seu corpo.

Não tardou a perceber que estava ali por uma razão especial: aguardar a chegada do colosso de gelo. Este não se fez esperar. A pro­fecia dos antigos se cumpriu, tal como era esperado. Ao longe, ocul­tando a linha variável do horizonte, golpeada com fúrias pelas ondas de um mar gélido e sombrio, se elevava o maior e mais volumoso iceberg que ninguém jamais fora capaz de imaginar.

Flutuava sobre as águas, com seus gigantescos picos apontados para o céu, à semelhança da torre de uma enorme catedral gótica de pilares brancos. Ia à deriva, sem rumo fixo, à mercê da corrente marinha.

Seria inútil tentar descrever suas proporções. Somente na imaginação febril de um louco poderia se desenvolver um pesadelo semelhante.

Foi então que, das alturas, percebeu a sombra que se insinuava abaixo dos limites que formavam o contorno do iceberg. Era a parte oculta do maciço glacial, dez vezes maior que a área descoberta. Seu espírito se viu, subitamente, lançado para baixo, atravessando a fria massa de água que, agora, depois de sofrer uma transformação, pare­cia plácida e amarelada como um deserto de areia. Sentiu, de impro­viso, um vazio profundo no estômago. A grandiosidade do bloco de gelo, submerso na imensidão do mar, era um espetáculo inimaginá­vel; algo assim como estar na presença de Deus-todo-poderoso.

E foi aqui que a imagem daquele colosso conseguiu fazer com que voltasse à realidade, despertando entre gritos de puro terror.

Quando abriu os olhos e descobriu, aliviado, que tudo havia sido um sonho mau, respirou profundamente antes de acender a luz do quarto. Em seguida, olhou para o despertador. Eram, ainda, quatro e meia da madrugada.

Decidiu levantar-se para ir ao banheiro, ao mesmo tempo em que pensava: "a próstata protesta", referindo-se a essa maldição que se arrastava havia meses e que o obrigava a urinar os vários gim-tônicas que costumava saborear todas as noites, depois do trabalho. Quando voltou ao quarto, viu sobre o criado-mudo um livro cujo título parecia ter certa relação com o seu sonho. Tratava-se de Nas Montanhas da Loucura.

— Ninguém, além de você, é capaz de ler Lovecraft antes de dormir — disse em voz alta, apesar de estar sozinho no apartamento.

Nesse preciso instante, o telefone tocou. Não intuiu nada de bom, pois era a primeira vez, desde que se mudara para Madri, que era incomodado em horas tão tardias da madrugada. Foi um mau pres­ságio do que haveria de acontecer. Atendeu, não sem certa apreensão.

— Quem é? — perguntou com apatia, enquanto tratava de colocar a mente em ordem.



  • Leo, sou eu... Cláudia. — respondeu uma conhecida voz de mulher.

  • Cláudia... — repetiu inconscientemente. Aconteceu algo com você?

— Fique tranquilo, estou bem. Lamento despertá-lo a essas horas, mas o que tenho a lhe dizer não pode esperar mais.

Leonardo sentou-se na beirada da cama, preparando-se para o pior. A voz de Cláudia deixava entrever certa desgraça que devia afe­tá-lo pessoalmente, já que parecia estar prestes a chorar. A primeira coisa em que pensou é que talvez houvessem roubado alguns dos li­vros que seriam leiloados dentro de alguns dias, entre os quais se encontrava um incunábulo de grande valor econômico e artístico.

— Diga logo... — pediu em tom urgente. — Estou escutando você.

— Balboa morreu — disse ela, com pronúncia entrecortada. — A polícia encontrou o cadáver na casa dele há algumas horas. Foi assassinado.

— O que você está dizendo?

— Você ouviu bem; não me faça repetir. Cláudia começou a cho­rar, desmoronando, presa do nervosismo.

Leonardo ficou gelado. Sentiu um nó no estômago. Jamais poderia pensar que um indivíduo como Jorge Balboa, alguém que se importava somente com livros, poderia ser vítima da violência inescrupulosa de assaltantes. Não; claro que não; aquilo não fazia sentido em seu estilo de vida.



Capítulo 2


Ninguém poderia acreditar em uma coisa daquelas, mas, não obstante, ali estava o ataúde, coberto de flores para desconsolo de todos.

Uma vez terminada a discreta e solene oração do sacerdote, a caixa alongada de cor castanha foi introduzida no nicho do mausoléu, graças ao esforço conjunto dos coveiros.

Tudo parecia estar concluído, segundo os ritos do sepultamento. E, no entanto, havia apenas começado. Leonardo Cárdenas parecia ausente. A morte de Jorge o afetara mais do que podia ter imaginado, da mesma forma que ao restante de seus companheiros. Não fazia nem uma semana que haviam comido juntos no restaurante do Hotel Wellington, onde conversaram sobre as vantagens de veranear na Espanha e não nos tradicionais destinos estrangeiros; estes eram próprios de gente comum, em busca de aventuras não relevantes, que valorizava mais a diversão que o conhecimento.

Lembrou, então, o interesse que o paleógrafo demonstrara ao confessar seu grande achado, em Toledo. Pelo visto, aproveitando que o salão de leilões fechava durante todo o mês de agosto e parte de setembro, havia se deslocado até a legendária cidade das três culturas, com a finalidade de ajudar a família Fajardo — à qual pertenciam antigos sócios de seu pai — a avaliar, liquidar e repartir uma herança baseada em uns cem textos e manuscritos que datavam dos séculos XV e XVI. Jorge amava intensamente seu trabalho, de maneira que sua vida girava em torno dos livros, especialmente se eram escritos em caligrafia medieval. Embora lhe restassem ainda uns dias de fé­rias, decidiu ajudá-los, sem pensar duas vezes. Sua viagem foi muito frutífera, pois não apenas conseguiu que lhe pagassem seus honorários com uma edição de Dom Quixote, de 1697, impressa em Amberes, e com dezesseis imagens de cobre de Fred Bouttons, como trouxe consigo um volume de papel escrito em linguagem codificada — que pagou do próprio bolso —, para estudá-lo detalhadamente e, assim, ampliar a coleção privada de textos únicos que abarrotava as prateleiras de sua imensa biblioteca.

Jamais poderia ter imaginado que aquela seria sua última aquisição.

— Você está bem?

A voz de Mercedes Dussac, diretora da casa de leilões Hiperión, soou para recordar-lhe os inconvenientes da vida. Ela o fitava com olhos avermelhados, por causa da suposta dor que sentia pela perda de Jorge. A não ser pelo fato de as lágrimas daquela mulher altaneira ter destruído sua forma de pintar os olhos, o que a tornava mais humana, talvez tivesse respondido algo de que depois teria de se arrepender.

Melele, como costumavam chamá-la seus amigos mais íntimos, era uma hipócrita sem alma, a quem somente importava o volume das vendas das obras leiloadas.

— Preciso de um uísque. Leonardo foi sucinto em sua fria resposta.

— Tudo bem. Eu o convido a tomar um trago, desde que me acompanhe até o escritório. Ela, em um raro gesto de solidariedade, deu o braço a seu empregado. Tenho de conversar com você sobre um assunto que me preocupa.

Cláudia — a companheira sentimental de Leonardo —, que falava em voz baixa com a secretária da diretoria, lhe dirigiu um olhar fulminante ao perceber que ele estava prestes a ir embora com Mercedes sem sequer se despedir dos colegas de trabalho que vieram ao funeral. Mas o que lhe doeu mais foi ver como o encontro que tinham marcado, para jantar naquela noite, poderia gorar se a executiva decidisse pressioná-lo para adiantar a catalogação dos livros que seriam leiloados na próxima segunda-feira.

Leonardo, pressentindo a reprovação de sua amiga íntima, voltou-se dissimuladamente para dar de ombros, esperando que ela fosse ca­paz de entender que acompanhar a senhorita Dussac não era um privilégio, mas um castigo de Deus.

Quando já estavam fora do cemitério da Almudena, o chofer de Mercedes se adiantou para abrir-lhes a porta traseira do Jaguar.

Leonardo pensou que exibir-se em condições de alto nível, numa ce­rimônia religiosa com aquelas características, era improcedente e que melhor teria sido ir de táxi, com os demais. Apesar de tudo, deixou-se cair no assento macio do luxuoso veículo, sem nenhum tipo de escrúpulo.

Durante o tempo que levaram para chegar à sede da Hiperión, situada no bairro de Salamanca, mantiveram-se distantes um do outro, cada qual submerso na insondável profundidade de seus pensamentos. Leonardo agradeceu o fato de a diretora manter-se em silêncio, pois ela jamais gozou de sua simpatia. Mais ainda, pensando friamente, perguntou-se que diabos estava fazendo naquele carro importado, se haviam conversado apenas um par de vezes, fora do trabalho. Mas antes que pudesse responder à própria pergunta, o automóvel desceu a rampa de entrada, em direção ao subterrâneo onde se alinhavam as diversas vagas da garagem. A de Mercedes ficava próxima aos elevadores, talvez para evitar que a incomodassem quando subia para os escritórios.

Minutos depois, prolongando o prurido do silêncio, chegaram ao amplo gabinete da diretora. Leonardo continuava se perguntando por que ela o havia escolhido e não um de seus assessores — como bem poderia ser o caso de Nicolas Colmenares, advogado da empresa —, para acompanhá-la de volta à casa de leilões.

— Por favor, sente-se — ela ordenou, com o rigor que a caracte­rizava, enquanto se dirigia ao móvel que guardava as bebidas, com o objetivo de cumprir sua promessa.



Leonardo procurou imaginar qual seria o motivo de sua presença ali na empresa, quando todos haviam sido liberados de suas obriga­ções profissionais para ir ao funeral. E a única coisa, mais ou menos coerente, que lhe veio à cabeça foi que quisesse flertar com ele, atitude inconcebível para uma criatura tão fria como a senhorita Dussac; incapaz de sentir carinho por alguém, se não houvesse um espelho no meio. Ela, na realidade, amava a si mesma. Além disso, seria um gesto descabido, em razão das dolorosas circunstâncias. Afinal de contas, vinham de um enterro.

  • Vou lhe confiar um segredo, que espero que você saiba manter com discrição. Ela lhe estendeu o copo de uísque, enquanto se senta­va em sua mesa de trabalho.

  • Não estou certo de ser a pessoa adequada ao que procura. Odeio os compromissos — respondeu, com voz baixa.

Bebeu um grande gole, tentando abreviar ao máximo a entrevista. Precisava recuperar sua vida pessoal; voltar a encontrar-se com Cláudia.

— Jorge o apreciava, mais que a ninguém — a diretora lhe disse. Essa é uma das razões pelas quais você está aqui.

— Se você me fez vir aqui só para dizer isso, podia ter se poupado. Estranhou a atitude dela. Mercedes era muito mais inteligente.

— Há algo mais, porém, antes você tem de prometer que não vai revelar a ninguém o que vou lhe dizer.

Leonardo afirmou com um gesto de cabeça, levantando ligeiramente o copo. Deu a entender que ela poderia confiar falando em confiança.


  • Esta manhã, a polícia me procurou... — confessou... Depois, franziu a testa. — Os investigadores me fizeram uma série de per­guntas referentes à conduta de Jorge durante os últimos dias. Você já sabe que ele andava se comportando de maneira muito diferente da de hábito... Quais eram suas amizades... Se havia estado no estrangeiro ultimamente... — estava um pouco ofegante — ... enfim, você sabe, um interrogatório básico.

  • Você pensa que ele estava envolvido em alguma coisa suja, talvez na venda ilícita de livros antigos, para destinos estrangeiros?

  • Não creio que os policiais estejam nessa linha de investigação. Sua morte mais parece estar relacionada com algum tipo de cerimô­nia tribal ou rito satânico.

- Está brincando? — ele inquiriu, com acentuado ceticismo. É bom lembrar que estamos falando de Balboa, alguém cujos únicos demônios eram o Lepisma Sacharina2.

  • Você não diria isso se conhecesse os detalhes da morte dele — disse, ao reprovar a atitude brincalhona dele, olhando-o com visível frieza; era, aliás, uma atitude clássica de Mercedes, principalmente quando alguém se esforçava em fazer graça com assuntos importantes. Tenho de admitir que o relato da polícia foi, realmente, estarrecedor.

Foi naquele instante que ele se deu conta do pouco que sabia a respeito. Tanto ele como Cláudia, e o resto de seus companheiros, estavam convencidos de que Jorge havia sido vítima da violência ur­bana. Pelo visto, estavam equivocados.

— Você deveria me contar o que sabe. Será mais fácil, para mim, fazer uma ideia do que aconteceu, se souber detalhes... Não acredita? — depositou o copo sobre a mesa e continuou. — Corrija-me se eu estiver errado, mas creio que é esse o motivo por que estou aqui.

A diretora torceu o nariz e se viu obrigada a continuar. Não faria sentido prolongar por mais tempo seu silêncio. Mas, antes, o desafiou com uma nova pergunta.


  • Você conhece alguma seita ou organização esotérica chamada Os Filhos da Viúva?

  • Não... creio que não — ele respondeu, depois de refletir por alguns segundos e pestanejar, perplexo. — O certo é que jamais me preocupei com pessoas desse tipo, nem me interessam seus credos e religiões. Sou cético — admitiu, mas sentiu curiosidade e perguntou: Balboa se relacionava com essa gente?

  • Não saberia dizer, com segurança — confessou Melele, conti­nuando —, mas foram eles que lhe arrancaram a língua por baixo do queixo, depois de fazer um corte profundo perto da garganta. Morreu sangrando... — ela se deteve alguns segundos, antes de prosseguir. O mais horripilante do caso foi a atroz sentença que escreveram na sala com o próprio sangue de Jorge: "Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada do que fazem na loja".

Leonardo demorou a assimilar as palavras da diretora. Um vazio especulativo se apoderou de seus pensamentos e, por isso, tornou-se incapaz de reagir por alguns segundos. Tudo aquilo lhe parecia ab­surdo e ridículo. Sem dúvida, porém, a senhorita Dussac não estava brincando. Jorge tinha sido morto pelas mãos de uns fanáticos cuja finalidade era desconhecida. Não se tratava de uma suposição, mas sim da mais absoluta realidade.

  • É horrível... — sussurrou impressionado. — Jamais pensei que algo assim pudesse acontecer a Balboa. Esse homem não representava nenhum perigo a ninguém.

  • Isso não podemos assegurar — os olhos de Mercedes sonda­ram o bibliotecário, expectantes.

— O que você quer dizer? — ele perguntou, inquieto. Estava surpreso com a natureza enigmática do comentário.

— Jorge e eu éramos muito amigos — ela deixou escapar, como um sussurro apenas audível. — Éramos amigos íntimos... Compreende?

Leonardo teve de admitir que a atrevida franqueza da senhorita Dussac o confundiu, ainda que logo tenha reconhecido que vários de­talhes agora começavam a fazer sentido. As lágrimas derramadas no funeral, seu traje de paletó e saia de cor negra não eram de fachada, mas sim reflexo da autêntica dor que sentia pela perda de um ser querido.

Apesar de tudo, permaneceu impassível, devido à estrita situação de confidencialidade. Rir debaixo de seu nariz teria sido uma descor­tesia. Mesmo assim, não deixava de ser divertido imaginar o desgre­nhado e distraído paleógrafo fazendo amor com uma criatura elitista como Mercedes.

— Sei que ele esteve alguns dias em Toledo, trabalhando para uns amigos de seu pai — continuou a diretora. — Ele me contou que havia trazido consigo um antigo documento, que datava do começo do século XVI. Sua surpresa, ao tentar traduzi-lo, foi que as frases eram compostas por letras gregas, latinas e números. Era uma men­sagem codificada. Por isso, ultimamente estava chegando tarde ao trabalho. Passava noites inteiras tentando decifrar o significado ocul­to daquele texto.

Leonardo teve de reconhecer que era verdade. De uns dias para cá, aquele que virou defunto parecia viver isolado do resto do mundo. Não se comunicava com ninguém, desde que retornara ao trabalho, depois das férias. Sua última refeição, juntos, no Wellington, foi mui­to mais sonífera do que de outras vezes. A única coisa que parecia importante para Balboa era o fato de ter encontrado, em Toledo, um texto que despertou seu máximo interesse e pelo qual chegou a desembolsar seiscentos euros.



  • Ele me contou algo — admitiu Leonardo, sendo também sin­cero. — Entretanto, não dei tanta importância ao documento. Não acreditei que tivesse algum interesse verdadeiro, do ponto de vista comercial.

  • Há algo que eu não disse à polícia, justamente o fato de que Jorge me chamou na tarde de sua morte, dizendo que havia termina­do a tradução e decifrado a mensagem — ela nem sequer pestanejou ao admitir o que podia ser considerado pela justiça como um delito de omissão. Ele me contou que se tratava de uma carta escrita por um mestre pedreiro, na qual explicava como chegar até um diário em cujas páginas estavam ocultos os maiores mistérios da humanidade. Eu lhe disse que queria ir até sua casa, pois precisava ver o que havia feito com que se afastasse de seu trabalho e que estava a ponto de ser o pivô do rompimento da nossa relação. Ele respondeu que não seria necessário, pois acabara de me enviar uma cópia do texto, via correio eletrônico.

  • Você tem uma cópia do manuscrito? — Leonardo se mexeu, inquieto, na cadeira, pegando de novo o copo de uísque para terminar de beber de um só gole.

  • Sim, em meu computador. Achei prudente não imprimir nem fazer cópias. Embora dê na mesma. Ele enviou sem decifrar. De nada nos serve o texto se não temos a chave.

  • Você está falando no plural, se não me engano... — Aquilo era um presságio de sua implicação no assunto.

  • Certo — disse, de maneira glacial. — Por isso pedi que me acompanhasse. Ele também enviou um e-mail a você... Ao ver a expressão de surpresa de Leonardo, decidiu continuar. — Mas isso não é tudo. Seus agressores se desfizeram do manuscrito original antes de abandonar o apartamento, o que complica ainda mais o mistério em torno do assassinato do Jorge.

Leonardo fez uma careta.

  • Como pode estar tão certa de que realmente fizeram isso? — perguntou, em seguida. — Quero dizer... Como é possível que saiba algo assim?

  • Porque a polícia me perguntou se ele tinha o costume de quei­mar seus documentos. Quando lhes disse que não, limitaram-se a aceitar, sem me dar mais explicações. E olhe que eu insisti... Sabe de uma coisa, Leo? — seu corpo começou a tremer inesperadamente — ... Estou tão assustada, que não sei o que pensar.

O bibliotecário sentiu algo semelhante. Sua preocupação parecia incompreensível. Mas estava ali. Latente.

  • Se o que a preocupa é a cópia enviada, basta apagar do arquivo.

  • Assim fácil...? Não, não creio que esses fanáticos tenham es­quecido de investigar a vida privada do Jorge! — disse em voz mais alta, deixando-se levar pela angustia. — Eles devem saber que existo, e que provavelmente compartilhávamos algo mais do que bons mo­mentos de cama... — revirou os olhos, imaginando cenas tórridas. Não! Eles têm razões de sobra para pensar que posso ter uma cópia. Se esse manuscrito é a razão de sua morte, então esses malditos virão atrás de mim.

Leonardo Cardenas teve de reconhecer que existiam, sim, motivos para se preocupar, caso o relato de Mercedes fosse exato. Se o assassino ou os assassinos de Jorge foram capazes de arrancar a língua dele, para evitar que falasse, tanto ele como a diretora certamente também corriam perigo; e tudo por causa de um texto medieval que nem sequer haviam tido a oportunidade de ler.

  • Posso dar uma olhada? — virou a cabeça na direção do moni­tor que havia sobre a mesa do escritório, à sua esquerda. Perplexa, ela arqueou suas finas e bem proporcionadas sobrancelhas.

  • Agora? — perguntou.

Ele consultou seu relógio. Eram seis e quinze e ele havia combinado encontro com Cláudia para as oito e meia da noite. Tinha tempo mais que suficiente.

  • Sim, agora.

  • Pode ser que tenha razão — afirmou Mercedes, e em seguida ligou o interruptor do PC. Como dizem na Espanha, "há que pegar o touro pelos chifres".

Imediatamente escutaram um ruído metálico na recepção, que não apenas os deixou em estado de alerta, como também com o co­ração na mão. Leonardo, rápido, foi até a porta que se comunicava com o vestíbulo. Observou a área externa para comprovar, com segu­rança, se havia alguém nos escritórios, mas não viu nada de estranho e logo tratou de tranquilizar Mercedes. Ambos riram ao mesmo tem­po, um tanto alvoroçados. Naquelas circunstâncias, até as estantes repletas de livros antigos pareciam ter vida própria. Era uma sensa­ção semelhante à de estarem sendo vigiados por mil olhos.

Assim que entrou em seu correio eletrônico, a diretora procurou os últimos e-mails recebidos. Encontrou o que buscava entre os que haviam chegado no dia anterior. Em seguida, abriu o documento anexo.

—Aqui está... — levantou-se, para dar o lugar ao bibliotecário. Mesmo que não nos sirva para nada, se não podemos compreender seu significado.

Depois de inverter posições, Leonardo enfrentou o enigma, mes­mo sabendo que as probabilidades de interpretar o texto, sem a ajuda de um programa decodificador, seriam tão ínfimas como tropeçar em um exemplar da Vulgata3 em um leilão beneficente de bairro. Mas, mesmo assim, esmerou-se em encontrar uma lógica naquela maldita confusão. Para aumentar a dificuldade, tratava-se de uma escritura gótica, própria da época:






Depois de examinar o texto durante alguns minutos, Leonardo foi obrigado a lhe dar razão a ela, pois era impossível decifrá-lo sem se debruçar sobre ele, estudando-o por várias semanas. Jorge era espe­cialista em paleografia e deveria saber algo sobre linguagem criptográ­fica, pois fora capaz de resolver aquele enigma em tão pouco tempo. Mas agora estava morto.

—É inútil — reconheceu, depois de um certo tempo, com voz rou­ca, dando-se por vencido. — Não tem sentido interpretar um texto que parece incoerente, seja qual for o ângulo que o observemos.



A diretora balançou a cabeça.

  • A menos que encontremos a maneira de traduzi-lo — acres­centou, segura de si. — Se Jorge conseguiu, nós também podemos!

  • Você, melhor que ninguém, deveria saber que tempo é a única coisa que não me sobra. Ainda tenho de catalogar os livros que serão leiloados dentro de alguns dias — ele recordou, com certo fastio, o trabalho que ainda restava a fazer.

  • Eu sei. Por isso mesmo pensei que deveria contratar alguém que substitua você por um certo período... — ela fez uma breve pausa. — Enquanto isso, você continuará na folha de pagamento, recebendo o salário estipulado no contrato... — olhou com uma expressão de súplica. — Por favor, é preciso que você aceite! Pense que nossas vidas dependem do que está escrito nesse documento. Leonardo, indeciso, respirou fundo.

  • Você considerou a possibilidade de contar tudo isso à polícia? Seria o mais sensato!

  • Mas não... De jeito nenhum...! — ela exclamou, repentinamente alterada e deixando-se levar por sua tendência francesa. — Não posso dizer aos policiais, agora, que lhes ocultei informação, pelo menos até que tenhamos algo a lhes oferecer. Também não estou disposta a con­sentir que a memória de Jorge caia na sarjeta. Não gostaria de vê-lo crucificado sem razão, agora que não pode se defender; por isso, preci­so saber no que estava realmente metido, ou se a causa de sua morte foi apenas uma casualidade... — seu rosto ficou abatido. — Eu, mais que ninguém, quero saber a verdade — concluiu.

Leonardo não achou nada divertido ver-se envolvido em um as­sassinato e, muito menos, que pudesse ser considerado cúmplice da­quela mulher já não tão fria como imaginava e que poderia complicar sua vida por causa de uns escrúpulos que beiravam o sentimentalismo. Se Balboa fosse culpado de algum crime, cabia à polícia realizar as in­vestigações, e não a eles, que assim estariam colocando em risco sua carreira e liberdade.

  • Se eu aceitar sua oferta, você terá de me prometer duas coisas... — uma careta furtiva passou por seu semblante. — Primeiro, que assumirá a responsabilidade e me cobrirá no caso de haver com­plicações e de termos problemas com a lei... Compreendeu? — Ela confirmou com a cabeça. — Segundo, que você arcará com todos os custos desta aventura... — deu de ombros, esboçando um sorriso cáustico. — Meu salário não daria para cobri-las.

  • Terá todo apoio necessário. Não pouparei gastos... Mas você terá de começar esta noite mesmo. Quero que investigue a fundo esse manuscrito e que trate de decifrá-lo. Preciso saber o que diz.

Ela se levantou, sinalizando que a conversa havia terminado. Leo­nardo percebeu, então, que ainda estava ocupando a cadeira da diretora e se ergueu, sem perda de tempo, para lhe devolver seu posto de trabalho. Era algo íntimo e pessoal demais, sobretudo levando em consideração que no escritório havia algumas fotografias de família enquadradas e várias cartas fechadas de diversas instituições bancárias.

— É melhor que eu vá — disse em voz baixa. — Vou mantê-la informada.

Mercedes concordou, em silêncio, apertando os lábios em um mal disfarçado sinal de aflição. Mas, naquele instante, permitiu-se dizer com suavidade:

—Grata por tudo, Leo... — e lhe estendeu a mão. — Grata por ter-me escutado e por sua discrição a respeito da amizade especial que me unia a Jorge.

E o bibliotecário retribuiu, estreitando a mão que ela oferecia, convencido de que suas últimas palavras eram uma clara advertên­cia. Falar além da conta significaria ficar à margem de tudo, perdendo, inclusive, seu emprego na casa de leilões. Mercedes tinha dinheiro de sobra. Podia arcar com os custos de uma demissão sem justa causa, num abrir e fechar de olhos.


  • Você poderia chamar um táxi para mim? — perguntou Leo­nardo, antes de sair.

  • Não é preciso. Javier espera você no estacionamento. — Javier era o motorista particular dela. — Dê a ele seu endereço, que o deixará em casa. É o mínimo que posso fazer, depois de roubar o seu tempo.

Após se despedir, ele se dirigiu à porta, para ir embora. A mulher precisava entregar-se à dor e chorar em paz sua perda. E isso foi mesmo o que ela fez, assim que ficou sozinha com suas recordações.

Uma sombra deslizou rapidamente até o gabinete ao lado, maldi­zendo sua falta de cuidado por um erro que quase a delatou, ao tropeçar na escuridão, batendo no arquivo que havia perto da porta. Então, depois de esperar que o bibliotecário fosse embora, com uma mistura de entusiasmo e excitação, alcançou o corredor do vestíbulo, antes que alguém desse por sua presença nos escritórios. Assim que se viu fora da empresa de leilões, desceu pelas escadas de emergência até a saída principal do edifício. Não encontrou ninguém na entrada, nem sequer o recepcionista. Sem perder mais tempo, saiu à rua e foi até onde havia estacionado o carro. Tirou o telefone celular do bolso e procurou ansiosamente na agenda o nome de Sholomo.

Pouco depois falava com a pessoa que respondia por aquele apelido.

— Sholomo? — perguntou, ao ouvir uma voz do outro lado. — Sou Azogue. Escute o que tenho a lhe dizer...

"Por que para mim...? Por que enviar-me uma cópia do escrito, se Jor­ge era tão reservado? O simples fato de que trabalhávamos juntos não era razão suficiente para crer que houvesse total confiança entre nós. Se assim fosse, ele teria me contado seu caso com Mercedes — Leonardo repassava, rápido e mentalmente, o fato, refletindo com a maior since­ridade possível, enquanto as luzes dos faróis iluminavam fugazmente o interior do luxuoso automóvel ao passar pela Rua Alcalá. Reconheço que, de seus colegas, eu era o que passava mais tempo com ele. E é certo que admirava seu trabalho como paleógrafo, de fato fantástico, e tam­bém seus livros, publicados em todo o mundo... Alguns deles eram, realmente, interessantes. Mas há uma grande diferença entre compartilhar um trabalho rotineiro e conhecer sua vida privada. Balboa podia parecer estúpido, por sua maneira de vestir-se e comportar-se, mas sua massa cinzenta funcionava melhor que a de nós todos juntos... Tem de existir um motivo pelo qual ele quis me envolver nisso!"

Os pneus do Jaguar cantaram ao fazer a curva, na fonte Cibeles. Ele não teve saída senão segurar-se no apoio da porta, para não se deixar levar pelo incômodo efeito da gravidade. Javier olhou pelo espelho retrovisor. Sorrir foi sua melhor forma de pedir desculpas.

— Sinto muito, senhor — disse-lhe em calculado tom neutro. — Às vezes é impossível resistir ao encanto da máquina. — Por um momento esqueci que estava aí atrás!

Leonardo aceitou as desculpas com um gesto conciliador de mão, mas lhe recordou — com todas as letras — que não tinha nenhuma pressa de chegar em casa.



  • Foi um dia difícil, não é mesmo? — o motorista, agradecido pela tolerância que o bibliotecário demonstrara, quis puxar conver­sa, para sentir-se mais à vontade.

  • Perder um amigo sempre é...

  • Eu que o diga! — afirmou, o outro, categórico. — Em minha profissão, são muitos os amigos que morreram na estrada. A maior parte das vezes é por culpa de seus chefes, que os obrigam a pisar no acelerador, porque sempre estão atrasados para seus compromissos. E é pior ainda se falarmos, nos que levam cargas, atuando na área de transportes... O índice de mortalidade é cada vez maior. Sem ir mais longe, outro dia um companheiro me contou que...

Leonardo fechou os olhos, esquecendo por um instante o jovem ao volante, que parecia divertir-se recordando os acontecimentos mais escabrosos de sua carreira.

"Há algo que não se encaixa bem na história de Mercedes — pen­sou de novo, tentando recordar as palavras da arrogante diretora. Sua versão do interrogatório era muito rebuscada. Parecia o roteiro de um filme de segunda categoria. Por um lado, e me parece incrível que algo assim tenha ocorrido, a polícia havia contado a ela, sem mais nem menos, os detalhes de como assassinaram Balboa, incluindo até a máxima escrita na parede. Depois, recusam-se a continuar falando com ela, depois de lhe perguntar se a vítima tinha o costume de queimar seus papéis. Agir daquela maneira ia contra as diretrizes de uma investigação criminal que se prezasse. Era uma conduta absurda... Quem iria acreditar em uma coisa tão disparatada? E, mesmo que não tenham sido os policiais... Como é possível que Mercedes sou­besse com total exatidão o que aconteceu no apartamento de Jorge?"

Leonardo abriu os olhos, deixando de lado seus soturnos pensa­mentos. Se Mercedes estava lhe ocultando algo, cedo ou tarde acaba­ria sabendo. Por experiência própria, estava convencido de que a mentira tem pernas muito curtas.

Javier continuava falando sozinho quando o automóvel dobrou na Porta do Sol e seguiu pela Rua Carretas. Então, Leonardo decidiu retomar o fio da conversa, por deferência ao indivíduo que havia tido a incumbência de levá-lo


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