Um longo caminho foi percorrido até poder, ao fim de vários anos de procura contínua, concretizar teórica e práticamente a defesa deste trabalho.
Conforme foi sendo concebido, aprofundado e construído na sua parte prática, foi-se constituindo para mim num momento de referência organizada da minha vida, como homem e como profissional. Através dele obriguei-me frequentemente a rever, como que em rectrospectiva, muitas trocas de impressões, encorajamentos e incentivos que recebi nessa caminhada. Como resultado, e para além dos seus aspectos técnico / científicos, ele é para mim, e fundamentalmente, um testemunho visível da colaboração com esses outros que foram complementares de mim mesmo.
A qualidade dos conteúdos que mais me marcaram ao longo deste processo, e dos debates que mantive com muitos colegas de elevada craveira nas ciências psicológicas, que conheci e conheço dando o melhor das suas reflexões, académicos de excepção que souberam elevar os diálogos, anulando a esterilidade das ameaças ao conhecimento de cada um, essa qualidade dizia, e a sorte de ter sido eu a beneficiar dela, abriu-me um horizonte de reflexões que se espelha aqui; nesse espírito, cumpre-me prestar homenagem a alguns que já não estão comigo, e a outros com quem tive o privilégio de poder conferenciar. Partilho por isso, inteiramente neste momento, uma das ideias centrais desse que foi um dos nossos maiores filósofos, Agostinho da Silva; entendia Agostinho que era muito difícil provar que somos, realmente, os autores do que escrevemos, visto recebermos, mesmo sem disso estarmos conscientes, ideias provenientes de outras pessoas; para ele, ser alguém à custa dos outros seria fácil, ser ninguém é que seria muito difícil ! Exigiria para tal, um longo processo de desaprendizagem.
Não consigo mais “ desaprender ” e situar onde está a minha parte em tudo isto! ... Mas também não estou muito certo de a querer encontrar! O meu conhecimento é mesmo a alguma complementaridade de mim com os demais.
Por isso, o reconhecimento e a devolução que ora faço, é assim demasiadamente pequena para o muito que desses recebi, mesmo quando se tratou de um pequeno comentário, ou de algo, a favôr ou contrário, que na superficialidade das palavras, me remeteu e transportou para o mundo das reflexões.
Uma dívida especial tenho para com o meu Orientador, o Professor Doutor Óscar Gonçalves, que em tôdos os momentos difíceis que procurei não exteriorizar demasiado nem agigantar, e foram muitos, arriscou oferecer-me sempre uma atitude de suporte incondicional, reveladora de uma honestidade intelectual, conhecimento e generosidade próprias do Mestre, que cataliza e vigia o crescimento do seu educando, sem o mutilar.
Estou grato também à Universidade do Minho, por me ter dado a honra de vir ao seu espaço, debatê-lo e defendê-lo.
As palavras são poucas para um conjunto vasto de Professores, colegas e amigos, cujas disponibilidades me ensinaram sobre a solidariedade desmedida:
Dr. José Carlos de Almeida Gonçalves, sócio-honorário da Associação Portuguesa para Protecção aos Deficientes Autistas e seu primeiro Presidente, um dos Pais e técnico, que mais contribuiu para o autismo em Portugal, e a primeira pessoa a incentivar-me a estudar e a aprofundar as questões desta patologia;
Professor Doutor António St. Aubynn, pelos incomensuráveis apoios estatísticos e a paciência das longas horas de debate sobre as virtualidades e significado das curvas de aprendizagem que tivemos de interpretar; com ele, por difícil que pareça, aprendi a gostar de descobrir “a pessoa” por detrás da esterilidade dos números;
Dr. Adalberto Fernandes, Assessor do Secretário Nacional de Reabilitação; Dra. Irolinda Soares e Dra. Teresa Botelgho, pelas facilidades concedidas nos apoios que me permitiram deslocar ao estrangeiro, e discutir questões de pormenor desta Tese com especialistas de nomeada, em particular as Doutoras Dorothy Bishop e Francesca Happé, ilustres investigadoras nas Medical Research Units da Applied Psychology Unit de Cambridge e Cognitive Development Unit de Londres, respectivamente; a elas também o meu agradecimento;
Dr. Nuno Martins da Silva, ex-professor, cujos préstimos sempre estiveram disponíveis;
Dr. Joaquim Pimentel, antigo colega e amigo, em quem, a competência nas tecnologias da informática, fez ultrapassar muitos momentos de impasse que dificultavam a execução logística da mesma;
Dra. Sofia Sakellarides, pela inestimável parceria nas fases experimentais própriamente ditas.
Também aos participantes dos diversos grupos, cujos comportamentos deram aso à essência desta Tese, e me permitiram entendê-los melhor.
Ainda o amor, incentivos e a presença insubstituível da minha mulher, que dificilmente conseguirei repôr.
Uma palavra final deve dar testemunho ao motor invisível desta causa e que sempre me vem impulsionando: A minha filha, companheira inspiradora deste trajecto de vida e um referente intrínseco das minhas significações, em cuja alegria de viver, vi e aprendi melhor o respeito pela diferença e pelo sofrimento dos outros.
A todos eles um abraço de gratidão que não poderei pagar.
PRÓLOGO
“Há uma rapariga em Inglaterra chamada N., cuja excepcional capacidade para o desenho despertou a atenção dos psicólogos de todo o mundo. Os seus raros talentos que lhe permitiam desenhar como uma adolescente com jeito, começaram a evidenciar-se por volta dos três anos e meio de idade. Desenhava só com a mão esquerda e só com uma esferográfica. Os seus desenhos tinham por motivo figuras que tinha visto, sobretudo animais e seres humanos; estes desenhos eram de facto maravilhosos e ela executava-os com rapidez e destreza. A N. parecia gostar da actividade de desenhar, embora uma vez acabados os desenhos, habitualmente em menos de um minuto, não demonstrava qualquer interesse no seu aspecto final”, ( Tager-Flusberg, 1986, p. 69 ).
“A nossa última preocupação e não a menor, diz respeito ao futuro, depois de nós. Apesar de algumas aptidões que os seus educadores souberam pôr disponíveis de uma maneira magnífica, há duas noções que o nosso filho parece ter ainda muita dificuldade em dominar: Aquela que diz respeito ao tempo que passa, à escala das horas e minutos, daqueles minutos que ele perde diante do seu pequeno-almoço ou daqueles que ainda tem antes da partida do combóio, e a noção de propriedade, quer se trate de bens (jogos, vestuário) ou dinheiro; a nossa sociedade de consumo actual, tão moderna mas igualmente tão retardatária em matéria de apoio às deficiências, não perdoa estas lacunas. Poderemos nós, durante a nossa existência, encontrar-lhe um lugar onde ele possa viver com toda a dignidade e de onde possa eventualmente beneficiar de um local de trabalho, que o faça ser aceite? (...) Mesmo que haja ainda um conjunto enorme de problemas a resolver, devemos continuar a esperar, e a crer, que haverá sempre homens e mulheres de boa vontade, que aceitarão ajudar os nossos meninos crescidos” ( J.L.P., 1993, p. 21-22).
Explicar as competências de que são capazes, os seus talentos únicos, os seus modos muito particulares de se comportarem, ou compreender-lhes os seus excessos desviantes e arrasadores, em suma, ajudar estas pessoas, entendendo-as melhor e por isso agindo tecnicamente melhor, pressupõe um conhecimento que desde há cerca de cinquenta anos, resiste num labirinto fantástico de dúvidas e de alguma informação, e que nos desafia ainda hoje, a nós técnicos, e por isso às ciências comportamentais, sejam elas dos foros médico ou psicológico. Porque a compreensão do comportamento humano é sempre a razão última no campo da psicopatologia, é para mim um privilégio introduzir com este trabalho, a primeira investigação psicológica em Portugal sobre pessoas com Autismo (Sindroma de Kanner), uma perturbação enigmática que se torna numa grande tragédia para as crianças, adolescentes ou adultos afectados, e que consequentemente tem levado a um sofrimento sem medida para as suas famílias. Apesar de um mar imenso de ideias que diversos especialistas aventaram, infelizmente, não há ainda respostas definitivas sobre a natureza desta perturbação ( Jordan e Howlin , 1997 ).
O sentido é porém o de se perseverar.
Os últimos trinta anos viram um crescimento exponencial na investigação do autismo, sobretudo nos campos da biologia e da psicologia. Tem havido um reconhecimento mundial da perturbação, tanto em termos do seu diagnóstico diferencial, como em termos da aceitação de ser uma condição que requer uma actuação particular de cuidados assistenciais, educacionais e terapêuticos.
Ao nível das intervenções psicológicas destacam-se as concepções que relevam do paradigma da aprendizagem, sobretudo o modelo operante. As primeiras intervenções e análises nesta área, derivadas do trabalho de B. F. Skinner, demonstraram relações entre variáveis, que a serem usadas terapêuticamente e criteriosamente, permitiam actuar-se com uma maior probabilidade de eficácia.
C. B. Ferster, aluno de Skinner, e Miriam DeMyer, psiquiatra infantil, foram os primeiros a demonstrá-lo (Ferster & DeMyer, 1961; 1962). Pessoas com autismo então apoiadas, atingiram níveis de desempenho em diversas áreas funcionais, antes considerados impensáveis, beneficiando de uma maneira surpreendente do uso destes procedimentos.
Com o decorrer das investigações resultantes da sua aplicação, bem cedo se tornou evidente, que os princípios da aprendizagem no seu geral, no que respeita ao comportamento humano, não tinham tirado ainda tôdo o proveito do paradigma operante; ao contrário, desde essa data até à actualidade, o modelo Skinneriano, tem vindo a aplicar a sua análise a áreas desta patologia, e não só, tão complexas como as da comunicação, comportamento social, comportamentos de auto-mutilação e outras, tornando-se fortemente promissor de nos poder enriquecer futuramente.
Este trabalho ousa dar um passo modesto nesse sentido. Começando pela caracterização e definição diagnóstica do Sindroma de Kanner, assunto que tem levantado desde há anos, as maiores dificuldades aos clínicos e investigadores, faz a revisão da literatura fundamental dos modelos psicológicos de suporte, estabelecendo a ligação com os estudos sobre a responsividade das pessoas com autismo, aos estímulos sócio-relacionais ; é neste âmbito que sistematiza a problemática do conceito de “significado” intrínseco das estimulações que recaem sobre o organismo, desenvolvendo-o nos seus planos conceptual, no do processo de estabelecimento, no desenvolvimental, e, por último, no plano operacional.
A partir destas considerações são equacionadas hipóteses que se estudam, com relações implícitas que são testadas num aparelho concebido para o efeito, e através do qual, foram recolhidos os dados relativos aos desempenhos dos participantes.
O objectivo principal é o de estabelecer e defender a possibilidade teórica do Sindroma de Kanner, poder estar relacionado com uma disfunção de organização de processos de significação não-verbal, de onde resultariam, especula-se, as dificuldades dos desenvolvimentos sócio-afectivos, e portanto, todos os processos comunicacionais, caracterizados por uma tendência para a estereotipização de um leque restrito de comportamentos e interesses.
Movido pela dúvida constante, regrado pela modéstia e equilibrado na ambição, mas particularmente sensível à dor sofrida por tantas e tantas pessoas, crianças e adultos, que conheci e conheço envoltas definitivamente neste drama, por tudo isto me dediquei a escrever e defender esta Tese.
Oxalá ela possa ser útil.
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