E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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17. Epílogo: a ressurreição

Jesus pensava que o Reino de Deus estava prestes a chegar e os seus discípulos aceitaram a sua mensagem. Como acabei de sugerir, é possível que ele tenha morrido desiludido. Os seus discípulos, pensando, com razão, que seriam os próximos, esconderam-se. Algumas das seguidoras - que estavam seguras e, possivelmente, eram mais corajosas - assistiram à sua morte e viram como José de Arimateia sepultou o seu corpo. Suponho que, para além de terem medo que Caifás e Pila tos se virassem contra eles a seguir, os seguidores de Jesus ficaram todos desapontados. O Reino de Deus que estava prestes a chegar tinha soado tão bem! Os últimos seriam os primeiros, os mansos herdariam a terra. Estas expectativas não se cumpriram, pelo menos, não de uma maneira óbvia. O que aconteceu foi uma surpresa.

Segundo Mateus e Marcos, quando as mulheres regressaram ao túmulo, um dia e meio mais tarde, para ungirem o corpo de Jesus (ele morreu na sexta-feira e foi sepultado; eles regressaram no domingo de manhã), descobriram que o túmulo estava vazio. Segundo Mateus (sugerido também em Marcos), Jesus apareceu às mulheres e, mais tarde,

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aos discípulos na Galileia. I Em consequência disto, os discípulos reuniram-se em Jerusalém, a fim de esperarem pelo seu regresso, que aguardavam para breve. Isto é, eles não abandonaram a ideia de que o Reino viria; agora, esperavam que Jesus regressasse dos céus para o estabelecer.



Em rigor, a ressurreição não faz parte da história do Jesus histórico, mas pertence ao resultado da sua vida. Apesar disso, podem ser úteis algumas palavras sobre as várias narrativas da ressurreição. Segundo Mateus e Marcos, os discípulos regressaram à Galileia, onde viram Jesus; segundo Lucas, eles não saíram dos arredores de Jerusalém. A história da ascensão de Jesus aos céus apresentada em Lc 24, 50-53 difere da história apresentada em Act 1, 6-11, embora ambas as narrativas tenham sido escritas pelo mesmo autor. As divergências entre as histórias das aparições de Jesus são igualmente notáveis. Em Mateus, ele só aparece duas vezes: uma vez a Maria Madalena e à outra Maria (28, 9 e segs.) e outra vez aos onze discípulos que restam (28, 16-20; Judas tinha cometido suicídio). Em Lucas, ele não aparece às mulheres (ver Lc 24, 8-11), mas, antes de mais, a dois discípulos - um deles, anónimo, e o outro, Cléofas, também desconhecido (Lc 24, 13-25) - e, depois, a todos os discípulos, perante os quais comeu (Lc 24, 36-49). Segundo os Actos dos Apóstolos, Jesus ficou com os discípulos durante quarenta dias, aparecendo-lhes de vez em quando (Act 1, 3 e segs.).

No entanto, a prova mais antiga não se encontra nos Evangelhos mas sim numa das cartas de Paulo. Ele oferece, como parte daquilo que lhe foi «entregue», uma lista das aparições do Senhor ressuscitado: ele apareceu primeiro a Cefas (Pedro), depois, aos Doze (não aos Onze!), de seguida, a mais de quinhentos irmãos, depois a Tiago (irmão de Jesus), depois a «todos os Apóstolos» (ao que parece, não só aos Doze) e, depois, ao próprio Paulo (1 Cor 15,3-8).

Antes de comentar os problemas levantados por estas descrições divergentes, consideremos a forma como as nossas fontes descrevem o Jesus ressuscitado: qual era a sua aparência. Segundo Lucas, não era possível reconhecê-lo imediatamente; os primeiros dois discípulos aos

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quais ele apareceu caminharam e falaram com ele durante algum tempo sem saber quem ele era; ele deu-se a conhecer «ao partir o pão», quando estavam a comer juntos (Lc 24, 35).2 Embora pudesse aparecer e desaparecer, não era um fantasma. Lucas insiste muito neste aspeto. É possível tocar no Senhor ressuscitado e ele pode comer (24, 39-43).

Quando Paulo estava empenhado num debate com aqueles que tinha convertido em Corinto sobre se os cristãos já mortos seriam ou não ressuscitados com o corpo, procurou descrever como seria a ressurreição futura. A sua resposta baseia-se, presumivelmente, na sua própria experiência da visão do Senhor ressuscitado («Não vi eu Jesus, nosso Senhor?» [1 Cor 9, lJ; Deus revelou-me «o seu Filho» [GIl, 16J).8 Paulo explicou que, na ressurreição, cada um terá um corpo, mas este será transformado: não se tratará de um corpo físico, mas sim de um corpo espiritual. Uma coisa é clara: a carne e o sangue não poderão herdar o Reino de Deus; os corpos ressuscitados serão corpos espirituais, não de carne. Depois, Paulo aplica isto a Jesus: «E assim

como trouxemos a imagem do homem da terra, assim também levaremos a imagem do homem celeste» (1 Cor, 15, 42-50). Paulo repete: todos serão transformados; quando se tornarem como o «homem celeste», deixarão de possuir os seus corpos corruptíveis, para possuírem um corpo incorruptível. (1 Cor 15, 51-54.)

No século I, as pessoas conheciam dois fenómenos semelhantes à ressurreição: espíritos e cadáveres ressuscitados. Nessa época, um espírito era o que é hoje, ou aquilo que era para Shkespeare." um fantasma, que aparece, sobretudo, durante a noite." As pessoas esclarecidas da Antiguidade, tal como os seus contrapartes modernos, rejeitam os espíritos como criaturas de sonhos, invenções da imaginação. Os menos esclarecidos acreditavam, naturalmente. Paulo, assim como Lucas, recusam a ideia de que o Senhor ressuscitado fosse um espírito; Lucas fá-lo explicitamente («um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho», 24, 40), Paulo, de forma implícita: o

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que ressuscitou é um corpo espiritual. Mas também se opõem à ideia de que Jesus fosse um cadáver ressuscitado. Naquela altura, as pessoas conheciam melhor os cadáveres do que agora, dado que o embalsamamento é uma prática comum. No entanto, é possível que uma pessoa pareça estar morta e, mais tarde, «readquira» vida. Existem várias histórias deste tipo na literatura da Antiguidade, algumas delas na Bíblia e em outros lugares.6 Paulo e Lucas negaram, no entanto, que o Senhor ressuscitado fosse simplesmente um ressuscitado. Na opinião de Paulo, ele mudou, transformando-se de um corpo «físico» ou «natural» num «corpo espiritual». Lucas pensava que Jesus possuía um corpo e que podia comer, mas também que ele tinha sido transformado. As pessoas que o viam não conseguiam reconhecê-lo imediatamente e ele podia aparecer e desaparecer.



Ambos os autores tentaram descrever - Paulo em primeira mão, Lucas, em segunda ou em terceira - uma experiência que não se encaixa numa categoria conhecida. Aquilo que eles negam é muito mais claro do que aquilo que afirmam.

Narrativas desta natureza - que divergem entre si no que diz respeito a dados relativos aos lugares e às pessoas a quem Jesus apareceu e nas quais não existe concordância e clareza em relação à sua aparência (à exceção da concordância nos aspetos negativos) - não nos permitem reconstruir o que aconteceu de facto. Ao longo deste livro, apresentei sugestões sobre o que está subjacente a determinadas passagens nos Evangelhos. Neste caso, porém, não vejo como obter provas ou como chegar aos acontecimentos que estiveram por de trás delas. Tenho opiniões sobre alguns aspetos, como, por exemplo, sobre o movimento dos discípulo: eles fugiram para a Galileia e, depois, regressaram a Jerusalém. A perspetiva de Lucas, segundo a qual os discípulos nunca deixaram os arredores de Jerusalém, explica-se através da centralidade de Jerusalém na sua obra, isto é, no Evangelho e nos Atos dos Apóstolos. Mas eu não pretendo que sei o que os discípulos viram ou mesmo quem viu. O leitor que pensa que é tudo perfeitamente claro - o Jesus histórico, com corpo físico, ressuscitou e andou por aí - deveria estudar Lucas e Paulo mais cuidadosamente. Os

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discípulos não conseguiram reconhecê-lo; ele não era «carne e sangue», mas um «corpo espiritual». Não era um espírito, ou um cadáver ressuscitado, ou um homem com ferimentos graves que sobreviveu durante mais algumas horas: é isso que Lucas e Paulo afirmam e João (20, 14 e segs.) concorda com eles.



As listas das pessoas que viram o Senhor ressuscitado são, de alguma maneira, ainda mais confusas.


Mateus

Lucas

João 20

Atos

1ª aos Coríntios




Jerusalém

Jerusalém e arredores

Jerusalém

Jerusalém

Ausência de informações geográficas

Duas Marias

Dois Discípulos

Maria Madalena




Cefas (= Pedro)




Os onze e outros (no mesmo dia)

Os discípulos (uma semana depois)

Os apóstolos durante quarenta dias

Os Doze 500 Tiago







João 21




Todos os apóstolos Paulo

Galileia Os Onze




Galileia Sete discípulos






Algumas destas divergências não são difíceis de explicar. O autor de Lucas e dos Atos dos Apóstolos era um escritor artístico e pensava que repetir-se a si próprio não era de bom gosto estilístico. Por isso, o Senhor ressuscitado só ficou algumas horas com os discípulos, de

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acordo com Lucas, e durante quarenta dias, de acordo com os Atos dos Apóstolos. A segunda narrativa é diferente, para além de que, procura garantir ao leitor que os discípulos sabiam exatamente o que Jesus queria: ele debateu-o longamente com eles. João 21 constitui um apêndice, acrescentado, provavelmente, por um autor posterior que queria tratar do difícil problema resultante do facto de, no tempo em que escreveu, todos os discípulos já terem morrido (ver pp. 229 e segs.). Uma explicação mais genérica para todos os Evangelhos con­ siste em dizer que os seus autores tinham de apresentar narrativas. Paulo fez uma lista, mas eles precisavam de histórias. Ao contarem estas histórias, os autores seguiram cada um o seu caminho. Mas, apesar desta e das outras explicações razoáveis para as disparidades, estamos perante um problema impossível de resolver. Os seguidores de Jesus tinham a certeza de que ele tinha ressuscitado, mas não estavam de acordo quanto às pessoas que o tinham visto.



Não considero a fraude deliberada uma explicação útil. Muitas das pessoas que se encontram nestas listas passariam o resto das suas vidas proclamando que tinham visto o Senhor ressuscitado e várias delas iriam morrer pela sua causa. Além disso, uma ilusão calculada deveria ter produzido maior unanimidade. O que parece é que estavam a competir entre si: «Eu vi-o primeiro!» «Não, fui eu!» A tradição de Paulo, de acordo com a qual houve 500 pessoas que viram Jesus ao mesmo tempo, levou alguns a sugerir que os seguidores de Jesus sofriam de uma histeria coletiva. Mas a histeria coletiva não explica as outras tradições. O testemunho de Paulo parece mais sugestivo a muitos. Ele não distingue aforma como Jesus lhe apareceu da forma como apareceu aos outros. Se ele teve uma visão, talvez os outros também a tenham tido. Mas, então, por que razão é que Paulo insiste que viu um «corpo espi­ ritual»? Podia ter falado de «espírito».

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Na minha opinião, é um facto que os seguidores de Jesus (e, mais tarde, Paulo) tiveram experiências da ressurreição. Mas não sei que realidade suscitou estas experiências.

Há muitos aspetos do Jesus histórico que permanecerão um mistério. Nada é mais misterioso do que a história da sua ressurreição, que tenta retratar uma experiência que os próprios autores não conseguiam compreender. Mas, no meio do mistério e da incerteza, não nos devemos esquecer de que sabemos muito sobre Jesus. Sabemos que iniciou a sua vida pública sob João Baptista, que teve discípulos, que esperava o Reino, que foi da Galileia para Jerusalém, fez algo hostil ao

Templo, foi julgado e crucificado. Por fim, sabemos que, depois da sua morte, os seus seguidores fizeram experiência de algo que descreveram como a «ressurreição»: a aparição de uma pessoa viva, mas transformada, que tinha realmente morrido. Eles acreditaram nisso, viveram-no e morreram por isso. Neste processo, criaram um movimento que foi muito para além da mensagem de Jesus, em muitos aspetos. O seu movimento cresceu e espalhou-se em termos geográficos. Cerca de vinte e cinco anos mais tarde, Paulo - um convertido, não um discípulo inicial - continuava à espera do regresso de Jesus durante a sua própria vida. Mas o Senhor tardou.

O «atraso» levou a uma reflexão teológica criativa e estimulante, que se pode observar especialmente no Evangelho de João; mas o material sinóptico não foi, de forma alguma, imune aos desenvolvimentos teológicos. Entretanto, o homem que esteve por detrás de tudo isto tornou-se remoto. Em consequência disto, é necessário um trabalho preliminar e minucioso para penetrar através das camadas da devoção cristã e para recuperar o núcleo histórico. A reconstrução histórica nunca é absolutamente certa e, no caso de Jesus, por vezes, é muitíssimo incerta. Apesar disso, temos bastante noção das linhas principais do seu ministério e da sua mensagem. Sabemos quem ele era, o que fez, o que ensinou e porque morreu; e, talvez o mais importante, sabemos como inspirou os seus seguidores, que, por vezes, não o entenderam, mas que lhe foram tão fiéis que mudaram a História.

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Apêndice I: cronologia

O estabelecimento das datas de acontecimentos da Antiguidade é uma tarefa muito difícil, em parte, porque o mundo mediterrânico antigo não possuía um calendário universalmente aceite. A maioria dos autores da Antiguidade trabalhava, além disso, sem poder usufruir de arquivos e, frequentemente, com base em informações orais. Hoje, sabemos mais sobre a sequência de acontecimentos na Palestina do que Lucas sabia (por exemplo). Podemos comparar Josefo com fontes romanas e, por vezes, com inscrições. É possível que Lucas dispusesse da obra de Josefo (isto é uma questão discutida), mas não podia fazer o tipo de cruzamento de dados que os investigadores modernos podem fazer. Já vimos que ele situa os acontecimentos da primeira parte do seu Evangelho durante o reinado de Herodes (Lc 1, 5), mas que também datou o nascimento de Jesus no tempo de um censo ordenado por Quirínio dez anos depois da morte de Herodes (os acontecimentos deram-se no ano 4 a.e.c e 6 e.c., respetivamente). Isto mostra, pura

e simplesmente, as limitações das suas fontes.

No entanto, neste apêndice, pretendo debater um outro ponto: o ano da morte de Jesus. De acordo com Lc 3, 1, João Baptista iniciou a sua missão no décimo quinto ano do reinado do Tibério e Jesus,

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pouco tempo depois. Tibério sucedeu a Augusto no ano 14 e.c.; portanto, Lucas situa o início do ministério de Jesus por volta do ano 30. Isto não passa, porém, de um cálculo. Lucas não escreveu que Jesus iniciou a sua vida pública precisamente um ano depois de João, pelo que a sua informação não pode dizer quando Jesus morreu. Além disso, não sabemos quanto tempo durou o ministério de Jesus. Mateus e João mencionam Caifás como o sumo sacerdote que condenou Jesus (Mt 26, 3; Jo 11, 49; 18, 13 e segs.), e os quatro Evangelhos, assim como os Atos dos Apóstolos, estão de acordo que Pila tos era o governador romano da Judeia (p. ex., Mt 27,2 & par.; Jo 18,29; Act 3, 13). Isto oferece-nos apenas um leque amplo de datas: Caifás foi sumo sacerdote entre 18 e 36, Pilatos foi prefeito entre 26 e 36.



As datas que se referem ao ministério de Paulo e sobre as quais temos informações nas cartas do próprio Paulo e nos Atos dos Apóstolos também são relevantes para a questão da data da morte de Jesus. A cronologia de Paulo constitui, em si, uma questão complexa e difícil que não vou tentar explicar. A conclusão geral de muitos estudos é, no entanto, que o ministério de Paulo, especialmente as referências cronológicas na sua carta aos Gálatas, faz mais sentido se situarmos a morte de Jesus nos finais dos anos vinte ou no início dos anos trinta e.c. Se optarmos pelas datas mais antigas ou mais recentes durante a prefeitura de Pilatos (anos 27 e 36), os dados sobre o ministério de Paulo não são muito fáceis de conjugar.

As datas que Lucas apresenta para o início do ministério de João Baptista, o período da administração de Pilatos e o testemunho derivado da cronologia de Paulo levaram a maioria dos investigadores a contentar-se com a afirmação de que Jesus foi executado algures entre 29 e 33 e.c.

É possível, contudo, que a astronomia nos possa proporcionar uma data mais precisa. Os Evangelhos indicam o dia da semana e o mês em que Jesus foi executado. De acordo com os Evangelhos sinópticos, a execução aconteceu numa sexta-feira, o décimo quinto dia do mês judaico de Nisan (o dia a seguir à Páscoa). De acordo com João, ele foi executado quando o dia 14 de Nisan (Páscoa) calhou numa sexta-feira.

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Isto é o mesmo que dizer que algo aconteceu quando a véspera de Natal, dia 24 de Dezembro ou o dia de Natal, 25 de Dezembro, calharam a uma quinta-feira. Nos últimos anos, tal aconteceu em 1987, 1992 (24 de Dezembro) e 1986 (25 de Dezembro). Em que anos calharam os dias 14 ou 15 de Nisan numa sexta-feira?

Infelizmente, existem numerosos estudos que não conseguiram decidir a contento de todos. Para mostrar onde está o problema, terei de explicar o calendário judaico. Este era (e continua a ser) lunissolar. O ano estava dividido em meses e estes eram calculados estritamente segundo as fases da Lua. O mês lunar começa com a lua nova e dura cerca de 291/2 dias; por isso, os meses tinham 29 ou 30 dias. Doze meses deste tipo constituem um ano lunar de cerca de 354 dias, 11 mais curto do que um ano solar sazonal, que é determinado pela posição da Terra em relação ao Sol. Num ano estritamente lunar, os meses recuam. Os meses começam todos os anos cerca de 11 dias mais cedo do que no ano anterior. Em consequência disso, as festas da Primavera depressa começam a chegar no Inverno. Para manterem os meses na estação correta, os judeus «intercalavam» um décimo terceiro mês de dois em dois ou de três em três anos. Por isso, enquanto a maior parte dos anos tinha 354 dias, alguns tinham 383 ou 384. Num ciclo de dezanove anos,

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o número total de dias coincide com o número de dias de um ano solar. É por isso que dizemos que o calendário judaico é um calendário lunissolar: os meses são lunares, mas o número de meses é ajustado, a fim de se conseguir compatibilizar o calendário com o ano solar.



Este calendário dá-nos uma perspetiva para considerar o atual calendário ocidental. Nós ignoramos as fases da Lua. Temos meses, mas os meses não começam com a lua nova se não por acaso. Em média, os nossos meses têm cerca de 301/2 dias e não 291/2 dias. Doze meses com 301/2 dias (isto é, seis meses de 30 dias e seis de 31 dias) constituem um ano que é um tanto longo de mais em termos do ano sazonal. Por isso, há um mês, Fevereiro, que é encurtado. Mas temos de intercalar um dia de quatro em quatro anos para mantermos os meses na estação correta. Se não o fizéssemos, o Natal acabaria por começar a chegar no Outono. (Se não fosse o ano bissexto, cada 120 anos, os nossos meses começariam 30 dias mais cedo no ano sazonal).

Para determinar quando um dia ocorreu em termos astronómicos (de acordo com a inclinação da Terra no seu eixo e a fase da Lua), temos agora de saber quais foram os anos bissextos. Podemos projetar o nosso próprio calendário no passado, contando os anos bissextos e atribuir, assim, datas absolutas a acontecimentos da Antiguidade (isto é, as datas em perfeita consonância com o calendário ocidental moderno). Teoricamente, também podemos retrojetar o calendário judaico e, depois, relacioná-lo com o nosso calendário. Para retrojetarmos o calendário judaico e determinarmos quando o dia 14 ou o dia 15 de Nisan calhou numa sexta-feira, necessitamos de saber quais eram os meses que tinham 29 dias, quais tinham 30 dias e que anos foram anos bissextos (duraram 13 meses). Atualmente, os astrónomos podem determinar quais os meses que deveriam ter tido 29 dias, quais deveriam ter tido 30 dias e que anos deveriam ter sido bissextos. No entanto, o calendário judaico não se baseava num cálculo astronómico, mas sim numa observação. Os observadores judeus tinham de olhar para «o pri­ meiro brilho pálido da lua crescente, depois da conjunção com o sol», visto que a lua nova não é visível, por definição. Não temos possibilidade

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de de saber nada sobre as condições atmosféricas locais há 2000 anos atrás e estas contribuíram para determinar o calendário. Os judeus da Antiguidade sabiam quando deviam começar a observar; a chegada de uma lua nova nunca surpreendeu ninguém, mas, mesmo assim, os obser­



vadores tinham mesmo de a ver. Isto introduz alguma incerteza. Gostaria de citar de um exemplo do tratamento clássico do tema, retirado de J. K. Fotheringham, que prefere a sexta-feira, dia 14 de Nisan de 33 e.c., como a data da execução de Jesus. O autor comenta os esforços dos investigadores para seguirem os sin6pticos e datarem a crucificação numa sexta-feira, dia 15 de Nisan do ano 30 e.c. Fotheringham aceita João e, por isso, acredita que este esforço é inútil. Em vez disso, ele sugere sarcasticamente o ano 31, mas ao fazê-lo, torna claro o grau de incerteza:

No ano de 31, o dia 14 de Nisan deve ter calhado a uma terça-feira, dia 27 de Março. Podemos deslocá-lo para uma quinta-feira, supondo que Nisan começou um mês mais tarde e que o aparecimento da lua se atrasou devido à existência de nebulosidade ... Os observadores de eclipses sabem que nunca se pode contar com a ausência de nuvens. Se alguém quer descobrir um ano que coincida com a data indicada pelos sinópticos, posso certamente aconselhar-lhe situar Nisan um mês mais tarde e o aparecimento da lua crescente um dia mais tarde no ano 31, em vez de, tal como Gerhardt; colocar o aparecimento da lua crescente um dia mais cedo, no ano 30.

Isto dá uma ideia do problema. Quando as datas são fixadas através da observação, existe um grande leque de possibilidades, algumas mais prováveis do que outras.

Quando as autoridades na Antiguidade fixaram a data da Páscoa, tiveram de tomar em consideração não s6 a visibilidade da Lua, mas também a estação, determinada pela temperatura e pelo crescimento dos cereais. A Páscoa tinha de calhar na Primavera. Durante a Festa dos Ázimos, que se seguia à Páscoa, concretamente, eram oferecidos no Templo os primeiros frutos da cevada. Os sacerdotes poderiam

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intercalar um mês adicional, se temperaturas demasiado baixas para a estação do ano significassem que a cevada não podia ser apresentada durante a festa.



Se os judeus da Antiguidade tivessem fixado os meses e os anos através de um cálculo astronómico e se tivéssemos de escolher entre a cronologia de João e a cronologia dos sinópticos com base no nosso cálculo astronómico, escolheríamos João. Dadas as duas possibilidades para o dia do mês (sexta-feira, dia 14 de Nisan, e sexta-feira, dia 15 de Nisan) e dado o intervalo de anos estabelecido pelo testemunho literário (29-33 e.c.), a melhor escolha, em termos astronómicos, é a sexta-feira, dia 14 de Nisan do ano 33 e.c. (que corresponderia ao dia 3 de Abril no nosso calendário)." Mas, na realidade, não podemos ter a certeza de que a retroprojeção astronómica moderna para o calendário judaico coincide com o cálculo de datas realizado de facto no século I. A cronologia dos sinópticos não pode ser confirmada pela astronomia, mas também não pode ser refutada. A maioria dos investigadores continua a aceitá-la por causa da forte coincidência entre a cronologia do quarto Evangelho e a sua cristologia: Cristo era o cordeiro pascal. Isto leva a suspeitar que foi João que alterou o dia da execução.


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