Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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Por outro lado, Liir estava no paraíso. Ele seguia o Comandante Pedra Cereja por toda parte a menos que ele se virasse, e buscava água para os homens e engraxava as suas botas, num excesso de paixão indisfarçável. As perambulações que eles faziam, fazendo reconhecimento de terreno dos vales locais, mapeando os lugares para vadear o rio, apontando com precisão os pontos estratégicos, deram a Liir mais exercício e ar livre do que jamais tivera. Sua espinha, que estivera ameaçada de se tornar tão curva quanto o arco de uma harpa montanhesa, pareceu se aprumar. Os soldados eram indiferentes a ele, mas não eram manifestamente grosseiros, e Liir interpretava isso como aprovação e afeto.

As irmãs recuperaram um pouco do bom senso quando pararam de pensar que tipo de homem era esse que ingressava no exército. Mas não foi fácil.

Sarima, por sua vez, parecia indiferente à perturbação de sua rotina. Ela recorreu aos aldeões e requisitou seus favores para que a ajudassem a alimentar a hoste de soldados, e, numa mescla de ressentimento e medo, seus vizinhos apareceram com leite, ovos, queijos e legumes. Havia estocho ou garmota do poço de peixes quase toda noite. E os jogos de verão, natural­mente ― codorna, fênix da colina, pássaro Roca-bebê ―, nos quais os homens provaram perícia. A Babá suspeitava que o grupo de reconhecimento estava ajudando Sarima a superar seu sofrimento, trazendo-a no mínimo de volta à mesa da família.

Mas Elphaba estava furiosa com todos eles. Ela e o Comandante tinham discussões todo dia. Elfinha proibiu-o de permitir que Liir o seguisse de perto ― e proibiu o próprio Liir ― o que foi absolutamente sem efeito. Seus primeiros sentimentos verdadeiramente maternais foram de incompetência e de ser jocosamente ignorada como alguém inconseqüente. Ela não conseguia entender como a raça humana se desenvolvera para além de uma única ge­ração. Ela continuamente queria estrangular Liir, como um meio de salvá-lo de figuras paternais de fala macia.

À medida que Elfinha tentava com mais afinco esmiuçar a natureza de sua missão, fazendo uso de toda a amabilidade da esquivança, o Comandante Pedra Cereja ficava mais gélido e polido. A única coisa que Elphaba nunca conseguira dominar fora a cortesia de salão, e esse soldado ― de todas as pes­soas existentes ― era um mestre nisso. A coisa fazia com que se sentisse como se sentira entre as garotas de sociedade de Crage Hall. “Não preste atenção a esses soldados, eles irão embora uma hora dessas”, dizia a Babá, que estava numa época de sua vida em que tudo ou era a fatal crise derradeira ou um assunto de fato dispensável.

“Sarima diz que raramente vira qualquer das tropas do Mágico no Vinkus. Isto aqui foi sempre árido, sem vida, de pouco interesse para os fazendeiros e comerciantes da Oz do norte e do leste. As tribos aqui viveram por décadas, séculos, suponho, com nada a não ser um ocasional cartógrafo passando e batendo em retirada rapidamente. Você não acha que isso sugere uma espécie de missão por estes lados? Que mais essa movimentação pode sugerir?”

“Veja quanto tempo levou para que esses homens jovens se recupe­rassem de sua caminhada pelo interior”, disse a Babá. “Isso é com certeza apenas uma missão de reconhecimento, como eles afirmam. Eles pegarão as informações e partirão. Além disso, todo mundo me diz, o maldito lugar fica todo encharcado de neve e lama por dois terços do ano. Você é uma paranói­ca, sempre foi. O jeito com que você agarrava os quadlings que a gente usava como prosélitos, como se eles fossem seus brinquedos particulares! Como você ficou quando eles foram recolocados ou qualquer coisa assim! Isso cos­tumava dar uma preocupação sem-fim à sua mãe, acredite.”

“Está devidamente documentado que os quadlings foram exterminados, e nós fomos testemunhas”, disse Elphaba. “Você também, Bá.”

“Eu cuido de meus jovens, não posso cuidar do mundo”, disse a Babá, sorvendo uma xícara de chá e cocando o nariz de Matalegria. “Eu tomo conta de Liir, que é mais do que você faz.”

Elphaba não achou que valia a pena desancar a velha empregada. Ela foi folhear o Livro das Sombras novamente, tentando achar algum pequeno feitiço de aprisionamento com o qual pudesse fechar os portões do castelo para aqueles homens. Ela desejou ter ao menos por uma vez acompanhado uma aula de magia da Senhorita Greyling na universidade em Shiz.

“É claro que sua mãe ficava preocupada com você, ela sempre ficava, disse a Babá.” Você era uma coisinha tão esquisita. E as provações pelas quais a pobre mulher passou! Você me lembra ela agora, só que é mais rígida do que ela foi. Ela tinha realmente de que se queixar. Você sabe, ela ficou tão fula da vida com o fato de você ser uma menina ― ela estava tão convencida de que você seria um menino ― que me enviou para a Cidade Esmeralda para encontrar um elixir para garantir...” Mas a Babá parou, atrapalhada. “Ou foi aquele elixir para evitar que o filho seguinte nascesse verde? Sim, foi isso.”

“Por que ela queria que eu fosse um menino?”, disse Elphaba. “Eu te­ria concordado com ela se pudesse dar palpite nesse assunto. Não para ser simplista, mas isso sempre fez com que eu me sentisse horrível, saber como a desapontei tão cedo. Sem mencionar a aparência.”

“Oh, não a acuse de ter motivos odiosos”, disse a Babá. Ela tirou seus sapatos e esfregou por trás dos pés com a bengala. “Melena tinha odiado a sua vida em Solos de Colwen, você sabe. Foi por isso que ela maquinou se apaixonar por Frex e ir-se embora de lá. Seu avô, o Eminente Thropp, tinha deixado muito claro que ela herdaria o título. O título munchkinês passa atra­vés da linhagem feminina, a menos que não haja filhas. A posição da família, e todas as suas responsabilidades, passaria dele para a Senhora Partra, e daí para Melena, e então para a primeira filha que Melena tivesse. Sua mãe tinha a esperança de ter só filhos, para ficar longe daquele lugar.”

“Ela sempre falava disso tão afetuosamente!”, disse Elphaba, atônita.

“Oh, tudo é maravilhoso, uma vez que tenha passado. Mas, para uma pessoa jovem, educada no meio de toda aquela riqueza e responsabilidade ― bem, ela odiava aquilo. Ela manifestava sua revolta fazendo sexo bem cedo e com freqüência, com qualquer um que lhe desse na telha, e ela de bom grado fugiu com Frex, que foi o primeiro pretendente que a amou por si mesma e não por sua posição e herança. Ela achava que uma filha ia achar tudo igual­mente letal, por isso preferia filhos.”

“Mas, isso não faz sentido. Se ela tivesse filhos e não filhas, então, seu filho mais velho herdaria. Se eu fosse um menino sem irmãs, eu ainda estaria ‘envolvido’ na mesma bagunça.”

“Não necessariamente”, disse a Babá. “Sua mãe tinha uma irmã mais velha, que nascera com um problema congênito de superexcitação nervosa, talvez também com uma coisa faltando lá no departamento dos miolos. Ela foi criada fora de casa. Mas ela ficou adulta, e era saudável também, o bas­tante para procriar, e era possível que parisse uma filha. Se tivesse tido uma filha primeiro, esta teria herdado o título de Eminência, e a propriedade e as riquezas com ele.”

“Então, eu tenho uma tia louca”, disse a Bruxa. “Talvez a loucura reine na família toda. Onde ela está agora?”

“Morreu de gripe quando você ainda era uma criancinha, e não deixou herdeiro. Portanto, as esperanças de Melena foram por água abaixo. Mas era isso que ela pensava, naqueles atrevidos, corajosos dias de disparates juvenis.”

Elphaba tinha poucas lembranças de sua mãe, e elas eram às vezes calo­rosas, às vezes secas. “Mas, o que é isso de ela tomar remédio para evitar que Nessarose nascesse verde?”

“Eu consegui para ela uns tabletes na Cidade Esmeralda, de alguma mulher meio cigana”, disse. “Eu expliquei à criatura horrenda o que acontecera ― quero dizer, que você nascera com uma cor desgraçada, e com aqueles dentes ― graças a Lurline que sua segunda etapa foi mais humana! ― e a mulher cigana fez alguma profecia tola sobre duas irmãs que deveriam ser fundamentais na história de Oz. Ela me deu umas pílulas poderosas. Sempre me perguntei se aquelas pílulas não teriam causado o problema de Nessarose. Não mexi mais com poções ciganas, acredite. Nem com o que conhecíamos naqueles dias.” Ela sorriu, tendo há muito tempo se eximido de qualquer culpa no caso todo.

“O problema de Nessarose”, refletiu Elphaba. “Nossa mãe tomou algum remédio cigano, e pariu uma segunda filha sem braços. Ou verde ou aleijada. Mamãe não deu muita sorte com meninas, não é?”

“Shell, no entanto, é um refresco para os olhos sofridos”, disse a Babá, otimista. “Então, quem pode dizer que foi tudo falha de sua mãe? Primeiro houve a confusão sobre saber quem era realmente o pai de Nessarose, e depois as pílulas daquela idosa Yackle, e a melancolia de seu pai...”

“Idosa Yackle? O que você quer dizer com isso?”, perguntou Elphaba, assustando-se. “E quem diabos era o pai de Nessarose se o Papai não era?”

“Oh”, disse a Babá, “sirva-me uma outra xícara de chá e eu lhe contarei tudo. Você está crescida o bastante, e Melena morta há muito tempo.” Ela vagueou por uma história sobre o soprador de vidro de Quadling chamado Coração de Tartaruga, e pela incerteza de Melena sobre Nessarose ser filha dele ou de Frex, e por uma visita a Yackle, de quem ela não conseguia se lem­brar nada exceto o nome, as pílulas e a profecia, não se tira dente de galinha, e, portanto, parou de tentar. Ela não mencionou (e nunca o fizera) como Melena ficara deprimida quando Elphaba nascera. Não havia necessidade.

Elfinha ouviu tudo isso, impaciente e irritada. Por um lado, ela queria atirar tudo pela janela: o passado era imaterial. Por outro, as coisas assumiam uma ordem ligeiramente diferente agora. E aquela Yackle! O nome seria ape­nas uma coincidência? Ela se sentiu tentada a mostrar para a Babá o quadro do Uivo do Chacal no Livro das Sombras, mas resistiu. Não fazia sentido alarmar a velha mulher, ou enchê-la de pavores noturnos.

Assim, as duas mulheres extravasaram-se mutuamente e pouparam-se de observações dolorosas sobre o passado. Mas Elphaba começou a lamen­tar por Nessarose. Talvez Nessinha não quisesse a posição de Eminência, e estivesse tão encarcerada lá como sua irmã mais velha estava aqui. Talvez Elphaba devesse a ela a oportunidade de lhe oferecer liberdade. No entanto, quanto de fato pode alguém dever a outras pessoas? Seria um encadeamento interminável?

3
Nor estava além dela mesma. Num curto intervalo de tempo toda a sua vida fora mudada tão completamente. O mundo era mais mágico que nunca, mas parecia estar alojado no interior, não fora, dela mesma. Seu corpo estava esperando para arder e desabrochar, e ninguém parecia se importar ou perceber.

Liir havia se tornado um aguadeiro para os soldados expedicionários. Irji passava seu tempo compondo longos libretos devotos em louvor a Lurlina. Num estado de incerteza sobre os homens que ali faziam uma residência, as irmãs permaneciam confinadas em seus aposentos por sua própria vontade, embora tremessem de disponibilidade para o caso de as coisas mudarem. Nada podia mudar, como ditava a convenção, a menos que Sarima se casasse outra vez, e elas ficassem livres para ser cortejadas. Suas campanhas domés­ticas para aproximar o Comandante Pedra Cereja de Sarima, contudo, não tiveram sucesso. Elas redobraram seus esforços. Três até abordou a Titia Bruxa solicitando uma poção de amor da enciclopédia mágica. “Hah”, disse Elphaba, “só no dia que o sol nascer quadrado”, e isso foi tudo.

Nor, privada de companhia, deu para se aproximar do dormitório dos homens, tentando se estabelecer com tarefas que não pediam para Liir fazer, com as quais os homens não se importavam muito. Pendurou seus mantos ao sol. Poliu seus botões. Trouxe flores das colinas para eles. Preparou uma ban­deja de frutas de verão e queijo que pareceu agradá-los, especialmente quando a serviu ela mesma. Um soldado jovem, escuro, calvo, com um sorriso cativan­te, pediu a ela que estourasse os gomos da laranja diretamente em seus lábios, e chupou o suco de seus dedos, causando uma mistura de deleite e inveja nos outros. “Senta no meu colo”, ele disse, “e deixa eu te alimentar.” Ele ofereceu um morango a ela, mas ela não se sentou no seu colo ― e adorou recusar.

Um dia ela decidiu agradá-los com uma limpeza total do quarto. Eles estavam fora, fazendo um inventário dos vinhedos nos penhascos mais baixos e ficariam ausentes o dia todo. Cobriu-se de trapos, pôs-se a carregar baldes, e já que a Titia Bruxa se encontrava em profunda conversação com a Babá sobre, ao que parecia, Sarima, surrupiou a vassoura da Bruxa, devido às suas cerdas mais densas e ao seu maior alcance. E rumou para as barracas.

Ela não conseguia ler muito, portanto, ignorou as letras e os mapas que caíam das tiracolos deixadas negligentemente penduradas nas costas de uma cadeira. Ela arrumou os baús, e varreu, e no esforço levantou um monte de poeira, e ficou entusiasmada.

Tirou a sua blusa, e pendurou uma das capas duras dos homens sobre seus ombros bronzeados de sol. Esta exalava um tão imperativo aroma de masculinidade, mesmo depois de espanada, que ela quase desmaiou. Deitou­-se sobre um colchão de palha com a capa negligentemente aberta, a fim de poder imaginar que caía no sono, com a presença recíproca de um homem, e ver a bela linha de pele uniforme que corria por entre seus seios tenros. Ela pensou em fingir cair no sono. Mas sabia que não faria isso. Sentou-se, insatisfeita com as possibilidades, e estendeu a mão para agarrar a coisa mais próxima em que pudesse bater para desabafar a sua frustração ― que calhou de ser a vassoura.

O objeto estava fora de alcance, mas deu uma estocada para o lado dela. Veio pelo chão por sua própria vontade. Ela compreendeu. A vassoura era mágica.

Ela a tocou, meio a medo, como se tentasse adivinhar as intenções que o objeto possuía. No tato, não era diferente de nenhuma vassoura comum. Apenas se movia, como se fosse guiada pela mão de um espírito invisível. “De que árvore você foi tirada, de que campo você foi ceifada?”, ela perguntou à vassoura, quase ternamente, mas não esperava resposta e não obteve nenhu­ma. A vassoura tremeu, e se ergueu um pouco do chão, como se esperasse.

A capa tinha um capuz, e ela o baixou sobre seu rosto. Então, ela puxou para cima sua saia de verão, e lançou uma perna sobre a vassoura, para caval­gar nela como uma criança cavalga um cavalo de estimação.

A coisa se ergueu, hesitante, para que ela pudesse manter seu equilíbrio roçando as pontas dos pés no chão, corrigindo, corrigindo ― o centro de gravidade era alto, e a envergadura tão estreita. O topo da mão se inclinou ao máximo, e ela deslizou pelo cabo até chegar à ponta da vassoura, como se esta fosse um pouco como uma sela. Ela se preparou firmemente; suas per­nas, especialmente na coxa superior, davam a impressão de estar inchadas, o melhor que pudessem para apertar o cabo entre elas. A larga janela na outra extremidade do quarto estava aberta, para receber ar e luz, e a vassoura se moveu alguns pés cruzando o chão, até que atingiu o peitoril.

Então, a vassoura ergueu-se alguns pés, e carregou-a para fora da janela. O estômago de Nor apertou, e seus calcanhares bateram na parte de baixo. Misericordiosamente, ela saíra não no pátio do castelo, onde era provável que fosse vista, mas do outro lado, onde a terra não desaparecia completa e rapi­damente na distância. Nor gemia suavemente na estranheza e no êxtase da aventura. A capa se descortinava, expondo seu peito, e como um dia ela teria imaginado que queria ser vista sem uma blusa? “Oh, oh”, ela gritava, mas se era para a vassoura ou para algum espírito guardião, não sabia. Ela estremecia com a exposição e o choque, e a vassoura se erguia mais e mais alto, até que chegou ao nível da janela mais elevada, que ficava na torre da Bruxa.

A Bruxa e sua Babá estavam olhando, boquiabertas, com xícaras de chá a meio caminho de seus lábios.

“Você desça daí imediatamente”, ordenou a Bruxa. Nor não sabia se a ordem era dirigida a ela ou à vassoura. Ela não tinha rédeas para puxá-la, nem palavras mágicas para controlá-la. Contudo, a vassoura, aparentemente disciplinada, deu uma virada para trás, desceu, e fez uma aterrissagem um pouco desajeitada no chão das barracas dos homens. Nor saltou do veícu­lo, choramingando e tremendo, e se vestiu apropriadamente. Ela não queria tocar a vassoura outra vez, mas quando ela a pegou, a vida desaparecera do objeto, e ela o carregou até os aposentos da Bruxa esperando uma severa reprimenda.

“O que você estava fazendo com a minha vassoura?”, ladrou a Bruxa.

“Eu estava limpando os quartéis dos soldados”, Nor disparou a falar. “É uma bagunça tão grande, os papéis todos espalhados, suas roupas, seus mapas...”

“Mantenha suas mãos longe de minhas coisas, você”, disse a Bruxa. “Que tipo de papéis?”

“Projetos, mapas, cartas, eu não sei”, disse Nor, recuperando sua cora­gem, “vá olhar você mesma. Eu não prestei atenção.”

A Bruxa tomou a vassoura e pareceu estar considerando a possibilidade de bater em Nor com ela. “Não seja uma boba, Nor. Fique longe daqueles homens”, ela disse friamente. “Fique longe deles!” Ela ergueu a vassoura como um bastão. “Eles te magoarão assim que puderem cuspir em você. Fique longe deles, repito. E fique longe de mim!”

Elphaba lembrou-se que a vassoura lhe fora dada pela Mãe Yackle. Como mulher jovem, vira na velha monja uma inválida, uma senil, um aborre­cimento, mas agora reconsiderava e se perguntava se não havia na idosa mais do que a vista poderia alcançar. Teria aquela vassoura sido enfeitiçada por ela, com um vestígio de algum instinto Kumbricial? Ou teria Nor um poder se desenvolvendo nela, e o injetara na tola vassoura? Nor era aparentemente uma crente fervorosa na magia; talvez a vassoura só tivesse esperado alguém que acreditasse nela. Com Elphaba, será que voaria também?

Uma noite, quando todos já tinham se recolhido, Elphaba trouxe a vas­soura ao pátio. Sentiu-se um pouco boba, curvando-se sobre o objeto como uma criança sobre um cavalo de estimação. “Vamos, voe, sua estúpida”, ela murmurou. A vassoura se contorcia para a frente e para trás de um jeito as­sustador, suficiente para erguer vergões em suas coxas. “Não sou uma colegial inocente, pare com esse absurdo”, disse Elphaba. A vassoura ergueu-se por um pé e meio e depois jogou Elphaba para a ponta de seu cabo.

“Ponho fogo em você, e será seu fim”, disse Elphaba. “Sou velha demais para essa espécie de humilhação.”

Levou de cinco a seis noites de treino até que ela conseguisse controlá-la para pairar a uns seis pés do chão. Ela era desajeitada para a feitiçaria. Não estaria predestinada a ser desajeitada em tudo? Foi um prazer, finalmente, assustar as corujas e morcegos do estábulo de um modo bem desajuizado. E era bom estar longe de tudo. Quando sentiu mais confiança, ela voou por sobre o vale, indo longe, até os domínios da barragem que o Ozma Regente tentara erguer; descansou e esperou que não tivesse de voltar andando. Não precisou. A vassoura era resistente à sua intenção, mas ela conseguiu mantê-la atrelada ameaçando-a com o fogo.

Sentiu-se um verdadeiro anjo noturno.

No meio do verão, um comerciante arjiki apareceu com vasos e colhe­res e carretéis de linha, e trazia consigo algumas cartas deixadas num posto fronteiriço mais ao norte. Entre elas, havia um bilhete de Frex ― pelo jeito, a Babá tinha lhe contado sobre suas intenções de sair em caça de Elphaba, e ele escrevera ao monastério, que por sua vez remetera a carta para Kiamo Ko no Vinkus. Frex escrevera que Nessarose orquestrara uma revolta, e que a terra de Munchkin ― ou a maior parte dela, de qualquer modo ― tinha se separado de Oz, e se proclamado um Estado independente.

Nessarose, como a Eminente Thropp, tinha se tornado a líder política do Estado. Frex aparentemente achava que isso era um direito nato de Elphaba, e que ela deveria vir a Solos de Colwen e questionar sua irmã sobre o assunto. “Pode ser que ela não seja a mulher certa para essa função”, ele escreveu, embo­ra Elphaba tenha achado surpreendente a sua apreensão. Não era Nessarose a filha espiritualmente calorosa que Elfinha nunca conseguira ser?

Elphaba não tinha sede de liderança, e não queria desafiar Nessarose de modo algum. Mas agora que a vassoura parecia capaz de levá-la para grandes distâncias, ela pensou se não poderia voar à noite para Solos de Colwen, e passar alguns dias na companhia de Papai, Nessie e Shell novamente. Fazia doze anos que ela deixara Ness em Shiz, embriagada e soluçando, logo após a morte de Ama Clutch.

A Terra de Munchkin ficar livre das garras do Mágico! ― só por isso a viagem valeria. A coisa fazia com que Elphaba risse um pouco para si mesma, sentir seu velho desprezo pelo Mágico se disseminar. Talvez fosse isso que a cura significasse, afinal.

Por segurança, numa tarde Elphaba entrou nas barracas vazias dos soldados. Fuçou em seus papéis. Todos os documentos se relacionavam a questões de mapeamento e pesquisa geológica. Nada mais. Não parecia haver nenhum projeto oculto de ameaça aos arjikis ou a quaisquer outras tribos do Vinkus.

Quanto mais cedo ela partisse, mais rápido retornaria. E seria melhor que ninguém soubesse. Então, disse a todos que estava tirando um período de isolamento em sua torre, e que não queria nem comida nem visitas por alguns dias. Quando a meia-noite irrompeu, ela voou para Solos de Colwen, que agora era o lar de sua poderosa irmã.


4
Ela dormia de dia nas sombras dos estábulos, nas abas dos telhados, no abrigo das chaminés. Viajava de noite. No escuro, Oz se espalhava lá embaixo ― ela pairava sobre o reino a uns oitenta pés, em cálculos aproxi­mados ― e, por onde ela passava, a terra ia praticando suas transformações geográficas com a facilidade de um cenário de espetáculo de vaudeville que fosse se desenrolando. A passagem mais difícil fora ao descer pelos íngremes flancos dos Grandes Kells. Assim que ficou livre das montanhas, contudo, ela viu Oz se estendendo ao nível da rica planície aluvial do Rio Gillikin.

Ela voou por sobre o rio, sobre afluentes e ilhas intercomunicáveis, até que desembocou no Água Mansa, o maior lago de Oz. Manteve-se na direção da margem sul, e levou uma noite inteira para atravessá-lo, como se ele ser­penteasse infindavelmente em ondas de seda negra oleosa, por entre carriças e charcos. Teve problemas para achar a desembocadura do Rio Munchkin, que escoava no Lago Água Mansa pela direção leste. Assim que conseguiu, contudo, foi fácil localizar a Estrada dos Tijolos Amarelos. As terras cultiva­das apareciam logo além, ainda mais viçosas. Os efeitos da seca, tão drásticos em sua infância, haviam sido erradicados, e fazendas de diaristas e pequenas aldeias pareciam prosperar, alegres como cidades de algum brinquedo de criança, graciosas e aconchegantes na enrugada, plácida terra de solo arável e clima ameno.

Quanto mais ela se dirigiu para o leste, contudo, mais esburacada a estrada se tornou. Alavancas tinham arrancado tijolos, árvores tinham sido abatidas e muros compactos erguidos. Era como se algumas das pontes meno­res tivessem sido dinamitadas. Uma medida de segurança contra uma possível retaliação do exército do Mágico?

Sete dias depois de deixar os aposentos de Kiamo Ko, Elphaba entrou no povoado de Solos de Colwen, e dormiu debaixo de um loureiro verde. Quando despertou, perguntou a um comerciante onde ficava a casa grande, e ele lhe apontou o caminho, trêmulo, como se ela fosse um demônio. Então, uma pele verde ainda causa arrepios nos munchkineses, ela observou, e ca­minhou as poucas milhas restantes, chegando aos portões frontais de Solos de Colwen um pouco depois da hora do desjejum.

Ela ouvira sua mãe falar de Solos de Colwen, tristonha e raivosamente, enquanto chapinhavam com botas impermeáveis, afundadas umas seis po­legadas na água do Estado de Quadling. Os anos de Elfinha na presunçosa antigüidade de Shiz e na pompa da Cidade Esmeralda deviam tê-la preparado para entrar numa mansão imponente. Mas ela ficou assustada, até chocada, diante da grandiosidade de Solos de Colwen.


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