A busca continua
Antes de buscar a iluminação, corte a lenha, carregue a água. Depois de buscar a iluminação, corte a lenha, carregue a água.
- PROVÉRBIO ZEN-BUDISTA
Para quem chegou ao fim da jornada, que está livre do sofrimento, liberado de tudo, livre de todas as amarras, não existe febre.
- O BuDA, O Dhammapada
No meu fim está o meu começo.
- T. S. Eliot, Four Quarters
Entre a entrevista com Sua Santidade e minhas esperanças românticas, eu estava tão eufórico que podia ter voado para Paris batendo os braços no ar.
Vou poupá-lo do suspense: Anh Thuy e eu nos encontramos em Paris e em poucos dias nos apaixonamos loucamente. Só que havia complicações. Ela estava terminando com um namorado. Ela lia inglês melhor do que falava; não falava francês, vietnamita menos ainda. Tinha um projeto imenso para escrever à minha frente que ia ocupar-me um ano inteiro. Desempregada, ela estava à espera do fim de um processo de indenização. Ela queria ter filhos, eu não tinha certeza. A diferença entre nós era de 18 anos.
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Resumindo, era o típico romance internacional. Mas achávamos que a força budista estava conosco. Vivíamos à base da crença que, com o manual de relacionamento de Thây, poderíamos superar qualquer obstáculo. A palestra que ele deu, de fato, no dia em que ela e eu nos encontramos pela primeira vez em Plum Village era sobre os segredos para se ter um relacionamento feliz: compreensão e comunicação. Resolvemos ignorar os abismos intrínsecos da língua, culturais, de geração e geográficos na nossa compreensão e comunicação mútua.
Vou poupá-lo de mais suspense. Namoramos a distância oito meses. Ela era maravilhosa para mim. Chamava-me de seu "ideal". E então, oito meses depois, no mesmo dia que soube que a minha história tinha sido aceita pela National Geographic, ela telefonou de Paris e, sem mais nem menos, terminou comigo. Ela disse que "tinha de ser racional". Suspeitei que ela não disse "racional" com o mesmo sentido que o Dalai Lama tinha dito. Ou talvez sim.
Apesar de ficar de coração partido, reagi bastante bem, tão bem que meus amigos concluíram que eu não a amava de fato. A verdade é que eu entendia tudo isso num nível mais elevado. Ela entrou na minha vida no exato momento em que sentei para escrever, um trabalho solitário que é melhor realizado se acompanhado do amor e do apoio de uma boa mulher. Ela saiu da minha vida exatamente quando completei esse trabalho. "O Buda enviou Anh para me proteger", eu pensava. "Acho que ele a levou embora quando eu terminei."
Na realidade ela havia se transformado na minha Thây, o professor mais novo do curso de Budismo 101 que tinha começado com Carl Taylor nos idos do Projeto de Asilos Zen em San Francisco. Ele me ensinou a impermanência, se você lembra, mas devo ter pensado que poderia me safar com as Anotações Budistas de Cliff, pois lá vinha ele novamente. A essa altura eu já sabia o suficiente para prever que aconteceria de novo. E de novo. O Buda disse que nada dura para sempre. E ele quis dizer nada mesmo.
Mais do que Thich Nhat Hahn, dr. Ariyaratne e Sulak Sivaraksa combinados, Anh Thuy me deu a aula mais pessoal da
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aplicação do budismo socialmente engajado. Atribuo a minha capacidade de deixá-la ir, em vez de repassar as fitas obsessivas de fins de relacionamentos passados, à minha faculdade mundial de budismo e agora com ela no corpo docente. Anh Thuy, eu deposito uma flor de lótus aos seus pés.
Essa aceitação da realidade - como as coisas são, sem afastar o que chamamos de ruim, sem puxar para mim ou me agarrar ao que chamamos de bom - é a prova de como mudei, só que se você me conhecesse antes de partir nessa viagem, eu não pareceria diferente agora. Exceto por um quilo a mais e o cabelo mais curto, as minhas fotos de "antes" e "depois" seriam praticamente iguais. Tenho a mesma voz, os mesmos maneirismos, senso de humor distorcido, a mesma vulnerabilidade na região dorsal, e muitos dos problemas pessoais são os mesmos. Na verdade estou de volta ao ponto onde comecei. Vivendo na ilha que pensei ter deixado para sempre dois anos atrás, ainda cheio de dívidas, ainda sem namorada, ainda caindo de vez em quando da almofada de meditação.
O que mudou foi o meu relacionamento com tudo isso, mas especialmente o meu relacionamento comigo mesmo. Respirar... soltar o ar... isso me dá um milésimo de segundo de distanciamento dos meus pensamentos. Nesse momento consigo separar o corpo da mente, a sensação da reação à sensação. E ali - nesse refúgio momentâneo de "mim mesmo", entre o respirar e o soltar o ar - encontro a salvação do ego, do apego, da ânsia, da dependência, do desejo e de todo o resto.
E percebi mais uma coisa: troquei meus mantras mais antigos por um novo conjunto. Antes era:
"Você pode fazer qualquer coisa que decidir fazer, cara."
"Estabilização do tronco."
"Você não tem nem um pinico para mijar."
Agora a sabedoria que me serve de guia é mais esotérica, a não ser que você tenha seguido meus passos de perto, como eu segui os passos do Buda:
"Entre o agora e o agora existe apenas o agora." - Grover Gauntt III
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"Um cão só pode ser um cão. "
- Hoitsu Suzuki
"A realidade é..." - Sua Santidade o Dalai Lama
"O que é bom? O que é ruim?"
- Eido Shimano
"Qual é a diferença entre percepção eperspectiva?" - Vinsor Kanakaratne
"Você passar de existir para viver?" - Jon Kabat-Zinn via Helen Ma
"Impermanência, impermanência, impermanência..." - Satya Narayan Goenka
Se encontrei a verdade, o significado das coisas, a felicidade? Sim. E não.
Sim, encontrei a minha verdade, o meu significado para as coisas, a minha felicidade, não a sua. Não, porque eu sei que essas minhas descobertas também vão mudar na hora em que você chegar ao fim desta frase. E as suas também.
"Não tenho nada a informar, meus amigos", escreveu Ryo-kan, um poeta eremita japonês do século XVIII. "Se vocês quiserem encontrar o significado, parem de querer tantas coisas." Eu concordo. Por isso em certo aspecto, a minha busca terminou. Em outro, vai continuar — até meu último instante. Eu espero estar, como disse Bob Dylan para Martin Scorsese em No Direction Home, "sempre em transformação".
Por esse último motivo, o meu incessante e, admito, irritante questionamento - de como as coisas são, de como eu sou, da relação entre os dois - também não vai acabar. E sinal de que me tor-
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nei um bom aluno do budismo o fato de pensar que a maior parte das minhas perguntas ficaram sem resposta. E que, numa demonstração de que assumo o compromisso com esse caminho, tenho mais perguntas, inclusive aquela que se tornou meu koan atual:
"Por que não há perguntas agora?"
Sentado ao lado de Carl no hospital Laguna Honda em San Francisco, cheguei à conclusão de que "no presente não há perguntas; há apenas ser". Mas por quê? Essa pergunta me ocorreu logo depois que terminei de escrever a história da National Geographic. Meu amigo Arlan Wise e eu estávamos comemorando o sucesso do fim da empreitada, sentados diante de uma magnífica paisagem típica de Marthas Vineyard. Muitas vezes, quando fico assim entretido com meus pensamentos, passo de carro por cenários similares por aqui e observo bem todos eles. Mas, através da minha nova porta de percepção, o que era comum assumia um significado extraordinário. Estávamos perfeitamente satisfeitos, sem ter para onde ir, nada para fazer, nenhum papel para representar. As perguntas vinham da insatisfação, das dúvidas e das incertezas, de pensar que há mais ali do que estamos vendo. Mas viver completamente o momento, em tal estado alterado de satisfação, já basta. Mesmo o jornalista, "despido de suas perguntas", pode se desapegar de sua identidade. Até aquele momento passar. Como aconteceu aquele dia.
E disto eu tenho certeza: assim como o budismo mudou e evoluiu, com o tempo e em cada cultura, ele continuará a mudar e a evoluir. Não é estático; ele também é impermanente. O movimento mundial que acompanhei, do budismo engajado, também vai mudar com as necessidades e as exigências de tempo e lugar. Estou ansioso para registrar sua nova divulgação vindo da lua em breve.
Enquanto isso, de volta a San Francisco, alguém mais ocupou o leito do asilo onde um dia deitou Carl Taylor. E ao lado dessa pessoa está outro voluntário budista, apenas meditando.
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■I
VOCABULÁRIO BUDISTA BÁSICO
A maior parte das palavras associadas ao budismo aparecem com duas grafias diferentes, uma em pali, a língua falada pelo Buda, e a outra em sânscrito, a língua indiana usada para transcrever os textos. A seguir a primeira grafia é em pali.
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