A vida é cheia de sofrimento, solidão e dor — e tudo isso termina rápido demais.
- WOODY ALLEN
O humor judeu nasceu da necessidade: rir ante milhares de anos de perseguição foi um mecanismo muito eficiente para encarar isso. E também provou ser um ótimo remédio quando Norman Cou-sins, um judeu, literalmente rindo se curou de espondilite anquilo-sante, uma doença muito dolorosa que provoca a desintegração do tecido conectivo da coluna vertebral. Ele publicou suas descobertas no New EnglandJournal of Medicine em 1976 e três anos depois em seu livro Anatomy ofan Illness (Anatomia de urna doença).
Os judeus não são os únicos a terem bom humor e a dar importância ao riso e a conhecer a aplicabilidade do riso contra o sofrimento humano. Mas quando lemos os créditos no final dos filmes e dos seriados na TV, e os nomes dos comediantes nas casas de espetáculo, temos de admitir que eles talvez sejam os acionistas majoritários mesmo.
Por isso fazia sentido - considerando que estamos em San Francisco — que o homem que se considerava o primeiro budista comediante e humorista fosse de origem judaica. E também fazia sentido esse cara ser um dos meus melhores amigos.
Num palco vazio no Marsh, um teatro ofF-off-off-Broadway no bairro predominantemente latino de Mission, fui assistir à apresentação de Wes Nisker.
- Antes de me tornar budista, eu me preocupava com a minha vida. - Pausa. - Agora eu me preocupo com a minha próxima vida.
Nisker é um homem muito magro, de 60 anos, cujo rosto parece de borracha, com orelhas proeminentes e sorriso largo onisciente que evoca a expressão irônica do seu primeiro professor de sabedoria, Alfred E. Neuman, o mascote " What me worry" (cuca fresca) da revista Mad.
Ele solta suas piadas zen com a precisão do timing dos hotéis das montanhas Catskill onde os judeus costumam passar as férias de verão, que chamam de cinturão borscht.
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- O discípulo se aproxima do mestre e faz a pergunta anti-qüíssima: "Toe, toe?" O mestre responde com a pergunta espiritual número um: "Quem está aí?" - Outra pausa. - Se vocês não entenderam a piada, vão reencarnar sem parar até entender.
O público, uma mistura de antigos hippies, yippies e yuppies, salpicados com uma geração mais nova atraída pelas coisas orientais, deu risada, se autodepreciando. Entenderam o humor dele como se fosse um código do grupo. Ouvi o som de muitos aplausos.
Eu devia incluir aqui as credenciais de Nisker, além de ser meu amigo. Acontece que ele também é co-editor de Inquiring Mind, uma revista internacional semestral para praticantes de vipassana; escreveu alguns livros sobre budismo, inclusive Essen-tial Crazy Wisdom (Sabedoria maluca essencial) e The Big Bang, the Buddha, and the Baby Boom (O big-bang, o Buda e o baby boom); e há muito tempo ele é professor de meditação e orador de um retiro. No entanto, é mais conhecido na Bay Área como "Scoop" Nisker, locutor e comentarista de uma rádio FM, que desde o fim da década de 1960 tem mirado com extremo rigor contra os fanáticos direitistas, defensores da guerra, a Amerika corporativa e poluidores ambientais.
Ele é também a prova número um quando se responde à pergunta: "O que é que um garoto judeu honesto está fazendo num mosteiro budista como esse?" A história dele começou na alienação, cercado por trigais, nos anos 40, uma das únicas famílias judias em Norfolk, Nebraska. Ele se identificava com os anti-heróis de celulóide e alienados dos anos 50 como Brando e James Dean. Seguiu esse tema na faculdade enquanto absorvia os existencialistas Sartre, Camus. Depois de ler os transcendentalistas, "Self Reliance " (Autoconfiança) de Emerson ("Enfim nada é sagrado, apenas a integridade da nossa própria mente") e Leaves of Grass [Folhas da relvd) de Whitman ("Eu comemoro a mim mesmo..."), Nisker aceitou a sugestão de Buda de "ser uma luz para si mesmo". Quando chegou a Kerouac, Ginsberg, Gary Snyder e os outros beats, já estava preparado para uma filosofia que refutava Deus e qualquer outra autoridade, que admitia o sofrimento, mas que também oferecia uma saída não dogmática.
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Em 1970 ele foi parar em Bodh Gaya, na índia, fez o retiro de Goenka, conheceu John Bush, Ram Dass, Daniel Goleman e outros da vanguarda da síntese leste-oeste.
Recentemente criou um monólogo cômico, baseado no The Big Bang, the Buddha, and the Baby Boom, misturando frases de efeito com sua odisséia pessoal e idéias sobre a cosmologia budista, a teoria do big bang, a física quântica e a geração dos baby boo-mers, sempre difamada, junto com a sabedoria de diversos sábios das leituras dele. Se tivesse crescido em outro bairro talvez se tornasse freqüentador do cinturão borscht nas montanhas Catskill de Nova York. Em vez disso ele viaja pelo cinturão norte-americano do Buda, com seu show solo no Esalen Institute em Big Sur, Califórnia, no Spirit Rock em Sonomia Country, Califórnia, na Insight Meditation Society em Barre, Massachusetts, no Omega Institute em Rhinebeck, Nova York, na Ásia Society em Manhattan e em centros de retiro por toda parte.
O desempenho dele, enfeitado com canções que ele mesmo escreve, consegue fazer do sofrimento um motivo de riso. Ele é Woody Allen que encontra o Dalai Lama. Apesar de confessar ter um relacionamento ambivalente com suas raízes judaicas, no palco o schtick rola naturalmente:
- Vocês já notaram quantos judeus se tornam budistas? Num tributo a essa polinização cruzada espiritual, estou começando uma seita completamente nova. Vamos nos chamar de povo bu-deu. Nosso mantra será "Om, shalom".
"Eu já estou começando a entrar em sintonia com o guru bu-deu, o Swami de Miami, que lê gráficos astrológicos de dia e à noite faz malabarismos com corda no saguão do Fontainebleau."
Sou um cínico em processo de recuperação, ele me disse mais tarde, mantendo as respostas espirituosas com seus amigos. Estávamos sentados numa banheira de madeira com água quente nos fundos da cabana que ele alugou em Oakland, Califórnia, com a mulher dele, Terry Vandiver, professora de paisagismo e de ioga. O andar leve e o cabelo cheio e preto escondem a idade dele, assim como os olhos atentos que dão a impressão que estão sempre bolando uma piada. Nós nos conhecemos vinte anos atrás,
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através do largo círculo dharma que formava uma ponte entre as duas costas dos Estados Unidos. Além do humor judeu cínico e voltado contra nós mesmos e apesar disso uma visão otimista da vida, nós dois éramos pais solteiros com filhas da mesma idade. Nós nos reuníamos em fins de semana de pais e filhas. Eu e ele, e nossas filhas, ríamos 48 horas seguidas, sem parar. Com a minha nova lente budista, eu agora o considerava o meu Sangha.
Quando ele fica sério, é bem versado em filosofia budista e isso passa o recado que ele quer dar.
- Eu espero — diz ele — que o meu show nos lembre que devemos ficar tranqüilos com a vida e suas condições, que devemos continuar deslumbrados com seu mistério essencial e aprender como cuidar melhor dela.
Ele atribui seu senso de humor zen à sua criação judaica. Único garoto judeu na pequena cidade de Nebraska, quando chegou o momento do seu bar mitzvah e ele teve de fazer um curso com um rabino itinerante que chegava num ônibus Greyhound, ele disse: "Ia me preparar para fazer parte de uma comunidade que não existia na minha cidade natal. Isso é zen ou não é?"
Ainda ativista político, ele propõe um novo movimento que acredita poderá resolver muitos problemas dos Estados Unidos. Chama de socialismo zen.
- Zen, de nos libertar - explicou ele -, socialismo, de juntos, libertar-nos juntos.
E então ele voltava para seu discurso pessoal como se fosse um convidado no programa de Jay Leno.
- O primeiro passo seria os Estados Unidos renunciarem ao papel de superpotência. Como um país comum, poderíamos redirecionar nosso orçamento de 500 bilhões de dólares por ano da defesa para construir os maiores sistemas de educação e de saúde do mundo. Para facilitar a transição, eu apresentaria um plano, parecido com o New Deal, chamado de New Age Deal, ou O Grande Salto para Trás.
"Criaria um Ministério de Meditação e Terapia, com centros para desprogramar e ensinar as pessoas hiperativas a serem membros menos produtivos de uma sociedade menos produtiva.
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Então elas seriam postas para trabalhar em linhas de desmonta-gem, enterrariam metais de volta no solo e desconstruiriam rodovias. Convidaríamos os países do Terceiro Mundo a enviar voluntários para nos ensinar a viver com menos e a fazer a sesta.
"Depois faríamos o que fazemos melhor: entreter. Convidaríamos a todos para testemunhar o primeiro declínio e queda intencionais num parque temático chamado Ex-grande América. As descidas da montanha-russa seriam espetaculares", ele disse, com um sorriso onisciente ocupando o rosto todo.
Diante dos meus olhos, talvez devido ao calor da banheira de água quente, talvez pela diferença dos fusos horários que estava me afetando, talvez por ter visto imagens demais do Buda naqueles dois meses, eu vi o rosto expressivo dele sumindo e voltando, entre Alfred E. Neuman e Sakyamuni.
A leveza de Wes é uma soma bem-vinda ao cenário budista que em geral é sóbrio, e representa uma distorção exclusivamente norte-americana. Talvez porque somos uma sociedade tão estressada que precisamos mais desse lenitivo do humor do que outros países. Mas não é que os norte-americanos levem o budismo menos a sério. Na verdade, comparado com outros países, eu agora compreendia que os praticantes leigos norte-americanos do budismo muitas vezes davam mais ênfase à prática da meditação, à leitura de livros sobre o budismo, a assistir a palestras e a participar de debates intelectuais sobre a filosofia budista do que os asiáticos. Onde provavelmente falhamos é que depois que levantamos da almofada, que guardamos os livros e saímos do salão da palestra, berramos revoltados com alguém que reboca um trailer na rua. E na prática do dia-a-dia que o humor de Wes se torna uma nova ferramenta excelente feita na América para o Dhamma. Por exemplo, eu costumava não gostar nada daquelas carinhas amarelas e sorridentes, onipresentes, que aparecem na minha caixa de mensagens. Agora elas me fazem lembrar de Scoop e também se transformam no rosto sorridente do Buda.
Wes Nisker é o mais novo numa linhagem de inovadores norte-americanos budistas que podem rastrear suas origens formais
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neste continente até 1893. Naquele ano, da Feira Mundial de Chicago, o Parlamento Mundial das Religiões recebeu representantes da índia, do Japão, da China, do Sião e do Ceilão, que falavam respectivamente em prol dos hinduístas, dos parsis, dos sikhs, dos jainístas, dos confucionistas e dos que praticam o zen-budismo e outras seitas budistas, exibindo um novo campo chamado de religião comparada. Mas a maioria dos delegados e da audiência eram cristãos "que ainda argumentavam que o desenvolvimento mais elevado do impulso religioso só podia ser encontrado na cristandade", como Rick Fields registra em How the Swans Carne to the Lake. (Fields, também judeu, descobriu este fato engraçado: O Journal ofthe Mahabodhi Society revelou que no fim desse parlamento um cavalheiro chamado Charles T. Strauss, empresário de 30 anos de idade da cidade de Nova York, fez os votos dos Três Refúgios e tornou-se a primeira pessoa admitida no budismo em solo norte-americano. Acontece que Strauss, observa Fields, é judeu.)
Entre os palestrantes estava Anagarika Dharmapala, do Ceilão e que, você deve lembrar, tinha sido iniciado pelos ocidentais Olcott e Blavatsky. Orador inflamado, Dharmapala em certo ponto perguntou quantos entre os presentes tinham lido a vida do Buda. Cinco mãos foram erguidas e ele deu uma bronca em todos.
— Só cinco! Quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas aceitam nossa religião de amor e esperança. Vocês se chamam uma nação, uma grande nação, e no entanto não conhecem a história desse grande mestre. Como ousam nos julgar!?
Apesar do potencial para criar mais cismas entre os ismos, o evento foi realizado de forma bastante ecumênica e realmente disseminou as sementes das idéias asiáticas religiosas na paisagem fértil dos Estados Unidos. Outro que discursou foi um roshi japonês chamado Soyen Shaku, representando a seita Rinzai do zen e o primeiro mestre zen a visitar aquelas paragens. Ele retornou em 1905 e deu palestras por todos os Estados Unidos; aliás, encontrei um discurso chamado "O que é o budismo?", que ele fez em Washington D.O, para a National Geographic Society em abril de 1906. Foi o aluno de Soyen Shaku, Daisetz Teitaro Suzuki, que
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cultivou ainda mais a tradição zen nos Estados Unidos quando Soyen o incumbiu de traduzir os escritos asiáticos para o dr. Paul Carus, editor de uma pequena editora em Illinois, a Open Court Press. Carus, escreve Fields, "acreditava que o budismo era muito melhor equipado do que o cristianismo para cobrir aquela brecha que tinha se alargado entre a ciência e a religião, já que não dependia de milagres ou de fé". A pletora das revistas atuais norte-americanas — Turning Wheel, Shambhala Sun, Inquiring Mind, Tricycle - tem um débito com esse pioneiro na fronteira das editoras budistas nos Estados Unidos.
D. T. Suzuki passou a escrever ele mesmo em inglês, inclusive o que se tornou uma leitura obrigatória para muitos aspirantes a beatniks budistas. An Introduction to Zen Buddhism {Introdução ao zen-budismo), publicado em 1934, que incluía um prefácio do estimado psiquiatra C. G. Jung, que achei iluminado e ao mesmo tempo confuso. Iluminado porque mesmo esse homem brilhante se atrapalha quando tem de pôr em palavras a essência do zen. Confuso ao tentar interpretar essa tentativa, mesmo diluída, para as cabeças ocidentais. Ao dar uma definição para satori, um estado que não é nem de iluminação nem de transcendência, primeiro ele procura usar a tradição muito antiga das parábolas. Escreve sobre o monge que se aproximou do mestre e quis saber onde era a entrada para o caminho da verdade. O mestre perguntou para ele: "Você ouve o murmúrio do riacho?" "Sim, ouço", respondeu o monge. "Essa é a entrada", instruiu o mestre.
Herr Jung devia ter parado por aí, mas ele se esforçou para ir mais longe. "É muito melhor nos deixar ficar profundamente imbuídos de antemão com a obscuridade exótica, o mistério das histórias zen, e tendo em mente o tempo todo que satori é o mysterium ineffabile, como de fato os mestres zen desejam que seja. Entre as histórias e a iluminação mística existe, para a nossa compreensão, um golfo, a possibilidade de criar uma ponte, que pode, na melhor das hipóteses, ser indicada, mas jamais realizada na prática." Ele está tão frustrado com o próprio fracasso de oferecer clareza que faz o que o intelectual ocidental sempre faz: acrescenta mais palavras. Numa nota de rodapé sobre esse comen-
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tário, ele diz: "Se apesar disso eu buscar 'explicações' do que virá a seguir, mesmo assim estarei perfeitamente consciente de que no sentido do satori o que eu digo só pode ser inútil. Mas não pude resistir e resolvi tentar manobrar nossa compreensão ocidental pelo menos até se aproximar de um entendimento — tarefa tão difícil que ao fazer isso devemos assumir nós mesmos certos crimes contra o espírito zen."
No final ele levanta os braços e se rende: "Por esses e muitos outros motivos não é recomendável, nem possível uma transmissão direta do zen para o Ocidente." No entanto ele abre uma porta para o diálogo que muitos nesse campo de pesquisas do corpo e da mente, a psicologia Oriente-Ocidente e a medicina holística se uniram nos anos recentes. Ele escreve: "Mas o psicote-rapeuta que está seriamente preocupado com a questão dos objetivos da sua terapia não pode ficar insensível ao observar qual é o resultado principal que um método oriental de 'cura espiritual -isto é, 'tornar inteiro' - se empenha em obter." Esses comentários levaram a novas explorações para superar a distância entre o pensamento ocidental e a psicologia oriental. Hoje em dia essa conversa continua, liderada pelo psiquiatra Mark Epstein {Thoughts Without a Thinker - Pensamentos sem um pensador), o psicólogo e jornalista Daniel Goleman {EmotionalInteligence — Inteligência emocional), o psicólogo Paul Ekman {Emotions Revealed— Emoções reveladas) e os diálogos entre Sua Santidade o Dalai Lama e pensadores ocidentais de vanguarda, patrocinados pelo Mind & Life Institute.
Se o budismo tivesse aterrissado nos Estados Unidos antes dos nativos norte-americanos terem sido relegados às reservas e reduzidos a clichês de índio e mascotes de equipes esportivas, teria se misturado com uma religião indígena mais parecida com a que encontrou, por exemplo, na Tailândia e na China. Apesar de cada tribo ter suas práticas específicas, a maioria dos nativos norte-americanos segue uma crença baseada na natureza, no sistema animista. Suas figuras míticas eram inspiradas em coiotes, águias, tartarugas, cavalos e outros animais que viviam perto deles. Eles
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Em 1970 ele foi parar em Bodh Gaya, na Índia, fez o retiro de Goenka, conheceu John Bush, Ram Dass, Daniel Goleman e outros da vanguarda da síntese leste-oeste.
Recentemente criou um monólogo cômico, baseado no The Big Bang, the Buddha, and the Baby Boom, misturando frases de efeito com sua odisséia pessoal e idéias sobre a cosmologia budista, a teoria do big bang, a física quântica e a geração dos baby boo-mers, sempre difamada, junto com a sabedoria de diversos sábios das leituras dele. Se tivesse crescido em outro bairro talvez se tornasse freqüentador do cinturão borscht nas montanhas Catskill de Nova York. Em vez disso ele viaja pelo cinturão norte-americano do Buda, com seu show solo no Esalen Institute em Big Sur, Califórnia, no Spirit Rock em Sonomia Country, Califórnia, na Insight Meditation Society em Barre, Massachusetts, no Omega Institute em Rhinebeck, Nova York, na Ásia Society em Manhattan e em centros de retiro por toda parte.
O desempenho dele, enfeitado com canções que ele mesmo escreve, consegue fazer do sofrimento um motivo de riso. Ele é Woody Allen que encontra o Dalai Lama. Apesar de confessar ter um relacionamento ambivalente com suas raízes judaicas, no palco o schtick rola naturalmente:
- Vocês já notaram quantos judeus se tornam budistas? Num tributo a essa polinização cruzada espiritual, estou começando uma seita completamente nova. Vamos nos chamar de povo bu-deu. Nosso mantra será "Om, shalom".
"Eu já estou começando a entrar em sintonia com o guru bu-deu, o Swami de Miami, que lê gráficos astrológicos de dia e à noite faz malabarismos com corda no saguão do Fontainebleau."
Sou um cínico em processo de recuperação, ele me disse mais tarde, mantendo as respostas espirituosas com seus amigos. Estávamos sentados numa banheira de madeira com água quente nos fundos da cabana que ele alugou em Oakland, Califórnia, com a mulher dele, Terry Vandiver, professora de paisagismo e de ioga. O andar leve e o cabelo cheio e preto escondem a idade dele, assim como os olhos atentos que dão a impressão que estão sempre bolando uma piada. Nós nos conhecemos vinte anos atrás,
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através do largo círculo dharma que formava uma ponte entre as duas costas dos Estados Unidos. Além do humor judeu cínico e voltado contra nós mesmos e apesar disso uma visão otimista da vida, nós dois éramos pais solteiros com filhas da mesma idade. Nós nos reuníamos em fins de semana de pais e filhas. Eu e ele, e nossas filhas, ríamos 48 horas seguidas, sem parar. Com a minha nova lente budista, eu agora o considerava o meu Sangha.
Quando ele fica sério, é bem versado em filosofia budista e isso passa o recado que ele quer dar.
- Eu espero - diz ele - que o meu show nos lembre que devemos ficar tranqüilos com a vida e suas condições, que devemos continuar deslumbrados com seu mistério essencial e aprender como cuidar melhor dela.
Ele atribui seu senso de humor zen à sua criação judaica. Único garoto judeu na pequena cidade de Nebraska, quando chegou o momento do seu bar mitzvah e ele teve de fazer um curso com um rabino itinerante que chegava num ônibus Greyhound, ele disse: "Ia me preparar para fazer parte de uma comunidade que não existia na minha cidade natal. Isso é zen ou não é?"
Ainda ativista político, ele propõe um novo movimento que acredita poderá resolver muitos problemas dos Estados Unidos. Chama de socialismo zen.
- Zen, de nos libertar - explicou ele -, socialismo, de juntos, libertar-nos juntos.
E então ele voltava para seu discurso pessoal como se fosse um convidado no programa de Jay Leno.
- O primeiro passo seria os Estados Unidos renunciarem ao papel de superpotência. Como um país comum, poderíamos redirecionar nosso orçamento de 500 bilhões de dólares por ano da defesa para construir os maiores sistemas de educação e de saúde do mundo. Para facilitar a transição, eu apresentaria um plano, parecido com o New Deal, chamado de New Age Deal, ou O Grande Salto para Trás.
"Criaria um Ministério de Meditação e Terapia, com centros para desprogramar e ensinar as pessoas hiperativas a serem membros menos produtivos de uma sociedade menos produtiva.
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Então elas seriam postas para trabalhar em linhas de desmonta-gem, enterrariam metais de volta no solo e desconstruiriam rodovias. Convidaríamos os países do Terceiro Mundo a enviar voluntários para nos ensinar a viver com menos e a fazer a sesta.
"Depois faríamos o que fazemos melhor: entreter. Convidaríamos a todos para testemunhar o primeiro declínio e queda intencionais num parque temático chamado Ex-grande América. As descidas da montanha-russa seriam espetaculares", ele disse, com um sorriso onisciente ocupando o rosto todo.
Diante dos meus olhos, talvez devido ao calor da banheira de água quente, talvez pela diferença dos fusos horários que estava me afetando, talvez por ter visto imagens demais do Buda naqueles dois meses, eu vi o rosto expressivo dele sumindo e voltando, entre Alfred E. Neuman e Sakyamuni.
A leveza de Wes é uma soma bem-vinda ao cenário budista que em geral é sóbrio, e representa uma distorção exclusivamente norte-americana. Talvez porque somos uma sociedade tão estressada que precisamos mais desse lenitivo do humor do que outros países. Mas não é que os norte-americanos levem o budismo menos a sério. Na verdade, comparado com outros países, eu agora compreendia que os praticantes leigos norte-americanos do budismo muitas vezes davam mais ênfase à prática da meditação, à leitura de livros sobre o budismo, a assistir a palestras e a participar de debates intelectuais sobre a filosofia budista do que os asiáticos. Onde provavelmente falhamos é que depois que levantamos da almofada, que guardamos os livros e saímos do salão da palestra, berramos revoltados com alguém que reboca um trailer na rua. E na prática do dia-a-dia que o humor de Wes se torna uma nova ferramenta excelente feita na América para o Dhamma. Por exemplo, eu costumava não gostar nada daquelas carinhas amarelas e sorridentes, onipresentes, que aparecem na minha caixa de mensagens. Agora elas me fazem lembrar de Scoop e também se transformam no rosto sorridente do Buda.
Wes Nisker é o mais novo numa linhagem de inovadores norte-americanos budistas que podem rastrear suas origens formais
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neste continente até 1893. Naquele ano, da Feira Mundial de Chicago, o Parlamento Mundial das Religiões recebeu representantes da índia, do Japão, da China, do Sião e do Ceilão, que falavam respectivamente em prol dos hinduístas, dos parsis, dos sikhs, dos jainístas, dos confucionistas e dos que praticam o zen-budismo e outras seitas budistas, exibindo um novo campo chamado de religião comparada. Mas a maioria dos delegados e da audiência eram cristãos "que ainda argumentavam que o desenvolvimento mais elevado do impulso religioso só podia ser encontrado na cristandade", como Rick Fields registra em How the Swans Carne to the Lake. (Fields, também judeu, descobriu este fato engraçado: O Journal ofthe Mahabodhi Society revelou que no fim desse parlamento um cavalheiro chamado Charles T. Strauss, empresário de 30 anos de idade da cidade de Nova York, fez os votos dos Três Refúgios e tornou-se a primeira pessoa admitida no budismo em solo norte-americano. Acontece que Strauss, observa Fields, é judeu.)
Entre os palestrantes estava Anagarika Dharmapala, do Ceilão e que, você deve lembrar, tinha sido iniciado pelos ocidentais Olcott e Blavatsky. Orador inflamado, Dharmapala em certo ponto perguntou quantos entre os presentes tinham lido a vida do Buda. Cinco mãos foram erguidas e ele deu uma bronca em todos.
— Só cinco! Quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas aceitam nossa religião de amor e esperança. Vocês se chamam uma nação, uma grande nação, e no entanto não conhecem a história desse grande mestre. Como ousam nos julgar!?
Apesar do potencial para criar mais cismas entre os ismos, o evento foi realizado de forma bastante ecumênica e realmente disseminou as sementes das idéias asiáticas religiosas na paisagem fértil dos Estados Unidos. Outro que discursou foi um roshi japonês chamado Soyen Shaku, representando a seita Rinzai do zen e o primeiro mestre zen a visitar aquelas paragens. Ele retornou em 1905 e deu palestras por todos os Estados Unidos; aliás, encontrei um discurso chamado "O que é o budismo?", que ele fez em Washington D.C., para a National Geographic Society em abril de 1906. Foi o aluno de Soyen Shaku, Daisetz Teitaro Suzuki, que
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cultivou ainda mais a tradição zen nos Estados Unidos quando Soyen o incumbiu de traduzir os escritos asiáticos para o dr. Paul Carus, editor de uma pequena editora em Illinois, a Open Court Press. Carus, escreve Fields, "acreditava que o budismo era muito melhor equipado do que o cristianismo para cobrir aquela brecha que tinha se alargado entre a ciência e a religião, já que não dependia de milagres ou de fé". A pletora das revistas atuais norte-americanas — Turning Wheel, Shambhala Sun, Inquiring Mind, Tricycle - tem um débito com esse pioneiro na fronteira das editoras budistas nos Estados Unidos.
D. T. Suzuki passou a escrever ele mesmo em inglês, inclusive o que se tornou uma leitura obrigatória para muitos aspirantes a beatniks budistas. An Introduction to Zen Buddhism {Introdução ao zen-budismo), publicado em 1934, que incluía um prefácio do estimado psiquiatra C. G. Jung, que achei iluminado e ao mesmo tempo confuso. Iluminado porque mesmo esse homem brilhante se atrapalha quando tem de pôr em palavras a essência do zen. Confuso ao tentar interpretar essa tentativa, mesmo diluída, para as cabeças ocidentais. Ao dar uma definição para satori, um estado que não é nem de iluminação nem de transcendência, primeiro ele procura usar a tradição muito antiga das parábolas. Escreve sobre o monge que se aproximou do mestre e quis saber onde era a entrada para o caminho da verdade. O mestre perguntou para ele: "Você ouve o murmúrio do riacho?" "Sim, ouço", respondeu o monge. "Essa é a entrada", instruiu o mestre.
Herr Jung devia ter parado por aí, mas ele se esforçou para ir mais longe. "E muito melhor nos deixar ficar profundamente imbuídos de antemão com a obscuridade exótica, o mistério das histórias zen, e tendo em mente o tempo todo que satori é o mysterium ineffabile, como de fato os mestres zen desejam que seja. Entre as histórias e a iluminação mística existe, para a nossa compreensão, um golfo, a possibilidade de criar uma ponte, que pode, na melhor das hipóteses, ser indicada, mas jamais realizada na prática." Ele está tão frustrado com o próprio fracasso de oferecer clareza que faz o que o intelectual ocidental sempre faz: acrescenta mais palavras. Numa nota de rodapé sobre esse comen-
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tário, ele diz: "Se apesar disso eu buscar 'explicações' do que virá a seguir, mesmo assim estarei perfeitamente consciente de que no sentido do satori o que eu digo só pode ser inútil. Mas não pude resistir e resolvi tentar manobrar nossa compreensão ocidental pelo menos até se aproximar de um entendimento - tarefa tão difícil que ao fazer isso devemos assumir nós mesmos certos crimes contra o espírito zen."
No final ele levanta os braços e se rende: "Por esses e muitos outros motivos não é recomendável, nem possível uma transmissão direta do zen para o Ocidente." No entanto ele abre uma porta para o diálogo que muitos nesse campo de pesquisas do corpo e da mente, a psicologia Oriente-Ocidente e a medicina holística se uniram nos anos recentes. Ele escreve: "Mas o psicote-rapeuta que está seriamente preocupado com a questão dos objetivos da sua terapia não pode ficar insensível ao observar qual é o resultado principal que um método oriental de 'cura' espiritual -isto é, 'tornar inteiro' - se empenha em obter." Esses comentários levaram a novas explorações para superar a distância entre o pensamento ocidental e a psicologia oriental. Hoje em dia essa conversa continua, liderada pelo psiquiatra Mark Epstein (Thoughts Without a Thinker - Pensamentos sem um pensador), o psicólogo e jornalista Daniel Goleman (EmotionalInteligence — Inteligência emocional), o psicólogo Paul Ekman {Emotions Revealed— Emoções reveladas) e os diálogos entre Sua Santidade o Dalai Lama e pensadores ocidentais de vanguarda, patrocinados pelo Mind & Life Institute.
Se o budismo tivesse aterrissado nos Estados Unidos antes dos nativos norte-americanos terem sido relegados às reservas e reduzidos a clichês de índio e mascotes de equipes esportivas, teria se misturado com uma religião indígena mais parecida com a que encontrou, por exemplo, na Tailândia e na China. Apesar de cada tribo ter suas práticas específicas, a maioria dos nativos norte-americanos segue uma crença baseada na natureza, no sistema animista. Suas figuras míticas eram inspiradas em coiotes, águias, tartarugas, cavalos e outros animais que viviam perto deles. Eles
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rezam para os espíritos dessas entidades pedindo saúde, fortuna, fertilidade e bom tempo. A própria terra e todos os seres vivos nela fazem parte de uma totalidade que eles veneram como o Grande Espírito. Os anciãos e sua linhagem ancestral são muito valorizados. Xamãs, guias espirituais, curandeiros, lugares e rituais sagrados todos desempenham um papel na espiritualidade dos nativos norte-americanos.
Só que em vez disso existe uma cristandade que já havia se desmembrado em muitas facções. Os puritanos separatistas e os puritanos da linha principal tinham se unido e formado os con-gregacionalistas. Membros da Igreja Anglicana mais tarde viraram episcopais. Presbiterianos, batistas, metodistas, quakers, shakers, luteranos - eram tantos que faziam as seitas japonesas budistas parecerem coesas. Assim, o cenário religioso aqui era similar ao passado de países que eu tinha visitado nos últimos dois meses, nos quais o caos espiritual e a insatisfação com as instituições existentes faziam as pessoas buscarem as respostas fora dos seus paradigmas teológicos comuns.
No fim da era vitoriana nos Estados Unidos "havia uma insatisfação crescente com as respostas dadas pelas religiões tradicionais da época", escreve Charles Prebish, professor assistente de religião na Universidade Estadual de Penn, na introdução de The Faces of Buddhism in America (As faces do budismo na América). Mas enquanto "os simpatizantes do budismo são favoráveis à ênfase de meados do período vitoriano no otimismo e no ativis-mo como valores culturais importantes, no todo a caracterização do budismo como pessimista e passivo foi um argumento muito mais forte para seus detratores".
Nos calcanhares de uma Guerra Civil que deixou o país manchado de sangue e dividido, a Revolução pós-industrial da era vitoriana marcou a rápida ascensão da opulência norte-americana. Os Rockefeller e Carnegie estabeleceram o ritmo para um consumismo sem paralelo aqui e no exterior. Será que a decadência e a queda estariam muito longe? Pelo que eu tinha visto, era em tempos como esse, quando os indivíduos e/ou os países já tinham alimentado seu fantasma faminto, mas continuavam insa-
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tisfeitos, que se voltavam para o budismo. Os Estados Unidos estavam chegando a esse ponto.
Depois, conforme sugeri anteriormente, aconteceu a oportuna chegada de algumas ondas de asiáticos. A forma mais recente -e uma das mais populares — que se juntou ao caldeirão budista norte-americano veio do Tibete. O carisma simples e as incansáveis viagens de Sua Santidade o Dalai Lama têm algo a ver com esse apelo, assim como a atração inerentemente mágica da terra de sua origem, "o teto do mundo". A urgência política de um povo oprimido e o resultante movimento pelo Tibete Livre se somam na transformação do budismo tibetano em mais do que apenas uma religião - passou a ser uma causa célebre. Celebridade e uma causa - ora, isso é bem norte-americano!
O budismo tibetano é tão confuso para mim quanto o cristianismo, com suas quatro escolas — Nyingma, também chamada de Chapéus Vermelhos; Kagyü, também chamada de Chapéus Vermelhos, mas às vezes de Chapéus Pretos; Geluk, chamada de Chapéus Amarelos (a seita do Dalai Lama); e Sakya, cujos chapéus, os turbantes cerimoniais, apesar de vermelhos, não são chamados de Chapéus Vermelhos - e seus tülkus e karmapas e rinpo-ches e lamas.
Essa complexidade foi reconhecida por um tibetano que teve grande importância ao reapresentar o budismo tibetano com nova roupagem, e o budismo em geral, para o público ocidental. ChõgyamTrungpa (1939-1987), nascido noTibete, foi o décimo primeiro descendente na linhagem dos tülkus Trungpa, importantes mestres da linhagem Kagyü, a escola tibetana famosa pela forte ênfase dada à prática da meditação. Já líder de alguns mosteiros no Tibete oriental, Chõgyam Trungpa foi forçado a fugir do país para a índia em 1959, aos 20 anos de idade. Na índia, o Dalai Lama indicou-o como conselheiro espiritual dos jovens lamas. Em 1963, Chõgyam Trungpa mudou-se para a Inglaterra para estudar religião comparativa, filosofia e belas-artes na Universidade Oxford. Em 1967 mudou-se para a Escócia, onde fundou o Centro de Meditação Samye Ling, o primeiro centro de prática do budismo tibetano no Ocidente. Logo depois de um acidente
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de automóvel deixá-lo parcialmente paralisado, abandonou os votos monásticos para trabalhar como professor laico. Em 1969 publicou o primeiro dos 14 livros que escreveria na vida. No ano seguinte casou-se com uma jovem inglesa e mudou-se para os Estados Unidos, onde abriu seu primeiro centro de meditação norte-americano, o Tail of the Tiger (Cauda do tigre - agora conhecido como Karmê Chõling), em Barnet, Vermont.
Sua abordagem era inovadora e polêmica. Pessoalmente ele não era exatamente o mais puro dos monges. Espalharam boatos de que bebia e andava com mulheres. Ele saía com o poeta Allen Ginsberg e com o psicólogo de Harvard que se transformou em defensor do LSD e depois no hinduísta Ram Dass. Sabia que seria preciso alguém que falasse a língua deles para tirar os jovens norte-americanos do estado sonâmbulo psicodélico. Em seu livro de 1973, Cutting Through Spiritual Materialism, ele demonstra compreensão do dilema específico enfrentado pelos norte-americanos em busca da espiritualidade diante do princípio que diz que mais é melhor:
Nós podemos ter estudado filosofia ocidental ou filosofia oriental, praticado ioga ou talvez aprendido com dúzias dos maiores mestres. Acreditamos que acumulamos uma enormidade de conhecimento. No entanto, mesmo tendo passado por tudo isso, ainda existe algo para ser abandonado. É extremamente misterioso! Como pode ser? Impossível! Mas infelizmente, é isso mesmo. Nossas vastas coleções de conhecimentos e de experiência são apenas parte do exibicionismo do ego, parte da grandiosa qualidade do ego... Mas o que fizemos foi simplesmente criar uma loja, uma loja de antigüidades... Vasculhamos o mundo inteiro à procura de objetos lindos - índia, Japão, muitos países diferentes. E toda vez que encontrávamos uma antigüidade... achávamos linda e pensávamos que ficaria linda na nossa loja... Mas, quando levamos o objeto para casa e o pusemos lá, tornou-se apenas mais um item da nossa coleção de quinquilharias... A boa compra não se reduz a colecionar um monte de informação ou de beleza, o que envolve é apreciar cada objeto individualmente.
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Em 1974 ele reuniu um grupo dos seus amigos escandalosos em Boulder e criaram uma sessão de diálogos espirituais, oficinas e painéis que ele chamou de Instituto Naropa. Havia lá a Escola Jack Kerouac de Poética Desencarnada, sob a direção de Ginsberg e da poetisa Anne Waldman. Aquelas sessões continuaram acon-
Com Carrie Mattison, sobrinha do autor, diante da Grande Stupa de Dharmakaya, no Centro Shambala das Montanhas Rochosas na periferia de Boulder. Construída para durar mil anos, é em memória de Chógyam Trungpa Rinpoche, o tibetano que fundou a Universidade Naropa.
tecendo vários verões e acabaram levando a horários de aulas que cobriam o ano inteiro. Em 1986 Naropa foi considerada uma faculdade de quatro anos e em 2000 mudou o nome para Universidade Naropa. Hoje tem cerca de 1.100 alunos, dos quais dois terços são universitários e um terço secundarista. A universidade em si consiste em um amontoado de trailers e diversos prédios pequenos atrás de um estacionamento à sombra do extenso cam-pus da Universidade do Colorado.
O currículo é "inspirado no budismo", conforme explica o catálogo da universidade, e oferece uma "educação artística liberal contemplativa... que integra o que há de melhor nas tradições educativas do Oriente e do Ocidente, criando e implementando um novo paradigma no curso superior. Esse modelo procura ajudar os alunos a se conhecerem profundamente para poderem se engajar construtiva e eficazmente num mundo de indivíduos que não são como eles."
A maioria das aulas começa com uma breve meditação. Os cursos de meditação e de filosofia budista são oferecidos como parte do currículo principal. O corpo docente muitas vezes medita em grupo; muitos meditam sozinhos. Quase todos têm um longo histórico de prática budista, mas isso não é exigido.
É a única universidade totalmente oficial com cursos de quatro anos na América do Norte e na Europa cuja missão essencial tem como base o budismo. Como tal, é o melhor exemplo do budismo educativo engajado, tanto no Ocidente como no Oriente. Como você já sabe, inspirou alguns acadêmicos tailandeses.
As verdadeiras raízes de Naropa chegam ao próprio Buda, que enfatizava a educação como pedra fundamental da prática budista. "Conheça bem o que o leva para frente e o que o impede de prosseguir, e escolha o caminho que o levará à sabedoria", ele disse. O Buda dedicou a vida a ensinar, em vez de ficar simplesmente aproveitando o nirvana. Suas primeiras aulas foram em Sarnath, onde o que chamaram de Pôr a Roda do Dharma em Movimento aconteceu, não muito longe de Bodh Gaya. Ele con-
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tinuou ensinando até morrer e, dizem seus seguidores, depois também. As sutras descrevem como seus ensinamentos se desdobraram enquanto o Buda ia passando de aldeia para aldeia com sua Sangha pequena, mas sempre aumentando. Uma vez ele parou num lugar especialmente tranqüilo, perto de umas mangueiras e ficou ali três meses. Depois de um tempo quinhentos
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