Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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Com fia Liming, a mediadora de Beijing, na praça Tiananmen, em cima da linha que separa os lados leste e oeste de Beijing.

Eu não tinha certeza se ela estava distorcendo a doutrina budista para justificar seu trabalho. Mas eu podia imaginar a avenida Madison batendo na porta dela depois de aplicar um estilo zen a essa sua teoria da diferença entre o marketing do Oriente e do Ocidente. Havia princípios budistas por trás dessa teoria.

- O povo na China ainda acha difícil compreender o conceito de individualismo e de criatividade pessoal - explicou ela. -Por isso os anúncios americanos e europeus que vendem a idéia de que você pode ter prazer pessoal ou satisfação com um produto não funciona aqui. Nós damos mais importância à generosidade e à tolerância. Até a geração mais jovem não gosta de mostrar seu egoísmo. Por isso criamos anúncios que apresentam o produto à luz de como ele pode enfatizar esses valores.

Eu não sabia ao certo como isso funcionava com os anúncios de um dos principais clientes dela, fabricante de uma marca muito famosa de bebida. E não perguntei como ela conseguia

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representar a marca com aquele raciocínio budista. Budistas não devem beber. Talvez ela achasse que devia fazer o papel de Mara, a tentação, para desafiar as pessoas a buscar a iluminação. Talvez eu estivesse lhe dando o benefício da dúvida, porque estava me apaixonando pela beleza, pelo charme e pela volubilidade das mulheres chinesas.



No meu último dia, como não tinha tempo para ver a Grande Muralha, os ursos panda, os acrobatas chineses e outros símbolos da China, pedi para Jia levar-me à praça Tiananmen. Eu não sabia que os restos do presidente Mao estão guardados num enorme mausoléu de granito no extremo sul da praça desde a sua morte em 1976. Depois da sala de entrada onde tem uma estátua de Mao feita de mármore, imitando o Memorial Lincoln, o corpo do presidente está dentro de um sarcófago de cristal, com uniforme militar e enrolado na bandeira vermelha do Partido Comunista. Salas laterais do mausoléu contêm relíquias de outros "líderes revolucionários de primeira geração, que fazem deste monumento um verdadeiro Salão Ancestral da Revolução", diz o folheto. A fila para entrar serpenteava em volta do prédio. Eles ainda vão lá? Depois de tudo que ele fez com eles e com o país deles? Mesmo sem ter de ir, sem obrigação? Jia explicou que para alguns aquele lugar poderia ser o Buda de Leshan, uma figura histórica, um símbolo muito significativo. Que significava o quê? Símbolo de quê? Eu já tinha me acostumado a ver as pessoas rodando em volta das relíquias do Buda. Estavam fazendo essa comparação com o presidente Mao?

A praça fica no centro geográfico de Beijing. Há linhas na praça que separam a cidade em quatro quadrantes: norte, sul, leste e oeste. Levei Jia pela mão e a posicionei de modo que ficássemos um de cada lado da linha.

— Está vendo, o Oriente encontra o Ocidente. - Dei risada. -E vivem em paz e harmonia...

- Felizes para sempre - ela completou com seu tom irônico típico.

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MANTER O CORAÇÃO SUTRA DO BUDISMO AINDA BATENDO NO JAPÃO



Você não pode perder sua mentalidade auto-suficiente. Isso não quer dizer uma mente fechada, e sim uma mente vazia e uma mente preparada. Se sua mente está vazia, está sempre pronta para qualquer coisa; está aberta para tudo. Na mente do iniciante existem muitas possibilidades; na mente do perito existem poucas.

- ShuNryu Suzuki, ZenMind, BeginnersMind

Como uma linda flor, cheia de cor, mas sem perfume, são as belas mas infrutíferas palavras daquele que não age de acordo com elas. Mas como uma linda flor, cheia de cor e cheia de perfume, são as belas e frutíferas palavras daquele que age de acordo com elas.

- O Buda, O Dhammapada

Quando cheguei ao Japão, a estação das flores das cerejeiras estava no auge. E um momento breve e agridoce na Terra do Sol Nascente. Doce porque as explosões de rosa e branco são surrealismo "água-com-açúcar". Os parques são cenários tão perfeitos que até ficamos esperando alguém gritar "Corta", e desligar a tela azul. Os fotógrafos amadores japoneses — isto é, a população inteira de 127 milhões — estão todos na rua. Mas o espetáculo das flores acaba rápido demais e as pétalas caídas cobrem todo o país como poças cor-de-rosa de lágrimas, e ficamos com saudade do que mal tivemos tempo de curtir. Bem, é mais uma aula sobre a impermanência.

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Eu tinha passado por várias estações... e por mil anos de história e migração budista... em oito semanas. Minha máquina do tempo teria provocado enjôo de viagem em Marty McFly, o personagem de Eric Stoltz no filme De volta para o futuro. Eu tinha acumulado um monte de idéias que realmente estavam me deixando louco. Era capaz de acompanhar a simplicidade com a qual o budismo havia começado, e até de compreender como e por que lentamente evoluiu e se transformou à medida que atravessava a Ásia, mas achava o budismo japonês complexo e confuso. Quando o Dhamma chegou ao Japão, vindo da China e da Coréia aproximadamente em 550 d.C, devia ser tão irreconhecível para o Buda como um telefone celular. Só comecei a entender como uma metáfora que se adequava à cultura japonesa de mania por câmeras, estudando as fotografias, quadros congelados de momentos significativos espalhados em cima de uma mesa. Algumas selecionadas...



• KUNIO KADOWAKI, um mediador japonês experiente que já tinha visto e feito de tudo com redatores e fotógrafos da National Geographic, apressava-me na rota dos pontos turísticos típicos no meu primeiro dia em Kyoto. Visitamos o templo Rengeo-in de madeira e com setecentos anos de idade, onde 1.001 estátuas de madeira da divindade budista Kannon (o Buda da Compaixão: conhecido como Avalokiteshvara na índia e Kuan Yin na China) estão enfileiradas por 118 metros ao longo de dois salões. Kannon significa, literalmente, "escuta atenta", e pode ser livremente traduzido como "aquele que vê e ouve tudo". Tirei meus sapatos antes de entrar no templo, como é o costume, sempre com muito cuidado para pisar na plataforma de madeira só de meia ou descalço. Mas, quando corria para alcançar Kunio, fui descuidado e deixei meus sapatos desalinhados com os outros sapatos, que não tive tempo de notar que estavam todos enfileirados juntos. Olhei para trás e vi um monge ali perto arrumando meticulosamente meus sapatos para ficarem perfeitamente paralelos com os outros. Pessoal meticuloso, pensei. Esse foi o primeiro sinal de como o povo japonês é capaz de se fixar e empedernir em seu modo de ser.

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Mas compreendi também que eu ia ter de ver e ouvir tudo com um pouco mais de atenção do que estava habituado. O Buda está nos detalhes aqui.

• O CAMINHO DO ARQUEIRO é a arte marcial dos arqueiros zen, conhecida no Japão como kyudo (que se pronuncia quiu-dô). Entrevistei Kanjuro Shibata, vigésima primeira geração de fabricantes de arcos e arqueiros, cujo pai é bem conhecido nos Estados Unidos como o presidente da Zenko International em Boulder, Colorado. Sentados à mesa na sala de jantar da casa dele em Kyoto, notei a bela placa de madeira na parede atrás dele, que ele disse que era o lema do kyudo. Tinha quatro caracteres japoneses lindamente pintados. Pedi a Kunio para traduzir, pensando que apenas quatro caracteres não seriam difíceis de dizer em inglês. Meia hora depois os dois ainda estavam discutindo como devia ser a tradução.

- Mão atinge, mente obtém - sugeriu Kunio. Shibata-sensei, que quase não falava inglês, balançou a cabeça.

- Obter mente, alcançar mão?

Mais uma vez ele balançou a cabeça, indicando que não. Resolvi experimentar.

- Que tal mente boa, mão boa?

- Não exatamente.

- Mente clara, mão firme?

- Mais ou menos - foi o máximo que Kunio me concedeu.

O problema para uma pessoa que não fala japonês é que a língua é tão rica em metáforas, símbolos e referências culturais que levaríamos séculos para compreender realmente. Fã dos haikai, a sucinta forma poética japonesa de 17 sílabas, entendi como devem ser superficiais as traduções desses poemas para o inglês, como deve faltar a profundidade, a amplitude do significado e da textura, comparadas com os originais. E naquele momento pensei: será que os ocidentais tinham a presunção de achar que nós somos capazes de entender o esotérico e mercurial zen-budismo? Com mente clara e mão firme era a única resposta.

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• UM MESTRE DE CALIGRAFIA COM 70 ANOS DE IDADE,

Hakuju Kuiseko estava explicando de onde vem sua inspiração, o que ele sente na hora que encosta o pincel no papel. Pelo menos estava tentando explicar. O problema dessa vez não foi a tradução do japonês para o inglês. Foi a tradução do não-verbal para o verbal. De certa forma aquilo me fez lembrar da dificuldade para explicar a experiência da meditação para alguém que nunca passou por tal experiência. Eu preferia que ele tivesse me mostrado em vez de falar, mas com o meu respeito por deferência recém-descoberto, especialmente pelos sábios idosos asiáticos, não quis parecer presunçoso, por isso não pedi.

Sentada ao meu lado, a mulher dele, Ryokushu, respeitada professora de caligrafia, puxou a minha manga e sussurrou:

- Peça para ele demonstrar.

- Eu não poderia, de jeito nenhum - disse eu.

Num tom que só era compreendido por marido e mulher, ela disse alguma coisa e ele deu um pulo, animado.

- Ele vai demonstrar — disse ela.

Ele pegou alguns pincéis e tinta e debruçou-se sobre uma folha de papel de 40 centímetros no chão. Fechou os olhos, respirou profundamente algumas vezes, quase hiperventilou, e praticamente mergulhou no papel, com pinceladas curtas, certeiras e decididas. Em questão de segundos tinha desenhado um círculo simples que também tinha muita personalidade.

- Quer dizer "mente clara" - explicou a sra. Kuiseko.

Eu não precisava de resposta melhor. Aquilo não era apenas o dilema de fazer uma pessoa cujo veículo de expressão é visual comunicar-se por palavras. Aquilo era mais profundo. Os japoneses não se sentem à vontade com o mundo dos sentimentos, não se sentem à vontade com as palavras "eu", "mim" ou "meu". Eu tinha descoberto isso quando perguntei sobre o relacionamento pessoal deles com o budismo e eles recitaram a biografia do fundador da seita deles, iniciando em 1173 ou uma data assim, e continuando até, mas não incluindo, a vida dos dois. Fiquei pensando no quanto isso tinha a ver com o budismo, com a idéia de que o Caminho, como é chamado, é inexprimível e indescritível.

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E em quanto tinha a ver com até que ponto os japoneses tinham levado o conceito budista de "vazio do eu".



• ELES SÃO CHAMADOS DE MONGES MARATONISTAS. Esses monges, que passam por treinos extremamente rigorosos na seita Tendai, fundada em 805 por Saicho no alto do monte Hiei na periferia de Kyoto, onde alguns outros fundadores de seitas japonesas são treinados, caminham cerca de 30 quilômetros por tri-

Fujinami Genshin é chamado de monge maratonista. Segundo essa tradição Tendai, os monges caminham centenas de quilômetros por trilhas nas montanhas à noite, carregando lampiões e usando roupas de Unho branco, parte de seu treinamento budista.

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lhas nas montanhas. Eles andam à noite, até o início da manhã carregando lampiões e com roupas brancas de linho estranhas, botas de palha e chapéus também de palha, que devem lembrar Iótus. Se eles chegassem à sua porta no Dia das Bruxas, você pensaria que eram alguma brincadeira com personagens de Lewis Carroll. Fazem orações em 255 locais sagrados ao longo do caminho e assim realizam sua tarefa em mil dias consecutivos, ou espalhados em sete anos. Kunio tinha conseguido arrumar uma entrevista com Fujinami Genshin, monge de 45 anos dessa ordem.

Ele disse que a prática devia ajudar a obter a iluminação. Para mim isso parecia aquele tipo de austeridade que o Buda tinha vivenciado — e rejeitado - como forma de chegar à iluminação. Será que o budismo estava regredindo ali no Japão, para as crenças e os rituais védicos pré-Buda? Fujinami não quis entrar nessa discussão. Disse que fazia aquilo porque significava que podia obter uma posição mais alta em algum templo depois de completar o treinamento.

• REVERENDO GENE SEKIYA, japonês norte-americano nascido em Fresno, Califórnia, é diretor do Departamento Internacional da denominação Hongwanji do budismo shin, outra seita, fundada no século XII por Shinran Shonin. O reverendo Sekiya, que hoje vive em Tóquio, é um homem bonito e muito inteligente de 40 anos. Foi um grande alívio para mim conversar sobre o budismo japonês com alguém para quem o inglês era a língua principal. Ele me perguntou o que eu sabia sobre o budismo. Dei-lhe a resposta resumida que eu praticava há uns trinta anos, com alguns intervalos.

- Praticando? - ele perguntou num tom pedante que me fez

ficar na àeÇetVSWa imediatamente, que era o que ele pretendia

mesmo. - Adoro quando ouço os americanos dizerem que "praticam" o budismo. Para uma pessoa japonesa seria como dizer "eu pratico ser japonês".

A prática da qual eu falava, a meditação, é chamada de zazen na tradição zen japonesa. Na tradição chamada de budismo da terra pura é a recitação do nome de Amida Buda - em japonês,

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