Alunos de kungfu em Dengfeng, na China, esperam um dia ter uma escola de artes marciais ou estrelar em um filme.
212
uma empresa numa cidade próxima que usava o nome Shaolin para vender salsichas. O templo estabeleceu a Desenvolvimento Industrial Cia. Ltda. do templo Shaolin de Henan para proteger e administrar o patrimônio intangível do templo Shaolin e para investigar os casos de uso do nome do templo sem autorização.
A tradição do monge kung fu do mosteiro Shaolin é cercada de mistério. Primeiro pensei que era porque os treinos são tão esotéricos que só um grupo muito reduzido seria considerado merecedor de receber os ensinamentos. Agora eu pensava que era porque eles estavam protegendo os direitos autorais. Fazer contato com qualquer um do mosteiro foi impossível meses antes. Finalmente, num e-mail que recebi na Tailândia, a pesquisadora muito eficiente do fotógrafo Steve McCurry, Jennifer Warren, encontrou um homem chamado Richard Russell, médico que virou professor de kung fu em Las Vegas, que por sua vez nos pôs em contato com um monge que prometeu ser "de verdade", como escreveu o dr. Russell.
Mas as perguntas permaneciam sem resposta. Esse homem, Shi De Cheng, vivia no mosteiro? Recebeu treinamento lá? E a maior pergunta de todas: ainda existe uma tradição de monges budistas que vivem e treinam atrás dos grandes muros vermelhos do mosteiro Shaolin? Por trás de todas essas perguntas eu esperava provar que aquela mania aparentemente agressiva e violenta de kung fu, por mais louca que parecesse, era mais um fator que incrementava o crescimento da popularidade do budismo, tanto na China como no Ocidente.
Algumas dessas perguntas foram respondidas quando chegamos ao Centro Shi De Cheng Wushu de Song Shan Shaolin. Já apertei a mão de homens muito fortes na vida, mas havia algo diferente no aperto de mão de Shi De Cheng. Não era só como um torno; era ao mesmo tempo sólido e gentil. E a pose dele, com as pernas curtas um pouco afastadas, fazia com que parecesse uma árvore profundamente enraizada na terra sobre a qual estava. Ele olhou nos meus olhos sem piscar nenhuma vez. Minhas antenas muito bem treinadas para detectar fraudes me disseram que podia confiar nele. Também disseram que ele provavelmente me -
213
derrotaria numa briga, de modo que eu não ia discordar de nada que ele dissesse. E ele contou sua história.
Quando entrou para o mosteiro Shaolin em 1980 aos 15 anos, seu único objetivo era ser um extraordinário mestre de kung fu. Tinha pouco ou nenhum interesse pelo budismo, mas acabou descobrindo que o coração e a alma da prática do kung fu são a filosofia budista. Como a maioria dos jovens, rapazes e moças, descobrem, não se pode fazer kung fu sem "fazer" budismo. Exige concentração, dedicação a uma prática rigorosa e repetitiva, e controle das próprias emoções, ele explicou.
- Esta não é uma arte marcial de ataque - assegurou ele. - A capacidade de dominar a própria raiva ou de ir buscar a vingança estão entre as primeiras aulas que temos. Como diz o antigo ditado Shaolin: "Aquele que entra num combate já perdeu a batalha."
A profunda compreensão e prática dessa filosofia deve excluir a maioria dos filmes de kung fu como superficiais em budismo. Para os que levam a sério, kung fu, surpreendi-me quando concluí isso, é um caminho tão válido para a Verdade do Buda, como é a vipassana.
Ele me disse que estava sinceramente grato às reformas de "abertura" na China.
- Se não fosse por elas, eu seria um lavrador trabalhando no campo todos os dias - disse ele, sem um resquício de ressentimento que eu teria na voz se dissesse isso.
Hoje o devoto monge budista de 40 anos tem uns duzentos alunos, de todas as partes da China. Ele também treinou alunos de todo o mundo e alguns deles abriram escolas na Europa e nos Estados Unidos, para onde ele viaja como o mestre. Um jovem francês que entrevistei estava vivendo e treinando aqui havia seis meses.
- Eu não me interessava pelo budismo - disse ele. - Mas agora quero aprender mais. Quando vejo como o meu mestre é tranqüilo, eu penso, como ficou assim? Não pode ser só o kung fu.
Depois que observei um pouco as sessões práticas matinais, Shi De Cheng organizou uma breve exibição para mim. Eu me senti como um dignitário sentado numa fila de cadeiras dobráveis
214
no pátio atrás da escola. Estenderam um pano colorido de 30 metros no chão e alguns dos melhores alunos de Shi De Cheng, com longos mantos vermelhos ou calças brancas bem largas e jaquetas de kung fu deram um espetáculo de saltos, saltos-mortais, e corridas e mergulhos. Depois de cada formação olhavam para mim, querendo a minha aprovação. Eu batia palmas realmente impressionado com a precisão e a dedicação daqueles jovens.
Ansioso para ver o famoso templo Shaolin, partimos em uma van, Fu Ching, o rapaz francês, Shi De Cheng, eu e alguns outros mais chegados ao mestre, para uma viagem de 10 quilômetros ao longo da base do monte Song. Quando chegamos perto pude ver uma longa fila de carros diante do portão da frente. Shi De Cheng orientou o motorista para sair da fila e avançar até o portão. Quando os guardas viram seu rosto sorridente, acenaram para ele passar. Foi então que eu soube que tínhamos encontrado o verdadeiro monge Shaolin.
O estacionamento era uma cena de multidão. Na verdade eram mais ônibus de excursão do que todos que eu tinha visto em qualquer outro mosteiro na República Popular. Por dentro parecia qualquer outro mosteiro budista chinês. Várias construções do templo cercavam o pátio central. Havia a Torre do Sino e a Torre do Tambor. Tinha as salas escuras que continham diversas escrituras sagradas, as estátuas dos Budas sobre pedestais. Mas a diferença aqui era que este templo estava apinhado de gente. Havia bandos de estudantes guiados por professores com cometas e bandeiras. Havia os ocidentais em seus grupos de excursão. Havia os meninos adolescentes que pareciam ter acabado de participar da filmagem de Mosteiro Shaolin pela décima oitava vez. Caminhando de um templo para outro, eles faziam de repente uns movimentos de kung fu, um borrão de braços se cruzando, punhos cerrados e caras de mau como seus heróis dos filmes de kung fu. Fizeram-me lembrar de quando eu era um adolescente obcecado com basquete que de repente encarnava um salto de Bill Bradley de um canto e deixava impressões digitais por todo o teto da sala de estar.
O garoto francês me mostrou a casca de uma árvore no meio do pátio. Parecia que alguém tinha feito um buraco com uns dois
215
centímetros de profundidade no tronco com um instrumento rombudo. Ele me disse que ali era onde os antigos monges praticavam. Os buracos tinham sido feitos pelos dedos deles batendo repetidamente nas árvores. Ele deixou de dizer "segundo a lenda", mas para mim, nem precisava. Eu me preocupava de ele voltar para a França e querer impressionar os amigos tentando fazer a mesma coisa... e quebrar os dedos nessa empreitada.
Shi De Cheng então nos levou para um canto do pátio principal e passamos por um portão, chegando a aposentos privados onde ele nos apresentou ao seu mestre de 80 anos, Shi Su Yuan. Esse era um gesto muito importante para Shi De Cheng, ele queria demonstrar sua reverência ao mestre. O francês ficou tão emocionado com esse encontro que mal tirou os olhos do chão. Shi Su Yuan estava fraco e não muito lúcido. Mas isso não importava: eu tinha conhecido o verdadeiro mestre de kung fu dentro dos muros do Shaolin.
|
1 I £
|
|
HÉKSlk.
|
|
Dostları ilə paylaş: |