Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



Yüklə 1,47 Mb.
səhifə42/64
tarix03.01.2022
ölçüsü1,47 Mb.
#41617
1   ...   38   39   40   41   42   43   44   45   ...   64
O budismo norte-americano é a ruga mais recente no rosto eternamente sorridente

Não acredite em nada, onde quer que leia, não importa quem fale, não importa se fui eu que disse, a não ser que concorde com o seu próprio raciocínio e o seu próprio bom senso.

- O BUDA

Um dia um repórter perguntou para Mahatma Gandhi: "O que o senhor pensa da civilização ocidental"? "Penso que seria uma boa idéia", ele respondeu.

Gosto de muitas coisas e fico confuso e indeciso correndo de uma estrela cadente para outra, até cair. Esta é a noite, o que ela faz conosco. Não tinha nada para oferecer para ninguém, exceto a minha confusão.

- JACK KEROUAC, On theRoad(Péna estrada)

Aterrissei em San Francisco, onde tinha deixado meu carro em uma garagem antes de embarcar. O plano era passar uma semana na Bay Área, depois voltar de carro para a Costa Leste, parando em Boulder. No Colorado eu ia de novo à Universidade Naropa que tem a única faculdade oficial de quatro anos, cujo currículo é totalmente baseado nos princípios budistas.

Eu tinha saído dos Estados Unidos meses antes (ou foram anos?) com certa percepção (ou seria ponto de vista?) do budismo

248

norte-americano. Depois de observar, fazer cobertura jornalística e participar do fascínio norte-americano com a sabedoria do Oriente por cerca de trinta anos, a minha opinião era que a nossa interpretação e prática do budismo era uma diluição do original asiático. E afinal de contas acho que sou um purista.



Muitas vezes me pareceu que o budismo norte-americano era uma misturada: um pouco de meditação com mandala tibetana aqui, um toque de cerimônia do chá zen ali, uma pitada de consciência da respiração do budismo theravada acolá, com talvez um pouco da ritualística nativa norte-americana caseira e do misticismo cabalístico judeu salpicados por cima para completar. Além de querer que a nossa espiritualidade fosse servida no estilo de uma tábua de frios, queríamos também que fosse no nosso estilo de lanchonetes fast-food e administrada em um minuto, queríamos a iluminação instantânea, de preferência no intervalo para o cafezinho. Adejando de uma prática esotérica para outra... para ir mais fundo? Parecia um exercício intrinsecamente derrotista. E, no entanto, não é esse o modo de vida norte-americano? Somos vira-latas étnicos pastando na tábua de frios cultural.

Essa abordagem amadora do budismo foi demonstrada grafi-camente no Tao, um restaurante da moda em Manhattan que eu tinha conhecido antes de sair dos Estados Unidos. Um dos sócios, Rich Wolf, sentou comigo na sacada particular no jirau do salão do restaurante, a uma mesa longa e rústica de madeira onde Leo e Uma e outras celebridades costumavam se reunir. Ficamos olho no olho com uma estátua de quase cinco metros de altura, que ocupava os dois andares, encostada na parede oposta, cujo apelido é "Sr. Buda Cabeça de Batata". Ele inventou o conceito desse Buda para complementar a cozinha pan-asiática que misturava culinária tailandesa, japonesa e chinesa. Rich, que sabia quase nada de budismo, ficava mesmo assim hipnotizado com a imagem visual de O Iluminado, mas não sabia explicar exatamente por quê. Essa obsessão fez com que ele viajasse por toda a Ásia colecionando mil imagens do Buda pelo caminho. Não satisfeito com um estilo particularmente, ele escolheu os elementos que mais o atraíam -o cabelo trançado dos budas tailandeses, as

249
maçãs do rosto salientes dos chineses - e criou um Buda próprio. Para ele não parecia haver nada de errado. Na verdade, Rich se vangloriava de sua criatividade. Achei aquilo repugnante, desrespeitoso da individualidade de cada cultura.

Jantei uma noite lá com a minha filha Ariana e meu futuro genro Ryan e chupamos fatias finas como papel de bife Kobe -100 gramas a 42 dólares, sim senhor — que nós mesmos grelhamos em pedras quentes sobre a mesa, enquanto o sr. Cabeça de Batata de mau gosto pairava sobre nós. E muito desconcertante, quando satisfazemos prazeres degustativos, ter essa figura olhando fixo para nós, como se dissesse: "Sabe quantas vacas foram mortas para você poder se empanturrar desse jeito?"

Essa abordagem superficial e confusa do budismo, da qual há muitos outros exemplos nos Estados Unidos, fez com que eu me frustrasse na época. Mas agora eu via isso com novos olhos e era capaz de fazer uma nova avaliação. A tendência norte-americana exibia o mesmo comportamento cultural de adaptação que eu acabava de ver que o budismo tinha sofrido desde cerca de 250 a.C. quando saiu da índia. A nossa cultura poliglota estava apenas dando uma distorcida da América moderna, do mesmo modo que os tailandeses tinham acrescentado as tatuagens, os chineses idéias de Confúcio e os japoneses do xintoísmo. Por que não budismo do sr. Cabeça de Batata? Ou "enchilada nirvana"? Ou Buddhismfor Dummies {Budismo para idiotas — nome do livro de Jonathan Landlaw e Stephan Bodian)?

Não havia lugar melhor para observar essa nova espécie de budismo do que em San Francisco, onde o pai de Hoitsu Suzuki, Shunryu Suzuki, havia fundado um centro zen e, mais tarde, o primeiro mosteiro zen nos Estados Unidos, o Tassajara, na montanhosa Floresta Nacional Los Padres, perto de Carmel, Califórnia.

Historicamente San Francisco era o lugar para onde as pessoas iam para se reinventar. Tornou-se um ambiente criativo em que as culturas colidiam e se alimentavam umas das outras, um terreno perfeito para gerar o budismo, como eu havia visto em outros cantos.

250


Já tinha um precedente vantajoso durante a corrida do ouro na década de 1840, com a chegada de imigrantes chineses, que ali estabeleceram uma das maiores comunidades chinesas nos Estados Unidos. Eles abriram um templo budista em San Francisco em 1853, considerado o primeiro templo desse tipo nos Estados Unidos. Na cidade pequena e movimentada, imigrantes de todo o mundo, à procura do ouro nas colinas, deviam ter pelo menos uma introdução tangencial ao budismo por meio dos comerciantes chineses com quem faziam negócios. Ainda nesse século chegaram os japoneses também. Budistas da Terra Pura do Japão fundaram a Missão Budista da América do Norte em San Francisco por volta de 1898. Hoje chamada de Igrejas Budistas da América, continua uma organização em plena atividade. Eles também deviam ter apresentado aos nativos do lugar suas práticas.

Em meados do século XX, San Francisco sediou outra onda, dessa vez dos próprios norte-americanos. No fim da década de 1950, a geração beat estabeleceu seu quartel-general não oficial na City Lights Books de Lawrence Ferlinghetti na North Beach. Em torno daquele cenário literário gravitavam músicos de jazz progressivo, cantores do folclore americano, comediantes polêmicos. Os beatniks recebiam seu sustento espiritual do zen-budismo, e foi por isso que Shunryu Suzuki viu esse jardim perto da Golden Gate como um solo fértil no qual o budismo que estava sempre pronto para se adaptar poderia facilmente criar raízes e gerar um ramo distintamente norte-americano.

Eu tinha me mudado para San Francisco no dia 8 de dezembro de 1980. A data ficou marcada na minha cabeça porque acontece que foi a noite em que John Lennon foi assassinado. Eu mesmo estava fugindo da Costa Leste, pronto para me reinventar, no rastro do casamento que tinha deixado morrer. Quando cheguei lá, a Bay Área era mais ainda um viveiro de exploração espiritual. Havia muitos outros nomes e disfarces pelos quais era reconhecida: o movimento do potencial humano, o movimento de auto-ajuda, o movimento da Nova Era, a Era de Aquário. Os beatniks tinham se transformado em hippies, os hippies em yip-pies, e yippies viraram yuppies. A Década do Eu passou a ser a

251


Década do e Eu? A piada que corria a Bay Área era de que a metade da população fazia análise e a outra metade era de analistas. No país que havia adotado o slogan da General Electric — "Progresso é nosso produto mais importante" - como hino nacional, agora "processo" era nosso produto mais importante. Foram essa procura e essa dispersão - provocadas pela desilusão do meu país depois de sofrer com os assassinatos de dois Kennedy e um King, depois da autodestruição dos ícones do rock como Janis e Jimmy e Jim, depois da farsa do Vietnã, da vergonha de Watergate, da desgraça coletiva que foi a renúncia de Nixon — que me fizeram lembrar da Era Axial de milhares de anos atrás. Como forma de compensação, tudo isso fez com que norte-americanos conscientes procurassem conhecer as próprias almas, ou apenas as procurassem.

Eu estava nesse grupo espiritual amador, que na época já havia experimentado um pouco de hinduísmo, sufismo, budismo e linhas alternativas como Arica e EST. Alguns anos depois de chegar a San Francisco também fui buscar minhas raízes judaicas, trabalhando como contato de mídia para a Federação da Comunidade Judaica, que angaria fundos para diversas agências e instituições de bem-estar social, e que promove também a identidade judaica. Ambivalente sobre a minha própria identidade judaica, lembro-me de dizer para as pessoas que era a parte "Comunidade" do nome do grupo que me atraía mais do que a parte "Judaica". Mas como você sabe, havia uma dúvida na minha cabeça quanto ao meu interesse por fazer parte de qualquer comunidade (leia Sangha). Só que apesar da minha resistência inicial, pelo fato de sair sempre com judeus da Costa Oeste muito bem assimilados - que possuem um DNA completamente diferente dos judeus gesticulantes, que falam alto, que são intelectuais e emocionalmente intensos da Costa Leste com os quais fui criado -, acabei reforçando a minha identidade judaica. Depois de um tempo, e isso já era previsível em mim, larguei aquele trabalho e a comunidade judaica local também - mas, como costumam dizer por aí, alguns dos meus melhores amigos eram judeus.

Havia então uma simetria bem a propósito com o fato de estar agora retornando a San Francisco na véspera do Yom

252


HaShoah, o Dia da Lembrança dos Judeus, um dia destacado anualmente para lembrar o Holocausto e para avisar que isso não pode se repetir. A primeira parada na minha viagem global tinha sido para testemunhar o Holocausto no complexo Auschwitz-Birkenau na Polônia com pacifistas zen. Agora, para honrar o Yom HaShoah, observância que antes eu teria ignorado, compareci a um retiro de um dia inteiro que combinava budismo com judaísmo. Um programa da Congregação Beth Sholom, no distrito de Richmond em San Francisco (onde hoje moram muitos chineses de classe média), foi conduzido por um rabino judeu com um longo histórico de experiência em zen-budismo, e por um sacerdote zen que tinha sido abade do Centro Zen de San Francisco e que também é judeu. O rabino Alan Lew e o reverendo Norman Fischer entremearam cânticos budistas e meditação com leituras do Tora, orações judaicas e contemplação, além de respiração de ioga e exercícios de alongamento. Os participantes eram todos judeus, embora muitos parecessem versados em filosofia e prática budistas.

A coisa toda teria recendido a charlatanismo antes da minha viagem. Mas agora...! Os participantes tiraram de letra, naturalmente como pedir comida chinesa em domicílio e sopa de matzo... tudo junto. Eu, no entanto, ainda lutava para integrar esses dois sistemas de crenças em uma cabeça pequena: a religião que inventou a Teoria do Deus Único contra a religião que inventou a Teoria do Não Deus. Quando minha boca cantava a oração kaddish em hebraico para os mortos, meus ouvidos escutavam os cânticos budistas...

... Yeet'barakh, v'yeesh'tabach, v'yeetpa'ar, v'yeetrohmam, v'yeet'nasei, v'yeet'hadar, v'yeet'aleh, v'yeet'halal sh'mey d'kudshah b 'reekh hoo. (Congregação: b'reekh hoo.)


Yüklə 1,47 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   38   39   40   41   42   43   44   45   ...   64




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin