Saga William Dietrich 01 As Pirâmides de Napoleão



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Capítulo Doze
Napoleão estava de bom-humor quando pedi licença para retornar à nau capitânia, mostrando a confiança de um homem que sentia que seus esquemas para conquistar a glória oriental estavam se encaixando. Ele era apenas mais um entre vários generais que lutaram nos campos de batalha da Europa, mas aqui ele era onipotente, um novo faraó. Ele se deleitou com sua posição na guerra, confiscando o tesouro dos mamelucos para adicioná-lo a sua fortuna pessoal. Ele até experimentou as vestes portentosas de um otomano, mas apenas uma vez - seus generais riram dele.

Mesmo que a nuvem escura que cobriu Napoleão quando ele soube da trai­ção de Josefina ainda não tivesse se dissipado, ele suavizou sua dor arranjando sua própria concubina. De acordo com o costume local, o francês examinou um desfile de cortesãs egípcias oferecidas pelos governantes das cidades, mas quando os oficiais dispensaram a maioria dessas supostas beldades por causa de sobrepeso e deselegância — os europeus gostavam de suas mulheres jovens e magricelas —, Bonaparte se consolou com Zenab, a filha de Sheikh El-Bekri. O pai da moça de dezesseis anos ofereceu seus serviços em retribuição à ajuda do general numa disputa contra outro nobre, por causa de um jovem que caiu nas graças de dois xeiques. O pai ficou com o garoto e Napoleão levou Zenab.

Essa donzela, que aceitou docilmente o acordo, logo se tornou a "egípcia do general". Bonaparte estava ansioso para trair sua esposa e empatar a dispu­ta, e Zenab estava encantada porque o "Sultão Kebir" a escolheu entre tantas mulheres mais experientes. Após alguns meses, o general sentiu-se entediado com a garota e começou a se relacionar com a bela francesa Pauline Foures, chifrando o infeliz marido que foi enviado para a França com a missão de entregar despachos. Os britânicos ficaram sabendo do relacionamento por boatos em cartas interceptadas. Eles capturaram o navio do tenente e, com um senso de humor maldoso, o devolveram ao Egito com o único e simples propósito de atrapalhar a vida amorosa de Bonaparte. Assim acontecia uma guerra em que as fofocas eram armas políticas. Estávamos envolvidos num conflito no qual a paixão era política, e a mistura humana de sonhos globais e luxos triviais fascinava a todos nós. Ele era Prometeu e homem-comum, tirano e republicano, idealista e cínico.

Naquela época, Bonaparte começou a refazer o Egito. Apesar da inveja de seus generais, ficava claro para nós, cientistas, que ele era mais inteligente do que qualquer um deles. Eu mesmo não julgo a inteligência pelo que se sabe, mas pelo que se quer saber, e Napoleão queria saber sobre tudo. Ele devorava infor­mação como um glutão devora comida, e tinha interesses muito maiores do que qualquer oficial do exército, até mesmo Jomard. Ao mesmo tempo, ele conse­guia trancar sua curiosidade como se fosse um baú, para tirar depois, enquanto se concentrava com intensidade na missão militar que tinha em mãos.

Era uma combinação rara. Bonaparte sonhava em remodelar o Egito, as­sim como Alexandre tinha refeito o Império Persa, e enviou memorandos para a França solicitando de tudo, desde sementes até cirurgiões. Se os macedônios fundaram Alexandria, Napoleão estava determinado a fundar a colônia fran­cesa mais rica da História. Governantes locais se reuniam em um Conselho de Estado para ajudar com a administração e os impostos, enquanto cientistas e engenheiros eram bombardeados com questões sobre perfuração, construção de moinhos de vento, melhorias viárias, e extração de minerais. Cairo seria reformado. A ciência tomaria o lugar da superstição. A Revolução chegaria ao Oriente Médio!

Então, quando me aproximei para pedir permissão para retornar à nau capitânia, foi com ar afável que perguntou: "Este calendário antigo nos diz o que, exatamente?"

"Pode nos ajudar a encontrar o sentido do medalhão e de minha missão, fornecendo algum tipo de ano-chave ou data. De que maneira, não se sabe, mas o calendário não ajuda se estiver confinado em um navio."

"O confinamento previne que seja roubado." "Eu pretendo examiná-lo, general, não vendê-lo."

"Claro. E você não revelará segredos sem antes dividi-los comigo, o homem que o protegeu de acusações de assassinato na França. Não é, monsieur Gage?" "Estou trabalhando em conjunto com seus cientistas no momento." "Bom. Você deverá receber mais ajuda em breve." "Ajuda?"

"Você verá. Enquanto isso, espero que você não esteja pensando em aban­donar nossa expedição, tentando embarcar no navio para a América. Você compreende que se eu permitir que você volte ao L'Orient por causa dessa engenhoca, sua garota escrava e seu prisioneiro mameluco ficarão aqui no Cairo, sob minha proteção." Seu semblante estava cerrado.

"Mas é claro." Percebi que ele atribuiu tamanha importância emocional a Astiza que nem mesmo eu havia admitido. Quem disse que eu me importava se a vida dela dependia da minha conduta? Eu não pensava nela nesses termos, mas mesmo assim eu estava intrigado com ela, e admirava como Napoleão percebia meu sentimento. Nada lhe passava despercebido. "Eu retorno para eles assim que puder. Entretanto, gostaria de levar comigo meu amigo, o jor­nalista Talma."

"O escriba? Eu preciso dele aqui, para registrar minha administração."

Talma estava impaciente, pediu para ir junto, para que pudesse visitai Alexandria, e eu gostava de sua companhia. "Ele está ansioso para enviar seus relatos no navio mais rápido. Ele também gostaria de conhecer mais do Egito e fazer com que a França tomasse interesse pelo futuro deste país."

Napoleão considerou. "Traga-o de volta em uma semana."

"Serão dez dias, no máximo."

"Você levará despachos meus para o almirante Brueys, e monsieur Talma pode levar alguns até Alexandria. Quero suas impressões e as considerações de ambos quando regressarem."


Apesar dos receios de Talma, deixei o medalhão com Enoc. Ele encontrou falas de deuses, estrelas e uma porta secreta em seus velhos livros, e eu espe­rava que ele, em breve, encontrasse alguma informação sobre o medalhão. Enquanto isso, eu examinaria o antigo calendário que estava no L'Orient espe­rando que ele pudesse dar uma pista sobre o propósito do pingente. Além dc mais, era um alívio não tê-lo pendurado em meu pescoço e num lugar seguro. Avisei Astiza que deveria ficar lá dentro, em segurança, e pedi a Ashraf que mantivesse ambos sob proteção. "Eu não o guiarei até a costa?"

"Bonaparte diz que a sua presença aqui garante meu retorno. E eu volta­rei." Dei palmadas em suas costas. "Somos parceiros, todos nós nesta casa, Cidadão Ash. Você não me trairá, certo?"

Ele se endireitou. "Ashraf guardará esta casa com sua vida."

Eu não queria carregar meu rifle pesado a uma breve viagem por um país conquistado, mas também não queria que brincassem com ele. Depois de refletif, me lembrei do comentário de Ash sobre sua superstição e medo de maldições e o guardei junto com meu machado em um dos sarcófagos vazios de Enoc. Estariam seguros lá.

Estranhamente, Talma não comentou minha decisão de confiar meu me­dalhão aos egípcios, em vez disso, perguntou a Astiza se ela tinha alguma mensagem para enviar para Alexandria. Ela disse que não.

Alugamos uma felucca para nos levar de volta ao Nilo. Essas ágeis embar­cações, subindo e descendo o largo e lento Nilo com suas velas triangulares, assim como os burros enchiam as ruas do Cairo. Foram vários minutos de can­sativas barganhas, mas logo estávamos a bordo e nos dirigíamos para Abukir, guiados por um timoneiro que não falava nem francês nem inglês. A língua de sinais era suficiente e nós apreciamos a viagem. Quando, mais uma vez, entra­mos no delta fértil de rios do Cairo, mais uma vez me impressionou a sereni­dade infinita das cidadelas ao longo das margens do rio, como se os franceses nunca tivessem passado por aqui. Burros carregavam montes monumentais de palha. Meninos pulavam e brincavam no raso, indiferentes aos crocodilos que deitavam como cachorros nas laterais silenciosas dos canais. Nuvens de garças brancas levantavam vôo nas ilhas de bambu verde. Peixes prateados pulavam e mergulhavam entre talos de papiros. Amontoados de vegetação traziam lírios e flores de lótus flutuando pelo Nilo de locais longínquos da África. Meninas com vestidos alegres se sentavam nos telhados planos das casas, escolhendo tâmaras ao sol.

"Eu não imaginava que conquistar um país era tão fácil," Talma co­mentou enquanto a corrente nos carregava pelo rio. "Algumas centenas de mortos e somos mestres do lugar onde toda a civilização começou. Como Bonaparte sabia?"

"É mais fácil tomar um país do que administrado," eu disse.

"Exatamente." Sentado, se apoiou na amurada, admirando calmamente a paisagem que passava. "Aqui estamos, senhores do calor, moscas, esterco, cachorros enraivecidos e camponeses analfabetos. Soberanos da palha, areia e água verde. Eu lhe digo, é disso que são feitas as lendas."

"Que é sua especialidade, como nosso jornalista."

"Minha pena transformou Napoleão em visionário. Ele permitiu que eu viesse com você porque eu concordei em escrever sua biografia. Eu não me oponho. Ele disse que devemos ter mais medo de jornais inimigos do que de mil baionetas. Isso não é exatamente uma novidade para mim. Quanto mais heróico eu o fizer parecer, mais rápido ele satisfaz suas ambições e mais rápido poderemos todos voltar para casa."

Eu sorri pela maneira enfadonha que os franceses enxergavam o mundo após tantos anos de guerras, reis e terror. Nós, americanos, somos mais ino­centes, mais determinados, mais honestos, e ficamos desapontados com mais facilidade.

"De qualquer maneira é um país maravilhoso, não é?", perguntei. "Estou surpreso pela riqueza da vegetação. O Nilo corre liso em um jardim de luxo, e, então, a paisagem muda tão abruptamente para um deserto que se pode definir o limite entre a vida e a morte com a ponta de uma espada. Astiza me disse que os egípcios chamam a parte fértil de terra preta, por causa do solo, e o deserto de terra vermelha, por causa da areia."

"E eu chamo tudo de terra marrom, por causa do tijolo de barro, os camelos desagradáveis e os burros barulhentos. Ashraf contou a história de um egípcio que naufragou e voltou à sua vila anos após ter sido dado como morto. Ele ficou longe o mesmo tempo que Ulisses. Sua esposa fiel e suas crianças correram para recebê-lo. E quais foram suas primeiras palavras? Ah, aí está meu burro!'"

Eu sorri. "O que vai fazer durante esse tempo em Alexandria?"

"Ambos lembramos do paraíso que é. Eu quero tomar notas e fazer pergun­tas. Há livros para serem escritos aqui, mais interessantes do que uma simples hagiografía de Bonaparte."

"Você poderia perguntar sobre Achmed Bin Sadr."

"Você tem certeza que foi ele que você viu em Paris?"

"Não tenho, não. Estava escuro, mas a voz é a mesma. Meu guia tinhs um cajado esculpido em forma de cobra. Astiza me salvou de uma cobra em Alexandria. E ficou interessado demais em mim."

"Napoleão parece confiar nele."

"Mas e se esse Bin Sadr, na verdade, não trabalhar para Bonaparte, mas para o Rito Egípcio? E se ele for um operativo do conde Alessandro Silano, que quer desesperadamente o medalhão? E se ele tiver alguma coisa a ver com o assassinato da pobre Minette? Cada vez que ele olha para mim é como se ele estivesse procurando pelo medalhão. Então quem é ele, realmente?"

"Você quer que eu seja o seu detetive?"

"Uma investigação discreta. Estou cansado de surpresas."

"Eu vou aonde a verdade me leva. De cima a baixo, e da cabeça aos ..." ele olhou diretamente para minhas botas - "pés."

Sua confissão naquele instante foi óbvia. "Foi você quem roubou meus sapatos no L’Orient”!

"Eu não os roubei, Ethan, tomei emprestado para inspeção."

"Eu não pensei que você tivesse feito isso."

"Guardei um segredo de você, assim como você escondeu o medalhão de mim. Eu estava preocupado que você fosse perdêdo durante o ataque a nossa carruagem, mas estava muito constrangido para admitir. Eu botei fé em sua presença nesta expedição para Berthollet principalmente por causa da força do medalhão, mas quando nos reunimos em Toulon você se recusou a mostrado para mim. O que eu deveria pensar? Era minha responsabilidade para com os cientistas tentar entender o que você estava tramando."

"Não havia nenhuma trama. Era simplesmente porque todas as vezes que eu mostrava o medalhão ou falava sobre ele, eu entrava em apuros."

"Dos quais eu tirei você. Você podia ter confiado um pouco em mim." Ele arriscou sua própria vida para me ajudar a vir para cá, e eu não o tratei como um parceiro. Sua inveja tinha razão.

"Você podia ter deixado minhas botas em paz," eu acrescentei.

"Mantêdo escondido não o protegeu de ter uma cobra jogada em sua cama, não é? Aliás, qual é o lance com cobras? Eu detesto cobras."

"Astiza disse que existe um tipo de deus cobra," eu disse, concordando em mudar de assunto. "Seus seguidores criaram um culto moderno, eu acho, e talvez nossos inimigos sejam parte dele. Sabe, o cajado com cabeça de cobra de Bin Sadr me lembra de uma história da Bíblia. Moisés jogou seu cajado no chão diante do faraó e ele se transformou em uma serpente."

"Agora o assunto é Moisés?"

"Estou tão confuso quanto você, Antoine."

"Mais ainda, eu acho. Pelo menos Moisés tinha bom-senso para tirar seu povo deste país insano."

"É uma história estranha, não?" "O quê?"

"As dez pragas que Moisés tinha que trazer. Cada vez que um dos desastres acontecia, a dúvida aumentava no coração do Faraó e ele pensava em deixar os hebreus partirem. Daí, ele mudava de idéia até que Moisés chegava com a próxima praga. Ele devia realmente precisar daqueles escravos."

"Até a última praga, quando seu filho mais velho morreu. Foi então que o Faraó deixou que eles partissem."

"E mesmo com tudo aquilo, ele mudou de idéia novamente e perseguiu Moisés com seu exército. Se ele não tivesse feito isso, ele e seus homens nunca teriam morrido quando o Mar Vermelho se fechou. Por que ele não desistiu? Por que não deixar Moisés simplesmente ir embora?"

"O Faraó era teimoso, como nosso próprio pequeno general. Talvez essa seja a lição da Bíblia, que algumas vezes você tem que deixar as coisas irem em­bora. Perguntarei onde puder sobre seu amigo reptiliano, mas estou surpreso que você não tenha pedido que eu pergunte sobre outra pessoa."

"Quem?"


"Astiza, é claro."

"Acho que ela está em segurança. Como cavalheiros, temos que respeitar a privacidade de uma mulher."

Talma bufou. "E agora ela está com o medalhão — o mesmo medalhão que eu não pude ver, e no qual o terrível Bin Sadr não conseguiu colocar as mãos!"

"Você ainda não confia nela?"

"Confiar em uma escrava, uma franco-atiradora, uma beldade, uma bruxa? Não. E eu gosto dela mesmo assim." "Ela não é uma bruxa."

"Ela é uma sacerdotisa que lança feitiços, você me disse. Que obviamente está enfeitiçando você, e que se apoderou daquilo que nos trouxe até aqui." "Ela é uma parceira. Uma aliada."

"Eu gostaria que você fosse para a cama com ela, como todo mestre tem o direito de fazer. Assim você poderia limpar sua mente e a veria do jeito que ela é."

"Se eu fizer ela dormir comigo, não conta."

Ele balançou a cabeça em sinal de pena. "Bem, eu vou perguntar sobre ela mesmo que você não queira, porque eu descobri uma coisa que você não sabe." "O quê?"

"Que quando ela morou no Cairo, ela teve algum tipo de relacionamento com um estudioso europeu que supostamente pesquisava segredos antigos." "Qual estudioso?"

"Um nobre franco-italiano chamado Alessandro Silano."
O poder dos franceses era visível na baía de Abukir. O almirante François-Paul Brueys D'Aigalliers criou uma barreira defensiva de madeira e aço. Na chegada ao Egito, ele inspecionou o desembarque de Napoleão e suas tropas como um diretor de escola dispensando uma sala de aula indisciplinada. Seus navios de batalha ainda estavam ancorados em uma longa fileira, com as portinholas abertas e quinhentos canhões apontando diretamente para o mar. Uma leve brisa vinda do nordeste empurrava as ondas contra as embarcações, balançando-as como berços majestosos.

Somente quando velejamos em direção ao lado que está a sotavento, atrás dos navios, percebi que apenas metade daqueles navios estava pronta para a guerra. Os franceses ancoraram a dois quilômetros da praia em uma baía pouco profunda, e a metade dos navios que se dirigiam à terra estavam em ma­nutenção. Os marinheiros uniformizados montavam em andaimes para pintar os cascos. Botes de desembarque eram usados como balsas para suprimentos e marujos. As roupas de uso e de cama secavam ao sol. Os canhões estavam fora das posições por causa de reparos. Tendas foram montadas nos passadiços quentes. Centenas de marinheiros estavam em terra firme cavando poços e manejando caravanas de camelos e burros que traziam provisões de Alexandria. Por um lado era uma fortaleza marítima, por outro era um mercado.

Ainda assim, o L’Orient era um dos maiores navios de guerra do mundo. Parecia um castelo e subir sua escadaria era como escalar um gigante. Eu gri­tei para anunciar minha chegada e, enquanto afelucca se afastava para levar Taima, eu já estava a bordo. Era Io de agosto de 1798, o sol estava forte, a costa reluzia como ouro, e o mar brilhava num azul vazio.

Fui conduzido à cabine principal que o almirante reivindicou de Napoleão. Brueys trajava uma camisa branca de algodão, aberta no pescoço e encarava uma mesa cheia de papelada. Mesmo com a brisa do mar, ele suava e estava surpreendentemente pálido. Fisicamente, ele era o oposto do general: quaren­ta e cinco anos, com cabelo longo e pálido, uma boca larga e generosa, olhos amistosos e estatura elevada. Se a aparência de Bonaparte era energética, a de Brueys era calma, de um homem tranqüilo consigo mesmo e com sua estação. Ele pegou os despachos do general, fez uma leve careta, e, educadamente, por causa da amizade passada entre nossos países, perguntou meu propósito.

"Os cientistas começaram investigações sobre as ruínas antigas. Eu descon­fio que o calendário ligado a Cagliostro possa ser útil para entender a mente dos egípcios. Bonaparte me deu permissão para examiná-lo." Eu lhe transmiti a ordem.

"A mente dos egípcios? Qual o uso disso?"

"As pirâmides são tão extraordinárias que não entendemos como foram construídas. Este instrumento é uma pista."

Ele parecia cético. "Uma pista se nós quiséssemos construir pirâmides."

"Minha visita à seu navio será breve, almirante. Eu tenho documentos que me permitem levar a antiguidade ao Cairo."

Ele acenou com a cabeça exaustivamente. "Perdoe-me por não ser mais cortês, monsieur Gage. Não é fácil trabalhar com Bonaparte, e eu estou com disenteria desde que chegamos a este país maldito. Minha barriga dói, meus navios precisam de suprimentos, e minha tripulação mal-educada é formada principalmente por aqueles ruins demais para fazer parte do exército."

A doença explicava sua palidez. "Então, eu não vou incomodá-lo mais. Se puder designar uma escolta até o depósito..."

"Mas é claro." Ele suspirou. "Eu o convidaria para o jantar se eu pudesse comer. E outra coisa, como você pode ser problema se tudo que fazemos é ficar aqui ancorados, esperando que Nelson nos encontre? É loucura manter a frota no Egito, mesmo assim Napoleão se agarra aos meus navios como uma criança ao seu cobertor."

"Seus navios são críticos para todos os planos do general."

"Fico lisonjeado. Bem. Deixe-me apresentá-lo ao filho do capitão, um ra­paz brilhante e promissor. Se você conseguir acompanhar o ritmo dele, é por­que está em melhor forma do que eu."

O aspirante Giocante, um menino de dez anos de idade, era o filho do capitão do navio, Luce Casabianca. Um garoto esperto, de cabelo escuro que explorou cada fenda do L'Orient. Ele me levou até o tesouro com a agilidade de um macaco. Nossa descida foi mais fácil do que da última em que eu percorri o caminho com Monge, e o sol entrava por entre as portinholas abertas. Um cheiro forte de terebintina e serragem tomava o local. Vi latas de tinta e carvalho serrado.

Quando chegamos ao tombadilho abaixo da linha de água, já não se via nada. Agora o cheiro era de água parada e o odor podre de alimentos que se tornaram rançosos devido ao clima. Estava mais fresco lá em baixo, porém mais escuro e silencioso.

Giocante virou-se e me deu uma piscada. "Você não vai encher seus bolsos com pedaços de ouro, vai?" O garoto brincou comigo ironicamente.

"Eu não me safaria com você olhando, não é?" Diminui o tom de voz até o volume de um sussurro de confidência. "A menos que façamos uma dupla, garoto, e assim ambos poderemos ir a terra firme ricos como príncipes!"

"Não preciso disso. Meu pai me disse que um dia ganharemos uma enorme recompensa inglesa."

"Ah. Então o seu futuro está garantido."

"Meu futuro é este navio. Somos maiores do que qualquer coisa que os in­gleses possam ter, e, quando chegar a hora, ensinaremos uma lição a eles." Ele deu ordens aos marinheiros que mantinham guarda no depósito e começou a destrancar o compartimento do tesouro.

"Você parece confiante como Bonaparte."

"Eu sou tão confiante como o meu pai."

"Ainda assim, é uma vida desafiadora para um garoto no mar, não é?", perguntei.

"É a melhor vida, porque temos passagem livre. Isso é tudo o que meu pai fala. As coisas são mais fáceis quando se sabe o que se deve fazer." E antes que eu pudesse responder ou mesmo pensar em sua filosofia, ele rapidamente começou a subir a escada.

Um almirante em formação, pensei.

As duas portas do compartimento foram fechadas atrás de mim e eu fiquei trancafiado do lado de dentro. Perdi algum tempo fuçando com a luz de uma lanterna entre as caixas de moedas e jóias para encontrar o engenhoca que Monge e Jomard me mostraram. Encontrei a peça num canto como um dos tesouros menos valiosos. Assim como a descrevi, ela era do tamanho de um prato de jantar, mas vazio no centro. A borda era feita de três anéis - cobertos de hieróglifos, signos do Zodíaco e desenhos abstratos - que rodavam um dentro do outro. Uma pista, talvez, mas de quê? Sentei, desfrutando a umida­de e o frescor do ambiente, e brinquei com as rodas movendo-as de um lado para outro. Cada volta alinhava símbolos diferentes.

Estudei o anel interno primeiro, que era o mais simples, com apenas qua­tro desenhos. Havia uma esfera inscrita, movendo-se sobre a linha, e no lado oposto do círculo, outra esfera abaixo da linha. A noventa graus de cada, di­vidindo o calendário em quartos, havia meias-esferas, bem como meias-luas, sendo que uma apontava para cima e a outra para abaixo. O padrão me lem­brava os quatro pontos cardeais em uma bússola ou em um relógio, mas, pelo que eu sabia, os egípcios não tinham nenhuma destas coisas. Refleti mais um pouco. O que estava no topo parecia um sol nascendo. Então, eu imaginei que o anel interno representasse a rotação de um ano. Os solstícios do verão e do inverno eram representados pelo sol acima e abaixo das linhas, ou horizonte. Os meios-sóis eram os equinócios de março e setembro, quando dia e noite são praticamente iguais. Simples assim, se eu estivesse certo.

E nada fazia sentido, ainda.

Vi que um dos anéis gira o Zodíaco. Constatei a presença dos doze signos, que não eram muito diferentes do que conhecemos hoje. Depois, um terceiro anel, o mais externo, trazia símbolos estranhos de animais, olhos, estrelas, raios de Sol, uma pirâmide e o símbolo de Horus. Em alguns lugares, linhas inscritas dividiam cada anel em seções.

Meu palpite era que esse calendário, se é que isso era um calendário, era uma maneira de alinhar a posição das constelações em relação ao nascer do Sol durante todo o ano solar. Mas que uso tinha isso para meu medalhão? O que Cagliostro viu nele, se é que realmente foi dele? Fiz movimentos para frente e para trás, tentando fazer combinações na esperança de que algo fizesse sentido. Nada aconteceu, é claro — eu sempre odiei quebra-cabeças, mesmo que eu gos­tasse de desvendar as probabilidades das cartas. Talvez o astrônomo, Nouet, pudesse decifrá-lo, se eu fosse capaz de levá-lo de volta comigo.

Finalmente, decidi chamar o topo de solstício de verão, se é que era isso, e daí colocar a estrela de cinco pontas do terceiro anel — não muito diferente daquela da bandeira norte-americana ou de um simbolismo maçônico - aci­ma dele. Como a Estrela Polar! Por que não brincar com os símbolos que eu conhecia? E o anel do Zodíaco que eu girei até Taurus, o touro, estava entre os outros dois: de acordo com Monge, era o período em que a pirâmide supos­tamente fora construída. Desde então, já haviam passado a Era de Touro, de Libra, e de Peixes, a que vivíamos agora. Em breve chegaria a Era de Aquário.

Depois examinei os demais signos. Não parecia haver qualquer padrão em particular...

A não ser que... Eu observei com atenção, enquanto meu coração batia com força. Quando acertei os anéis para que o verão, o touro e a estrela formassem uma fileira vertical — um em cima do outro —, os finais das linhas inclinadas inscritas se conectavam para fazer duas linhas maiores na diagonal. Elas faziam um ângulo para o exterior desde o círculo interno, como as pernas oblíquas do medalhão ou a inclinação da pirâmide. Era tamanha semelhança que parecia que eu estava olhando o eco da peça que deixei com Astiza e Enoc.

Mas o que isso significava? Não vi nada no começo. Caranguejos, leões e balanças de Libra formavam padrões sem sentido. Mas espere! Havia uma pirâmide no anel de fora, e ele estava agora bem abaixo do signo do equinócio de outono, diretamente adjacente à linha inclinada inscrita. E o símbolo de Aquário estava no segundo anel, e este, também, era adjacente a uma hora que, se eu estivesse lendo a engenhoca de maneira correta, ocupava a posição das quatro horas no anel, bem abaixo do três que representava o equinócio de outono, ou seja, vinte e um de setembro.

A posição de quatro horas deveria corresponder a um mês depois, ou vinte e um de outubro.

Se eu tivesse adivinhado corretamente, vinte um de outubro, Aquário e a pirâmide tinham algum tipo de relação. Aquário, Nouet disse, era um signo criado pelos egípcios para celebrar a subida do Nilo, que alcançaria o cume em algum momento em outubro.

Poderia o dia vinte e um de outubro ser sagrado? O pico da cheia do Nilo? A época de visitar a pirâmide? O medalhão tem um símbolo para água parecido com uma onda. Havia alguma conexão? Algo seria revelado nesse dia em particular?

Encostei na parede, confuso. Eu tentava me agarrar a algo... mas não havia nada, uma data absurda. Era pura suposição, mas talvez Enoc e Astiza pudessem ver sentido nisso tudo. Cansado do quebra-cabeças, percebi que estava pensando naquela estranha mulher que parecia esconder mais segredos do que eu suspeitava. Sacerdotisa? Qual era seu papel em tudo isso? Talma estaria certo em suspeitar? Ela teria mesmo conhecido Silano? Parecia impossível, mesmo assim, que as pessoas que eu estava conhecendo estivessem conectadas de uma forma tão bizarra.

Mas eu não sentia medo, eu sentia falta dela. Lembrei de um momento no quintal de Enoc, no frescor do começo da noite, com as sombras azuladas, o céu como uma cúpula, o cheiro dos temperos e da fumaça da cozinha da casa que se misturava às nuvens de poeira e de água da fonte. Ela sentou em um banco, calada, meditando, e permaneceu ao lado de um pilar. Eu simples­mente admirei seu cabelo e sua bochecha, e ela permitiu que eu a observasse. Naquele momento, não éramos mestre e serviçal, nem ocidental e egípcia, mas homem e mulher. Tocá-la faria quebrar o encanto.

Então, eu simplesmente olhei, sabendo que aquele seria um momento que eu carregaria comigo para o resto de minha vida.

Ruídos do navio me fizeram voltar do meu devaneio. Havia gritaria, pés correndo e o soar de tambores. Olhei para as vigas que estavam acima de mim. O que aconteceu agora? Algum tipo de treino da frota? Tentei me concentrar, mas a tensão lá em cima parecia só aumentar.

Então gritei para que me deixassem sair. Quando a porta abriu, me dirigi ao marinheiro. "O que está acontecendo?"

Sua própria cabeça estava inclinada para cima, tentando escutar. "Ingleses!"

"Aqui? Agora?"

Ele olhou para mim, com o rosto sombreado pelas luzes fracas da lanterna. "Nelson."



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